RESUMO: Diante do crescente aumento do fluxo migratório contemporâneo, em especial na Europa, os imigrantes advindos principalmente dos países do Oriente Médio fugindo de guerras, terrorismos, conflitos políticos, entre outras “moléstias sociais”, e encantados com a prosperidade europeia, tentam buscar refúgio nos países do bloco, carregando a esperança que podem recomeçar uma nova vida, mas quando chegam a estes países tão sonhados enfrentam dificuldades inimagináveis. O presente estudo teve como objetivo abordar as principais políticas migratórias dos países europeus, a discriminação desses imigrantes, a expansão punitiva estatal dos países receptores em relação aos estrangeiros, analisando os conflitos entre o direito penal dos países europeus que tentam limitar e dificultar o acesso dos imigrantes aos países do bloco, em relação aos direitos humanos dos estrangeiros. Foi concebido por meio de pesquisas bibliográficas, utilizando o método dedutivo. Ao final, concluiu-se que se não forem feitas políticas migratórias conjuntamente entre a Organização das Nações Unidas e os países europeus de uma forma humanitária, que vise um maior olhar sobre a perspectiva dos direitos humanos, pessoas continuarão perecendo nos grandes centros de refúgio nos limites fronteiriços da Europa, e nos trajetos percorridos pelos imigrantes, seja pela terra ou mar.
Palavras-chaves: Imigração, Europa, Direitos Humanos, Punição Estatal
SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Direito Penal do Autor e Imigração Irregular na União Europeia; 2.1 Políticas protecionistas dos países europeus; 2.3 “Construções de muros” e o Direito Penal do inimigo; 3 Direito Penal vs Direitos Humanos dos imigrantes; 3.1 Programa de proteção aos refugiados da ONU; 3.2 Situação degradante dos refugiados e a supressão de seus direitos e garantias fundamentais; 3.3 Aumentos de crimes raciais e a xenofobia nos países europeus; 4 Desafios e prioridades para a política migratória; 4.1. Restrições das políticas migratórias; 4.2. A migração clandestina e o tráfico humano; 5. Considerações finais
1 INTRODUÇÃO
O Direito Penal é a ciência jurídica na qual se aplica apenas em último caso, pode se dizer que é um direito emergencial. As normas penais instituem várias sanções, e possui uma característica própria de tipificar condutas ilícitas, que têm como função de colocar ordem social por meio de métodos punitivos.
O perigo está no fato da expansão do Direito Penal em face do Direito Constitucional, suprimindo os direitos e garantias dos cidadãos, nos chamados casos de Guerra ou de emergência, podem-se citar como exemplo as grandes imigrações contemporâneas, em que muitas vezes a sobrevivência do mais forte é o que importa enquanto os fracos são trucidados pela sociedade.
O enrijecimento da norma penal para combate à imigração é um retrocesso rumo a um Direito do Autor Punitivo, que suprime os direitos e garantias fundamentais, em face da atuação estatal punitiva, nem se busca com esse “inchaço penal” a punição da prática de crimes, mas sim a dominação e a opressão exercida sobre aquelas camadas sociais escolhidas como “alvo” por serem “indesejáveis” e “diferentes” aos olhos da sociedade, em um determinado contexto social, em clara afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana.
O presente artigo tem como estudo as principais consequências das leis protecionistas dos países europeus em relação aos imigrantes, tendo como fonte de pesquisa legislações, doutrinas e jurisprudências, sítios, jornais e revistas. Para tanto será utilizado o método dedutivo por amostragem, constando dados estatísticos do fluxo migratório na contemporaneidade.
2 DIREITO PENAL DO AUTOR E IMIGRAÇÃO IRREGULAR NA UNIÃO EUROPEIA
Constatam-se diariamente através da repercussão da mídia, milhares de famílias se deslocando do Oriente Médio fugindo de guerras e instabilidade política e social de seus países de origem, indo em busca de um “novo mundo” na Europa, todavia, o que se têm visto é a formação de aglomerados de refugiados nas fronteiras dos países europeus, devido à burocratização e a falta de políticas migratórias para absorver tais pessoas, e o excessivo método punitivo imposto aos imigrantes.
Outro principal fator da imigração em massa é a proximidade geográfica entre o conjunto dos países emissores e o grupo dos países receptores. Uma das principais rotas conecta Trípoli, na Líbia, com a ilha de Lampedusa, na Itália, perfazendo apenas 319 km. A Organização Internacional para Migrações (OIM) informou que, com dados atualizados até 16 de setembro de 2015, que a rota marítima no Mediterrâneo já soma 473.887 migrantes, dos quais 349.109 chegaram à Grécia (74% do contingente migratório) e 121.859 na Itália (26%). No destino grego, a maioria é composta de sírios (175.375), afegãos (50.177) e paquistaneses (11.289). Já em terras italianas, a população de migrantes é de maioria eritreia (30.708), nigeriana (15.113) e somali (8.790). (BBC, 2015)
O Direito Penal do autor idealizado por Gunter Jakobs (JAKOBS, Bürgerstrafrecht und Feindstrafrecht, 2004, p. 88) defende a criação de um Direito Penal diferenciado, voltado para punir criminosos que se afastam do ordenamento jurídico e não oferecem garantias de que se portaram novamente de acordo com a norma. Este método infelizmente tem sido utilizado para a contensão e repressão para a entrada de imigrantes nos países da Europa, sob a influência dos movimentos de Lei e Ordem, como formas por excelência de se combater a criminalidade e as ameaças (imigrantes) em relação ao Estado Social.
Deve-se atentar para o fato de que o modelo de gestão da imigração nos países centrais europeus é inspirado fundamentalmente e de forma reconhecida em interesses econômicos. Como salienta Martínez Escamilla (2009, p. 2-45):
Se admite a quien consideramos que puede ser útil para nuestra economía, una economía que há pasado de prospera a maltrecha. La inmigración que desde esta perspectiva económica no podemos o no queremos asumir, se concibe como una amenaza, como una – por definición indeseada – invasión. A partir de esa percepción, la política migratoria se concentra en el rechazo, poniéndose al acento en control de fronteras y en la persecución y hostigamiento de quienes consiguen esquivarlas, en el refuerzo de los instrumentos jurídicos y de los medios materiales para afrontar lo que se há denominado ‘lucha’ contra la inmigración irregular.
A partir da análise do que foi até o momento exposto, permite-se inferir que a utilização do Direito Penal no combate à imigração irregular na União Europeia deve-se ao fato de que segundo Bauman (2005, p.71):
O novo medo dos terroristas foi misturado e cimentado com o ódio aos ‘parasitas’, sentimento bem entrincheirado, mas que precisa de constante alimento, matando dois coelhos com uma só cajadada e dotando a atual cruzada contra os ‘parasitas da previdência’ de uma nova e invencível arma de intimidação de massa. Enquanto a incerteza econômica não é mais preocupação de um Estado que preferiria deixar para seus súditos individuais a busca individual de remédios individuais para a insegurança existencial individual, o novo tipo de temor coletivo oficialmente inspirado e estimulado foi colocado a serviço da fórmula política. As preocupações dos cidadãos com seu bem-estar foram removidas do traiçoeiro terreno da précarité promovida pelo mercado, no qual os governos dos Estados não têm capacidade nem vontade de pisar, e levadas para uma área mais segura e muito mais telefotogênica, em que o poder aterrorizante e a resolução férrea dos governantes podem ser de fato apresentados à admiração pública.
Além desses fatores, cumpre salientar, que os imigrantes, a par da “potencialidade terrorista” e do “parasitismo social”, “exalam o odor opressivo do depósito de lixo que, em seus muitos disfarces, assombra as noites das potenciais vítimas da vulnerabilidade crescente”, ou seja, “encarnam – de modo visível, tangível, em carne e osso – o pressentimento inarticulado, mas pungente e doloroso” da condição de descartável daqueles que os perseguem e odeiam. (BAUMAN, 2005, p. 73).
A soma de fatores permite falar, no surgimento de um ambiente social pautado pela “mixofobia”, ou seja, pelo medo de misturar-se, ou, ainda, como um “impulso em direção a ilhas de identidade e de semelhança espalhadas no grande mar da variedade e da diferença. (BAUMAN, 2009, p. 44)
2.1 POLÍTICAS PROTECIONISTAS DOS PAÍSES EUROPEUS
As leis de migração dos países europeus são baseadas no método repressivo tratando o imigrante como uma potencialidade de ameaça e risco num Estado de “Paz Social”.
Deve-se ressaltar que a formação da opinião pública acerca dos medos, da insegurança e da necessidade de afastar os imigrantes por meio da intervenção do sistema punitivo, principalmente sob influência dos meios de comunicação de massa, deságua na pressão popular sobre os poderes públicos para que as reformas penais necessárias para fazer frente a “cada vez mais aterradora criminalidade” sejam efetivamente levadas a cabo.
A população, diante do medo e da insegurança diante da crescente imigração irregular, pugna por resultados rápidos e eficientes, e os partidos políticos, buscando dar respaldo a esses anseios, respondem cada vez mais debilitando as garantias atinentes à segurança jurídica, por meio de medidas legislativas.
Sobre o tema, Bauman (2005, p. 84) destaca que os poderes de Estado já não podem mais fazer quase nada para aplacar a incerteza que permeia as relações sociais na contemporaneidade, e “o máximo que podem fazer é mudar seu foco para objetos alcançáveis”, quer dizer, “tirá-la dos objetos em relação aos quais nada podem fazer e colocá-la sobre aqueles que pelo menos lhes propicia uma demonstração de sua capacidade de manejo e controle.” E os “refugiados, pessoas em busca de asilo, imigrantes – os produtos rejeitados da globalização – encaixam-se perfeitamente nesse papel.”
Os imigrantes, em circulação pelo globo, em busca de subsistência e na tentativa de se estabelecer onde ela pode ser encontrada, acaba por se tornar um alvo fácil para a descarga das ansiedades provocadas pelos temores generalizados de redundância social”, razão pela qual acabam sendo “recrutadas para auxiliar os esforços governamentais dos Estados que pretendem reafirmar sua autoridade, reduzida e enfraquecida”. (BAUMAN, 2005, p. 73).
A legislação penal dos países centrais europeus voltadas à questão da imigração irregular avança no sentido da conformação de um modelo de Direito Penal que assume algumas características punitivas e não integrativas.
2.2 CONSTRUÇÕES DE MUROS E O DIREITO PENAL DO INIMIGO
A maior rigidez para a entrada de imigrantes nos EUA, com o projeto audacioso do atual presidente do país Donald Trump de “fortificar” toda a fronteira com o México dificultando imensamente a entrada ilegal de estrangeiros. Instaurou-se um verdadeiro “caça as bruxas”. Além disso, os EUA também dificultaram a expedição de vistos principalmente para alguns países da América do Sul, transformando em uma verdadeira burocracia a entrada de imigrantes legais e turistas. (online, 2017)
Nesse aspecto percebe-se que há um protecionismo totalmente fundamentado no Direito Penal do Inimigo, pois a tentativa do governo americano é conter ou obstruir a entrada de possíveis “terroristas” em seu espaço geográfico. Não há uma política de imigração voltada à área social, de inserção ou absorção dessa mão de obra pelo país, até porque todo nativo têm um sentimento de que todo estrangeiro veio “usurpar” de seu lugar na sociedade.
A nova política anti-imigração ressalta que os agentes de imigração devem priorizar a deportação de imigrantes ilegais que “tenham sido condenados por qualquer crime” inclusive fraude perante órgão do governo e o “abuso contra qualquer programa de recebimento de benefícios públicos”. O presidente Donald Trump estima que com essa nova política o governo vá deportar cerca de 2 a 3 milhões de imigrantes durante seu mandato. Para tentar suprir a falta de pessoal serão contratados mais 10 mil agentes. (online, 2017)
3 DIREITO PENAL X DIREITOS HUMANOS DOS IMIGRANTES
O final do século XX e o começo do novo milênio estão caracterizados por um clima de desilusão e desconfiança total, consequência de situações vividas e sofridas durante o século passado. Apesar das ideologias de liberdade e igualdade do mundo moderno, a humanidade conheceu os crimes hediondos de Auschwitz, de Hiroshima, do campo de concentração de Gulag, das ditaduras militares, da depredação do meio ambiente e do empobrecimento dos povos do sul do mundo. (MARINUCCI, 2000, p. 02).
Esta sensação de desilusão foi impulsionada também pela conjuntura política. A queda do muro de Berlin representou um golpe para os que acreditavam na possibilidade de planejar sociedades igualitárias e justas. Sobrou à dura e extremamente selvagem, lei do mercado, logo proclamada como única vencedora. Os falsos profetas vaticinaram: é o fim da história e da utopia; não precisa olhar mais para o horizonte, nem buscar mais, pois o destino da humanidade já está traçado: é o caminho da globalização neoliberal. (MARINUCCI, 2000, p. 02).
Agravada com os atentados de 11 de setembro (EUA) as migrações, que no passado eram vistas como um potencial de trazer novidades enriquecedoras, agora é tido como uma fonte de terrorismo, ameaça ao emprego das pessoas dos países receptores de imigrantes e à segurança dos Estados (BBC BRASIL, online, 2016)
De acordo com dados da ONU (Organização das Nações Unidas), cerca de 2,5 mil imigrantes se afogaram no mar Mediterrâneo neste ano vítimas dos muitos barcos superlotados que tentam chegar à costa da Itália e da Grécia. O fluxo de pessoas desesperadas que parte da Síria e do norte da África na tentativa de alcançar a Europa já é muito maior que o registrado no mesmo período do ano passado. Números recentes mostram que milhares de pessoas estão usando uma rota perigosa através dos Bálcãs para chegar à Alemanha e a outros países do norte da União Europeia (UE)”.
Na visão de Silva (apud Malheiros 2000, p. 195):
[...] ao estrangeiro correspondem, igualmente, os direitos sociais, especialmente os trabalhistas. Ao outorgar direitos aos trabalhadores urbanos e rurais, por certo aí a Constituição alberga também o trabalhador estrangeiro residente no País, e assim se há de entender em relação aos outros direitos sociais: seria contrário aos direitos fundamentais do ser humano negá-los aos estrangeiros residentes aqui, afirma o professor”.
Em escala global um tipo de migração totalmente diferente se instaurou, não são apenas pessoas mudando de países em busca de melhores condições de vida, mas são famílias que estão fugindo de guerras e fome, estão fugindo de seus pesadelos mais terríveis e em direção a um sonho que é de viver em paz, mas infelizmente a dura realidade dos imigrantes não permite a realização desses sonhos, que muitas vezes parecem utópicos. E o preconceito em relação aos imigrantes é estonteante.
Há de se falar, nesse contexto, na desumanização provocada pelo fenômeno migratório, a partir da qual o outro (álien) é sempre visto como inimigo e como oponente justamente por não nascer naquele determinado país, e como resultado não pertencer àquele determinado lugar.
Sobre esse tema, Lopes (2009, p. 32) assevera que:
[...] a palavra “estrangeiro” é utilizada como rótulo que se destina a distribuir e classificar pessoas. Ao mesmo tempo em que tal classificação pode ser utilizada para rebaixar o estrangeiro, por seu “não pertencimento”, serve também para exacerbar a unicidade do grupo que lhe exclui. Nessa linha de raciocínio, o estrangeiro, porque está em território alheio, é um intruso”.
Na contemporaneidade, são vários os motivos que levam uma pessoa a sair de seu país em busca de novos horizontes, induzidos por novas perspectivas.
Sobre a temática, sublinham Malgesini e Giménez (2000, p. 282) que:
los movimientos migratórios son el producto de una tendencia natural e histórica de las personas a desplazarnos siempre con un mismo objetivo: mejorar nuestra situación de partida. Eso no significa que todo el mundo tenga la misma motivación; por el contrario, en ocasiones la meta puede ser la búsqueda más elemental de la supervivencia, escapar de los peligros o conseguir alimentos, y en otras, la satisfación de anhelos culturales o de aventura.
As políticas de imigração da União Europeia têm falhado, pois são e estão sendo construídas políticas públicas com a finalidade de reprimir esses imigrantes e não de recebê-los. Buscam-se formas de manter os imigrantes em seus países de origem, contendo a imigração em troca de pressões e ajuda econômica, e se possível, evitar a entrada de imigrantes na Europa e posteriormente forçar a saída dos imigrantes do território europeu, fazendo emergir o “Estado de terror e medo” e declinando o “Estado de Bem-Estar Social” (MORAIS, apud WERMUTH, 2014):
[...] de fato, com a passagem de um modelo de sociedade amparada pelo Estado Social solidário à sociedade de risco securitário contemporânea, o medo e a insegurança tornam-se companhia indissociáveis do indivíduo. Assim, para proteger-se do risco natural ou criado a nova ordem é a segurança e, na dúvida, na ausência de um sistema de definição, controle e gestão dos riscos, erige-se a segurança como máxima.
Bauman (2005, p. 2) traduz esse sentimento de medo que se instaura em relação ao diferente, ao que não corresponde à população local:
[...] poderíamos dizer que a insegurança moderna, em suas várias manifestações, é caracterizada pelo medo dos crimes e dos criminosos. Suspeitamos dos outros e de suas intenções, nos recusamos a confiar (ou não conseguimos fazê-lo) na constância e na regularidade da solidariedade humana.
Nesse sentido, é preciso, a todo o momento, avaliar se um determinado indivíduo constitui ou não um perigo para o Estado. No entanto, essa avaliação é realizada num contexto de emergência, podendo o Estado exercer prerrogativas de poder que compreendem a suspensão da lei.
Para Zaffaroni (2007, p. 18):
[...] o Direito Penal, ao admitir que alguns seres humanos são perigosos, os tornou meros objetos do poder, passíveis de segregação e eliminação, não os considerando mais pessoas. Ora, esse Direito Penal que admite as chamadas medidas de segurança, com caráter meramente contencioso desses indivíduos perigosos, fere o artigo 1° da Declaração Universal de Direitos Humanos.
O estado de terror global serve como justificativa ideológica para essa violência sancionada, já que os terroristas são considerados à margem da lei, para que então se justifique um tratamento de desigualdade, são indivíduos não considerados parte da camada humana. “O não reconhecimento de residência e de circulação (liberdade) aos imigrantes, especialmente aos ilegais, facilita o tratamento de não pessoa.” (LYRA, 2013, p. 349).
Com a expansão do Direito Penal cumulado com o medo e a insegurança que se instalou no mundo todo, clama por medidas urgentes, por respostas urgentes de um Estado que enfrente e proteja o que é seu e nesse caso, o imigrante, como é melhor representa o inimigo do Estado, já que não possui direitos, garantias ou mesmo uma identidade, não está incluso, está à margem, inclusive da própria lei, estão à mercê do soberano. E é exatamente nesse momento em que o soberano reafirma a vida nua, ao capturar novamente a vida através de ações violentas, mas, mesmo assim, legitimadas.
A sociedade pós industrial europeia é uma sociedade que expressa a crise do modelo de Estado do bem-estar, uma sociedade competitiva com bolsões de desemprego ou marginalidade, especialmente juvenil, irredutíveis, de migrações voluntárias ou forçadas, de choque de culturas. Uma sociedade, em suma, com importantes problemas de vertebração interna. (DENKEN, MUNCHEN, 1994, p. 232-233)
Entre outros efeitos, o certo é que todos esses elementos geram episódios frequentes de violência (em sua acepção mais ordinária de “criminalidade de rua” individual e em outras manifestações) mais ou menos explícita.
Nesse modelo, de efeito, a própria convivência aparece como uma fonte de conflitos interindividuais. O fenômeno da “criminalidade de massas” determina que o “outro” (imigrante) se mostre muitas vezes, precisamente e sobretudo, como um risco, o que constitui a outra dimensão (não tecnológica) da “sociedade de risco” (KINDHAUSER, p. 229, 1992).
Esse último aspecto, o da criminalidade de rua ou de massas (segurança dos cidadãos em sentido estrito), converge com as preocupações clássicas de movimentos como o de “lei e ordem”.
Nesse sentido, o fenômeno não é novo. O novo é que as sociedades pós-industriais europeias experimentem problemas de vertebração até a pouco por elas desconhecidos (pela imigração, a multiculturalidade e os novos bolsões de marginalidade). E o novo é também que, a raiz de tudo isso, a ideologia de lei e ordem haja ancorado em setores sociais muito mais amplos do que aqueles que a respaldavam nos anos 60 e posteriores. (DENKEN, MUNCHEN, 1994, p. 232-233)
3.1 PROGRAMA DE PROTEÇÃO AOS REFUGIADOS DA ONU
O mundo tranquilo e próspero é aquele em que as pessoas sintam-se seguras em seus lares, no aconchego e harmonia de suas famílias. Todavia, guerras ou crises econômicas em alguns países faz com que milhares de pessoas se desloquem forçadamente para protegerem sua integridade física, e com uma “chama” de esperança em busca de novos sonhos. (ONU, 2016).
Segundo estatísticas da ONU em 2008, o Escritório do Alto Comissariado foi capaz de ajudar 4,5 milhões do total estimado de 11,4 milhões de refugiados em todo o mundo. Foi também capaz de proteger e assistir cerca de 13,7 milhões de pessoas internamente deslocadas (IDP). (ONU, 2008).
No processo, o ACNUR ajudou 2,8 milhões de refugiados e deslocados a voltarem a suas casas. Também atuou ativamente quanto às necessidades de cerca de 2,9 milhões de apátridas e 800 mil requerentes de asilo e outros casos. Um total de 31,7 milhões de pessoas – despojadas da segurança básica necessária para viver uma vida produtiva e significativa. (ONU, 2016).
Percebe-se que se não houvesse uma política pacificadora e acolhedora da Organização das Nações Unidas em relação aos imigrantes, a atual crise migratória estaria muito mais catastrófica. No entanto pode-se dizer que os países europeus estão “remando contra” a essa política humanitária, aplicando cada vez mais em suas políticas migratórias, regras restritivas para dificultar ainda mais a entrada dos imigrantes.
3.2 SITUAÇÃO DEGRADANTE DOS REFUGIADOS E A SUPRESSÃO DE SEUS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
Nas últimas décadas têm tido um aumento vertiginoso dos fluxos comerciais e financeiros, mas também se pode verificar um crescimento substancial dos contatos no âmbito cultural, social e até mesmo jurídico. Esse “intercâmbio sociocultural” deve-se ao fenômeno da globalização, que também está presente nas grandes massas populacionais se deslocando para os países mais ricos e próximos, sendo seu principal ponto de destino os países da União Europeia.
É sabido que o grande fluxo de imigrantes que se deslocam à Europa preocupa os países do bloco da UE, pois, além de terem que se preocupar com sua política interna e seus problemas sociais, precisam ainda elaborar políticas de recepção a estas pessoas.
Torna-se cada vez mais enfática e cristalina a ideia segundo a qual a proteção dos direitos humanos não é mais matéria de competência exclusiva das soberanias nacionais, nem pode ser esquivada sob o manto do relativismo cultural. Se antes as questões de direito internacional interessavam apenas aos Estados soberanos, agora elas são criadoras de uma imensa lacuna relativa às relações dos Estados com outros atores, como diversas organizações (notadamente ONGs), empresas multinacionais, indivíduos, minorias e grupos de interesse. (RIBEIRO, 2008, p. 58)
Pode-se afirmar que o tema da defesa internacional dos direitos fundamentais do ser humano tem assumido uma configuração cada vez mais global, eis que se exige dos países o cumprimento dos institutos jurídicos internacionais firmados que regulam a matéria.
Quando se fala em direitos humanos, as questões mais abordadas na União Europeia são as minorias étnicas, as vítimas de guerras (prisioneiros, refugiados, imigrantes) e a proteção do cidadão contra o abuso de poder público (ou seja, o acesso a tribunais internacionais ou supranacionais). O princípio da Universalidade dos direitos humanos muitas vezes é marcado pela desigualdade internacional (VEDRINE, 2000).
Antes da Segunda Guerra Mundial, temas como o respeito às minorias dentro de territórios nacionais e direitos de expressão política não eram abordados para não ferirem o então incontestável e absoluto princípio de soberania (LEFEBVRE, 1997, 115-7). No entanto, em pleno século XXI percebe-se que países tratam de forma desumana grupos de refugiados. Logo abaixo será descrita uma das denúncias feitas por ONGs que defendem os direitos humanos dos imigrantes.
A organização de direitos humanos Human Rights Watch denunciou, que no dia 06 de Abril de 2017, que a Grécia está a "deter arbitrariamente" crianças migrantes desacompanhadas, em condições "degradantes e pouco higiénicas", encarcerando-as juntamente com adultos e por períodos de tempo ilegais. Também no relatório "Crianças desacompanhadas detidas na Grécia", a organização não governamental com sede em Nova Iorque revela as conclusões de uma investigação conduzida naquele país europeu (que faz fronteira com Albânia, Bulgária, Macedónia e Turquia) entre 27 de junho e 06 de julho. Afirma recordar que estas crianças, ao abrigo das leis internacionais e da própria lei grega, "têm direito a cuidados e proteção por parte das autoridades", mas salienta que a Grécia tem poucas "acomodações adequadas" o que tem levado à detenção arbitrária e prolongada de crianças. (DN MUNDO, online, 2017).
Mesmo com todo aparato humanitário internacional para defender os imigrantes observa-se que os países ainda violam tratados internacionais e suas próprias leis internas em detrimento dos estrangeiros, e ainda mais, não sofrem nenhuma sanção efetiva pela comunidade internacional.
3.3 AUMENTO DE CRIMES RACIAIS E A XENOFOBIA NOS PAÍSES EUROPEUS
A sensação de insegurança que permeia toda a comunidade europeia, com as notícias de ataques terroristas nas principais cidades aterrorizam as pessoas, e traz sim um grande preconceito em relação ao estrangeiro originário de países mulçumanos, crescendo consequentemente os crimes raciais e xenofóbicos. O medo do diferente se perpetra em toda a Europa e no mundo em geral.
Essa sociedade pode ser mais bem definida como a sociedade da “insegurança sentida” (ou como a sociedade do medo). Um dos traços mais significativos das sociedades da era pós-industrial é a sensação geral de insegurança, isto é, o aparecimento de uma forma especialmente aguda de viver os riscos. (ARZT, 1994, p. 13).
Aumenta-se a intolerância para com os grupos estrangeiros, motivada pelas diferenças culturais e sociais, com inúmeros casos de intolerância social, racial e religiosa. Não obstante, a população europeia também se considera ameaçada pelos estrangeiros, com o receio de que eles diminuam a oferta de emprego e atrapalhem os rumos da economia, enviando dinheiro ao exterior (geralmente, seus lugares de origem) e diminuindo a circulação econômica interna. Tais medos intensificaram-se durante a recente crise econômica financeira. (SÁNCHEZ, 2002, p.33).
Apesar de a União Europeia ter criado, já em 1997, o Observatório Europeu do Racismo e da Xenofobia, ainda há muito que se avançar no velho continente no que diz respeito à intolerância social e política para com estrangeiros. O mesmo desafio é enfrentado por outros territórios, como os Estados Unidos e, recentemente, países emergentes, que vêm se tornando novos vetores para a chegada de migrantes à procura de melhores condições vida. (UOL, online, 2016)
Crimes de racismo e xenofóbicos tem se agravado com o fomento de doutrinas xenófobas por parte de partidos políticos, designadamente os de extrema-direita, que não só deles se aproveitam para justificar períodos de maior vulnerabilidade econômico-social no seu próprio país, como ainda, através dos nacionalismos exacerbados patentes nos seus discursos, adicionam às ideologias já enraizadas novas ondas de intolerância. Embora tendo presentes os maus exemplos do passado (Holocausto, apartheid, etc.), a verdade é que sentimentos desta natureza persistem na Europa, em prejuízo de indivíduos ou colectivos segregados, independentemente do seu nível econômico e da partilha ou não dos valores, princípios e matrizes fundamentais da sociedade de acolhimento. (FOLGOA, 2001)
Pode-se dizer, que as migrações, que no passado eram vistas como um potencial de trazer novidades enriquecedoras, agora são tidas como uma fonte de terrorismo, ameaça ao emprego dos nacionais e à segurança dos Estados.