Precedentes judiciais no ordenamento jurídico brasileiro à luz do CPC/2015
Analisados os conceitos fundamentais da teoria do precedente judicial, é momento de se demonstrar que seus institutos foram incorporados pelo CPC/2015, que também tratou de atribuir eficácia vinculante a determinadas decisões judiciais.
Segundo o artigo 926, do CPC/2015, a jurisprudência deve ser estável, íntegra e coerente. Nota-se que o legislador brasileiro preocupou-se em dar aos precedentes o escopo que possuem no common law: respeito à igualdade, à segurança e à coerência da ordem jurídica.
Por sua vez, o artigo seguinte, 927, do mesmo CPC, adotou um critério impositivo de quais decisões terão força normativa na sistemática processual, assim dispondo: Os juízes e os tribunais observarão os seguintes pronunciamentos: I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
O dispositivo acima representa a efetiva adoção da teoria do precedente judicial no Brasil. Por meio dele, estabelece-se no direito pátrio, mutatis mutandis, o instituto do stare decisis e, consequentemente, um escalonamento dos precedentes no país.
Nos termos do art. 927, §1°, do CPC/2015, a formação do precedente judicial deve observar os artigos 10 e 489, §1°, do mesmo diploma legal, referência esta que nos leva à conclusão de que toda decisão judicial nele elencada constitui um precedente judicial. Isso porque, de um lado, o art. 10 impõe a observância do contraditório na formação do precedente judicial e, de outro lado, o art. 489, §1º, determina que o precedente judicial, entendido como decisão judicial seja, obrigatoriamente, fundamentada.
Como observado, os precedentes no CPC/2015 já surgem como precedentes, recaindo na problemática das respostas às perguntas ainda não feitas, com amplas possibilidades de determinação de sentido.
Proferidos, os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores (art. 927, §5°, do CPC/2015), passando, então, os precedentes judiciais, a produzir seus efeitos.
Cabe ressaltar que o dever de "observar", atribuído pelo texto legal ao juiz, traz o significado de que toda decisão prolatada deve ter justificada a aplicação ou não dos pronunciamentos constantes no art. 927, CPC/2015.
Nesse sentido, conclui-se que a interpretação de enunciado ou súmula que se afastada dos julgados que a deram origem não pode ser considerada como parte de uma jurisprudência estável, íntegra e coerente.
O CPC/2015 atribui eficácia aos precedentes judiciais, fato que permite classificá-los em três espécies: obrigatórios, impeditivos ou permissivos e persuasivos, cada qual com características próprias.
Precedentes obrigatórios ou vinculantes
O caput do art. 926, do CPC, expressamente, determina aos tribunais a uniformização da sua jurisprudência e a manutenção da estabilidade, integralidade e coerência de suas decisões, na busca pela isonomia e da segurança do ordenamento jurídico. Para que esses deveres sejam cumpridos, os parágrafos do referido artigo estabelecem que os tribunais deverão editar enunciados de súmula correspondentes à sua jurisprudência dominante, vedando ao tribunal a edição de enunciado de súmula que não tenha por base os fatos concretos dos precedentes que motivaram sua criação.
Os precedentes obrigatórios são aqueles cuja autoridade vinculante independe da opinião do juiz do caso em julgamento, que deve segui-lo, independente da opinião pessoal. Aqui se vê com clareza a máxima do stare decisis et non quieta movere (mantenha a decisão e não mova no que está quieto), regra nos países do common law.
A tão esperada uniformização, estabilidade, isonomia e segurança jurídica só serão alcançadas se forem observados o disposto nos incisos I ao V, do art. 927, do CPC, o qual elenca os precedentes judiciais que devem ser obrigatoriamente observados pelos juízes e tribunais.
Nos termos do CPC, são de observância obrigatória: a) as decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade; b) os enunciado de súmula vinculante; c) os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; d) os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; e) a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
Esses precedentes judiciais obrigatórios projetam seus efeitos para além das partes de um caso concreto, gerando uma norma jurídica aplicável a todos os futuros casos semelhantes, portanto, gozam de eficácia vertical, vinculando os juízes e tribunais, bem como a eficácia horizontal, vinculando o órgão prolator do precedente, que poderá deixar de aplicá-lo, preenchido algum dos pressupostos para a superação ou revogação da tese jurídica assentada, conforme previsto no art. 927, §2.º ao 4.º, do CPC.
Precedentes judiciais impeditivos ou permissivos
Os precedentes judiciais impeditivos são espécies de precedentes judiciais vinculantes que possuem a finalidade específica de impedir a apreciação de determinada demanda, a revisão de decisões ou a remessa necessária. Por outro lado, os precedentes judiciais permissivos são espécies de precedentes judiciais vinculantes que visam garantir a apreciação de demanda, a revisão de decisão judicial ou a remessa necessária.
São alguns dos dispositivos do CPC/2015 preveem a função impeditiva ou permissiva dos precedentes judiciais vinculantes: a) o art. 311, II, que prevê que a tutela de evidência será concedida quando: i) houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos; ii) súmula vinculante; b) o art. 332, do CPC/2015, que dispõe que, nas causas que dispensam a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar: i) súmula do STF ou do STJ; ii) acórdão proferido pelo STF ou pelo STJ em julgamento de recursos repetitivos; iii) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; iv) enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local; c) o art. 1035, §3°, o qual dispõe que haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar acórdão que: i) contrarie súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal; ii) tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal, nos termos do art. 97 da Constituição Federal; d) o art. 976, §4º, que prevê que “é incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva”.
Precedentes persuasivos
Os precedentes persuasivos são todos aqueles que não forem obrigatórios, ou seja, que juiz não está obrigado a seguir. Via de regra, toda decisão que não constitua precedente judicial vinculante, deve ser considerada precedente judicial persuasivo.
Nesse sentido, são persuasivos os precedentes judiciais proferidos pelos juízes de primeiro grau e pelos tribunais estaduais ou regionais federais, excetuando as hipóteses em que os referidos tribunais produzem precedentes judiciais vinculantes.
Apesar de ser regra no direito brasileiro, os precedentes persuasivos não têm sido observados conforme deveriam, isso porque os juízes e tribunais, muitas vezes, não se julgam obrigados a respeitar os precedentes dos Tribunais Superiores e também não levam em consideração os precedentes demonstrados pelos advogados. Situação extremada ocorre quando o juiz ou tribunal não respeita as suas próprias decisões, provocando o tratamento desigual para casos semelhantes.
Entretanto, alguns dos atuais institutos do sistema jurídico brasileiro possuem eficácia obrigatória, como é o caso da decisão do STF proferida no controle difuso de constitucionalidade, da questão da repercussão geral no recurso extraordinário, das súmulas vinculantes, entre outros. Tal fato demonstra que os sistemas não são mais puros, ou seja, estão se tornando híbridos, com nítido diálogo entre institutos do civil law e common law.
Por fim, conclui-se que a eficácia vinculante é restrita aos precedentes previstos nos incisos do caput do art. 927.
Nas hipóteses em que os casos sob julgamento não encontrarem identidade com os precedentes vinculantes, a técnica do distinguishing, normatizada no art. 927, §4°, do CPC, deverá ser utilizada para evidenciar a inaplicabilidade do precedente, permitindo ao órgão jurisdicional vinculado ao precedente judicial afastá-lo, demonstrando, fundamentadamente, tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta ou questão jurídica não examinada no paradigma, a impor solução jurídica diversa.
O CPC/2015, em seu artigo 927, §2.º ao 4.º, também prevê a possibilidade de modificação do precedente judicial e da jurisprudência, por meio da técnica de superação, conhecida no common law como overruling, conforme visto anteriormente.
Distinção obrigatória entre precedente e o caso em julgamento
Como não poderia ser diferente, a adoção do instituto de precedentes exige que o aplicador da ratio decidendi em um precedente a um caso concreto consiga distinguir os elementos fáticos que distanciam ou aproximam a primeira do segundo.
Deste modo, o legislador, acertadamente, incluiu no CPC/2015 o disposto no art. 489, § 1º, incisos V e VI, que a decisão que aplicar ou deixar de aplicar precedente deve demonstrar, de forma expressa, os elementos fáticos que autorizam tal aplicação, em outras palavras, em se tratando de precedente, o órgão jurisdicional sempre estará obrigado a realizar o distinguishing.
Embora o CPC/2015 autorize a superação de precedentes, é imperativo que este seja fundamentado, nos termos do art. 927, § 4º, em outras palavras, a decisão que apontar a superação deverá conter argumentos até então não suscitados, bem como a justificativa da necessidade de superação.
Por força do art. 927, § 4º, do CPC/2015, impõe-se ao julgador a obrigação de fundamentar, expressamente, a superação de precedentes, que pode ser difusa, quando realizada por meio da apreciação de um processo, ou concentrada, quando realizada por meio da instauração de um procedimento autônomo para a revisão ou cancelamento do precedente.
Há ainda a figura a transformação, em que ocorre uma superação implícita, contudo o tribunal busca a compatibilização do precedente superado com o substituto.
A violação ou inobservância de precedente judicial possibilita a ação rescisória contra decisão de mérito, transitada em julgado, que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento, bem como situação particularizada por hipótese fática distinta ou de questão jurídica não examinada, conforme prevê o art. 966, V, parágrafos 5º e 6º.
Como visto, pode-se concluir que o CPC/2015 incorporou os conceitos fundamentais da teoria do precedente judicial, ou seja, consta em seus dispositivos o precedente judicial, ratio decidendi, obiter dictum, distinguishing e o overruling.
Competência para declarar a superação
A competência para declarar a superação só pode ser feita pelo tribunal criador do precedente ou hierarquicamente superior.
No caso de precedente não declarado superado, tribunais inferiores só deixarão de aplicar o precedente quando comprovado caso de distinghishing, superveniência de texto legislativo que altere a base do precedente ou superação antecipada.
DIFICULDADES CULTURAIS A SEREM SUPERADAS NO JUDICIÁRIO BRASILEIRO
Insisto em destacar que o art. 489, § 1º, IV, do CPC/2015 considera como não fundamentada a decisão que não siga enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente, a não ser que demonstre distinção entre casos ou superação do entendimento.
A inobservância de tal regramento resulta em nulidade da decisão, característica que encontra-se abundantemente na jurisprudência pátria e que esperamos superar com a adoção do stare decisis.
Contudo, nem só da falta de fundamentação padecem as decisões judiciais brasileiras, outros fatores influenciam e prejudicam a justa prestação jurisdicional, é o que veremos a seguir.
Precedente, jurisprudência e súmula
Embora intimamente ligados, são termos distintos, porém com aplicação similar. Sinteticamente, como um processo evolutivo precedente é uma decisão judicial da qual se extraí a ratio decidendi, que reiteradamente aplicada forma a jurisprudência e esta, sendo predominante em um tribunal, poderá se constituir em uma súmula.
Conceitualmente, tem-se o precedente como um evento passado que serve de guia para a ação presente, ou seja, uma decisão judicial da qual o elemento normativo serve de parâmetro para decisão de futuros caos semelhantes.
Ocorre que na prática jurídica pátria precedente, jurisprudência e súmula[31] são utilizados em descompasso com suas respectivas origens e finalidades, fato que acarreta graves problemas de aplicação e de interpretação do direito quando da análise de um caso concreto.
A fundamentação de decisões com base em outras decisões
O objetivo da utilização de precedentes ou súmulas é a proteção da isonomia judicial, ou seja, conferir ao ordenamento instrumentos que possibilitem a uniformização do entendimento jurisprudencial. No entanto, esses instrumentos, quando mal utilizados, podem conduzir a uma prática de formulação de decisão fixada no conteúdo das ementas, desprezando as peculiaridades do caso concreto.
Infelizmente, observa-se que muitas decisões foram formuladas com simples menção de súmulas ou acórdãos, o que afirma essa prática mecânica de fundamentação, muitas vezes rasa, das decisões judiciais.
A esse respeito, importante assertiva faz Streck:
[...] é prática recorrente a mera menção de ementas de acórdãos, utilizados como pautas gerais nas decisões. Tal circunstancia acarreta um enfraquecimento da força persuasiva da doutrina, deixando-se a tarefa de atribuição do sentido das leis aos tribunais, fenômeno que é pouco retroalimentado por uma verdadeira indústria de manuais jurídicos, que colacionam ementários para servirem de pautas gerais.[32]
A afirmação acima colabora com o entendimento que a pretendida eficácia da prática do uso de precedentes, que traria a uniformização de entendimentos e a celeridade processual, foi reduzido a uma prática de utilização de ementas - em informática, o famoso copia e cola (Ctrl-C, Ctrl -V) - evidenciando uma exagerada simplificação desse valioso instrumento jurídico. Consequentemente, aparenta ficar a interpretação do Direito, quase que unicamente, ao encargo dos tribunais superiores, com efeitos irradiantes para além dos tribunais à medida que influencia os círculos acadêmicos, anestesiando a prática hermenêutica.
Neste aspecto, cabe ressaltar que o método de utilização dos precedentes e a adoção das decisões paradigmas podem acarretar problemas de discricionariedade ao julgador. Outro ponto que não se deve perder de vista é que em equívocos na utilização de precedentes podem resultar relevantes perdas qualitativas da prestação jurisdicional.