Ao final do mês de março de 2017, quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.642.314-SE, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça acompanhou voto da Ministra Nancy Andrighi e decidiu que empresas de incorporação imobiliária que atrasem a entrega de “imóveis vendidos na planta” para além do prazo de tolerância podem ser condenadas a pagar indenização por lucros cessantes e também a multa que normalmente é estabelecida em contrato exatamente para a hipótese de atraso (cláusula penal, artigos 408 e seguintes do Código Civil).
Para chegar à conclusão acima, de possibilidade de incidência de dupla penalidade em desfavor de incorporadora imobiliária, a Ministra Relatora do Recurso entendeu que a multa estabelecida em contrato a título de cláusula penal para a hipótese de atraso poderá ser cumulada com indenização por lucros cessantes quando a referida cláusula penal tiver natureza moratória.
Se, todavia, a cláusula penal estabelecida em contrato tiver natureza compensatória, a cumulação não será possível. Isso porque, ainda segundo a Ministra Relatora do Recurso Especial nº 1.642.314, “Na cláusula penal compensatória, além de servir como punição pelo descumprimento contratual, estabelece-se contratualmente uma fixação prévia das perdas e danos, ou seja, representa um valor previamente estipulado pelas partes a título de indenização. Nessas situações, não é possível cumular a cláusula penal compensatória com pedido de perdas e danos, pois estes já estão previamente incluídos naquele valor estabelecido entre as partes”.
Embora tenha destacado a diferença entre a finalidade da cláusula penal moratória e a finalidade da cláusula penal compensatória, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça não avançou no exame da matéria e perdeu a oportunidade de esclarecer quando, no silêncio do contrato, será possível identificar a natureza da cláusula penal no caso concreto.
No entanto, agora, no mês maio de 2017, essa mesma questão foi objeto de proposta de afetação pelo rito dos artigos 1.036 e seguintes do Código de Processo Civil, com determinação de suspensão nacional de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos (Art. 1.037, II, CPC), tendo sido selecionados como representativos da controvérsia os recursos REsp 1635428/SC e REsp 1498484/DF, ambos da relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão, com a seguinte ementa:
ProAfR no RECURSO ESPECIAL Nº 1.635.428 - SC (2016/0285000-5).
PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS NA PLANTA. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. CONTROVÉRSIA ACERCA DA POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DA INDENIZAÇÃO POR LUCROS CESSANTES COM A CLÁUSULA PENAL.
1. Delimitação da controvérsia: Definir acerca da possibilidade de cumulação ou não da indenização por lucros cessantes com a cláusula penal, nos casos de inadimplemento do vendedor em virtude do atraso na entrega de imóvel em construção objeto de contrato ou promessa de compra e venda.
2. RECURSO ESPECIAL AFETADO AO RITO DO ART. 1.036 DO CPC/2015.
Ocorre que tão importante quanto decidir a respeito da possibilidade ou não de cumulação de indenização por lucros cessantes com a multa estipulada a título de cláusula penal, é estabelecer critérios aptos a identificar a real intenção das partes contratantes em cada caso concreto.
Vale dizer, uma vez silente o contrato quanto à natureza da cláusula penal, há que se perquirir se a multa estabelecida para a hipótese de atraso na entrega do imóvel visa apenas punir o retardamento ou visa fixar antecipadamente o valor das perdas e danos no caso de descumprimento parcial ou total da obrigação.
Para esse fim, um critério possível é o que leva em conta o valor da multa estipulada em contrato em comparação com o preço do imóvel.
Se as partes decidem que o atraso na entrega do empreendimento será punido, por exemplo, com multa em valor equivalente a 1% (um por cento) do valor do preço do imóvel, por mês de atraso, logo se vê que se trata de cláusula penal compensatória. Isso porque tal montante parece ser suficiente tanto para punir o retardamento quanto para compensar perdas e danos decorrentes, por exemplo, da necessidade de pagar aluguel enquanto o imóvel prometido à venda não for entregue, já que o valor de aluguel não costuma ultrapassar o equivalente a 0,5% (cinco décimos por cento) do preço do imóvel. Nessa hipótese, não há que se falar de cumulação de indenização por lucros cessantes com o valor da multa fixada a título de cláusula penal.
Espera-se, portanto, que tais questões sejam levadas em conta quando do julgamento dos recursos representativos da controvérsia aqui em foco.