RESUMO:Este trabalho tem por objetivo o estudo do Novo Código de Processo Civil, instituído pela Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, sob uma ótica doutrinária e jurídica, bem como analisar os reflexos que esse novo Código trará a esfera trabalhista uma vez que a Consolidação das Leis do Trabalho prevê que em casos de omissão o Direito Processual Comum será a fonte subsidiária do Direito Processual do Trabalho, exceto se incompatível com suas normas e princípios.
Palavras-Chave:Código de Processo Civil; Processo do Trabalho; Instrução Normativa n.º 39/2016; Normas Aplicáveis e Inaplicáveis.
1 Introdução
Desde o advento da Consolidação das Leis do Trabalho[1] (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei 5.452, de 1º de maio de 1943, que passou a viger a partir do dia 10 de novembro daquele ano, o legislador já se mostrava preocupado com a falta de disposições legais aptas a disciplinar todas e quaisquer relações individuais e coletivas de trabalho nela previstas.
Tanto é verdade que, logo em seus artigos introdutórios, consagrou-se a permissão legislativa de que o “direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste”, parágrafo único, do artigo 8º[2]. Assim, do ponto de vista de normas direcionadas ao direito processual do trabalho — afinal, o Brasil não dispõe de um efetivo código, a exemplo do que ocorre em Portugal —, a legislação consolidada se mostra ainda mais incipiente, ao fazer expressa menção ao artigo 769, voltado à fase de conhecimento, e ao artigo 889, com aplicabilidade à fase executória[3].
Assim, considerando que a própria legislação consolidada há muito já reconheceu ser imperativa a aplicação de outros institutos, especialmente no que se refere ao direito processual trabalhista, tanto que previu os citados artigos 769 e 889, e considerando o próprio ancilosamento de suas normas com o decurso do tempo, exigindo-se, hoje, do Estado-Juiz um processo materialmente célere, justo e efetivo. Nos dizeres de Kazuo Watanabe fala-se, no atual cenário, em um “Novo Processo do Trabalho”, sobretudo após o recente advento do Código de Processo Civil de 2015[4].
Sempre que há alterações no processo civil se indaga sobre os efeitos dessas mudanças no processo do trabalho. Os títulos dos textos escritos a respeito, por consequência, geralmente são impactos (ou reflexos) das alterações do Código de Processo Civil no processo do trabalho.
O Direito Processual do Trabalho se rege por princípios e regras próprios, mas desde antes da vigência do atual Código de Processo Civil já se pautava pela aplicação subsidiária do processo comum em caso de omissão, sempre que não houvesse incompatibilidade. Isso porque o artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho[5] prevê que “nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas desse Título”.
Já o artigo 15 do Código de Processo Civil[6] dispõe que “na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhe serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”. Nota-se, portanto, que esse artigo não traz qualquer menção à necessidade de compatibilidade, para a aplicação do diploma processual civil aos processos trabalhistas. Diante disso é que alguns autores começaram a interpretar a nova norma lhe conferindo caráter amplo, compreendendo que o Direito Processual Civil é naturalmente compatível com o Processo do Trabalho, merecendo aplicação em todo e qualquer caso de omissão da Consolidação das Leis do Trabalho.
Não foi, porém, a corrente que prevaleceu no Tribunal Superior do Trabalho que demonstrou sua preocupação com os profundos impactos do Código de Processo Civil no processo do trabalho, o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho aprovou, no dia 15 de março de 2016, a Instrução Normativa n.º 39/2016[7], que dispõe sobre as normas do Código de Processo Civil aplicáveis e inaplicáveis ao processo do trabalho.
No tocante à aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ao processo do trabalho, o Tribunal Superior do Trabalho fixou como premissa básica a não revogação dos artigos 769 e 889, da Consolidação das Leis do Trabalho pelo artigo 15 do Código de Processo Civil de 2015 sejam em face do que estatui o §2º, do artigo 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, seja à luz do §2º, do artigo art. 1046, do Código de Processo Civil. Essa já era, na verdade, a corrente majoritariamente defendida pela doutrina, a exemplo de Mauro Schiavi. E desde antes da edição da referida Instrução Normativa 39/2016 o Tribunal Superior do Trabalho já dava indícios de que não se afastaria de seu posicionamento atual, no sentido de aplicar o Código de Processo Civil ao processo trabalhista em caso de omissão total ou parcial da Consolidação das Leis do Trabalho, analisando a compatibilidade entre as normas processuais civis e a principiologia juslaboral de forma casuística[8].
Continua válido, portanto, o entendimento no sentido de que somente se permite a aplicação subsidiária ou supletiva do Direito Processual Civil caso haja omissão e compatibilidade com as normas e princípios do Direito Processual do Trabalho. A Instrução Normativa n.º 39/2016 deixa claro que o artigo 15 do Código de Processo Civil não pode simplesmente derrubar o requisito da compatibilidade para aplicação subsidiária do processo comum ao processo do trabalho, justamente em função do especial arcabouço principiológico e axiológico que fundamenta o Direito Processual do Trabalho[9].
Fixada essa premissa, a Instrução Normativa pontuou três categorias de normas do Código de Processo Civil, dentre aquelas que maiores dúvidas poderiam surtir no que tange à aplicação no plano trabalhista. Essas foram classificadas, com vistas à sua invocação, ou não, ao processo do trabalho em: não aplicáveis, aplicáveis e aplicáveis em termos, isto é, com adaptações.
Uma vez assentada à possibilidade de aplicação ampla ao processo do trabalho das novas normas do processo civil, desde que proporcionem o atendimento dos princípios da máxima efetividade da prestação da tutela jurisdicional e da razoável duração do processo, emprestando, em consequência, maior efetividade às decisões, faz-se necessário examinar, à luz das diversas teorias, como colmatar as lacunas encontradas pelo intérprete, dentro da chamada integração do ordenamento jurídico.
Realizadas essas considerações passaremos a abordar as normas do Código de Processo Civil inaplicáveis ao Processo do Trabalho.
2 As normas do Código de Processo Civil inaplicáveis ao Processo do Trabalho
As normas do Código de Processo Civil não aplicáveis ao Processo do Trabalho tem ensejo especialmente no que tange aos prazos, competência territorial, designação de audiências de conciliação e mediação. Assim, iniciaremos o nosso estudo com a análise dos prazos.
2.1 Os prazos
A contagem do prazo em dias úteis, prevista no artigo 219 do Código de Processo Civil[10], não foi acatada pelo Tribunal Superior do Trabalho, tendo em vista a disposição específica contida no artigo 775 da Consolidação das Leis do Trabalho[11], no sentido de que os prazos processuais trabalhistas são contínuos e irreveláveis.
Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos processuais.
Art. 775 - Os prazos estabelecidos neste Título contam-se com exclusão do dia do começo e inclusão do dia do vencimento, e são contínuos e irreleváveis, podendo, entretanto, ser prorrogados pelo tempo estritamente necessário pelo juiz ou tribunal, ou em virtude de força maior, devidamente comprovada.
Parágrafo único - Os prazos que se vencerem em sábado, domingo ou dia feriado, terminarão no primeiro dia útil seguinte.
Note-se o parágrafo único do dispositivo celetista, que prevê que “os prazos que se vencerem em sábado, domingo ou dia feriado, terminarão no primeiro dia útil seguinte”, o que corrobora o entendimento no sentido de que o regramento específico não se compatibiliza com a contagem em dias úteis prevista no Código de Processo Civil.
É necessário levar em consideração que, via de regra, os créditos trabalhistas são de natureza alimentar e também em razão do princípio da celeridade o Tribunal Superior do Trabalho entende que os prazos não devem ser em dias úteis e sim corridos, ou seja, contínuos, de acordo com o artigo 775 da Consolidação das Leis do Trabalho[12].
Outra repercussão é o prazo para contestação, que será enfrentando adiante.
2.1.1 Os prazos para contestação
O artigo 335 do Código de Processo Civil[13] prevê:
Art. 335. O réu poderá oferecer contestação, por petição, no prazo de 15 (quinze) dias, cujo termo inicial será a data:
I - da audiência de conciliação ou de mediação, ou da última sessão de conciliação, quando qualquer parte não comparecer ou, comparecendo, não houver autocomposição;
II - do protocolo do pedido de cancelamento da audiência de conciliação ou de mediação apresentado pelo réu, quando ocorrer à hipótese do art. 334, § 4o, inciso I;
III - prevista no art. 231, de acordo com o modo como foi feita a citação, nos demais casos.
Consoante inaplicabilidade das regras sobre a audiência de conciliação e mediação do Código de Processo Civil (que será analisada oportunamente), consequentemente, não será aplicável o prazo de contestação do referido Códex o qual só passa a contar a partir da audiência, salvo recusa das partes em sua realização.
Quanto ao prazo de 15 (quinze) dias evidentemente que não há compatibilidade, até porque a Consolidação das Leis do Trabalho já regula os prazos processuais, que, aliás, são de 08 dias, na maioria[14].
Ademais, a Consolidação das Leis do Trabalho possui regramento próprio para apresentação da contestação, a qual deve ser apresentada oralmente na audiência inaugural.
Após trataremos a respeito da competência territorial.
2.2Da competência territorial e eleição de foro
Quanto a competência territorial trazemos o artigo 63 do Código de Processo Civil[15]:
Art. 63. As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações.
(...)
§ 4o - Citado, incumbe ao réu alegar a abusividade da cláusula de eleição de foro na contestação, sob pena de preclusão.
Sabe-se que no processo do trabalho o valor da causa é utilizado para identificar o procedimento (sumário, sumaríssimo ou ordinário) e não delimitar de competência. Então, em nada se modifica no Processo do Trabalho com o Novo Código de Processo Civil[16].
Quanto à competência territorial, ressalvada as exceções previstas pela Consolidação das Leis do Trabalho, será fixada pelo local da prestação de serviços. Isso se justifica porque em âmbito trabalhista a prova testemunhal é fundamental e a instrução probatória será mais bem efetivada se produzida no local da prestação de serviços. Portanto, trata-se de norma de ordem pública e, por isso, não poderá ser cláusula de acordo entre as partes, daí não se admitir a eleição de foro, isso já não era aceita no Código de Processo Civil de 1973[17].
Feitos estes apontamentos seguiremos a análise sobre audiências de conciliação e mediação.
2.3 As audiências de conciliação ou de mediação.
O artigo 334 do Código de Processo Civil[18] prevê uma ou mais (desde que não exceda o prazo de 02 meses da primeira) audiências “inaugurais” no intuito de que as partes formalizem um acordo.
É assegurado ao autor, na petição inicial e ao réu, por simples petição, 10 (dez) dias antes, recusar esta audiência. O não comparecimento configura ato atentatório à dignidade da justiça e enseja multa de até 2% (dois por cento) do valor da causa ou da vantagem pretendida.
As regras sobre audiência trabalhista já estão disciplinadas pela Consolidação das Leis do Trabalho[19], inclusive a prever penalidades severas a parte ausente na audiência inaugural (arquivamento ou revelia e confissão), restrições essas impostas no artigo 844 caput e parágrafo único.
Art. 844 - O não-comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não-comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato.
Parágrafo único - Ocorrendo, entretanto, motivo relevante, poderá o presidente suspender o julgamento, designando nova audiência.
Por esta razão não é aplicável à esfera trabalhista. Aliás, a audiência de mediação e conciliação do Código de Processo Civil viola o princípio da celeridade perseguido fielmente pela Justiça do Trabalho.
Dando continuidade ao exame processual iremos estabelecer as provas em análise do Código de Processo Civil e no Processo do Trabalho.
3 As provas no Código de Processo Civil e os seus reflexos no Processo do Trabalho
O Tribunal Superior do Trabalho também optou pela não aplicabilidade ao processo do trabalho dos §§ 3º e 4º, o artigo 373, do Novo Código de Processo Civil (distribuição diversa do ônus da prova por convenção das partes)[20].
Já o artigo 818 da Consolidação das Leis do Trabalho[21] dispõe simplesmente que “a prova das alegações incumbe à parte que as fizer”. A incompletude do dispositivo em questão sempre exigiu do judiciário trabalhista aplicação supletiva do artigo 333 do Código de Processo Civil de 1973, de forma que a primeira impressão seria no sentido de se permanecer a aplicação do diploma processual civil no tocante ao ônus da prova, agora com o novo regramento dado pelo artigo 373 do Novo Código de Processo Civil[22].
Ocorre que o Tribunal Superior do Trabalho adotou um filtro, entendendo ser aplicável o dispositivo atinente ao ônus da prova, somente em parte. Assim sendo, em regra permanece a cargo do autor a prova do fato constitutivo de seu direito e ao réu a prova dos fatos impeditivos, modificativos e extintivos do direito do autor. Contudo, não foi ressalvada a aplicação dos §§ 1º e 2º do artigo 373, tendo o Tribunal Superior do Trabalho admitido expressamente à aplicabilidade da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova. Somente não se aplicarão ao processo trabalhista, portanto, as disposições concernentes à distribuição diversa do ônus da prova por convenção das partes.
Agora o Juiz da causa, analisando quem tem mais possibilidade de trazer a prova, pode fazer uma mudança na distribuição do ônus probandi. A partir deste princípio, temos a exaltação do princípio ético, já que poderá ocorrer a situação em que a parte traga provas contra si mesma, na busca da decisão justa.
Por isso, as mudanças e inserções dos princípios no novo Código de Processo Civil, importam em uma mudança de valores, e partindo desta premissa, tais princípios e elementos são cabíveis na Justiça do Trabalho.
É notório que a justiça do trabalho, em determinados momentos, já usa esses preceitos e princípios, inclusive tendo sumulado, por exemplo:
A súmula 338 TST - I - E ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de frequência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário. (ex-Súmula nº 338 – alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003).
II - A presunção de veracidade da jornada de trabalho, ainda que prevista em instrumento normativo, pode ser elidida por prova em contrário. (ex-OJ nº 234 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001).
III - Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo à jornada da inicial se dele não se desincumbir. (ex-OJ nº 306 da SBDI-1- DJ 11.08.2003).
Outra questão promissora é a fundamentação da distribuição da prova (o porquê distribuiu a produção de uma determinada prova daquela maneira), permitindo que a parte se prepare para produzir sua prova, sendo fundamentada essa distribuição durante a instrução e não na fase de julgamento.
Iremos analisar em seguida as decisões e a coisa julgada.