Notificação compulsória: preceitos legais para o preenchimento pelo profissional de saúde

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O artigo em questão objetiva definir violência doméstica, sua classificação e os preceitos legais para o preenchimento da notificação compulsória pelo profissional de saúde.

Resumo          

A violência é um problema que atinge todas as raças, etnias e classes sociais. Dentre outras, uma das mais comumente encontrada, cruel e de difícil mensuração, é a violência contra a mulher, que ocorre no silêncio do ambiente doméstico ou envolta em uma relação de familiaridade ou afetividade, e que habitualmente inclui abuso físico, sexual, psicológico, negligência, entre outros. O artigo em questão objetiva definir violência doméstica, sua classificação e os preceitos essenciais e legais para o preenchimento da notificação compulsória pelo profissional de saúde, frente à obrigatoriedade legal desses profissionais em concretizar a denúncia através de protocolo, obrigação que transpassa a questão jurídica e fundamenta uma questão de direitos humanos.

Palavras-chave: Violência contra a mulher; Legislação como assunto; Direitos Humanos.

 

Resumo. 1. Introdução; 2. Objetivos; 3. Aspectos gerais da violência contra a mulher; 4. A notificação compulsória de violência; 4.1. Do preenchimento da notificação e sua obrigatoriedade; 5. Considerações finais; 6. Referências.

1. Introdução

A violência é um problema que atinge todas as raças, etnias e classes sociais. Tem seu centro na problemática social e na história, com diversos fatores relacionados, como o sistema familiar patriarcal, questões de educação, gênero, sociedade e cultura.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) a violência é definida como:

O uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação, (BRASIL, 2005a).

A violência contra a mulher é um problema global e antigo, especialmente por ocorrer no âmbito doméstico e familiar. Trata-se de uma questão multidisciplinar, que abarca as ciências da saúde, sociais e humanas.

Dados mundiais sobre a violência contra a mulher referem que mais de um bilhão de mulheres já foi agredida fisicamente, sexualmente ou já sofreu algum outro tipo de violência, quase sempre cometido por alguém próximo (ANISTIA INTERNACIONAL, 2004).

Por ser uma prática recorrente, passou a ser considerado como um problema mundial, ligado às constantes tentativas da Organização das Nações Unidas (ONU) para sua erradicação, passando a ser considerada, após o advento dos direitos humanos, como violação das liberdades fundamentais do indivíduo (CONFERÊNCIA MUNDIAL PARA OS DIREITOS HUMANOS, 1993).

2. Objetivos

- Conhecer as definições de violência doméstica, sua classificação e os preceitos essenciais e legais para o preenchimento da notificação compulsória pelo profissional de saúde.

3.  Aspectos gerais da violência contra a mulher

A principal definição de violência contra a mulher foi à utilizada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada” (BRASIL, 2001).

No Brasil, o Ministério da Saúde incorporou novos conceitos em sua definição sobre o tema, passando a considerá-la como qualquer conduta, ativa ou passiva, de discriminação, agressão ou coerção, ocasionada pelo simples fato da vítima ser mulher e que cause dano, morte, constrangimento, limitação, sofrimento físico, sexual, moral, psicológico, social, político ou perda patrimonial, passível de ocorrência tanto em espaços públicos quanto domésticos (BRASIL, 2005a).

Sabe-se que pelo menos 6,8 milhões de mulheres brasileiras foram espancadas pelo menos uma vez, com uma média de quatro mulheres espancadas por minuto (INSTITUTO PATRICIA GALVÃO, IBOPE, 2006).

Em pesquisa realizada em países da América Latina, foram encontrados índices de 30 a 60% de casos de violência contra a mulher na população (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2007). Inúmeros estudos apontam elevadas taxas de violência, incluindo o parceiro como principal protagonista da agressão (SCHRAIBER et al., 2007).

Neste contexto, existem inúmeros tipos de violência contra a mulher. A mais comum, cruel e de difícil mensuração, é aquela que ocorre no âmbito doméstico ou em uma relação de familiaridade, afetividade ou coabitação, formada por vínculos de parentesco natural ou civil, classificada como violência doméstica ou intrafamiliar. Estas violências incluem abuso físico, sexual, psicológico, negligência, entre outras.

A violência física, que é a agressão mais facilmente identificada, é caracterizada pela ação ou omissão que coloque em risco ou cause dano à integridade física de uma pessoa, podendo causar lesões internas e/ou externas (BRASIL, 2005a).

A Organização Pan-Americana de Saúde – OPAS (1998), juntamente com a Organização Mundial de Saúde (OMS), classificam os atos de violência física em:

Ato moderado: ameaças, desde que não relativas a abuso sexual e sem uso de armas; agressões contra animais ou objetos pessoais e violência física na forma de empurrões, tapas, beliscões, sem uso de quaisquer instrumentos perfurantes, cortantes ou que gerem contusões;

Ato severo: agressões físicas com lesões temporárias; ameaças com uso de arma, agressões físicas com cicatrizes, lesões permanentes, queimaduras e uso de arma.

A violência sexual é caracterizada pelo contato sexual, físico ou verbal com uso de subterfúgios que anule ou limite a vontade da vítima. De acordo com o Código Penal Brasileiro (2009a) a violência sexual pode ser caracterizada de forma física, psicológica ou com ameaça, compreendendo os crimes relativos à dignidade sexual, modificação esta do Código Penal com o advento da Lei nº 12.015, de 07 de agosto de 2009 (Brasil, 2009b).

O atentado violento ao pudor, anteriormente definido em nossa legislação em um artigo específico, como “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal”, atualmente foi incorporado pelo tipo penal do estupro, previsto na citada Lei.

Dessa forma, pode ser vítima do crime de estupro tanto o homem quanto a mulher, já que a nova Lei abrange, além da prática da conjunção carnal, também outros atos libidinosos.

A violência psicológica tem seu tipo na conduta ativa ou omissiva que controla as ações, comportamentos, crenças e decisões de outra pessoa por meio de intimidação, manipulação, ameaça direta ou indireta, humilhação, isolamento ou qualquer outra conduta que implique prejuízo à saúde psicológica, à autodeterminação, à autoestima ou ao desenvolvimento pessoal (BRASIL, 2005a).

Já a violência moral classifica-se como injúria, difamação e calúnia, basicamente tipos de violência psicológica, por isso, misturam-se nas suas definições (BRASIL, 2006a).

Existe ainda a violência em sua forma omissiva, sobretudo àqueles que precisam de ajuda por questões de idade ou alguma condição física, permanente ou temporária, chamada de negligência (BRASIL, 2005a).

Também frequente, a violência patrimonial encontra sua definição como:

 

“Qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição                      parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho,                                documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos                                econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades”              (BRASIL, 2006a).

 

Importante frisar que, na maioria dos casos, ocorre uma sobreposição de tipos de violência, iniciando pela psicológica e evoluindo até as consideradas mais graves, como a sexual e a física, aproveitando-se da baixa auto-estima da vítima (SANTINON, 2010; SILVA, COELHO, CAPONI, 2007).

Mulheres vítimas de violência descrevem dificuldades cotidianas, além da própria agressão sofrida, ressaltando o desequilíbrio de sua história de vida que não conseguem superar, necessitando, assim, de ajuda externa (GREGORI, 1983; SOARES, 1993).

Existem sinais que podem servir como alerta para os casos de violência contra a mulher, apesar de que nenhum deles deve ser interpretado de forma isolada, devendo ser analisado em seu contexto geral e com informações precisas.

A violência não acaba em si mesma. Ela traz em seu bojo consequências diversas (GUIMARÃES, 2005). A depressão, a síndrome do estresse pós-traumático, dificuldades de relacionamento, problemas com sua sexualidade, dores crônicas, incapacidade física, abuso de álcool e uso de drogas são algumas das suas conseqüências (WHO, 1997; FAUNDES, PARPINELLI, CECATTI, 2000).

Transtornos mentais são comuns em vítimas de violência conjugal, física ou psicológica em uma relação de duas vezes se comparada com mulheres que não sofreram violência (PATEL et al., 2006).

A violência contra a mulher não é individual, mas um processo familiar, já que seus resultados estendem-se para todos seus membros, mesmo que o agressor só violente a mulher. Nos casos de agressão direta nas crianças, existem marcas principalmente na pele, lugar mais acessível.  As consequências não físicas são de difícil mensuração, podendo deixar traumas para o resto das vidas dessas crianças, interagindo por meio de múltiplos fatores (MILANI, LOUREIRO, 2008).

Crianças negligenciadas são mais suscetíveis a acidentes dentro ou fora da residência, podendo apresentar traumas leves ou até sua morte (REICHENHEIM et al., 1999).

Além disso, pessoas que na infância receberam educação severa ou foram vítimas de maus tratos podem repetir esta experiência com seus próprios filhos (BELSKY, 1980; PATTERSON, CAPALDI, 1991; SIMONS et al., 1991; CECCONELLO, DE ANTONI, KOLLER, 2003).

As consequências apresentadas acabam por gerar uma demanda por serviços de apoio.

No Brasil, os serviços mais procurados são em 79% as Delegacias especializadas na defesa da mulher, 29% em outros serviços de atendimento à mulher, 23% amigos e família, 14% associações e grupos de mulheres, 11% hospitais e postos de saúde, 7% igreja ou líder religioso, 6% Central de Atendimento telefônico número 180 e 2% não opinaram, segundo pesquisa realizada com 2.002 entrevistas pessoais, representativas da população brasileira com mais de 16 anos, em todas as Capitais do Brasil (INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO, IBOPE, 2006).

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Apesar da procura por serviços de apoio, 60% das entrevistadas disseram que, quando as mulheres denunciam, nada acontece ao agressor (INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO, IBOPE, 2006).

A mudança no panorama de denúncias ocorreu a partir da promulgação da Lei nº. 11.340, de 07 de agosto de 2006, conhecida como “Lei Maria da Penha” (BRASIL, 2006a).

Os impactos nos mais diversos meios de comunicação fizeram que 09 entre 10 mulheres tivessem como referência esta Lei no tema violência contra a mulher (INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO, IBOPE, 2006).

A citada Lei surgiu da história de Maria da Penha Maia, vítima de agressão doméstica e familiar, que lutou por mais de 25 anos para ter seu marido e agressor condenado. A demora do caso fez com que Maria da Penha formalizasse denúncia para a Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos – OEA (2001), que foi pioneira ao acatar a denúncia de um crime de violência doméstica e responsabilizou o Brasil por omissão, tolerância e negligência recomendando, entre observações do caso, melhores políticas públicas prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 2001), tendo como resultado a promulgação da Lei que é conhecida pelo seu nome (BRASIL, 2006a).

A inovação vem da aplicação desta Lei no âmbito da violência física, sexual, moral ou patrimonial. Quanto ao local que a Lei preceitua para sua aplicação estão às violências na esfera doméstica, familiar ou em qualquer relação intima de afeto (artigo 5º, I, II, III), independente de orientação sexual.

Atualmente, para oferecer a denúncia, de acordo com o artigo 12, parágrafo um, a própria vítima pode formular um pedido, que será tomado a termo pela autoridade policial e já escolher as medidas protetivas mais convenientes ao seu caso. Além disso, a autoridade policial deverá tomar as seguintes medidas no atendimento à vítima: garantia policial para a vítima se necessário; encaminhamento ao Instituto Médico Legal (IML) ou a Unidade Básica de Saúde (UBS); transporte para a vítima e seus dependentes para um lugar seguro, quando houver risco de vida; acompanhamento policial para a retirada dos pertences da vítima do local de ocorrência ou do domicílio, bem como informar a vítima todos os seus direitos relativos a esta Lei e onde buscar apoio (artigo 11).

A nova Lei fixa várias medidas de urgência que podem ser aplicadas contra o agressor (ou agressora), quando constatada a prática de violência doméstica, como o afastamento do lar, restrição ou proibição de contato com a agredida, seus dependentes e familiares, prestação de alimentos provisórios, e outras elencadas no capítulo II “Das medidas protetivas de urgência”, Seção II, da referida Lei.

Entende-se por alimentos provisórios um valor monetário fixado em favor do necessitado de alimentos de maneira temporária e precária até o ajuizamento ou decisão judicial final relativa aos alimentos definitivos. A prestação alimentar não abrange somente alimentos, mas todos os cuidados relativos a sobrevivência e manutenção da vida pessoal do alimentado, os quais vão além das refeições.

A Lei também altera o previsto no Código Penal (BRASIL, 2009a), para possibilitar a decretação de prisão preventiva e a prisão em flagrante. A prisão preventiva é uma medida especial, determinada pelo Juiz quando a liberdade do acusado cria riscos para o processo. Já a prisão em flagrante deve ser aplicada na hipótese de iminência ou prática da violência (artigo 10). Também pode ser aplicada nos casos em que o acusado não cumpra as medidas protetivas estabelecidas em Juízo.

A mulher também será notificada dos atos processuais, principalmente quando da soltura da prisão de seu agressor (artigo 21), bem como da obrigatoriedade de um advogado para acompanhá-la durante o processo. Caso a mulher não tenha condições para pagar um advogado, a Estado nomeará um (artigos 27 e 28).

A pena do crime tipificado como Violência Doméstica contra a mulher foi aumentada, podendo variar de 03 meses a 03 anos, ficando proibida a aplicação de penas pecuniárias ou multas, de acordo com o artigo 17.

4. A notificação compulsória de violência

A discussão frequente na mídia sobre o tema violência contra a mulher trouxe à tona a reflexão da necessidade de Leis específicas em vários campos de atuação e um controle efetivo das mesmas.

Na área de saúde é frequente o contato com mulheres vítimas de violência. Sendo assim, a notificação compulsória aparece como um instrumento obrigatório e relevante no combate à violência da mulher e sua identificação.

O registro da ocorrência de violência é obrigatório pelo profissional de saúde no setor público e privado e deve ser realizado em formulário específico para tal fim, nos casos de conhecimento, suspeita ou comprovação de violência contra a mulher, conforme Lei Federal nº. 10.788, de 24 de novembro de 2003 (BRASIL, 2003).

O uso da notificação permite delinear o perfil dos agentes e vítimas de violência, possibilitando o desenvolvimento de ações voltadas à prevenção e assistência.

4.1. Do preenchimento da notificação e sua legalidade

A notificação compulsória de violência contra a mulher deve ser realizada pelo profissional de saúde que prestou o atendimento seja em caso de suspeita, conhecimento ou comprovação.

Além da obrigatoriedade prevista na Lei Federal nº. 10.788, de 24 de novembro de 2003, a Portaria nº 104 do Ministério da Saúde, publicada em 26 de Janeiro de 2011 no Diário Oficial da União, amplia a relação de doenças e agravos de notificação obrigatória, entre elas casos de violência doméstica, sexual e/ou outras violências. Tal legislação revoga a Portaria nº 2.472/GM/MS de 31 de agosto de 2010, que determinava procedimentos sobre o assunto em questão (BRASIL, 2003; BRASIL, 2011a, BRASIL, 2010).

Apesar da Portaria nº 104 do Ministério da Saúde não fazer menção direta aos casos de violência contra a mulher, são elas que são mais frequentes nos casos de violência doméstica, sexual ou outras violências, cabendo aos profissionais de saúde a análise do caso concreto.

Segundo o artigo 3º da citada Portaria, a notificação compulsória de violência doméstica, sexual e outras violências deverão ter o registro efetuado no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) e obedecer às normas e rotinas da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (SVS/MS).

O SINAN (BRASIL, 2011b) é um sistema de uso institucional alimentado basicamente de casos de doenças e agravos da lista nacional de doenças de notificação compulsória, facultando aos Estados e Municípios a inclusão de outros casos relevantes de problemas de saúde regionais.

A ficha de notificação e investigação pessoal de violência doméstica, sexual e outras violências encontra-se disponível no Programa SINAN e é composta de 71 (setenta e um) campos de preenchimento, dividida em número da ficha, dados gerais, notificação individual, dados de residência, dados da pessoa atendida, dados da ocorrência, tipologia da violência, violência sexual, conseqüências da violência, lesão, dados do provável autor da agressão, evolução/acompanhamento, informações complementares e observações, além do campo previsto para os dados do notificador, informando neste campo a unidade de saúde, código da unidade de saúde, nome, função e assinatura.

Segundo instruções constantes no SINAN (BRASIL, 2011b) existem dois tipos de instruções para preenchimento. O campo de informações obrigatórias “cuja ausência de dado impossibilita a inclusão da notificação ou da investigação no SINAN” e o campo essencial que “registra dado necessário à investigação do caso ou ao cálculo de indicador epidemiológico ou operacional”.

Importante observar que a inclusão errônea de dados obrigatórios, ou sua falta, podem impossibilitar o prosseguimento da notificação compulsória. O preenchimento da ficha de notificação compulsória deverá atender ao previsto no programa de uso atual “Sinan Net” e seguir o previsto em “Instrucionais de preenchimento de fichas”, no site do sistema SINAN. Seu conteúdo não foi reproduzido aqui já que ocorrem constantes mudanças nos manuais disponíveis.

A notificação compulsória é sigilosa. Os profissionais de saúde não podem divulgar a identidade da vítima ou algo que possa identificá-la (artigo 3º da Lei Federal nº. 10.788, de 24 de novembro de 2003). A identificação da vítima só é possível em situações especiais, como “em caso de risco à comunidade ou à vítima, a juízo da autoridade sanitária e com conhecimento prévio da vítima ou do seu responsável” (Parágrafo único do artigo 3º da Lei Federal nº. 10.788, de 24 de novembro de 2003).

Sabe-se da inquestionável responsabilidade do notificador e que este não pode fugir de seu dever, previsto no artigo 1º da Lei Federal nº. 10.788, de 24 de novembro de 2003 e, no artigo 7º da Portaria nº 104 do Ministério da Saúde, publicada em 26 de Janeiro de 2011, reproduzida abaixo:

 

“A notificação compulsória é obrigatória a todos os profissionais de                  saúde médicos, enfermeiros, odontólogos, médicos veterinários,                      biólogos, biomédicos, farmacêuticos e outros no exercício da                            profissão...” (BRASIL, 2011a).

 

Apesar dessa obrigação legal, muitos profissionais de saúde não fazem a notificação, seja por desconhecimento, falta de treinamento e medo de envolvimento em responsabilidades que consideram como dos setores de segurança pública e não da saúde (JARAMILO E URIBE, 2001; SALIBA, 2007).

Caso não efetue a notificação compulsória de violência devidamente, o profissional de saúde pode ser responsabilizado juridicamente por seu ato, podendo sofrer desde sanções previstas em seu Código Profissional (artigo 5º da Lei Federal nº. 10.788, de 24 de novembro de 2003) de até sanções mais graves, como as penais (artigo 66 Decreto Lei nº. 3.688, de 03 de outubro de 1941), podendo sofrer pena pecuniária por este ato (BRASIL, 2003; BRASIL, 1941).

A responsabilidade jurídica do profissional de saúde com relação ao preenchimento esbarra na própria Lei Federal n. 10.788, que em seu artigo 5º preconiza:

 

“Art. 5º A inobservância das obrigações estabelecidas nesta Lei                        constitui infração da legislação referente à saúde pública, sem                          prejuízo das sanções penais cabíveis” (BRASIL, 2003).

 

Pela interpretação deste artigo podemos dizer que além do previsto na parte penal, o profissional de saúde também ficaria sujeito às penas relativas em seu Código de Exercício Profissional (conforme profissão), além daquelas previstas no Código Penal, particularmente nos crimes contra a “Administração Pública”.

5.  Considerações finais

Apesar dos constantes estudos e aprimoramentos relacionados à violência contra a mulher, faz-se necessário um avanço contínuo em prol dessas mulheres, não só por meio da legislação vigente, mas da atitude ética de cada profissional de saúde envolvido no atendimento dessas vítimas, refletindo a busca pelo direito de cada cidadão dizimado pela violência em sua família.

É do conhecimento geral que a maior parte das mulheres que sofrem violência acaba por não denunciar esse abuso, visto o receio de punição por parte daquele que a violenta, bem como pela própria sociedade.

Há necessidade de intensa divulgação junto à sociedade sobre a temática em questão, possibilitando a toda uma população o entendimento do que é violência contra a mulher e quais os instrumentos jurídicos que garantem e protegem os direitos humanos dos envolvidos.

Denunciar a violência é essencial para que aqueles que a utilizam como uma arma venham a ser responsabilizados. O silêncio da mulher e da sociedade somente perpetua o quadro para além de uma única geração.

6.  Referências

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  3. BRASIL. Código Penal Brasileiro, 1940. 14ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009a.   
  4. BRASIL. Decreto-Lei n. 3.688, de 3 de outubro de 1941. Lei de Contravenções Penais. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3688.htm>. Acesso em: 22 de out 2017.
  5. BRASIL. Lei n. 10.788, de 24 de novembro de 2003. Estabelece a notificação compulsória, no território nacional, no caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados. Brasília; 2003. Disponível em: <http://www.soleis.adv.br/violenciacontramulher.htm> . Acesso em: 2 jan 2017.
  6. BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha: cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.  Diário Oficial da União, Brasília, 8 ago. 2006a.
  7. BRASIL. Lei nº 12.015, de 7 DE AGOSTO DE 2009. Altera o Título VI da Parte Especial do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, e o art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do inciso XLIII do art. 5o da Constituição Federal e revoga a Lei no 2.252, de 1o de julho de 1954, que trata de corrupção de menores. Brasília; 2009b. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12015.htm>. Acesso em: 20 jul 2011.
  8. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº. 104, de 25 de janeiro de 2011. Define as terminologias adotadas em legislação nacional, conforme o disposto no Regulamento Sanitário Internacional 2005 (RSI 2005), a relação de doenças, agravos e eventos em saúde pública de notificação compulsória em todo o território nacional e estabelece fluxo, critérios, responsabilidades e atribuições aos profissionais e serviços de saúde. Diário Oficial da União: Seção I, n.18, p.37, 2011a.
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Assuntos relacionados
Sobre os autores
Lucia Cristina Florentino Pereira da Silva

Docente da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo- USP. Mestrado e Doutorado pela Universidade de São Paulo.

Evelyn Priscila Santinon Sola

Advogada. Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo USP mestre em Direito pela UNISANTOS MBA em Comércio Internacional pela Universidade de São Paulo USP e máster Management Stratégigue et Génie des Organisations - CAEE Internacional Manager pela Universidade em Grenoble França. Pós-graduada em Educação a Distância: Planejamento Implantação e Gestão. Docente de Direito da UNIP Sorocaba.

Celia regina Maganha e Melo

Docente da Escola de Artes Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo USP. Mestrado e Doutora pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP).

Maryam Michelle Jarrouge Trintinália

Mestre pela Universidade de São Paulo, especialista de nível superior da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.

Patrícia Wottrich Parenti

Docente da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP. Mestre e doutora pela Universidade de São Paulo.

Ana Paula Rogenski

Discente do curso de Direito da Universidade Paulista - campus Sorocaba.

Beatriz Sabino da Luz

Discente de Enfermagem da Universidade Integrada de Ourinhos.

Maria Aparecida de Jesus BELLI

Professora doutora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo.

Gustavo Henrique MORAES

Graduando do curso de Medicina da Universidade Municipal de São Caetano do Sul. Membro do grupo de pesquisa "O universo feminino na dimensão do ciclo vital", vinculado à Universidade de São Paulo (USP).

Cindy Ferreira Lima

Doutoranda - Programa Interunidades de Doutoramento em Enfermagem da Universidade de São Paulo Graduada em Obstetrícia - Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo. Graduada em Ciências Biológicas - Universidade Paulista Mestrado em Reprodução Humana - Universidade Federal de São Paulo

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O texto busca embasar os aspectos legais que permeiam o processo de notificação compulsória nos casos de violência contra à mulher, fundamentando os profissionais de saúde nesse processo.

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