A responsabilidade civil do advogado na atuação judicial.

A relativização da imunidade profissional e o dever de urbanidade

18/05/2017 às 16:01
Leia nesta página:

O advogado é indispensável à administração da justiça e, nos termos da Constituição Federal (art. 133), é defensor do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e garantias fundamentais, da cidadania, da moralidade, da Justiça e da paz social, cumprindo-lhe exercer o seu ministério em consonância com a sua elevada função pública e com os valores que lhe são inerentes, conforme o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil.

 O Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, norteando-se por princípios que formam a consciência profissional e indicam os imperativos que sua conduta deve seguir, estabeleceu as diretrizes da atuação profissional, dizendo que o advogado observará, nas suas relações com os colegas de profissão, agentes políticos, autoridades, servidores públicos e terceiros em geral, o dever de urbanidade, tratando a todos com respeito e consideração, vide artigo 27.

Para a realização do seu mister, como o de lutar sem receio para o primado da Justiça, o estatuto Estatuto da Advocacia prevê a imunidade do profissional, no § 2º, do artigo 7º, estabelecendo que o advogado possui imunidade, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer. Esta previsão também está inserida na Constituição Federal, em seu artigo 133,  que estabelece a inviolabilidade do advogado por atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

Em consonâncias com os dispositivos mencionados, a reelaboração do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil fez inserir em seu texto ser defeso ao advogado expor os fatos em Juízo ou na via administrativa falseando deliberadamente a verdade e utilizando de má-fé (art. 6º).

A imunidade no exercício da profissão, como se vê dos dispositivos legais, não é absoluta. Por expressa previsão da Constituição Federal, do Estatuto da Advocacia e do Código de Ética e Disciplina, o advogado responde pelos excessos que cometer no exercício do seu oficio.

Por excesso tem-se aquilo que ultrapassa os limites razoáveis da questão posta em Juízo e da defesa dos direitos de seus clientes, como o uso de expressões excessivas, ofensivas, sem motivo plausível ao deslinde da causa.

Da imunidade o profissional não pode se valer quando, em sua atuação, o advogado ultrapassar os limites da lide e causar danos à honra de qualquer das partes do processo.

A atuação profissional do advogado sempre será pública, exceto nos escassos casos de segredo de justiça em que tramitam os feitos nas situações elencadas no art. 189 do Código de Processo Civil. O teor de suas peças é de sua responsabilidade, eis que resultado do seu trabalho na defesa aos direitos daqueles que representa.

A imunidade do advogado possui exclusiva relação com a atuação que esteja relacionada à atividade profissional. Quando o profissional se distancia dos limites da causa, incidindo em excessos, que se tornam públicos com o protocolo das peças processuais, a imunidade profissional perde o seu caráter absoluto e o advogado pode ser responsabilizado pelos danos que causar.

Posta no mundo a peça processual, cujo teor é de responsabilidade do profissional que a redigiu, toda a narrativa ali contida produz efeitos não só no mundo jurídico, mas, diante a publicidade inerente aos procedimentos judiciais, em toda a esfera social em que os envolvidos estão inseridos.

Cavalieri Filho afirma que “a jurisprudência tem responsabilizado civilmente o advogado pela ofensa irrogada em juízo (...) e assim é porque, se por um lado a Lei Maior confere ao advogado inviolabilidade por seus atos e manifestações no exercício da profissão, por outro garante a todos a inviolabilidade da honra, da imagem, da intimidade e da vida privada, assegurado o direito à indenização por dano material ou moral decorrentes de sua violação (art. 5º, X). E como a Constituição não pode estar em conflito consigo mesma, não obstante a diversidade de normas e princípios que contém, forçoso é concluir que sempre que direitos constitucionais são colocados em confronto, um condiciona o outro, atuando como limites estabelecidos pela própria Lei Maior para impedir excessos e arbítrios.”.

Quanto à imunidade do advogado o Supremo Tribunal Federal posicionou-se pela sua relativização, nos seguintes termos:

O Supremo Tribunal Federal já fixou o entendimento de que não é absoluta a inviolabilidade do advogado, por seus atos e manifestações, o que não infirma a abrangência que a Magna Carta conferiu ao instituto, de cujo manto protetor somente se excluem atos, gestos ou palavras que manifestamente desbordem do exercício da profissão, como a agressão (física ou moral), o insulto pessoal e a humilhação pública a proclamada imunidade profissional do advogado não é absoluta. (STF - HABEAS CORPUS: HC 105134/SP).

Sobre a questão, notadamente também se posicionou o Superior Tribunal de Justiça:

O advogado que utiliza linguagem excessiva e desnecessária, fora de limites razoáveis da discussão da causa e da defesa de direitos, continua responsável penalmente. Alcance do § 2º do art. 7º da Lei 8.906/1994 frente a Constituição Federal (arts. 5º, caput, e 133). Suspensão parcial do preceito pleo STF na ADIn 1.127-8. Jurisprudência dominante no STF e STJ, a partir da Constituição de 1988. Seria odiosa qualquer interpretação da legislação vigente conducente à conclusão absurda de que o novo Estatuto da Ordem teria instituído, em favor da nobre classe dos advogados, imunidade ampla e absoluta, nos crimes contra a honra e até no desacato, imunidade essa não conferida ao cidadão brasileiro, às partes litigantes, nem mesmo aos juízes e promotores. O nobre exercício da advocacia não se confunde com um ato de guerra em que todas as armas, por mais desleais que sejam possam ser utilizadas. Recurso de habeas corpus a que se nega provimento. (STJ – 5ª T. – RCH 4.889 – rel. Assis Toledo – RT 734/583).

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A imunidade profissional, garantida ao advogado pelo Estatuto da Advocacia não alberga os excessos cometidos pelo profissional em afronta à honra de quaisquer das pessoas envolvidas no processo, seja o magistrado, a parte, o membro do Ministério Público, o serventuário ou o advogado da parte contrária. O advogado que, atuando de forma livre e independente, lesa terceiros no exercício de sua profissão responde diretamente pelos danos causados, não havendo que se falar em solidariedade de seus clientes, salvo prova expressa da 'culpa in eligendo' ou do assentimento a suas manifestações escritas, o que não ocorreu na hipótese. (STJ - RECURSO ESPECIAL Nº 932.334 - RS (2007/0047387-9) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI).


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição, 1988.

BRASIL. Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, Estatuto da Advocacia.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 10. ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2012, n. 117.1, p.434.

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, Resolução nº 02/2015 - Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.

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Sobre a autora
Liz Rejane Souza Tazoniero

Advogada. Graduada em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC, possui pós-graduação em Direito Penal e Processual Penal pelo Centro Universitário UNIRONDON, possui aprimoramento em Direito Processual Civil. É facilitadora da prática de Justiça Restaurativa nos ditames da Resolução do Conselho Nacional de Justiça nº 225, de 31 de maio de 2016.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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