O presente trabalho apresenta uma breve visão do direito à acessibilidade à luz da legislação e da jurisprudência. Quanto à legislação, é abordado o tratamento dado à matéria pela Constituição Federal de 1988 e pela Lei 10.098 de 19 de dezembro de 2000. A análise jurisprudencial trata de três julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acerca do tema, e, por fim, é enfatizada a responsabilidade do Poder Público e da sociedade na promoção da acessibilidade às pessoas portadoras de deficiência.
1 LEGISLAÇÃO
A tradição do direito diz que a boa análise jurídica deve levar em consideração a legislação e a jurisprudência, assim é possível visualizar a teoria e a prática. Em primeiro lugar deve-se analisar a legislação que é, via de regra, o ponto de partida para que a jurisprudência possa se desenvolver.
Convém esclarecer ainda que a legislação, em sentido lato, nos remete à Lei Maior que é a Constituição Federal de 1988 (CF/88), a qual estabelece no artigo 5º, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se a inviolabilidade do direito à igualdade. Dispõe ainda, que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante.
Apenas esse dispositivo já seria suficiente para que o Poder Público e a sociedade envidassem todos os esforços necessários para garantir que as pessoas com deficiência tivessem assegurados os seus direitos individuais, dentre eles a acessibilidade.
Mas o texto constitucional foi além, sendo expresso em estabelecer a proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência, bem assim, determinou a proteção e integração social destas pessoas.
Até mesmo a Administração Pública deverá observar o percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas com deficiência e definir os critérios de sua admissão. É vedada ainda, a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria dos portadores de deficiência.
A própria Constituição também estabelece que os débitos públicos de natureza alimentícia cujos titulares, originários ou por sucessão hereditária sejam pessoas com deficiência, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos.
No que diz respeito à Assistência Social, a Constituição garante que a pessoa com deficiência será assistida, independentemente de contribuição à Seguridade Social e terá direito à habilitação, reabilitação e promoção de sua integração à vida comunitária. Também terá direito ao benefício mensal de um salário mínimo.
A Constituição prescreve ainda que é dever do Estado garantir atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.
Outrossim, é constitucionalmente garantida a criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação.
Por fim, a Carta Magna determina que a lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.
Atente-se que a despeito das alterações recentes, a Constituição é do ano de 1988 e apenas em dezembro de 2000 a Presidência da República sancionou a Lei nº. 10.098 que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação.
A lei já nasceu com um certo atraso, mas veio a contento e de forma didática dispõe, entre outras coisas, sobre a definição do termo acessibilidade, traduzindo-o como a possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida.
A lei considera ainda, que pessoa com deficiência é aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Cumpre salientar que em que pese a Lei 10.098 seja datada do ano 2000, a mesma sofreu diversas alterações em 2015, conforme redação dada pela Lei 13.146/2015 , o que demonstra que a legislação deve ser oportunamente atualizada, a fim de que possa acompanhar as mudanças sociais, haja vista que o direito além de dinâmico é servo da sociedade e a reciproca, em primeira análise, não é verdadeira.
Apesar de sucinta, a lei 10.098/2000 é bem completa, pois trata de definições importantes; dos elementos da urbanização; do desenho e da localização do mobiliário urbano; da acessibilidade nos edifícios públicos ou de uso coletivo, bem como nos edifícios de uso privado; da acessibilidade nos veículos de transporte coletivo, nos sistemas de comunicação e sinalização e; das medidas de fomento à eliminação de barreiras.
É evidente que são diversos os instrumentos legais que de alguma forma guarnecem os direitos das pessoas com deficiência, entre eles podemos citar a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, o Código Penal, a Consolidação das Leis do Trabalho o Código Eleitoral, a Lei de Execução Penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei de Licitações, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o Estatuto dos Servidores Públicos da União, o Código de Trânsito Brasileiro, o Código Civil, o Estatuto de Defesa do Torcedor, a Lei de Organização da Assistência Social e até mesmo a consolidação dos Direitos Autorais.
Há ainda diversas outras legislações especificas como a Lei n. 7.405/85, que tona obrigatória a colocação do “símbolo internacional de acesso”; a Lei n. 7.853/89, que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social; a Lei n. 8.160/91 sobre a caracterização de símbolo que permita a identificação de pessoas portadoras de deficiência auditiva; a Lei n. 8.212/91, que trata da organização da seguridade social; a Lei n. 8.213/91 que regula os planos de benefícios da previdência social.
Temos também a Lei n. 8.686/93, que dispõe sobre o reajustamento da pensão especial aos deficientes físicos portadores da síndrome de talidomida; a Lei no 8.687/93 que retira da incidência do imposto de renda benefícios percebidos por deficientes mentais; a Lei no 8.899/94 que concede passe livre às pessoas portadoras de deficiência no sistema de transporte coletivo interestadual; a Lei no 10.436/02 que dispõe sobre a língua brasileira de sinais (libras) entre muitas outras.
Salientamos, todavia, que o corte metodológico desta pesquisa limitou-se aos direitos das pessoas com deficiência de modo geral com especial atenção à legislação acerca do direito à acessibilidade.
2 JURISPRUDÊNCIA
Pois bem, feitas estas considerações sobre a Constituição Federal e sobre a chamada “Lei de Acessibilidade”, convém acrescentar o tratamento oferecido à matéria pela jurisprudência, em especial os jugados do Superior Tribunal de Justiça (STJ), afinal de contas o STJ é responsável pala uniformização da jurisprudência federal. Isto quer dizer que os Tribunais Estaduais e Regionais Federais, além dos juízes estaduais e federais, devem observar os julgados do STJ no que diz respeito à interpretação das leis federais, como a lei 10.098/2000, por exemplo.
A primeira jurisprudência a ser comentada trata-se do Recurso Especial (REsp.) 1.607.472-PE, da relatoria do ilustre Ministro Herman Benjamin, cujo parecer foi aprovado por unanimidade no julgado realizado em 15/9/2016, vide Diário de Justiça eletrônico (DJe) de 11/10/2016.
O referido recurso dispunha sobre Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) em face de Universidade Federal com vista à realização de Obras de acessibilidade aos portadores de necessidades especiais. A Universidade Federal alegou em sua defesa a Teoria da Reserva do Possível, a qual, nada mais é do que a afirmação de que “o cidadão só poderia exigir do Estado aquilo que razoavelmente se pudesse esperar”.
Em linhas gerais a Universidade entendia que acessibilidade aos portadores de necessidades especiais, do ponto de vista da razoabilidade, não poderia ser exigido do poder público.
A decisão do STJ, por sua vez, fulminou por completo esta alegação estabelecendo que o direito dos portadores de deficiência de frequentar a universidade é essencial e, portanto, deve ser incluído no que se considera minimamente exigível do Estado. Estabeleceu ainda, que o Poder Judiciário “não se deve impressionar nem se sensibilizar com alegações de conveniência e oportunidade trazidas pelo administrador relapso”
A ementa da Decisão que deu origem ao precedente supracitado é a seguinte:
“É essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, o direito de pessoas com necessidades especiais poderem frequentar universidade pública, razão pela qual não pode a instituição alegar a incidência da cláusula da reserva do possível como justificativa para sua omissão em providenciar a conclusão de obras de adaptação em suas edificações e instalações”.
Muito se questiona na atualidade sobre a interferência do Judiciário nas ações realizadas – ou não realizadas – pelo Poder Executivo. Os gestores argumentam que a realização de determinada política pública está no campo da discricionariedade, ou seja, cabe ao Executivo decidir se deve ou não realizar aquela despesa e o Poder Judiciário não tem permissão constitucional para invadir o mérito do ato administrativo.
Quando a omissão estatal diz respeito a latentes questões de saúde, melhoria das condições de trabalho ou até mesmo direitos fundamentais dos portadores de necessidades especiais a linha de defesa caminha pelos entraves orçamentários e/ou pelas limitações trazidas peça Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
A grande verdade é que a população, assim como o Poder Judiciário já estão cansados da incompetência e insensibilidade do Poder Público em prover o mínimo necessário à subsistência dos cidadãos.
O caso sob comento relata apenas mais um ato de ineficiência e descaso travestidos com o manto da famígera crise econômica. Mais uma vez a jurisprudência do Tribunal da Cidadania mostrou que a lei deve ser cumprida, o ideário de justiça deve ser perseguido sempre e a burocracia não pode obstar a fruição dos direitos fundamentais.
Outro julgado do STJ que assegurou direitos das pessoas portadoras de deficiência foi o REsp. 1.315.822-RJ, de lavra do Ministro Marco Aurélio Bellizze, publicado no DJe 16/4/2015.
Na referida Decisão ficou consignado que “as instituições financeiras devem utilizar o sistema braille na confecção dos contratos bancários de adesão e todos os demais documentos fundamentais para a relação de consumo estabelecida com indivíduo portador de deficiência visual”.
A decisão citou ainda o art. 1º da Lei 4.169/1962 (Código de Contrações e Abreviaturas Braille), a Lei 10.048/2000, o Decreto 6.949/2009, que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência nos termos do art. 5º, §§ 1º e 3º, da CF/88 e o Código de Defesa do Consumidor, entre outros instrumentos normativo, o que demostra a unidade da legislação e da jurisprudência sobre a matéria.
O terceiro e último caso refere-se ao REsp. 1.107.981-MG, cujo acordão foi epigrafado pela douta Ministra Maria Isabel Gallotti, em 3/5/2011.
Diz respeito à sentença que obrigou determinada instituição financeira a fazer em 30 dias, as adequações necessárias à utilização dos caixas de autoatendimento pelas pessoas portadores de deficiência locomotiva, como foi o caso do autor da ação.
O STJ estabeleceu ainda a multa de R$ 500,00 por dia de atraso e o pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 5.000,00 ao autor, deixando claro que a Justiça não tolerará o descumprimento das leis que guarnecem a pessoa com deficiência.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise da teoria e da prática expõe uma dura realidade: a despeito da clareza da legislação, continua sendo necessário que o Judiciário obrigue o Poder Público e empresas privadas a promover acessibilidade para as pessoas portadoras de deficiência, quando na verdade estas ações, seja pelo princípio da solidariedade, seja pela imperatividade da lei, deveriam acontecer de forma voluntária.
Notadamente, existe um sentimento de despreocupação com o outro, sendo preciso lembrar que apesar da condição diferenciada e das necessidades especiais, é necessário agir com isonomia a fim de que estas discrepâncias sejam mitigadas ao máximo.
É também por esta razão que o direito à acessibilidade tem tudo a ver com os Direitos Humanos, pois o pano de fundo da questão é justamente a premissa de que antes de ser portador de uma necessidade especial, o indivíduo é um ser humano e este fato por si só é condição suficiente para que estejamos legitimados ao tratamento igualitário que considera as peculiaridades de cada um.
Por fim, salientamos que este singelo artigo não tem a pretensão de esgotar o assunto de nenhuma forma, apenas buscamos contribuir positivamente para o tema seja difundido e tanto o Poder Público como a sociedade em geral ofertem voluntariamente sua parcela de contribuição para que as pessoas com deficiência sejam integradas à sociedade de forma plena. Por certo, a Legislação e a jurisprudência caminham neste sentido.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.
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