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A Invalidade da Garantia do Juízo para a Oposição dos Embargos à Execução Fiscal

17/04/2017 às 13:20
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Sob a luz do acesso à justiça e do enunciado vinculante 28, o presente trabalho buscou demonstrar a invalidade da prévia garantia do juízo como requisito objetivo para a oposição dos embargos à execução fiscal.

1. INTRODUÇÃO.

O presente trabalho aborda o tema da obrigatoriedade da garantia do juízo, estipulada pelo §1.º, do artigo 16 da Lei n.º 6.830/80, como condição específica para a oposição dos embargos à execução fiscal, em face do princípio da inafastabilidade da jurisdição e do enunciado vinculante 28 de súmula de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.  Para tanto, desenvolveu-se um estudo voltado à pesquisa bibliográfica e jurisprudencial.

Na segunda seção será desenvolvido a acepção jurídica de princípio, bem como a diferença entre regras e princípios, registrando-se, ainda, a análise que será feita a respeito do significado do princípio da inafastabilidade da jurisdição.

Já na terceira seção far-se-á uma análise do enunciado vinculante 28 de súmula de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, notadamente no que se refere aos principais pontos de seu processo de aprovação e sua redação final, além do entendimento prevalecente na jurisprudência, inclusive na Suprema Corte, sobre a sua aplicação ou não aos embargos à execução fiscal.

Inaugurando a quarta seção, desenvolver-se-ão o principais pontos relativos aos embargos à execução fiscal, tais como, a sua natureza jurídica, as matérias que podem ser suscitadas em seu bojo, a garantia do juízo e o prazo para a sua oposição.

Finalmente, na quinta e última seção será analisado o óbice ao acesso à justiça ocasionado pela obrigatoriedade da prévia garantia da execução fiscal para o oferecimento dos embargos à execução fiscal, bem como a possibilidade de refutar essa imposição legal a partir da aplicação do enunciado vinculante 28.

 

2. DESENVOLVIMENTO.

2.1 O SIGNIFICADO DE PRINCÍPIO NO SENTIDO JURÍDICO.

De início, cumpre esclarecer que os princípios somente passaram a integrar o sistema normativo com o advento do positivismo jurídico, sendo utilizados, a partir daquele momento, como instrumento de integração do Direito, ou seja, exerciam função meramente supletiva.

No entanto, com a chegada do pós-positivismo ao final da segunda grande guerra, os princípios ganharam força normativa, passando a desempenhar um papel vital dentro do ordenamento jurídico.

Antes de adentrarmos na análise do significado de princípio, em sua acepção jurídica, fazse  necessário uma pequena digressão acerca da distinção entre princípios e regras.

Os princípios, do mesmo modo que as regras, são espécies do gênero norma jurídica. Por influência dos filósofos do direito contemporâneo, Ronald Dworkin e Robert Alexy, é que a distinção entre princípios e regras ganhou relevância no pós-positivismo.

Ronald Dworkin apresentou a distinção entre princípios e regras no artigo chamado The Model of Rules, publicado no livro Taking Rights Seriously, cuja edição se deu no ano de 1977. Daniel Sarmento e Cláudio Pereira Souza Neto (2012, p. 380), analisando a doutrina de Dworkin, asseveram que:


“As regras, segundo ele [Dworkin], são comandos disjuntivos, aplicados de acordo com o padrão do ‘tudo ou nada’. Se os fatos que a regra prevê ocorrerem, ela deve ser aplicada, com a produção integral das consequências nela estabelecidas, ou então será considerada inválida e inaplicável ao caso. Depreende-se das lições de Dworkin que, no conflito entre regras, o intérprete deve socorrer-se de critérios formais para resolução de antinomias – cronológico, especialidade, hierárquico – e, definida a norma aplicável, resolver a questão. Já os princípios, para Dworkin, seguem uma lógica inteiramente distinta, por possuírem o que ele denominou de “dimensão de peso”. Esta dimensão de peso faz com que, em hipótese de colisão de princípios apontando soluções divergentes, seja necessário analisar qual a importância assumida por cada um no caso em questão, para definir aquele que deverá prevalecer. Tal análise não é formal, como aquela usada no conflito entre regras, mas substantiva, deixando-se impregnar pela argumentação moral.”

 

Por sua vez, Robert Alexy (2011, p. 90-91) diferencia as regras dos princípios da seguinte maneira, in verbis:


“O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinada pelos princípios e regras colidentes. Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau. Toda norma é ou uma regra ou um princípio.”

 

Como se observa, as regras seguem o sistema do tudo ou nada, ou seja, caso a ocorrência de um fato no mundo fenomênico se subsuma ao comando normativo previsto abstratamente na regra, ela deverá ser aplicada. Ao revés, ela será considerada inválida e sua incidência será repelida.

Já os princípios, por serem normas jurídicas dotadas de um maior grau de abstração, de uma maior flexibilidade, podem servir de solução para um número maior de situações concretas.

Ressalte-se, ademais, que na hipótese de conflitos entre regras, Dworkin propõe a utilização de critérios formais para a solução da questão, quais sejam, a cronologia, a especialidade e a hierarquia.

No caso de colisão entre princípios, o critério a ser utilizado pelo intérprete é o material, visto que há que se ponderar qual o princípio mais importante a ser aplicado para a solução do conflito, isto é, prevalecerá o princípio que trouxer a solução mais justa ao caso concreto.

Feita esta apertada distinção entre regras e princípios, voltemos à análise do significado de princípio no sentido jurídico da palavra.

A idéia de princípio origina-se da linguagem da geometria, onde designa as verdades primeiras. Por isso, são os princípios, exatamente porque estão ao começo, a base de um todo que em torno deles se desenvolve.

Ingressando no arcabouço jurídico, destacamos a definição dada por Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 747-748):

 

“Princípio [...] é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.

 

Conceito bem interessante dado a princípio jurídico foi delineado pela Corte Constitucional Italiana no ano de 1956 (BOBBIO, 1959 apud BONAVIDES, 2010, p. 256):

 

Faz-se mister assinalar que se devem considerar como princípios do ordenamento jurídico aquelas orientações e aquelas diretivas de caráter geral e fundamental que se possam deduzir da conexão sistemática, da coordenação e da íntima racionalidade das normas, que concorrerem para formar assim, num dado momento histórico, o tecido do ordenamento jurídico.”

 

De uma maneira geral, os princípios jurídicos traduzem a idéia de disposições fundamentais, as quais, a partir de certa realidade, são formadas no subjetivo das pessoas e dos grupos sociais, sendo que, depois de formadas, orientam à compreensão, à reprodução ou à recriação dessa mesma realidade.

Note-se que, por essas razões, os princípios, notadamente os constitucionais, podem ser considerados normas jurídicas condutoras de valores que se aproximam do ideal de justiça, de tal forma que as regras devem ser interpretadas sob o enfoque desses princípios.

Registre-se que os princípios tomam para si o papel de orientar, inspirar e delimitar a atuação do Poder Legiferante no curso do processo de elaboração das normas, de modo que deles não podem os representantes do povo e dos Estados se afastar, sob o risco de ofenderem e criarem instabilidade no ordenamento jurídico.

Ademais, para os operadores do Direito, os princípios, além de exercerem função de harmonizar (integrar) o sistema, auxiliam a assimilação do ordenamento jurídico para o correto entendimento e alcance das demais normas que o integram.

O mestre Paulo Bonavides (2010, p. 294) ensina que “Fazem eles [princípios] a congruência, o equilíbrio e a essencialidade de um sistema jurídico legítimo.”

E prossegue: “Postos no ápice da pirâmide normativa, elevam-se, portanto, ao grau de norma das normas, de fonte das fontes. São qualitativamente a viga-mestra do sistema, o esteio da legitimidade constitucional, o penhor da constitucionalidade das regras de uma Constituição.”

Na escala, pois, do edifício jurídico, os princípios estarão sempre no degrau mais alto, passo ao qual devem seguir abaixo as outras normas jurídicas. Os princípios jurídicos são muito mais que uma simples regra jurídica, visto que, além de estabelecerem limitações, atuam no fornecimento de diretrizes que embasam toda a ciência jurídica e visam a sua correta compreensão e aplicação.

Para nós, portanto, princípio, na acepção jurídica da palavra, pode ser entendido como uma norma jurídica que cumpre o papel de alicerçar a formação das disposições singulares de Direito, de um Código inteiro ou de todo um Direito Positivo, sendo as premissas básicas de certa ordem jurídica que apontam os valores fundamentais, o ponto de partida e a vereda a serem seguidas, servindo, ademais, como liame interpretativo para o correto entendimento do sistema jurídico que ao redor dele gravita.

 

2. PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO.

O direito de acesso à justiça é reconhecido como um direito humano e princípio jurídico de ordem constitucional nos ordenamentos jurídicos de Estados Democráticos, tanto que a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas (ONU), em 10.12.1948, tem disposição expressa reconhecendo esse direito, in verbis: Artigo VIII. Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.”(ONU, 1948)

O acesso à justiça, também denominado de princípio da inafastabilidade da jurisdição, diz respeito, essencialmente, ao direito formal do indivíduo de ajuizar ou contestar uma ação. É direito humano essencial ao completo exercício da cidadania e o que mais se aproxima da justiça social.

No ordenamento jurídico pátrio, o direito à inafastabilidade da jurisdição foi estendido para compreender não apenas a “lesão”, mas também a “ameaça” de lesão a direito, segundo exegese do artigo 5.º, inciso XXXV da Constituição Federal de 1988: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

Acrescenta-se agora ameaça a direito, o que não é sem consequência, pois possibilita o ingresso em juízo para assegurar direitos simplesmente ameaçados. Isso já se admitia, nas leis processuais, em alguns casos.” (SILVA, 2011, p. 158).

Desta forma, a acessibilidade à justiça determina ao Poder Judiciário tutelar toda e qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito que for levado à sua apreciação, seja ele individual, seja ele coletivo, o que levou Pontes de Miranda a batizar o princípio em referência de “princípio de ubiquidade da Justiça.” (1957 apud MEDINA, 2004, p. 43)

Isso significa dizer que a Carta Magna de 1988 faculta ao titular de uma pretensão o direito de exercitá-la em Juízo por meio da ação adequada, buscando a tutela jurisdicional almejada.

José Antônio da Silva, citando a doutrina de Liebman (1957 apud SILVA, 1994, p. 377-378), assevera que: “O poder de agir em juízo e o de defender-se de qualquer pretensão de outrem representam a garantia fundamental da pessoa para a defesa de seus direitos e [...] como atributo imediato da personalidade e pertencem por isso à categoria dos denominados direitos cívicos.”

Assim, se por um lado o significado do citado dispositivo constitucional deve ser interpretado pelo Poder Judiciário de forma a rechaçar dispositivo de lei que de qualquer maneira dificulte o acesso dos jurisdicionados à justiça, por outro deve nortear o Poder Legiferante no processo legislativo, com vistas a impedir que sejam editadas leis restritivas do acesso à justiça. Nada, pois, poderá impossibilitar, limitar ou condicionar a atuação de um dos órgão integrantes dos poderes do Estado, qual seja, o Poder Judiciário.

Gize-se, contudo, que no significado do princípio constitucional em tela (artigo 5.º, XXXV) está implícita disposição bem mais ampla, já que dele se denota que o Judiciário conserva em seu poder o monopólio da jurisdição, isto é, a função de aplicar a lei ao caso concreto, com a finalidade de restabelecer a paz social, está centralizada nas mãos dos órgãos do Poder Judiciário.

Consoante os ensinamentos de Paulo Roberto de Gouvêa Medina (2004, p. 44-45):

A forma como a Constituição consagra o princípio em análise faz do dispositivo pertinente o fulcro da concepção entre nós adotada para a jurisdição e o núcleo de onde deriva o direito de ação.” “[...] é no referido preceito que se plasma o direito de ação como um direito de ordem constitucional, cujo exercício será apenas disciplinado pelas leis processuais, mas jamais afastado ou obstado a qualquer pretexto.”

O direito de ação é o direito fundamental que o jurisdicionado tem de buscar a prestação jurisdicional no Órgão Judicial competente para a proteção de seu direito, independentemente do reconhecimento ou não desse direito. É o direito, ao menos, de ter sua pretensão de resguardar ou obter o direito material desejado analisado pelo Estado-Juiz. 

Com efeito, a existência de plausibilidade da ameaça ao direito obriga o Poder Judiciário a efetivar o pedido de prestação jurisdicional perquirido pela parte de forma regular, “[..] porque a indeclinabilidade da prestação jurisdicional é princípio básico que rege a jurisdição, considerando que a toda violação de um direito corresponde uma ação.” (MORAES, 2010, p. 84-85)

Então, pode-se afirmar que o amplo e irrestrito acesso à justiça configura uma limitação ao poder do Estado, constituindo a principal garantia dos direitos subjetivos.

Tanto isso é verdade que o exercício do princípio da inafastabilidade da jurisdição habilita o exercício de demais garantias fundamentais, pois é partir do acesso à justiça que tem início o devido processo legal, possibilitando a ampla defesa, o contraditório, o duplo grau de jurisdição, a razoável duração do processo, o direito à prestação jurisdicional entre outros.

“O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.” (CAPELLETTI, 2002, p. 12)

 

3. ENUNCIADO VINCULANTE 28.

 A aprovação do enunciado vinculante 28, em 03 de Fevereiro de 2010, esteou-se na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.074-3, julgada procedente pelo egrégio Supremo Tribunal Federal, que declarou ser inconstitucional, por unanimidade de votos, o artigo 19 da Lei n.º 8.870/94, como se depreende da ementa a seguir:

 

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 19, CAPUT, DA LEI FEDERAL N. 8.870/94. DISCUSSÃO JUDICIAL DE DÉBITO PARA COM O INSS. DEPÓSITO PRÉVIO DO VALOR MONETARIAMENTE CORRIGIDO E ACRESCIDO DE MULTA E JUROS. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 5º, INCISOS XXXV E LV, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O artigo 19 da Lei n. 8.870/94 impõe condição à propositura das ações cujo objeto seja a discussão de créditos tributários. Consubstancia barreira ao acesso ao Poder Judiciário. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente.” (BRASIL. STF, Tribunal Pleno, ADI n.º 1.074-3)

 

Registre-se que a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.074-3 foi ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) que fundamentou sua pretensão no sentido de que a exigência de depósito prévio para a discussão judicial dos débitos para com o INSS, referentes à contribuições sociais (espécie tributária), como determinado pelo malfadado artigo 19 da Lei n.º 8.870/94, ofendia o inciso XXXV, do artigo 5.º da Carta Magna de 1988.

Assim, prima facie, a decisão proferida nos autos daquele processo produziria efeitos, tão somente, na exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade das ações judiciais que visassem discutir débitos tributários com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Sucede, porém, que os ministros do Supremo Tribunal Federal, no debate de aprovação do enunciado vinculante 28, sublinhe-se, oriundo de proposta do enunciado vinculante 37 feita pelo douto ex-ministro Joaquim Barbosa, concluíram que a exigência de garantia da execução não deveria restringir-se ao preceito do artigo 19 da Lei nº 8.870/94.

O fundamento para alargar o campo de incidência do enunciado vinculante 28 teve por base o entendimento de que a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade para ação judicial, cujo objetivo é discutir a exigência de crédito tributário, constitui óbice ao acesso à justiça, o que caracteriza clara violação ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, direito fundamental dos jurisdicionados assegurado pelo artigo 5.º, XXXV da CRFB/88.

Pautado nesse pensamento foram os posicionamentos dos ministros Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e da ministra Carmen Lúcia, durante o processo de aprovação do enunciado, vejamos (BRASIL. STF, Tribunal Pleno, Enunciado Vinculante 28):

“[...] o espírito da nossa decisão [ADI n.º 1.074-3] foi exatamente esse, evitar que se coloque obstáculos ao acesso à justiça [ministro Ricardo Lewandowski].”

“Agora, o entendimento que prevaleceu quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade [ADI n.º 1.074-3] foi este: o acesso ao Judiciário para questionar exigibilidade de tributo não pode ficar sujeito a depósito [ministro Marco Aurélio].”

“Porque, na verdade, a legislação tinha criado uma condição para ter acesso ao judiciário, que é vedado constitucionalmente. É isso que nós estamos querendo dizer. Repetir a Constituição: pode entrar em juízo e para tanto não se pode exigir depósito prévio [ministra Carmen Lúcia].”

Saliente-se que também foi firmado o entendimento de que seria desnecessário exigir o depósito prévio de qualquer quantia como condição para o ajuizamento de ação que tenha por escopo discutir a exigência de crédito tributário.

Nessa senda pontuou o ex-ministro Joaquim Barbosa (BRASIL. STF, Tribunal Pleno, Enunciado Vinculante 28): “[...] Nas leis examinada, aqui, e que declaramos inconstitucional [artigo 19 da Lei nº 8.870/94], a exigência era de 30%, não era a totalidade. Acho que eliminar a menção ao valor ficaria melhor. Ficaria algo mais amplo, genérico.”

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Outras não foram as palavras da ministra Ellen Gracie e do ministro Marco Aurélio, in verbis (BRASIL. STF, Tribunal Pleno, Enunciado Vinculante 28):

“[...] estamos impedindo, por essa redação agora emendada pelo Ministro Ricardo Lewandowski, a exigência de qualquer centavo de depósito.” [ministra Ellen Gracie]

“[...] estamos todos de acordo, portanto, não cabe exigir qualquer depósito, mesmo porque o preceito fulminado na Ação Direta de Inconstitucionalidade versava a exigência de 30% do valor questionado.” [ministro Marco Aurélio]

Cumpre destacar a pertinente observação feita pelo ex-ministro Joaquim Barbosa (BRASIL. STF, Tribunal Pleno, Enunciado Vinculante 28) no que toca à repercussão que a aprovação do enunciado vinculante 28 traria para a Lei n.º 6.830/80: “[...] É bom termos presente que isso terá incidência sobre a Lei de Execução Fiscal. Ela tem um dispositivo que estabelece a exigência de depósito, o valor do débito.”

Ao que tudo indica, o ex-ministro referiu-se ao artigo 38, caput da LEF, o qual, também, condiciona a propositura da ação anulatória do crédito fiscal ao depósito prévio do valor discutido. Faz-se tal afirmação, haja vista que o dispositivo declarado inconstitucional guarda similitude com o disposto no artigo 38, caput da LEF, o qual já ensejara esforços interpretativos por parte da jurisprudência pátria que redundou na edição do enunciado 247 de súmula de jurisprudência do extinto Tribunal Superior de Recursos: “Não constitui pressuposto da ação anulatória do débito fiscal o depósito de que cuida o art. 38 da Lei 6.830/80.” (BRASIL. TSR, Súmula n.º 247).

Registre-se que, após amplo debate, a redação final do enunciado vinculante 28 aprovada pela Suprema Corte foi a seguinte: “É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário.” (BRASIL. STF, Tribunal Pleno, Enunciado Vinculante 28)

Como se vê, não foi feita menção na redação do enunciado vinculante 28 ao artigo 19 da Lei n.º 8.870/94 declarado inconstitucional pela Suprema Corte nos autos da ADI n.º 1.074-3, o que reafirma a intenção dos ministros de ampliar os efeitos daquela decisão a outras ações que requeiram depósito prévio para a propositura de ação que impugne a exigência de tributo.

Como bem pontuaram os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, seria melhor que a referência ao dispositivo de lei declarado inconstitucional [artigo 19 da Lei n.º 8.870/94] servisse, somente, de precedente para a aprovação da súmula vinculante 28. Isso porque, “[...] depois, eles [Poder Legislativo] poderiam fazer outras leis”, tal como observado pela eminente ministra Carmen Lúcia. (BRASIL. STF, Tribunal Pleno, Enunciado Vinculante 28)

No entanto, digna de destaque é a decisão proferida pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Agravo Regimental nos autos da Reclamação Constitucional n.º 20.617. Mencionado recurso foi interposto em virtude de decisão monocrática do relator da matéria, ministro Luís Roberto Barroso, que negou seguimento à Reclamação apresentada por James Douglas Tompkins contra despacho exarado pelo ilustre Juízo da 07ª Vara Federal da Subseção Judiciária do Rio de Janeiro-RJ, o qual condicionou o recebimento dos embargos à execução fiscal apresentado nos autos da execução fiscal n.º 0018929-24.2014.4.02.5101 à prévia garantia do juízo.

Ao decidir a matéria, a Primeira Turma da Suprema Corte, a partir de uma interpretação restritiva, negou, por unanimidade, provimento ao recurso, sob o fundamento de que o enunciado vinculante 28 não tem aplicabilidade à necessidade de assegurar previamente a satisfação da execução fiscal como condição específica para a oposição dos embargos à execução fiscal.

Dada a relevância da decisão, transcrevem-se trechos do acordão, in verbis:

 

“[...] Assim, ao contrário do que sustenta a inicial, a decisão reclamada não está propriamente a exigir depósito, e sim garantia da execução, gênero do qual o depósito é apenas uma espécie, como se vê do art. 9º da Lei nº 6.830/1980 e do art. 655 do CPC [revogado pela Lei n.º 13.105/15]. Eventual rejeição de bens ofertados, por iliquidez, não pode ser equiparada à exigência de depósito prévio, e pode ser objeto de questionamento na sede própria, valendo observar que reclamação não é sucedâneo recursal.”

“[...] Nessas circunstâncias, mostra-se inviável a invocação da Súmula Vinculante 28 para afastar a exigência de garantia do juízo nos embargos à execução fiscal. Observe-se que adotar interpretação em sentido diverso implicaria o reconhecimento, em sede de reclamação constitucional, da não recepção do art. 16, § 1º, da Lei nº 6.830/1980, entendimento nunca afirmado pelo Plenário desta Corte.” (BRASIL. STF, Primeira Turma, AgRg na Reclamação Constitucional n.º 20.617)

 

Por fim, é importante destacar que, na mesma linha interpretativa da decisão acima mencionada, os Tribunais, também, veem afastando da incidência do enunciado vinculante 28 a necessidade de garantir previamente a execução fiscal com o fito de embargá-la, in verbis:

 

[...] “1.Consolidada a jurisprudência no sentido de que é requisito de admissibilidade especial dos embargos do devedor a prévia garantia do Juízo, conforme legislação especial, que trata da execução fiscal e respectivos embargos (artigo16, §1.º, LEF), que prevalece sobre a legislação geral, especialmente diante de norma reguladora específica, não padecendo de qualquer vício ou eiva de inconstitucionalidade.” [...] “3. Nem se alegue que tal exigência é inconstitucional, nos termos da súmula vinculante 28/STF, pois diferentemente das ações de mera impugnação da exigibilidade fiscal, os embargos do devedor dirigem-se contra a validade de título executivo, em execução fiscal aparelhada, demonstrando que, em tal ação incidental, não se aplica a restrição sumulada. 4. Apelação improvida.” (BRASIL. TRF3, Terceira Turma, AC 00030514820154036119)

[...] “Sumula Vinculante nº 28 do E. Supremo Tribunal Federal que teve origem na Declaração de Inconstitucionalidade do art. 19 da Lei nº 8.870/94, que exigia o deposito prévio para o ajuizamento de ações que visavam discutir o débito junto ao INSS (ADI nº 1.074/DF), entendendo a Suprema Corte que sua aplicação não se estende à exigência de garantia prévia na Execução Fiscal para oposição dos Embargos. - Aplicação do disposto no §1º do art. 16 da Lei nº 6.830/80. - Entendimento também consagrado pelo C. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Representativo de Controvérsia no Resp nº 1.272.827/PE. - Manutenção da decisão agravada. - Extinção dos Embargos sem resolução do mérito, na forma do inciso IV do art. 267, do Código de Processo Civil de 1973. - Recurso a que se dá provimento.”1(BRASIL. TJ/RJ, Sétima Câmara Cível, AI 00607391220158190000)

 

4. OS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL.

4.1 NATUREZA JURÍDICA.

 O significado da palavra embargar é o de impedir ou colocar empecilho à algo. Então, o termo embargar a execução fiscal nada mais é do que pretender obstar a continuidade da ação de execução.

Os embargos à execução fiscal estão previstos no caput do artigo 16 da Lei n.º 6.830/80 e cuidam-se de um instrumento processual que tem o executado para exercer seu direito de acesso à justiça (exteriorização do princípio da inafastabilidade da jurisdição), a fim de opor-se à execução fiscal promovida, quer impedindo seu andamento, quer desconstituindo o título extrajudicial exequendo (CDA) que a embasa.

Malgrado constituir um meio de defesa do devedor, já não mais se pode atribuir aos embargos à execução fiscal a natureza jurídica de contestação.

Para o insigne mestre Luiz Fux (2001, p. 1.249), os embargos à execução possuem natureza cognitiva:

 

"[...] Expressivo é o elemento cognitivo introduzido na execução quando o devedor opõe-se à mesma através de embargos, fazendo exsurgir um contraditório eventual, o que o distingue do processo de conhecimento genuíno. Neste, o contraditório é inaugurado a pedido do próprio autor ao requerer a citação do réu para responder. A razão esta em que a execução não se instaura para obtenção de pronunciamento judicial senão para realização do direito do devedor que se opõe à suposta legitimidade daquele processo autoritário-judicial. Os embargos do executado representam, assim, um verdadeiro processo de cognição introduzido no organismo do processo de execução."

 

Logo, os embargos aqui tratados, embora incidentes num processo de execução e apesar de ter o escopo de veicular a defesa do executado, ostentam a natureza jurídica de verdadeira ação autônoma de impugnação em relação ao processo de execução fiscal.

Com efeito, os embargos não representam resposta à execução fiscal, mas, sim, possuem natureza jurídica de ação autônoma, incidente ao executivo fiscal, constituindo um verdadeiro contra-ataque do executado, dando azo à instauração de um processo de conhecimento autônomo, tanto que autuado em apartado, na qual o devedor (executado/embargante) buscará obstaculizar que o credor (exequente/embargado) satisfaça seu direito constante no crédito fiscal exigido.

Corroborando o acima exposto, a partir da interpretação em conjunto do §2.º, do artigo 16 c.c. artigo 17, caput, ambos da LEF, é possível extrair a possibilidade de ampla dilação probatória, com a realização, inclusive, de audiência de instrução no curso da ação de embargos à execução fiscal, características estas inerentes, apenas, ao processo de conhecimento.

Não se pode olvidar que, considerando a natureza jurídica de ação autônoma, necessário que a petição inicial dos embargos à execução fiscal revista-se dos requisitos exigidos para todas as petições inciais, previstos no artigo 319, incisos I ao VII do CPC, além daqueles estipulados na Lei de Execução Fiscal.

Nessa linha, Vittorio Cassone (2006 apud BRASIL. STJ, Emb. Div no REsp n.º 20.641-SP, Primeira Seção, 22.10.97, RSTJ 112/18, dez./98) transcreve trecho do pedagógico voto do ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça Milton Luiz a respeito da natureza jurídica dos embargos à execução:

 

Os Embargos – que consubstanciam 'ação incidente do executado', em que se procura desconstituir o título executivo – não se confundem com Ação de execução (Liebman). Nesta, há exeqüente, e naqueles, embargante (executado) e embargado (exeqüente). São, portanto, ações distintas, tanto que a petição inicial dos Embargos deve preencher os requisitos do art. 282, do CPC [atual artigo 319 da Lei n.º 13.105/15]. Articulados os Embargos, embora distintos processualmente, lato sensu, há conexão instrumental entre a execução e os Embargos, tendentes estes a desconstituir o processo daquela ou conter-lhe os excessos."

 

Desta forma, delineada a natureza jurídica dos embargos à execução fiscal, passa-se à análise da matéria de defesa.

 

4.2 MATÉRIA DE DEFESA.

A análise da matéria de defesa que pode ser suscitada nos embargos à execução fiscal não requer muito esforço interpretativo. Segundo o já citado §2.º, do artigo 16 da Lei n.º 6.830/80 “[...] o executado deverá alegar toda matéria útil à defesa, requerer provas e juntar aos autos os documentos e rol de testemunhas, até três, ou, a critério do juiz, até o dobro desse limite.”

Note-se, então, que é possível ao embargante realizar uma ampla produção de provas dentro do processo relativo aos embargos à execução fiscal. Tal possibilidade de farta dilação probatória decorre da própria natureza jurídica de ação autônoma dessa medida judicial, a qual, repise-se, quando utilizada tem o condão de instaurar um processo cognitivo autônomo.

Assim, ao apresentar os embargos à execução fiscal, poderá o embargante, para provar os fatos alegados, empregar todos os meios de provas moralmente legítimos, além dos meios legais admitidos, tais como, a produção de prova documental, testemunhal e pericial.

Esclareça-se, contudo, que o §3.º, do artigo 16 da Lei n.º 6.830/80 não permite a arguição do direito à compensação na peça de embargos, salvo se houver lei específica autorizativa (BRASIL, Lei n.º 5.172, 1966, artigo 170, caput), esclarecendo que as defesas processuais deverão ser suscitadas na própria petição dos embargos à execução fiscal, salvo se se tratar de defesa preliminar concernente à suspeição, ao impedimento ou à incompetência do Juízo, as quais far-se-ão em apartado, o que até certo ponto se justifica, porquanto tais medidas não se voltam contra a execução fiscal em si, mas, sim, se dirigem aos demais sujeitos imparciais do processo.

Não se desconhece que quando a matéria de defesa não demandar produção de provas e se circunscrever àquelas de ordem pública, conhecíveis de ofício pelo juiz (artigo 337, §5.º do CPC), o embargante, por meio de simples petição nos próprios autos da execução fiscal, poderá se valer da via estreita da exceção de pré-executividade - construção doutrinária – como meio de defesa à execução promovida, que é admitida sem a necessidade de garantia do juízo.

O manejo dessa peça processual, conquanto inexista previsão legal expressa no ordenamento jurídico pátrio, advém do direito fundamental de petição aos poderes públicos, insculpido no inciso XXXIV, do artigo 5.º da CRFB/88.

Acerca da desnecessidade de garantir o juízo para a apresentação da exceção de pré-executividade, discorre James Martins (2010, p. 714): “Tal entendimento confunde realidades diversas, pois toma a consequência de uma execução válida – garantia do juízo – como óbice à defesa em uma execução juridicamente inexistente, por ausentes seus requisitos.”

Não seria razoável impor-se ao devedor o ônus demasiado de ver seus bens submetidos à constrição judicial, como forma de ver apreciada sua alegação de nulidade, sendo esta de molde a inviabilizar o processo executivo.” (LOPES, 2007, p. 108)

Por meio do enunciado 393 de súmula de jurisprudência, o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou sobre a admissibilidade e os requisitos necessários para utilização da exceção de pré-executividade, in verbis: “A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória.” (BRASIL. STJ, Súmula n.º 393).

Além das matérias de ordem pública e de vícios formais na certidão de dívida ativa, Mauro Luís Rocha Lopes (2007, p. 109) entende ser possível alegar na exceção de pré-executividade “[...] a prescrição, decadência, imunidade, isenção, não-incidência, anistia, remissão, pagamento ou qualquer outra matéria que infirme a relação jurídica que enseja a cobrança.

 

4.3 A GARANTIA DA EXECUÇÃO E O PRAZO PARA A OPOSIÇÃO DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL.

Para que o executado possa resistir à execução fiscal, por meio da ação incidental de embargos, é requisito inarredável que haja a prévia garantia do juízo, condição sem a qual não ocorrerá a admissão da peça de embargos à execução fiscal (BRASIL. Lei n.º 6.830, 1980, artigo 16, §1.º). Não ocorrendo a garantia do juízo, os embargos serão extintos por uma sentença terminativa, sem que ocorra a análise do mérito, o que nos leva a concluir tratar-se de um pressuposto processual para a regular validade do processo.

Frise-se que a garantia do juízo ou da execução consiste no oferecimento de bens ou direitos até o montante do valor executado, com a finalidade precípua de satisfazer o crédito indicado na Certidão de Dívida Ativa, uma vez procedente a ação de execução fiscal.

Desta forma, o executado somente exercerá seu direito fundamental de acesso aos órgãos do Poder Judiciário, se ele demonstrar que terá condições de adimplir a execução fiscal ao final do processo.

Garantir previamente a satisfação da execução fiscal constitui, ademais, uma prerrogativa processual outorgada ao Estado, decorrente da chamada supremacia do interesse público sobre o privado, sendo a Fazenda Pública, por essa razão, merecedora de ter garantido o pagamento do seu crédito antes mesmo que o executado possa se manifestar em juízo através dos embargos à execução fiscal.

A instituição de privilégios na execução fiscal se deu em atenção principalmente à figura do credor [Estado], que por representar o interesse público merece gozar de certas prerrogativas para satisfazer seus créditos.” (MARINS, 2010, p. 661)

As formas pelas quais pode ser garantida o cumprimento da execução fiscal constam nos incisos I ao IV, do artigo 9.º da Lei n.º 6.830/80, vejamos: “I - efetuar depósito em dinheiro, à ordem do Juízo em estabelecimento oficial de crédito, que assegure atualização monetária; II - oferecer fiança bancária ou seguro garantia; (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014) III - nomear bens à penhora, observada a ordem do artigo 11; ou IV - indicar à penhora bens oferecidos por terceiros e aceitos pela Fazenda Pública.”

Ressalte-se que, não tendo o executado efetuado o pagamento do crédito exequendo, tampouco garantido o juízo no prazo de 05 (cinco) dias, após a citação, o oficial de justiça, munido de segunda via do mandado de citação, procederá de imediato à penhora de bens e a sua avaliação, a qual "[...] deve incidir sobre bens corpóreos ou incorpóreos [...] integrantes do patrimônio do devedor, ou de seu sucessor por responsabilidade" (PAULSEN, 2015, p. 694), excetuando os bens sobre os quais recaem o manto da impenhorabilidade. (BRASIL. Lei n.º 6.830, 1980, artigo 10)

Cumpre esclarecer que a penhora deve obedecer preferencialmente à ordem de bens indicada no artigo 11, incisos I ao VI da Lei n.º 6.830/80, qual seja, “I- dinheiro; II- título da dívida pública, bem como título de crédito, que tenham cotação em bolsa; III- pedras e metais preciosos; IV- imóveis; V- navios e aeronaves; VI-veículos;"

"[...] se o arresto for realizado com inobservância da referida gradação [art. 11 LEF], não afastará a possibilidade de o devedor, devidamente citado, indicar outros bens à penhora, de acordo com a ordem prevista no dispositivo em exame." (LOPES, 2007, p. 66)

Interessante, ainda, é o caso em que o bem penhorado não satisfaz integralmente o crédito exequendo. Neste caso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que "Se há penhora, viabilizam-se os embargos, decorrentes da garantia parcial efetivada com a penhora.” (BRASIL. STJ, Primeira Seção, EREsp n.º 80723)

Garantido o juízo, todavia, inicia-se o prazo de 30 (trinta) dias para que o executado embargue a execução fiscal, cujo termo a quo será: i) a data do depósito em dinheiro; ii) a data da juntada aos autos da prova da fiança bancária ou do seguro garantia e iii) a data da intimação da penhora. (BRASIL. Lei nº 6.830, 1980, artigo 16, incisos I ao III)

Gize-se que o colendo Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência no sentido de que “Feito o depósito em garantia pelo devedor, deve ser ele formalizado, reduzindo-se a termo. O prazo para oposição de embargos inicia-se, pois, a partir da intimação do depósito.”(BRASIL. STJ, Corte Especial, Emb. Div. no EREsp n.º 1062537/RJ)

Em se tratando de garantia por fiança bancária ou seguro garantia, não há maiores problemas, porque a fluência do prazo se dá a partir da data da juntada aos autos da carta de fiança ou do seguro bancário.

Quando a garantia do juízo for realizada por meio de penhora, o prazo para a apresentação dos embargos à execução fiscal iniciar-se-á a partir da intimação da penhora.

Segundo o artigo 12, caput da Lei n.º 6.830/80: “Na execução fiscal, far-se-á a intimação da penhora ao executado, mediante publicação, no órgão oficial, do ato de juntada do termo ou do auto de penhora.”

Com se verifica, para que se efetive a intimação da penhora, é necessário que o auto ou termo de penhora lavrado pelo oficial de justiça seja publicado no Diário Oficial da Justiça, o que, com a devida vênia, é passível de críticas, haja vista que o executado não lê o Diário da Justiça, que, por sua especialidade, destina-se aos advogados. Assim, seria desarrazoada a disposição em exame, por não atender ao princípio da ampla defesa.

Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça (BRASIL. STJ, Primeira Turma, AgRg no AREsp n.º 613798/SC), adotando o entendimento delineado no enunciado 190 de súmula de jurisprudência do extinto Tribunal Federal de Recursos, pacificou a tese de que a intimação da penhora feita na pessoa do executado supre a publicação do termo ou auto de penhora lavrado pelo oficial de justiça, tal como exigido pelo artigo 12, caput da Lei n.º 6.830/80.

"A duplicidade de atos, nessa hipótese, além de inútil, viria na contramão da celeridade processual pretendida pelo elaborador da lei de rito específico examinada." (LOPES, 2007, p. 83)

Sintetizando, em face da técnica legislativa adotada, o termo inicial da contagem do prazo para a oposição dos embargos à execução fiscal dependerá da espécie de garantia dada pelo executado. Se a garantia ofertada for o depósito em dinheiro ou a penhora, o prazo fluirá a partir das respectivas intimações. Ao revés, o prazo terá início a partir da juntada aos autos da carta de fiança bancária ou do seguro garantia, se esta for a forma de garantia escolhida pelo executado.

Finalmente, cumpre não perder de mira que a Lei de Execução Fiscal, de cunho eminentemente processual, traz uma lacuna quanto à forma de contagem dos prazos nela previstos, de modo que, a partir da aplicação subsidiária do artigo 224, caput do Código de Processo Civil, os prazos estipulados pela Lei n.º 6.830/80, incluindo o concernente à oposição dos embargos à execução fiscal, contam-se excluindo-se o dia do começo, incluindo-se, porém, o do vencimento.

 

5. A INVALIDADE DA PRÉVIA GARANTIA DO JUÍZO PARA O AJUIZAMENTO DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL.

 

Como vimos até aqui, o acesso dos jurisdicionados à justiça representa uma garantia fundamental das mais importantes no Estado Democrático de Direito como o nosso. A inafastabilidade da jurisdição é a garantia máxima assegurada, de maneira igualitária, pela Carta Magna de 1988, traduzindo-se no direito de ação, à ampla defesa, ao contraditório, ao duplo grau de jurisdição, de igual modo no direito que tem o cidadão de não ter realizada qualquer constrição judicial de bens, antes que se aperfeiçoe o devido processo legal.

Preceito legal, portanto, que imponha qualquer encargo sobre o contribuinte, restringindo ou dificultando o acesso ao Judiciário, com o escopo de salvaguardar um direito, certamente estará contrariando a Constituição Federal de 1988, especificamente o inciso XXXV, do artigo 5.º.

Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 959) , ao lecionar sobre a gravidade de lesar um princípio, assevera que:

 

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma, a desatenção ao principio implica ofensa não apenas a um especifico mandamento obrigatório [regra], mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do principio violado, porque representa a insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.”

 

À guisa desse ensinamento, pois, tornar árduo, por qualquer meio, o acesso dos jurisdicionados à justiça expressa uma total inversão de valores fundamentais que constituem o sistema normativo, por afastar o exercício de uma garantia constitucional, impedindo, consequentemente, a atuação típica do Poder Judiciário, que é a de apreciar toda e qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito levada à sua ciência, algo que não pode ser admitido, por acarretar verdadeira subversão do ordenamento jurídico.

Nesse contexto, o §1.º, do artigo 16 da Lei n.º 6.830/80, que determina ser necessário garantir previamente a satisfação da execução fiscal como requisito de admissibilidade para que o devedor possa opor os embargos à execução fiscal e, portanto, ter acesso à justiça, caracteriza ofensa direta à inafastabilidade da jurisdição, pois se trata de um limitador do direito de ação, configurando, ainda, um ônus pesado e desproporcional, mormente para aqueles que não dispõe de recursos financeiros.

A propósito, partindo dessa premissa, questiona-se: Como se observará o princípio da inafastabilidade da jurisdição, se o contribuinte não tiver disponibilidade financeira para garantir o valor da execução? Ficará ele impossibilitado, desta forma, de se defender de uma execução fiscal? A resposta a esses questionamentos deverá ser um sonoro não.

Nesse ponto, cabe informar que, nos casos em que o executado comprove inequivocamente a sua insuficiência patrimonial, a jurisprudência tem admitido a dispensa da garantia da execução fiscal (BRASIL. STJ, Segunda Turma, AgRg no REsp n.º 1450137/DF). Entretanto, o que se está argumentando é o direito ao amplo e irrestrito acesso à justiça, sem imposição de qualquer ônus, incluindo o de ter que produzir prova capaz de demonstrar a incapacidade financeira de garantir previamente a execução fiscal, para, só então, poder discuti-la por meio dos embargos.

É certo que o tributo e sua respectiva cobrança é ato de soberania conferido pelo povo ao Estado. Portanto, é o povo que permite ao Estado tributar-lhe e cobrar-lhe tributo dentro dos limites constitucionais e legais. “[...] “é da essência de nosso regime republicano que as pessoas só devem pagar os tributos em cuja cobrança consentirem.” (CARRAZZA, 2008, p. 245)

Entrementes, não foi atribuído ao Estado o poder de promover uma execução fiscal forçada, sem que antes fosse facultado ao cidadão o direito de discutir judicialmente a cobrança do crédito tributário exequendo. Não se pode admitir que, em razão de um interesse público consubstanciado na prematura satisfação da execução fiscal, se permita ao Estado toler o cidadão de seu direito fundamental de ação ou dificultar seu acesso ao judiciário. Não há interesse antes da Constituição, ela está acima de qualquer interesse.

Com efeito, considerando que o multicitado §1.º, do artigo 16 da Lei n.º 6.830/80 conflita materialmente com o texto constitucional e considerando, ainda, que ele é anterior à promulgação da Constituição Federal de 1988, pode-se afirmar que não ocorreu a recepção desse dispositivo legal pela Carta Magna.

Sobre o fenômeno da recepção no ordenamento jurídico, lecionam Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (MENDES; BRANCO, 2012, p. 123):

 

“[...] se entende que aquelas normas anteriores à Constituição, que são com ela compatíveis no seu conteúdo, continuam em vigor. Diz-se que, nesse caso, opera o fenômeno da recepção, que corresponde a uma revalidação das normas que não desafiam, materialmente, a nova constituição. Deve-se a Kelsen a teorização do fenômeno da recepção, pelo qual se busca conciliar a ação do poder constituinte originário com a necessidade de se obviar vácuos legislativos.”

 

A contrário sensu, portanto, deve ser negada a vigência, pela não recepção, às normas anteriores à Constituição Federal de 1988 que com ela conflitem materialmente, o que ocorre, para esclarecer, quando o texto da norma é incompatível com a nova ordem constitucional vigente.

Saliente-se que a Constituição não deve ser tratada como um mero texto político-jurídico sem força normativa. Nos dias atuais, deve-se conceder total efetividade aos direitos previstos na Constituição, porquanto ela é detentora de força normativa com capacidade de transformação social. O mandamento do artigo 5.º, inciso XXXV da Constituição Federal de 1988 tornar-se-á sem efeito, um dispositivo morto, se aceitarmos o fato de que é obrigatória a prévia garantia da execução fiscal para poder manejar os embargos à execução fiscal.

Nessa toada, se por um lado andou bem o Supremo Tribunal Federal ao estender, através do enunciado vinculante 28, os efeitos da decisão tomada na ADI n.º 1.074-3, tornando inconstitucional qualquer exigência de depósito prévio como pressuposto processual para o ajuizamento de ação para discutir a exigência de crédito tributário, por outro lado não se pode dizer o mesmo, haja vista a interpretação restritiva dada pela jurisprudência à súmula vinculante 28 que impede sua aplicação à ação de embargos de execução fiscal.

Como se viu, o depósito prévio é apenas uma das formas previstas na Lei de Execução Fiscal de se garantir previamente a satisfação da execução. Assim, tendo o Supremo Tribunal Federal declarado inconstitucional na redação do enunciado vinculante 28, somente, o depósito prévio, surge a seguinte dúvida: Apenas a exigência de depósito prévio restringe o acesso à justiça? Não cerceariam o acesso à justiça as outras formas de garantia da execução fiscal exigidas pela Lei .º 6.830/80, a exemplo da fiança bancária, do seguro garantia ou da penhora de algum bem do devedor?

Seja o depósito em dinheiro do valor executado, seja a fiança bancária ou o seguro garantia, seja a penhora de bens do executado, qualquer forma de exigência estipulada em lei para garantir antecipadamente o cumprimento da execução fiscal, com vistas à oposição dos embargos à execução fiscal, certamente estará limitando o exercício do direito de ação e, indiretamente, o pleno exercício de outros direitos e garantias constitucionais.

Conquanto o §1.º, do artigo 16 da LEF não tenha servido de plano de fundo para a aprovação do enunciado vinculante 28, não aplicar o preceito de referido enunciado aos embargos à execução fiscal para rechaçar a necessidade de prévia garantia do juízo é não apenas ignorar a própria natureza jurídica de ação dessa medida judicial destinada à impugnação do crédito fiscal executado, mas, sobretudo, apequenar a própria essência da aprovação da súmula vinculante 28, qual seja, a de impedir restrições de acesso à justiça, viabilizando, por conseguinte, a instauração do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório, do duplo grau de jurisdição, da razoável duração do processo, etc...

Consentâneo com esse entendimento é que foram iniciados debates para acertar essas distorções existentes no nosso sistema jurídico, através dos Projetos de Leis n.ºs 2.412/07; 5.080/09 e 1.575/15 que visam a alteração da disciplina da Lei n.º 6.830/80 no que concerne à exigência de garantia do juízo para a oposição dos embargos à execução fiscal.

Segundo consta no Projeto de Lei n.º 1.575/15, de autoria da Deputada Federal Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM/TO), a alteração da sistemática do artigo 16 e parágrafos da Lei n.º 6.830/80 justifica-se pelos seguintes motivos (CONGRESSO NACIONAL, Câmara dos Deputados Federais):

 

“[...]

O presente projeto tem por finalidade atualizar o rito processual das execuções fiscais, cujo regramento data dos anos 80, sendo, assim, anterior à Constituição Federal vigente. Tal atualização se dará especificamente quanto à oportunidade do executado apresentar sua defesa em juízo por meio de oposição de embargos.”

“[...]

a defesa do executado somente será possível quando e se houver a garantia do juízo, ou seja, quando houver a penhora de seus bens. Esta situação, não raras vezes, impossibilita que o executado exerça os constitucionalmente assegurados direitos ao contraditório e à ampla defesa em virtude da ausência de bens para fazer frente ao valor da execução.

Ressalte-se que a apresentação de exceção de pré- executividade, segundo a jurisprudência consolidada, não admite produção de prova, o que estreita demasiadamente o escopo da defesa inicial do executado.

Além de não se oportunizar a defesa pelo executado, a exigência do artigo 16 retro referido ocasiona a perpetuação do processo executório sem que ao menos possa o Poder Judiciário adentrar no mérito da pretensão estatal, o que fere frontalmente o princípio constitucional previsto no artigo 5º, LXXVIII, o qual estabelece que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

 

Desta maneira, com a devida vênia, aconselha-se uma evolução interpretativa por parte dos nossos Tribunais, inclusive da Suprema Corte, para passar a considerar invalida a obrigatoriedade da prévia garantia do juízo da execução fiscal, com o fim de impugná-la judicialmente por intermédio dos embargos, seja pela não aplicação do §1.º, do artigo 16 da LEF, seja pela aplicação do enunciado vinculante 28.

 

6. CONCLUSÃO.

No presente trabalho, a partir de um estudo bibliográfico e jurisprudencial, demonstrou-se que a Carta Magna de 1988 tratou o princípio da inafastabilidade da jurisdição como um direito fundamental dos jurisdicionados, configurando uma porta de entrada para o exercício de demais direitos e garantias fundamentais. Com efeito, torna-se imperioso reconhecer como inconstitucional ou não recepcionado pelo texto constitucional qualquer disposição legal que com este princípio cotejar.

Impor o ônus da prévia garantia da execução fiscal limita e, por vezes, impede que o contribuinte possa discutir em juízo a exigibilidade do crédito tributário exequendo, por meio da via legal e adequada da ação de embargos à execução fiscal, o que levou à conclusão de que a Constituição Federal de 1988 não recepcionou o malfadado §1.º, do artigo 16 da Lei n.º 6.830/80, por inadequação material ao princípio da inafastabilidade da jurisdição.

A partir da análise da natureza jurídica de ação autônoma dos embargos à execução fiscal, que tem por escopo discutir a exigibilidade do crédito (tributário) exequendo, e da constatação de que todas as formas de garantia do juízo, e não apenas o depósito prévio, consubstanciam óbice ao acesso à justiça, revelou-se ser possível a aplicação do enunciado vinculante 28 para afastar a exigência da prévia garantia da execução fiscal.

Viu-se, também, que a própria Câmara dos Deputados, alinhada ao posicionamento exposto neste trabalho, já possui 03 (três) projetos de leis no sentido de expurgar, de uma vez por todas, do ordenamento jurídico pátrio essa nefasta imposição.

Desta forma, enquanto os representantes do povo não realizam essa modificação legislativa na Lei n.º 6.830/80, tal como já fora feita no artigo 736, caput do CPC/73, pela Lei n.º 11.382/06, e mantida pelo Novo Código de Processo Civil (artigo 914, caput Lei n.º 13.105/15), impõe-se uma atuação mais incisiva do Poder Judiciário, com a mudança de seu entendimento em direção a aplicar o enunciado vinculante 28 aos embargos à execução fiscal ou, então, negar vigência ao §1.º, do artigo 16 da LEF, por não recepção pelo texto constitucional, em homenagem ao princípio da inafastabilidade da jurisdição.

 

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Sobre o autor
Henrique Castelli

Advogado militante nos ramos do Direito Tributário, Civil e Consumidor; Bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá - Campus Petrópolis-RJ; Pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes - UCAM; Membro da Comissão de Direito Tributário da 03.ª Subseção da OAB em Petrópolis-RJ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTELLI, Henrique. A Invalidade da Garantia do Juízo para a Oposição dos Embargos à Execução Fiscal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5038, 17 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56927. Acesso em: 22 dez. 2024.

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