Área institucional em condomínio fechado

19/04/2017 às 09:53
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O crescente aumento do número de Condomínios Fechados, e a ausência de regramento específico a respeito, faz com que o assunto se torne controvertido. Sobressai, como uma das problemáticas, a questão das áreas institucionais quando integradas na parte interna do Condomínio. Saiba como o ordenamento jurídico vem cuidando do tema e quais as propostas de melhoria.

INTRODUÇÃO

A insegurança e a má qualidade dos serviços prestados pelo Poder Público têm ocasionado o aumento cada vez maior do número de Loteamentos Fechados, doravante denominados Condomínios Fechados ou mesmo Condomínios Urbanísticos.

Em que pese esses Condomínios terem se tornado uma realidade crescente em nosso cotidiano, inexiste regramento legal específico, em âmbito federal, aplicado à espécie, sendo esses legislados pelos próprios Municípios, quando não aplicado de maneira análoga a Lei Federal nº. 6.766/79, também conhecida como "Lei Lehmann".

Diante de tais circunstâncias, notório é que não há uma norma padrão, razão pela qual são aprovados adotando regramento diferenciado em cada localidade.

Não menosprezando a existência de outras especificidades aplicáveis, faremos um breve panorama, tão somente, acerca da localização das áreas institucionais nos Condomínios Fechados.

A delimitação do tema escolhido se deve ao fato de ser um assunto muito pouco discutido e até mesmo controverso, na medida em que, se o Condomínio for aprovado, observando o preceito das normas previstas na Lei Federal nº. 6.766/79, haverá o desvirtuamento da destinação das áreas institucionais.

Assim, pelos fundamentos que serão demonstrados no decorrer do presente artigo, entendemos que a tese que alcança a melhor finalidade jurídica seja a de que as áreas institucionais devem ser delimitadas em área externa ao fechamento do condomínio.

DOS CONDOMÍNIOS FECHADOS

Crescente é o aumento do número de condomínios fechados em nossas cidades, em especial nas capitais e regiões metropolitanas, cujos fatores ensejadores ao seu crescimento são diversos e não será foco no presente estudo.

Não obstando a lacuna existente em nosso ordenamento jurídico direcionada a matéria, os condomínios fechados tem se tornado uma realidade crescente.

Em que pese inexistir definição legal, condomínio fechado é o conjunto de moradias e arruamentos isolados, através de muros, dos demais loteamentos e bairros adjacentes, cujo acesso é controlado. Em decorrência desse fechamento, a prestação de serviços de segurança, manutenção, conservação e etc, na área interna, são de obrigação dos próprios condôminos.

Face a essa omissão legislativa, os condomínios fechados têm sido tratados de forma cada vez mais controversa e divergente em cada localidade, aplicando-se parâmetros análogos previstos na Lei nº. 6.766/69, bem como àqueles previstos na Lei nº. 4.591/64.

Dessa forma, o loteamento fechado possui natureza jurídica híbrida e dúplice concomitantemente.

[...]

A natureza dúplice atribuída ao loteamento fechado se dá devido à fusão de dois institutos tradicionais, o loteamento e o condomínio horizontal, que dão origem a essa nova modalidade. Também adquire esse caráter dúplice em razão da titularidade do proprietário do lote que é plena nos moldes tradicionais, e assemelha-se com a unidade autônoma do condomínio horizontal.[1] (grifo nosso)

Fato é que a Lei nº. 6.766/79 é taxativa ao prevê como forma de parcelamento do solo tão somente o loteamento e o desmembramento, enquanto a Lei nº. 4.591/64 é específica aos condomínios edilícios, denominadas incorporações imobiliárias, cuja “incidência da Lei 4.591/64, é necessário que a aquisição de fração ideal do terreno esteja atrelada à obrigação de construir".

A própria Lei nº. 6.766/79 distingue as modalidades de parcelamento do solo, senão vejamos:

Art. 2º. O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes.

§ 1º - Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.

§ 2º- considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes. (grifo nosso)

Em termos práticos, a diferença entre as modalidades consiste em que no primeiro há a abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias já existentes, enquanto no segundo há a subdivisão da gleba com o aproveitamento das vias já existentes.

A posteriori, o conceito que nos interessará na ocasião é o do loteamento e dos seus respectivos regramentos.

Por sua vez, a modalidade atrelada no art. 8º da Lei nº. 4.591/64 incide sobre a aquisição de fração ideal de terreno vinculada a construção de unidades autônomas. Nessa modalidade, inexistem vias de circulação ou qualquer aparelhamento público.

Art. 8º Quando, em terreno onde não houver edificação, o proprietário, o promitente comprador, o cessionário dêste ou o promitente cessionário sôbre êle desejar erigir mais de uma edificação, observar-se-á também o seguinte:

a) em relação às unidades autônomas que se constituírem em casas térreas ou assobradadas, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação e também aquela eventualmente reservada como de utilização exclusiva dessas casas, como jardim e quintal, bem assim a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá às unidades;

b) em relação às unidades autônomas que constituírem edifícios de dois ou mais pavimentos, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação, aquela que eventualmente fôr reservada como de utilização exclusiva, correspondente às unidades do edifício, e ainda a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá a cada uma das unidades;

c) serão discriminadas as partes do total do terreno que poderão ser utilizadas em comum pelos titulares de direito sobre os vários tipos de unidades autônomas;

d) serão discriminadas as áreas que se constituírem em passagem comum para as vias públicas ou para as unidades entre si.

Por oportuno, os condomínios edilícios, também identificados pelas expressões "horizontal e vertical", não se caracteriza pelo fato de o prédio ser construído para cima, tornando-o vertical, e nem tão pouco por se tratar de casas térreas, sendo assim horizontal.

O termo horizontal ou vertical objetiva identificar o elemento que separa as unidades. Nesses termos, se a parede que separa da outra unidade for horizontal, o condomínio será horizontal, por conseguinte, se a parede que separa for vertical, este será um condomínio vertical.

Em decorrência de sua especificidade, notadamente no que tange a aquisição de fração de terreno atrelada a construção, “as unidades autônomas apenas receberão identificação registrária própria após a conclusão da construção, quando se verificar sua averbação no registro de imóveis e o empreendimento for submetido à instituição, especificação e convenção condominial”(grifo nosso).

Contudo, mesmo aplicando as duas normativas, de maneira análoga, alguns preceitos restaram-se vagos, senão divergentes, diante da sua finalidade, dos quais enfatizamos a localização da delimitação das áreas institucionais.

Como é sabido, as áreas institucionais, também denominadas áreas públicas, ou ainda pelas siglas APM, destina-se a implantação de equipamento urbano e comunitário.

A Lei nº. 6.766/79 é satisfatoriamente precisa ao distinguir “equipamentos comunitários” e “equipamentos urbanos”, senão vejamos:

Art. 4º. Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:

I - as áreas destinadas a sistemas de circulação, a implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso público, serão proporcionais à densidade de ocupação prevista pelo plano diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se situem.

[...]

§ 2º - Consideram-se comunitários os equipamentos públicos de educação, cultura, saúde, lazer e similares. (grifo nosso)

Art. 5º. [...]

Parágrafo único - Consideram-se urbanos os equipamentos públicos de abastecimento de água, serviços de esgotos, energia elétrica, coletas de águas pluviais, rede telefônica e gás canalizado. (grifo nosso)

Nessa vertente, indubitável é a presunção de interesse público com os respectivos equipamentos, cuja finalidade não se restringirá aos moradores do loteamento em que se situa.

Embora tenha sido tendencioso quanto a exigência das áreas institucionais, o legislador federal transferiu ao legislador municipal o ônus de fixar o percentual mínimo das áreas a serem destinadas ao Poder Público.

Pois bem, a Lei nº. 6.766/79 estipula toda a formalidade processual para o parcelamento do solo urbano, o qual inicialmente será submetido à aprovação pela Prefeitura do Município em que se situa a gleba, e posteriormente inscrita no Registro de Imóveis.

Dentre outros quesitos, a respectiva lei ordena a transferência dos espaçamentos públicos, abrangendo as vias de circulação e os equipamentos comunitários e urbanos, ao Município no ato do registro (caput do art. 22 da Lei nº. 6.766/79).

Art. 22. Desde a data de registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo.

Há de se destacar que é incumbência do próprio Poder Público oferecer as diretrizes para o traçado do loteamento, inclusive as destinadas ao sistema viário e as áreas destinadas a instalação de equipamento urbano e comunitário.

Art. 6º. Antes da elaboração do projeto de loteamento, o interessado deverá solicitar à Prefeitura Municipal, ou ao Distrito Federal quando for o caso, que defina as diretrizes para o uso do solo, traçado dos lotes, do sistema viário, dos espaços livres e das áreas reservadas para equipamento urbano e comunitário, apresentando, para este fim, requerimento e planta do imóvel contendo, pelo menos:

Visando ao crescimento urbanístico ordenado, além de outros quesitos, as diretrizes hão de serem delineadas observando o sistema viário existente nos bairros adjacentes, bem como analisando os equipamentos urbanos e comunitários já existentes e as necessidades naquela região.

Assim, o projeto do loteamento será traçado pelo loteador de acordo com as diretrizes oferecidas pelo Município.

Em contrapartida, em razão de sua forma e de sua natureza, não há destinação de sistema viário e nem tão pouco de área pública no âmbito do condomínio edilício previsto na Lei nº. 4.591/64.

Por conseguinte, diferentemente do loteamento, a identificação registral individual do condomínio edilício está condicionada ao término da edificação, com a consequente averbação e instituição da convenção condominial.

Art. 1º [...]

§ 1º Cada unidade será assinalada por designação especial, numérica ou alfabética, para efeitos de identificação e discriminação.

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Art. 9º Os proprietários, promitentes compradores, cessionários ou promitentes cessionários dos direitos pertinentes à aquisição de unidades autônomas, em edificações a serem construídas, em construção ou já construídas, elaborarão, por escrito, a Convenção de condomínio, e deverão, também, por contrato ou por deliberação em assembléia, aprovar o Regimento Interno da edificação ou conjunto de edificações.

§ 1º Far-se-á o registro da Convenção no Registro de Imóveis, bem como a averbação das suas eventuais alterações.

[...]

§ 3º Além de outras normas aprovadas pelos interessados, a Convenção deverá conter:

a) a discriminação das partes de propriedade exclusiva, e as de condomínio, com especificações das diferentes áreas;

A edificação representa uma obrigação indissociável no Condomínio Edilício, tratado na Lei nº. 4.591/64, enquanto no loteamento, regulado pela Lei nº. 6.766/79, a aprovação e o registro do loteamento, por si só, é suficiente para sua individualização de sua propriedade.

Como se vislumbra, os institutos são visivelmente incompatíveis entre si, já que no loteamento os adquirentes tornam-se proprietários dos lotes, enquanto no condomínio regido pela Lei nº. 4.591/64 são adquiridos tão somente partes ideais do terreno e da construção delimitada à área de uso exclusivo e às áreas comuns do condomínio.

Fato é que diante dessa ausência de regramento específico, e da equivocada interpretação dos preceitos legais, os denominados condomínios fechados vêm sendo aprovados na forma de loteamento prevista na Lei nº. 6.766/79, embasada no paralelo permitente contido no art. 8º da Lei nº. 4.591/64, e posteriormente autorizado o fechamento das áreas e vias públicas através do “Termo de Cessão de Uso”.

Dessa forma, surge uma nova modalidade de parcelamento de solo urbano chamado loteamento fechado, com características especiais que acabam se diferenciando dos loteamentos convencionais, apesar de seguirem os mesmos requisitos urbanísticos exigidos para implantação de um loteamento.

[...] o domínio exclusivo de cada lote pertence a cada um dos seus proprietários, e o domínio comum, o uso das partes comuns, é exercido pelos proprietários dos lotes sobre o logradouro público mediante permissão ou concessão de uso, sendo que a sua manutenção e conservação são realizadas pela administração eleita pelos proprietários dos lotes, mediante rateio das despesas. (grifo nosso)

Em continuidade aos ensinamentos da ilustre Raquel Helena Valési, tem-se como satisfatória e precisas as peculiaridades do instituto “híbrido” do loteamento fechado ponderadas em seu artigo, razão pela qual transcrevemos:

O loteamento fechado tem como particularidade o fato de o proprietário do lote gozar do direito de propriedade como qualquer titular sobre o imóvel integrante de parcelamento tradicional, devendo contudo observar algumas condições para que haja existência de fato desse tipo de  loteamento, tais como: a) que o loteamento deve estar cercado ou murado em seu perímetro; b) o acesso deve ser feito por um ou dois locais, com portaria e guarita nessas entradas, submetendo o morador à identificação prévia; c) as ruas, as praças, as vias de comunicação e outros logradouros públicos ou espaços livres têm seu acesso limitado aos proprietários dos lotes e às pessoas que eles autorizam entrar, o que é feito através de permissão ou concessão de uso de bem público, outorgado pelo Município; d) as vias de comunicação, praças e espaços livres do loteamento são de propriedade do Município, alterando-se apenas o direito de uso concedido somente aos proprietários de lote daquele loteamento; e) haverá necessidade de manutenção e conservação das vias de circulação, praças e espaços livres quando o Município não se incumbe de fazer; f) a manutenção da portaria, serviço de vigilância, coleta de lixo, captação, tratamento e distribuição de água e esgoto, pavimentação, limpeza das ruas, dentre outros serviços, são prestados por uma associação de moradores que administrará o funcionamento do loteamento, gestão da receita, da despesa e da cobrança pelos serviços prestados. (grifo nosso)

Em razão dessas equivocadas interpretações e da ligeira incompatibilidade entre ambos os dispositivos, o isolamento das áreas públicas internamente aos muros provoca o irrefragável desvirtuamento de sua finalidade, ocasionando sua inocuidade.

Além do mais, entende-se como eivado o ato que autoriza o fechamento das áreas institucionais, na medida em que estaria beneficiando uma pequena classe em detrimento de uma maioria carecedora do serviço público.

DA FUNÇÃO SOCIAL DAS ÁREAS INSTITUCIONAIS

A descoberta da função social das áreas institucionais não demanda estudos aprofundados e nem tão pouco a adoção de teorias doutrinárias. A análise literal dos dispositivos legais é suficiente para se alcançar o objetivo da norma.

Pondera-se que a interpretação da norma deve estar em consonância com as necessidades reais e atuais, razão pela qual sua interpretação tende a se adaptar de acordo com as mudanças na vida social.

Conforme já exaustivamente demonstrado, a Lei nº. 6.766/79 visionou, indiscutivelmente, impedir o crescimento desordenado das cidades, prevendo normativas mínimas ao regular desenvolvimento urbanístico.

A fim de assegurar seu objetivo, impôs a necessidade de se destinar, quando da aprovação, áreas “a sistema de circulação, a implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso público" proporcionais a densidade de ocupação, cujo percentual mínimo restou a cargo do Município.

Assegurou que no ato do registro do loteamento, as áreas institucionais serão transferidas ao domínio do Município, em conformidade com o projeto e memorial descritivo aprovado pelo Município.

Embora não seja expressa em seu texto, a Lei nº. 6.766/79, de maneira implícita, ordena a necessidade das referidas áreas institucionais situarem internamente ao loteamento, não originando respaldo para sua transferência a outra localidade.

As áreas institucionais atendem perfeitamente o comando constitucional expresso no art. 182, destinando-se como ferramenta para a execução de políticas públicas de desenvolvimento urbanístico, ordenando o desenvolvimento da cidade e garantindo o bem estar de seus habitantes.

O instituto é de tamanha imprescindibilidade que o legislador não excepcionou hipótese alguma quanto à reserva das áreas institucionais, não podendo sequer o Município dispensar.

Certo é que, mesmo ciente da eventual existência de aparelhamentos nos loteamentos adjacentes, o legislador fora taxativo ao exigir sua incidência, conforme extrai do  art. 6º, inc. IV, e art. 9º, § 2º, inc. IV, da Lei nº. 6.766/79.

Nesse compasso, a discricionariedade do administrador público consiste em apenas definir a destinação das áreas em conformidade com as necessidades da população, sem que possa haver supressão ou redução da área destinada.

Ao que nos aparenta, a intenção do legislador, além de estimular um regular desenvolvimento urbanístico, seria assegurar o atendimento de necessidade futura, já que a demanda da sociedade se amolda ao longo do tempo.

Nesse ínterim, o art. 4º, inc. I, do referido codex, elenca "as áreas destinadas a sistemas de circulação, a implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como espaços livres de uso público, serão proporcionais à densidade de ocupação..." como requisitos mínimos necessários a aprovação do loteamento.

Por conseguinte, incumbe ao Município prevê, dentre outras, as diretrizes "do sistema viário, dos espaços livres e das áreas reservadas para equipamento urbano e comunitário". Nesse comando, deverá o loteador elaborar o projeto em observância às diretrizes traçadas pelo Município.

Aprovado o projeto, na forma prevista no art. 12, o mesmo deverá ser levado a registro junto ao Cartório de Registro de Imóveis competente, sob pena de caducidade.

Levado a registro, nos termos do art. 22 da Lei nº. 6.766/79, "passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo".

Por sua vez, após a aprovação do loteamento pela Prefeitura, "os espaços livres de uso comum, as vias e praças, as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos" terão sua destinação vinculada, não podendo o loteador alterá-la.

Embora a lei deixe transparecer tratar-se de obrigação distinta ao próprio loteador, essa não nos parece ser o entendimento mais salutar. A norma estipula as obrigações do loteador e os quesitos que ele deve atender, e ao mesmo tempo impõe o ônus ao município de fiscalizar e garantir a real destinação dos espaços ao interesse público. Assim, o próprio município se vincula as suas regras.

Ressalta-se, novamente, que os equipamentos urbanos destinam-se ao abastecimento de água, serviços de esgotos, energia elétrica, coleta de águas pluviais, rede telefônica e gás canalizado (parágrafo único do art. 5º da Lei nº. 6.766/79), enquanto os equipamentos comunitários são aqueles destinados a educação, cultura, saúde, lazer e similares (§2º do art. 4º).

A incoerência de se aplicar os regramentos contidos na Lei nº. 6.766/79, dentre outras, se justifica pela restrição que se cria com o isolamento das áreas institucionais e as vias de acesso àqueles que não são moradores do condomínio, sendo certo que esses bens são de uso comum do povo.

Adotando os ensinamentos do ilustre doutrinador Hely Lopes Meirelles, o gozo das áreas institucionais é coletivo, na medida em que seus:

...usuários são anônimos, indeterminados, e os bens utilizados o são por todos os membros da coletividade – uti universi – razão pela qual ninguém tem direito ao uso exclusivo ou a privilégios na utilização do bem. o direito de cada indivíduo limita-se à igualdade com os demais na fruição do bem ou no suportar os ônus dele resultantes.

De modo objetivo, as áreas institucionais são uma exigência indispensável, que visa atender os anseios e as necessidades presentes e futuras da população, além de proporcionar uma melhor comodidade.

DA POSSIBILIDADE DO MUNICÍPIO LEGISLAR

Nos termos do caput do art. 182 da Constituição Federal, a política de desenvolvimento urbano deverá ser executada pelo Poder Público Municipal, visando ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem estar de seus habitantes.

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

Por sua vez, a Lei nº. 10.257/01, a qual veio a regulamentar os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece as diretrizes gerais para cumprimento da política urbana, que dentre as quais destacamos:

Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

[...]

IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;

V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais;

Segundo os ensinamentos do ilustre doutrinador Hely Lopes Meirelles, a política de desenvolvimento urbano é:

o conjunto de medidas estatais destinadas a organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade. Entendam-se por espaços habitáveis todas as áreas em que o homem exerce coletivamente qualquer das quatro funções sociais: habitação, trabalho, circulação, recreação.

Destaca a incumbência atribuída ao Município, há de se frisar sua competência para legislar sobre assuntos de interesse local, conforme expresso no art. 30, inc. I, da Constituição Federal.

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

Por conseguinte, o inc. VIII do referido dispositivo incumbe o Município a obrigação de promover o adequado ordenamento territorial.

Art. 30. Compete aos Municípios:

[...]

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

Salientamos que o disposto no art. 24, inc. I, da Constituição Federal não colaciona qualquer vedação para que o Município tratar da referida matéria.

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; (grifo nosso)

Ao que nos parece, a intenção do legislador constitucional fora de impor aos referidos entes discriminados a obrigatoriedade de legislar a matéria em âmbito geral, incumbindo ao Município legislar sobre assuntos de interesse específico local.

Coadunando com esse posicionamento, é o disposto no art. 3º, inc. I, da Lei nº. 10.257/01.

Art. 3º Compete à União, entre outras atribuições de interesse da política urbana:

I – legislar sobre normas gerais de direito urbanístico;

A própria Carta Constitucional é expressa ao conferir aos Municípios a obrigatoriedade de "promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano", e ainda, de "legislar sobre assuntos de interesse local".

A inércia dos legisladores das esferas federal e estadual não pode ser avocada pelo Município com a finalidade de se omitir com a sua obrigação, que dentre elas enfatizamos a de promover o adequado ordenamento territorial.

Aliás, a necessidade de legislar em âmbito local se vincula ao princípio constitucional da legalidade, o qual limita a atuação do gestor público àquilo que tiver expressamente contido na lei.

Nesse contexto, tem-se como legítima a lei municipal que venha disciplinar a matéria, conforme ensinamentos do ilustre jurista Hélio Lobo Júnio:

Ora, se um Município autorizado por lei municipal que, obviamente, foi voltada pelos representantes dos seus habitantes, resolve disciplinar a ocupação do solo urbano, ou de seus próprios bens, da forma que entendeu mais conveniente naquele momento, não parece lícito a qualquer outra autoridade, seja a que pretexto for, interferir, dizendo o que é melhor para o interesse público, tentando substituir a vontade daqueles que efetivamente detêm a competência constitucional para tal fim.

Mesmo sentido são os ensinamentos do ilustre doutrinador Hely Lopes Meirelles:

Para esses loteamentos não há, ainda, legislação superior específica que oriente a sua formação, mas nada impede que os Municípios editem normas urbanísticas locais adequadas a essas urbanizações. E tais são os denominados ‘loteamentos fechados’, ‘loteamentos integrados’, ‘loteamentos em condomínio’, com ingresso só permitido aos moradores e pessoas por eles autorizadas e com equipamentos e serviços urbanos próprios, para auto-suficiência da comunidade.  (grifo nosso)

Diante das atuais circunstâncias e com intuito de evitar um crescimento desordenado e a aplicação de normas inexplicáveis e incompatíveis entre si, entende-se como perfeitamente cabível que o Município venha legislar em âmbito local com a finalidade de suprir a ausência de regulamento disciplinando os Condomínios Fechados.

PROJETO DE LEI Nº. 3.057/2000

Pretendendo a inovação do instituto de parcelamento do solo, em tramita o Projeto de Lei nº. 3.057/2000 (Substitutivo), proposta esta que regulamenta a atual figura dos condomínios fechados, denominando-o de “condomínios urbanísticos”.

Nos termos do referido projeto, "o parcelamento do solo para fins urbanos somente pode ser feito nas modalidades de loteamento, desmembramento ou condomínio urbanístico” (caput do art. 4º).

O inc. XI do art. 2º do referido projeto conceitua condomínio urbanístico como sendo:

a divisão de imóvel em unidades autônomas destinadas à edificação, às quais correspondem frações ideais das áreas de uso comum dos condôminos, admitida a abertura de vias de domínio privado e vedada a de logradouros públicos internamente ao seu perímetro.

Semelhante ao atual instituto previsto na Lei nº. 6.766/79, o projeto impõe que o percentual das áreas institucionais seja proporcional a densidade de ocupação prevista em lei municipal e, por sua vez, impõe sabiamente que as referidas áreas públicas sejam situadas externamente ao perímetro fechado.

Art. 7º O parcelamento do solo para fins urbanos deve atender às normas e diretrizes urbanísticas expressas no Plano Diretor, se houver, e nas leis municipais de parcelamento, uso e ocupação do solo urbano, bem como aos seguintes requisitos:

[...]

II – as áreas destinadas a uso público ou a uso comum dos condôminos devem ser diretamente proporcionais à densidade de ocupação prevista no Plano Diretor ou outra lei municipal e contemplar plano de arborização;

[...]

§ 4º As áreas destinadas a uso público em condomínio urbanístico, exigidas nos termos de lei municipal, devem estar situadas EXTERNAMENTE ao perímetro com acesso controlado ou em outro local da área urbana. (grifo nosso)

A proposta em andamento delega ao Município atribuições para definir, através de Lei Municipal, em condomínios fechados "os casos e as condições em que é exigida reserva de áreas destinadas a uso público".

Art. 11. Respeitadas as disposições desta Lei, cabe ao Plano Diretor ou a outra lei municipal definir, para as diferentes zonas em que se divide a área urbana do Município:

[...]

§ 1º Observado o disposto no caput, cabe à legislação municipal determinar, em relação à implantação de condomínios urbanísticos:

[...]

VII – os casos e as condições em que é exigida reserva de áreas destinadas a uso público; (grifo nosso)

Por fim, o referido Projeto ratifica os condomínios fechados aprovados sob a vigência de lei estadual ou municipal, e ainda, autoriza o Poder Público Municipal, inclusive, a regularizar o loteamento implantado que teve seu perímetro fechado posterior a entrada em vigor do referido Projeto de Lei.

Art. 127. [...]

§ 4º Considera-se válido o empreendimento que tenha sido licenciado ou implantado na forma de loteamento fechado, com base em lei estadual ou municipal, até a data da entrada em vigor desta Lei, desde que sua implantação tenha respeitado os termos da licença concedida.

§ 5º O loteamento implantado regularmente e que teve seu perímetro fechado posteriormente à implantação até a data da entrada em vigor desta Lei, pode ser regularizado pelo Poder Público municipal. (grifo nosso)

Por toda a lógica apresentada, tem-se como juridicamente possível disciplinar a matéria por meio de legislação municipal até que se supra a lacuna no âmbito federal, tendo a certeza de que a regularidade dos Condomínios Fechados está condicionada a delimitação das áreas institucionais fora do perímetro de fechamento do condomínio.

Destaca-se que o voto favorável da Comissão Especial acerca do presente Projeto de Lei, em que pese ainda estar tramitando, o seu teor sob os pontos acima abordados indica que a tese defendida possui respaldo e é favoravelmente defendida.

CONCLUSÃO

Indiscutível é que os condomínios fechados tem se tornado uma realidade em nosso País, especialmente nas capitais e regiões metropolitanas. As circunstâncias nos leva a crer que essa seja uma tendência que só tente a crescer, especialmente pela insegurança e deficiência dos serviços prestados pelo Poder Público.

Por sua vez, nítido é que a ausência de regramentos não impede o aumento do número dos condomínios fechados, os quais vêm sendo adotado regramentos existentes e incompatíveis com o seu findo para sua aprovação.

Certo é que as normas devem ser amoldadas de acordo com a demanda da população.

Afigura-se que a inércia do legislador federal não pode ser avocada pelo legislador municipal com a finalidade de se esquivar da obrigação contida no inc. III do art. 30 da Constituição Federal, que é “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”.

Ademais, é incumbência do Poder Público Municipal “legislar sobre assuntos de interesse local” (art. 30, inc. I, da CF), especialmente pelo fato de que os limites da atuação do gestor estão limitados ao que tiver taxado na lei, em razão do princípio da legalidade.

Corrobora-se que a legislação vigente não apresenta regramentos específicos aos denominados condomínios fechados.

Outrossim, embora sejam analogamente adotados os regramentos das Leis 4.591/64 e 6.766/79, esses são incontestavelmente incompatíveis entre si e ambos com a demanda aplicável.

A Lei 4.591/64 regulamenta a figura dos condomínios edilícios, comercializando frações do terreno, vinculada a uma construção, estando ausente a reserva de áreas institucionais e sistema viário. Por consequência, a identificação registral está condicionada o término da edificação e instituição da convenção condominial.

Em contravia, a Lei nº. 6.766/79 prevê como forma de parcelamento do solo tão somente o loteamento e o desmembramento. Dentre outros quesitos, define a obrigatoriedade de reserva do sistema viário e de áreas institucionais (para a implantação de equipamento urbano e comunitário), as quais situariam na área interna ao loteamento e integrariam o domínio do Município no ato do registro do loteamento.

Por ausência de regramento federal, os condomínios fechados têm sido aprovados na forma de loteamento e posteriormente autorizado o isolamento de seu perímetro através do instrumento de “Termo de Cessão de Uso”.

Tal prática é, sem sombras de dúvida, uma afronta aos preceitos e finalidades do sistema viário e das áreas institucionais, na medida em que priva o gozo e o acesso dos não moradores do condomínio.

O isolamento das áreas institucionais tornam as mesmas inócuas, na medida em que o acesso restrito impedirá o uso e gozo daqueles que não são residentes naquele Condomínio.

Há de se notar que nessas condições torna-se temerário, senão imoral, a realização de investimentos por parte do Poder Público na estruturação de qualquer aparelhamento naquela localidade.

Assim, tendo em vista a disparidade dos regramentos existentes, e considerando a autonomia residual atribuída ao Município para disciplinar a utilização do solo urbano, torna-se possível e ao mesmo tempo imperioso que esse venha a regulamentar a matéria.

O atendimento da função social das áreas institucionais demanda o acesso por parte de toda a coletividade, não podendo ser restringido aos moradores do condomínio fechado. Nessa vertente, torna-se imperioso que as mesmas sejam instituídas fora dos perímetros do muro ou cercamento.

Nesse raciocínio, evidente é a possibilidade de atender os objetivos e a demanda das áreas institucionais, e ainda, afastará a incidência de eventuais prejuízos à população.

A viabilidade da presente propositura se evidencia na medida em que se analisam os objetivos das referidas áreas institucionais, seja aquela destinada a implantação de equipamento urbano, bem como aquela destinada ao equipamento comunitário.

Nesse compasso, toda a população poderá usufruir dos equipamentos públicos, inclusive os condôminos.

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Sobre a autora
Patrícia Reis

advogada colaboradora no Escritório Bunn, Piccollo & Barcelos João advogados associados em Santa Catarina.

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