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Breves anotações sobre a recuperação extrajudicial da empresa

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31/03/2018 às 12:00
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Um momento de crise do empresário e da sociedade empresária pode ser superado, de maneira pontual, pela recuperação extrajudicial. Assim como a judicial, esse plano também objetiva a manutenção da atividade produtiva, da riqueza e dos postos de trabalho.

Sumário: 1. Perspectiva temática – 2. Recuperação Extrajudicial – 3. Requisitos legais – 4. Limites dispostos na Lei nº 11.101/2005 – 5. Credores excluídos da Recuperação Extrajudicial – 6. Modalidades de Recuperação Extrajudicial - 7. Procedimento previsto na Lei nº 11.101/2005 – 8. Efeitos da sentença homologatória do plano de recuperação extrajudicial – 9. Comentários finais.


1. PERSPECTIVA TEMÁTICA

A Recuperação vem tratada pela legislação – Lei nº 11.101/2005 - como oportunidade para a superação de um momento de crise econômico-financeira do empresário e da sociedade empresária. Com foco na preservação da empresa, preocupa-se o legislador em apontar mecanismos e procedimentos que sejam capazes de assegurar a viabilidade da atividade, caso, é claro, se mostre efetivamente apta ao soerguimento.

A Lei propõe, portanto, mecanismos interventivos que favoreçam as negociações entre o empresário e sociedade empresária devedores e seus respectivos credores, para que encontrem soluções capazes de superar a crise sem comprometer as operações, isto é, o desenvolvimento regular da empresa. Assim, amortiza-se o custo social através da manutenção de empregos, geração de riquezas, arrecadação de tributos, e salvaguarda da segurança jurídica nas relações entre os agentes econômicos, afinal há, como contraponto, os interesses dos próprios credores a serem tutelados.

Voltada, assim, à composição de um plano de reestruturação da empresa, concebe a Lei nº 11.101/2005 os institutos da recuperação judicial e extrajudicial, este último, especificamente, destacado por nós para breves comentários.


2. RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL

Sem perder de vista a premissa de que o sistema de recuperação da empresa abrange a renegociação das dívidas a fim de evitar a progressão da crise e, consequentemente, o perecimento da atividade econômica, a Lei de Recuperação de Empresas (LRE) prevê a modalidade da recuperação extrajudicial que se restringirá à homologação do plano pelo Judiciário. Tal disciplina não exclui, obviamente, a possibilidade de negociações privadas (devedor x credores) sem qualquer intervenção do Poder Judiciário (art. 167, LRE), no exercício da plena autonomia de vontade das partes.

Conforme conceitua o Prof. Ricardo Negrão, “a Recuperação Extrajudicial é modalidade de ação integrante do sistema legal destinado ao saneamento de empresas regulares, que tem por objetivo constituir título executivo a partir de sentença homologatória de acordo, individual ou por classes de credores, firmado pelo autor com seus credores.” [1]

O empresário ou sociedade empresária buscará diretamente a convergência dos seus interesses com os dos credores, em acordo a ser instrumentalizado no plano de recuperação que, posteriormente, poderá levar à homologação judicial. Além de exigir do devedor o atendimento a determinados requisitos, a LRE também estabelece certos limites a essa negociação privada. Vejamos quais são, na sequência.


3. REQUISITOS LEGAIS

O devedor deverá preencher, cumulativamente, requisitos previstos nos arts. 48 e 161, § 3º, da LRE, quando for levar para homologação judicial o plano aprovado extrajudicialmente por seus credores. Os requisitos são: (i) estar no exercício regular da atividade há mais de 2 anos; (ii) não ser falido, e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; (iii) não ter pedido de recuperação judicial pendente; (iv) não ter obtido recuperação judicial ou homologação de outro plano de recuperação extrajudicial há menos de dois anos; (iv) não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos na LRE.

Deverá, ainda, instruir o pedido de homologação do plano extrajudicial com os documentos apontados no art. 162 e no art. 163, § 6º, em procedimento ao qual nos reportaremos mais a frente.


4. LIMITES PREVISTOS NA LEI

Primeiramente, destacamos que a LRE impõe tratamento igualitário entre os credores vedando, expressamente, o pagamento antecipado de dívidas (art. 161, § 2º). Ao abordar este aspecto, Ricardo Negrão enfatiza que no tocante a vedação legal de tratamento desfavorável aos credores não sujeitos à renegociação das dívidas, não há de se falar em “suspensão de direitos, ações ou execuções, nem a impossibilidade de pedido de decretação de falência pelos credores que não lhe são sujeitos (art. 161, § 4º).” [2]

A LRE também deixa clara a impossibilidade de supressão da garantia real, ou alienação do bem garantido, sem o consentimento expresso do credor (art. 163, § 4º). E mais, nos créditos em moeda estrangeira, a lei não autoriza o afastamento da variação cambial sem a aprovação expressa do credor do respectivo crédito (art. 163, § 5º). Na mesma linha da Recuperação Judicial, o plano de recuperação extrajudicial só poderá abranger os créditos constituídos até a data do pedido de homologação em juízo (art. 163, § 1º).


5. CREDORES EXCLUÍDOS DA RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL

Para fins de recuperação extrajudicial excluem-se determinados credores, isto é, há créditos que não poderão compor o plano a ser levado para homologação judicial com a finalidade de proporcionar a superação do momento de crise econômico-financeira que esteja sendo enfrentado pelo empresário ou sociedade empresária.

Assim, os credores trabalhistas e os titulares de créditos decorrentes de acidente de trabalho, assim como os credores tributários estão excluídos (art. 161, § 1º). Agregam-se a essa relação os credores titulares da posição de: (i) proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis; (ii) arrendador mercantil; (iii) proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias; (iv) proprietário em contrato de venda com reserva de domínio (art. 49, §3º); (v) credor de adiantamento ao exportador de contrato de câmbio (art. 49, §4º).


6. MODALIDADES DE RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL

A doutrina aponta para duas modalidades de plano de recuperação judicial: o plano individualizado e por classe de credores com a distinção de que, em relação à primeira modalidade, o devedor reduz suas negociações a certos credores em particular que assinam (todos) o plano, enquanto que na segunda modalidade há adesão de credores que representem mãos de três quintos de todos os créditos de uma ou mais classes compreendidas no plano, hipótese que alcançará os credores dissidentes. [3]

Fabio Ulhoa Coelho denomina a primeira modalidade de homologação Facultativa do plano e a segunda, de homologação Obrigatória. Explica que, quando o plano de recuperação extrajudicial conta com a adesão de todos os credores alcançados, é facultativa a homologação, situação disciplinada no art. 162 da LRE. Já quando o devedor não obtém a adesão integral dos credores, mas de parte significativa – 60% - a homologação é obrigatória (art. 163, LRE) para fins de impor à minoria dissidente os termos e condições do plano aprovado pela maioria. [4]

A par da denominação utilizada para cada modalidade, apontam que a homologação do plano será facultativa no caso de contar com a assinatura de todos os credores por ele abrangidos (art. 162). Por outro lado, caso o devedor não tenha conseguido alcançar a adesão de todos, mas de 3/5 dos titulares dos créditos de cada uma das classes abrangidas pelo plano, deverá submetê-lo à homologação judicial para que seja suprida a adesão da minoria dissidente (art. 163).

Paulo Penalva Santos explica que, para a apuração do percentual de 3/5, há de serem observados os dois critérios contidos no § 3º do art. 163: em primeiro lugar, o crédito em moeda estrangeira deverá ser convertido para moeda corrente nacional pelo câmbio do dia anterior à da assinatura do plano, a menos que os titulares do crédito concordem expressamente em afastar essa regra. Em segundo lugar, é excluído do cômputo do quórum de deliberação de 3/5 o crédito (a) de titularidade do sócio do devedor; (b) das sociedades coligadas, controladora e controlada; (c) das sociedades que tenham sócio com participação superior a 10% do capital do devedor ou em que o devedor ou algum de seus sócios detenham participação superior a 10% do capital social; (d) o cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, colateral até o segundo grau, ascendente ou descendente do devedor, de administrador, do sócio controlador, de membro dos conselhos consultivos, fiscal ou semelhantes da sociedade devedora e à sociedade em que quaisquer dessas pessoas exerçam suas funções. [5]

Bem, se a submissão do plano (instrumento de renegociação ou novação das dívidas) que contém a assinatura de todos os envolvidos pode ou não ser levado à homologação judicial (art. 162), o que levaria em conta o devedor para tomada dessa decisão? Isso porque, sem dúvida alguma, entre as partes já foi produzido um acordo privado (não individual) que deverá ser observado pelos signatários e que, uma vez firmado por 2 testemunhas, consiste em título executivo extrajudicial (art. 784, III, CPC).

Podemos apontar, primeiramente, para o fato de que, após a distribuição do pedido de homologação do plano, não poderão os credores signatários desistir de sua adesão, a menos que todos os demais aderentes à renegociação coletiva concordem (art. 161, § 5º). Possível, é claro, que o próprio plano traga cláusula específica de irretratabilidade desde o momento de sua assinatura, ou seja, antes mesmo de o plano ser apresentado em juízo para homologação.

Outra razão que justifica submeter o plano à homologação judicial “é possibilitar a alienação por hasta judicial de filiais ou unidades produtivas isoladas, quando prevista tal medida.” [6]

Conforme dispõe o art. 166 da LRE, se o plano envolver a alienação de estabelecimento empresarial, o procedimento a ser seguido será o do art. 142, com a intervenção do Judiciário. A venda se realizará por leilão, pelo sistema de propostas ou por pregão. Em relação a este aspecto da recuperação extrajudicial, instalou-se divergência doutrinária quanto a sucessão, ou não, do adquirente por obrigações do devedor constituídas no período anterior à aquisição. Isso porque o legislador não disciplinou o assunto de forma expressa, limitando-se a dispor que as modalidades de alienação a serem observadas seriam aquelas previstas no art. 142, o que nos leva a concluir pelo efetivo risco da sucessão.

Francisco Satiro de Souza Junior entende pela ausência de sucessão, mas comenta que, especialmente quanto aos débitos tributários, a responsabilidade recairá sobre o adquirente uma vez que “a LC 118/2005, que alterou o § 1º do art. 133 do CTN, faz expressa referência à falência e à recuperação judicial, deixando de contemplar com o benefício as alienações relativas à recuperação extrajudicial.” [7]

Por fim, importante lembrar que a sentença homologatória do plano constitui título executivo judicial (art. 161, §6º, LRE, e art. 515, III, CPC), legitimando o credor a dar início ao Cumprimento de Sentença diante de eventual descumprimento do plano (negócio jurídico) pelo devedor.

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7. PROCEDIMENTO PREVISTO NA LEI 11.101/2005

Instruindo o pedido de homologação com a justificativa e o plano (documento assinado por todos os credores por ele alcançados, contendo os termos e condições da negociação), no caso da modalidade prevista no art. 162, e acrescendo os documentos especificados nos incisos dos incisos do § 6º do art. 163, quando se tratar do pedido e homologação obrigatória, submeter-se-á o devedor ao procedimento que vem regulado no art. 164 da LRE.

Seja qual for a modalidade de homologação, certo é que caberá ao devedor instruir o seu pedido também com a certidão do órgão de registro da empresa comprovando a sua regularidade.

Prescreve o caput do art. 164 que, recebido o pedido de homologação do plano, o juiz ordenará a publicação de edital no órgão oficial e em jornal de grande circulação nacional nas localidades da sede e das filiais do devedor, convocando todos os credores para apresentação das eventuais impugnações que entendam pertinentes, no prazo de 30 dias a contar da publicação do edital. A Lei 11.101/2005 prevê, como regra de publicação, a inserção da epígrafe “recuperação extrajudicial de” (parágrafo único, art. 191).

No prazo do edital, deverá o devedor comprovar ter enviado carta a todos os credores sujeitos ao plano, comunicando a distribuição do pedido, as condições do plano e prazo para impugnação (§ 1º do art. 164).

Oportuno lembrar que, segundo dispõe o § 4º do art. 161, o recebimento do plano de recuperação não acarreta a suspensão de direitos, ações e execuções, nem a impossibilidade do pedido de decretação de falência pelos credores que não estejam sujeitos aos termos e condições nele compreendidos.

Conforme dispõe o § 3º do art. 164, os credores poderão impugnar o plano alegando: I – não preenchimento do percentual mínimo de 3/5 de todos os créditos de cada espécie por ele abrangidos; II – a prática de qualquer dos atos de falência previsto no inciso III do art. 94 ou dos atos de ineficácia a que alude o art. 130, bem como o descumprimento de requisito previsto na Lei 11.101/2005; III – o descumprimento de qualquer exigência legal.

O juiz dará vista das Impugnações ao devedor por 5 dias para que possa se manifestar e, após, decidirá também no prazo de 5 dias (§§ 4º e 5º do art. 164), homologando o plano ou indeferindo o pedido.

Caso o juiz não homologue o plano, prevê o § 2º do art. 165 o direito dos credores de exigir seus créditos pelo valor primitivo (isto é, nas condições originalmente contratadas) sem as alterações dispostas no plano que subscreveram. Neste particular, adverte Francisco Satiro de Souza Junior que a rejeição do plano (não homologação) implicará na preservação dos direitos originais dos credores na hipótese de o contrato que documentou o plano não trazer ressalva de vinculação como simples contrato ou se não houver posterior ratificação pelos credores que haviam aderido. [8]

O indeferimento pode decorrer da prova de simulação de créditos ou da existência de vícios de representação dos credores que subscreveram o plano, segundo consta no art. 164, § 6º. Importante ressaltar que o indeferimento não impede a posterior apresentação de novo plano de recuperação extrajudicial (§ 8º do art. 164).

Por fim, temos que da decisão que homologa ou não o plano, cabe apelação recebida sem efeito suspensivo (§ 7º do art. 164).

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Sobre a autora
Tania Bahia Carvalho Siqueira

professora universitária.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIQUEIRA, Tania Bahia Carvalho. Breves anotações sobre a recuperação extrajudicial da empresa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5386, 31 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58268. Acesso em: 22 dez. 2024.

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