4 O JUIZ, A EMOÇÃO E AS DEMANDAS ENVOLVENDO O DIREITO À SAÚDE
Apesar do caso da pequena Sophia Gonçalves de Lacerda não ser isolado, ele se presta para nos conduzir a algumas reflexões. O drama da paciente levado ao conhecimento do Judiciário de forma individualizada, não possibilita ao julgador apreciar, com isenção, os efeitos da decisão que irá tomar. A carga emocional que envolve tais processos é bastante acentuada. Ali se encontra um juiz que, como ser humano, sente-se envolvido pelo sofrimento que a situação representa e não quer se sentir responsável pelo eventual desfecho trágico que uma apreciação mais cautelosa da situação poderá ensejar.
Nos casos envolvendo a tutela do direito à saúde, em especial nas situações extremas, o juiz normalmente age compelido pela emoção. Como não dispõe de conhecimentos técnicos e geralmente é apresentado pelo demandante um relatório médico que sinaliza como única alternativa de cura ou de sobrevida para o paciente o tratamento ou medicamento indicado, o juiz não costuma levar em consideração os custos, muitas vezes acentuado, do procedimento médico requerido e tende a deferir a antecipação de tutela, tratando o direito à saúde de forma absoluta. Quando confrontado com os custos desse direito erigido ao patamar de absoluto, costuma se valer de argumentos estereotipados, como a existência de corrupção na gestão dos recursos estatais, aplicação de verbas em atividades que considera não essenciais como propaganda e outros similares.
A tranquilidade de consciência que o juiz pensa alcançar ao acobertar um direito à saúde de cunho absoluto, não se importando com os custos envolvidos em sua decisão, é falsa. Os recursos financeiros do Estado não são infinitos e a capacidade contributiva dos cidadãos é limitada. Logo, é evidente que não há a possibilidade real do Estado acompanhar integralmente todos os avanços da medicina, garantindo a todos, indistintamente, o acesso a qualquer medicamento ou tratamento, mesmo aqueles em fase experimental e sem preocupação com os seus custos.
Essa realidade não existe. A decisão do juiz que pensa estar assegurando a vida daquele paciente, cujo drama chegou ao seu conhecimento por meio de uma demanda individual, pode significar a morte de diversos outros pacientes que perecerão porque os recursos que poderiam ter-lhe salvo a vida foram utilizados, muitas vezes, para custear uma aventura experimental destinada, supostamente, a garantir a vida de uma pessoa.
Por mais chocante que a realidade seja, a tentativa de salvar a vida de Sophia, pode ter significado a morte de muitos anônimos, por falta de um leito hospitalar, de uma cirurgia cardíaca de rotina e outros procedimentos médicos menos complexos e mais eficazes.
A gestão do sistema de saúde envolve um planejamento complexo. Com o orçamento disponível, os gestores avaliam quais os procedimentos voltados ao atendimento do maior número possível de pessoas poderão ser custeados dentro do exercício financeiro. Ações preventivas são delineadas. Procedimentos curativos são avaliados e, após isso, chega-se à conclusão a respeito da forma mais adequada de investimento nas ações de saúde pública. Quando o juiz, sem conhecimento do conjunto do sistema público de saúde, começa a interferir na forma de alocação dos recursos disponíveis, com a finalidade de atendimento das pretensões de um indivíduo, ele cria dificuldades gerenciais em todo o sistema, de forma que os gestores precisarão, para custear a despesa não planejada, efetivar um remanejamento de recursos, o que pode levar a implosão de todo o planejamento anteriormente delineado.
Com a interferência do Judiciário por meio das demandas individualizadas voltadas à tutela do direito à saúde, a gestão dos recursos públicos alocados para o atendimento delas entra num contexto de casuísmo, no qual os que acessam o Poder Judiciário são privilegiados com ações de saúde que não teriam garantidas em qualquer lugar do mundo, enquanto os recursos utilizados para isso podem ser a causa da morte de inúmeros outros que não tiveram tal privilégio e que necessitam de terapias mais simples e eficazes.
Assim, é necessário que o juiz leve em consideração que aquele drama presente nos autos levado a sua apreciação não é único e nem maior do que outros vivenciados por anônimos. Os casos que chegam ao Judiciário são, não raras vezes, encabeçados por incluídos socialmente, que têm acesso a bons advogados e possuem planos de saúde particulares que, dada a peculiaridade do tratamento ou medicamento almejado, não são cobertos por esses planos. Com isso, retira-se recursos que poderiam ser utilizados na atenção básica de saúde, por anônimos que padecem miseravelmente longe da visão do julgador, para atender a um caso em particular.
A insistência numa proteção absoluta ao direito à saúde, tal como vem sendo do sustentada pelo Judiciário brasileiro, pode contribuir para que esse direito exista apenas para poucos, em detrimento de todos os demais cidadãos que, em decorrência dos recursos insuficientes e indevidamente remanejados pelo Judiciário, não terão acesso a ações básicas de assistência à saúde.
5 SAÚDE: A DIFERENÇA ENTRE O DIREITO UNIVERSAL E O ABSOLUTO
A Constituição Federal de 1988 assegurou, em seu artigo 196, que a “saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (destaquei)”.
Do dispositivo constitucional acima transcrito, é possível se extrair que a saúde, como direito de natureza prestacional garantido pelo Constituinte de 1988 a todos os brasileiros, bem como aos estrangeiros residentes no Brasil, nos termos do artigo 5º, caput, da Constituição Federal, possui as seguintes características: a) sua garantia se dará mediante políticas sociais e econômicas voltadas a prevenção de doenças, primordialmente; b) os acessos aos serviços de promoção, proteção e restabelecimento da saúde deverá ser promovido com a observância do acesso universal e igualitário.
Como bem ponderou Holmes e Sunstein (2000), todos os direitos possuem custos, ainda que não estejam vinculados a prestação estatais voltadas a um cidadão em especial. No entanto, quando se trata de direitos de natureza prestacional, os valores envolvidos para assegurar a implementação prática de tal direito são ainda mais acentuados, uma vez que, no geral, não é possível assegurar o usufruto de tal direito de forma coletiva e indeterminada.
Cada cidadão, candidato ao usufruto do direito de natureza prestacional, possui necessidades específicas, que colidem com as restrições financeiras padecidas pelo próprio Estado, que, dada a limitação da capacidade contributiva dos seus cidadãos, não tem condições de atender, de forma ilimitada, a todas as expectativas de prestações materiais almejadas individualmente.
É preciso, portanto, adequar os limites da prestação material a ser ofertada a cada cidadão às disponibilidades orçamentárias do Estado, evitando que o incremento na disponibilidade material de uma prestação em favor de determinado indivíduo prejudique o acesso dos demais a prestações de idêntica natureza. Isso, doutrinariamente, já foi chamado como necessidade de observação da “reserva do possível”, compreendida como os limites financeiros de que o Estado dispõe para atender às prestações de natureza material.
Com relação ao direito à saúde, a Constituição deixou claro que tal direito deverá ser prestado, de forma universal e igualitária. Isso significa dizer que as prestações vinculadas a tal direito devem ser disponibilizadas a todos os indivíduos que dela necessitarem, devendo o acesso ser concretizado em condições de plena igualdade.
O Judiciário brasileiro, no entanto, ao interpretar a saúde como direito de todos e a garantia de acesso universal a tal direito, atribuiu a ele o significado de absoluto, compreendendo que todo e qualquer medicamento ou tratamento do qual o indivíduo vier a necessitar, deve ser custeado integralmente pelo Estado, sem consideração com os custos a ele vinculados, sob o inconsistente argumento de que ao se garantir a saúde independente das considerações vinculadas aos custos do direito, estar-se-á, na verdade, resguardando o direito a vida que não pode subsistir dissociado da saúde.
O argumento de que a vida é um direito absoluto e, como a saúde encontra-se vinculado a ele, também o passa a ser, é inválido. Isso porque o Constituinte de 1988 não atribuiu a qualquer direito, por mais fundamental que seja, a característica de “absoluto”. Se a vida é o direito fundamental base, em torno do qual todos os direitos fundamentais gravitam, nem ele mesmo goza da garantia de ser intocável - haja vista que, pelo menos no caso de guerra declarada, a Constituição prevê a possibilidade de aplicação da pena de morte (CF, art. 5º, XLVII, “a”) – como a saúde poderia ser?
Os avanços da medicina são constantes e as moléstias são submetidas a novos e mais eficazes tratamentos a cada dia. No entanto, os custos de acesso a tratamentos de última geração muitas vezes são enormes, de sorte que nenhum Estado, por mais bem aquinhoado que seja, teria condições de disponibilizar a todos os seus cidadãos o acesso irrestrito a qualquer avanço da medicina. Deve-se levar em consideração que os direitos de natureza prestacional demandam recursos e esses não são ilimitados.
Ao agir movido pela emoção e, tendo em consideração apenas o caso que lhe foi submetido, é mais cômodo para o julgador atender ao pleito de medicamento ou tratamento almejado sem levar em consideração as implicações que a sua decisão terá na gestão do sistema público de saúde. Concedendo a prestação, o julgador aplaca a sua consciência, uma vez que imagina que o indivíduo terá acesso a todos os recursos médicos disponíveis que poderão lhe dar esperanças de cura para a sua moléstia ou garantia de sobrevida. No entanto, é preciso se pensar nas pessoas que morrerão ou deixarão de ter atendimento básico em decorrência dos efeitos financeiros de tal decisão.
É que as ações de saúde são planejadas anualmente, com base nos recursos disponíveis. Ao se levar em consideração o orçamento vinculado à saúde, o gestor delimita quais serão as ações preventivas e curativas que poderão ser disponibilizadas de forma universal e igualitária a todos os cidadãos que vierem a delas necessitar. Ao introduzir nessa equação o casuísmo do Judiciário na apreciação de demandas individuais, o planejamento da aplicação dos recursos é prejudicado, impondo aos gestores do sistema público efetivar adaptações, mediante a supressão de medidas planejadas anteriormente, a fim de atender a ordem judicial voltada ao atendimento de um indivíduo em particular.
Como se não bastasse os prejuízos para o planejamento e execução das ações de saúde que o casuísmo das demandas individuais voltadas à garantia do direito à saúde provoca, é preciso se considerar também que um outro valor muito caro estabelecido no artigo 196 da Constituição Federal é desconsiderado, qual seja, o acesso igualitário às ações e serviços de saúde pública.
Quando se demanda um tratamento ou medicamento de alto custo, cujo fornecimento não foi planejado no âmbito do sistema público de saúde, o indivíduo, de certa forma, está pleiteando que o seu direito de acesso a saúde não se encontra em condições de igualdade com os demais. Ele é superior e deve ser garantido até os limites das promessas que a medicina oferta para o seu caso, independente dos custos envolvido, uma vez que a sua saúde é um direito absoluto e deve ser garantido sem quaisquer limites de cunho financeiro, pois é até mesmo incompatível com a moral limitar as suas esperanças de vida em razão de uma suposta escassez de recursos, agindo dessa forma como o ser egoísta, que considera apenas o seu direito sem levar em consideração os demais, tal como alertou Marx (2010, p. 48)[7].
Se o juiz aceita argumento acima, ele adota uma postura de incompatibilidade com o artigo 196 da Constituição Federal, pois, em última instância, não há condições de universalizar, no âmbito do sistema, por exemplo, um tratamento de alto custo prestado no exterior, disponibilizando-o, de forma potencial, a todos os cidadãos. Logo, se não existe a garantia em potencial a todos que venham a necessitar do tratamento concedido ao demandante, é evidente que a igualdade almejada pelo Constituinte foi ferida ou mesmo aniquilada.
Julgar demandas envolvendo o direito à saúde, dada as limitações de recursos disponíveis para o atendimento às prestações, implica fazer, o que doutrina vem denominando como “escolhas trágicas”. O juiz, por mais que se sensibilize com a situação em particular do indivíduo que reclama a prestação de saúde, deve levar em consideração que existem anônimos, não raras vezes mais humildes e desassistidos do que aquela parte, que perecerão em decorrência dos reflexos de sua decisão, de sorte que não será possível acalmar a sua consciência, mesmo que conceda ao requerente a oportunidade de, muitas vezes, submeter-se a uma aventura médica de custo financeiro elevado, na esperança de adiar ao máximo o único destino certo para o qual o homem caminha desde o seu primeiro dia de vida.
Portanto, a saúde, como todos os direitos, não é absoluto e se submete às balizas delimitadas pela Constituição e a um quadro de recursos financeiros escassos, de forma que a sua concretização deve ser efetivada com a observância das disponibilidades orçamentárias do Estado, a quem compete tabular procedimentos e terapias médicas que, de acordo com os recursos disponíveis, possam ser ofertados, em condições de igualdade, a todos os indivíduos que venham a necessitar.
6 ALGUMAS BALIZAS PARA APRECIAÇÃO JUDICIAL DE DEMANDAS ENVOLVENDO O DIREITO À SAÚDE
A apreciação judicial de demandas envolvendo o direito à saúde não pode ser conduzida por fatores emocionais, atrelados ao drama individual posto no processo. É que a situação posta não é única e, geralmente, não é mais grave do que outras que não chegaram ao conhecimento do julgador. É importante que o juiz leve em consideração o efeito sistêmico que a sua decisão terá, ou seja, é importante que ele considere que em se tratando de questões envolvendo necessidades que se alargam em face de recursos escassos, não há como sua decisão não ter reflexos na gestão do sistema público de saúde.
Diante dessa problemática, sem qualquer pretensão de esgotar o tema, propomos quatro parâmetros[8] que podem ser utilizados pelos juízes quando da apreciação de demandas envolvendo o direito à saúde, de forma a não deixar o direito sem proteção, observadas, todavia, as balizas que a própria Constituição Federal delimitou.
Inicialmente, entendemos que apenas as ações de saúde que puderem, dentro dos limites orçamentários, serem ofertadas a todos os cidadãos que delas necessitarem sem colocar em xeque os limites do orçamento vinculado à saúde, poderão ser concedidas judicialmente. Isso decorre diretamente do artigo 196 da Constituição Federal, que prevê a saúde como direito de todos e dever Estado, cujo acesso deve ser universal e igualitário.
Não é possível que o Judiciário seja utilizado como fonte de criação de privilégios dentro do sistema público de saúde. É sabido que o orçamento vinculado à saúde é objeto de planejamento no tocante a sua destinação. Logo, se ocorre a interferência do Judiciário de forma casuística, é evidente que todo o trabalho de planejamento no que se refere à aplicação dos recursos públicos será prejudicado e, por extensão, toda a coletividade.
O argumento de que o Judiciário, ao interferir na gestão orçamentária da saúde no âmbito de demandas individuais, está contribuindo para a concretização do direito à saúde, parece-nos bastante questionável. Não vemos como se possa concretizar um direito, concedendo-o a um indivíduo em detrimento de outros que serão prejudicados. Isso porque, como não se trabalha em direito financeiro com a noção de excedente, pois todos os recursos do orçamento já são previamente alocados, é evidente que a utilização de uma parcela destes recursos ao alvedrio do que foi planejado previamente pelos gestores da saúde pública, implicará em prejuízo para uma ou algumas das ações planejadas, em detrimento dos indivíduos que por meio dela seriam beneficiados.
Assim, não se concretiza direitos retirando-os de um grupo de beneficiários para entregar a outro, não raras vezes menor do que o conjunto que anteriormente seria assistido pela ação de saúde que não mais poderá ser executada em sua integralidade.
Como decorrência do que estamos sustentando, entendemos que uma outra baliza a ser observada pelo julgador ao apreciar demandas envolvendo o direito à saúde deve ser não obrigar os gestores do Sistema Único de Saúde- SUS a fornecer medicamento ou procedimento preventivo/curativo que não tenha sido previamente incorporado no planejamento do SUS, mediante, por exemplo, previsão na relação de medicamentos de dispensação gratuita aos usuários do sistema.
Em nossa visão, a inclusão de novo medicamento ou procedimento de custeio gratuito pelo SUS por interferência do Judiciário somente deve ser admitida no âmbito de demanda coletiva, que viabilize, em caso de procedência do pedido, o atendimento a todos os que vierem a necessitar, viabilizando o prévio planejamento do custeio, de forma a não privilegiar apenas a um indivíduo em detrimento da coletividade.
Caso se admita que o Judiciário possa determinar o custeio pelo SUS de medicamento ou procedimento que não tenha sido objeto de planejamento prévio para efeitos de dispensação gratuita, o que não consideramos adequado, entendemos que, pelo menos, não se pode admitir que o juiz determine que o SUS custei medicamento com marca previamente indicada por profissional de saúde, quando existir genérico que o substitua de forma eficaz ou sem registro prévio junto a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA.
Assim, caso o juiz entenda que é cabível a concessão de ordem judicial determinando ao SUS que arque com os custos de medicamento ou procedimento sem previsão de dispensação gratuita, deve, pelo menos, procurar onerar o menos possível o planejamento da gestão do sistema público, evitando a concessão de medicamento de marca, beneficiando com a sua decisão um fabricante específico ou determinando a concessão de terapia cuja segurança e eficácia ainda não foi aferida pelo órgão estatal competente.
Por fim, defendemos que o julgador jamais deve determinar o custeio pelo sistema público de saúde de tratamento médico no exterior. Isso porque, como o direito à saúde, assim como todos os direitos sociais, estão vinculados aos limites da disponibilidade orçamentária, o sistema público de saúde não está obrigado a custear toda e qualquer terapia que ofereça promessa de cura ou sobrevida ao indivíduo. Isso nenhum sistema público de saúde o faz, por mais rico que seja o país. Logo, admitir esse nível de interferência do Judiciário na gestão do sistema de saúde pública chega a ser, no mínimo, temerária.
Quando o SUS é obrigado de redirecionar do seu escasso orçamento milhares ou milhões de reais para atender a um cidadão, o prejuízo para a coletividade é evidente. Num ambiente de escassez de recursos, o administrador encontra-se, muitas vezes, diante da necessidade de efetivar escolhas trágicas, ou seja, é necessário negar um atendimento especifico a um demandante, a fim de que um número maior de indivíduos, com perspectivas de cura ou sobrevida maiores do que ele, sejam atendidos.
Por mais que essa visão pareça ser dura, não se deve esquecer que os recursos para o custeio das ações de saúde não são ilimitados. Logo, no mundo dos fatos, a falta de disponibilidade financeira para o atendimento das necessidades de todos é uma realidade, de sorte que a gestão deve privilegiar as situações em que o maior número possível de usuários do sistema público de saúde possam ser alcançados e se deve privilegiar o atendimento das situações que tenham maiores perspectivas de êxito.
Dessa forma, assim como não é razoável se defender que pelo fato de a Constituição Federal assegurar os direitos sociais à moradia ou ao trabalho, por exemplo, o Estado deve ser obrigado a custear uma moradia ou assegurar uma vaga de trabalho para todos os necessitados, independentemente das disponibilidades de recursos financeiros para tal finalidade, da mesma forma não se pode sustentar que o Estado está obrigado a custear toda e qualquer promessa de cura para um paciente em especial, ainda que se trate de uma terapia experimental ou realizada no exterior, possibilitando que os escassos recursos públicos sejam utilizados para atender aos anseios do egoísmo humano, que somente enxerga as suas necessidades, sem qualquer consideração com os demais.
Portanto, insistimos: o sistema deve ser de atendimento universal e igualitário, sem espaço para privilégios. No entanto, o que se verifica, não raras vezes no cotidiano forense é que alguns demandantes começam os seus tratamentos no sistema privado de saúde. Mas, quando algum medicamento ou procedimento de alto custo é recomendando para o tratamento de sua moléstia, recorrem imediatamente ao Judiciário, reclamando o seu custeio pelo SUS, em detrimento dos menos afortunados que pleitearam, desde o início, o seu atendimento pelo serviço público, submetendo-se a espera por uma consulta inicial, ao agendamento de exames, encaminhamento a um especialista e outros percalços que os usuários integrais do SUS muitas vezes precisam enfrentar.
Logo, o Judiciário tem como papel assegurar direitos e não promover privilégios, tal como se tem verificado, infelizmente, na apreciação de demandas envolvendo o direito a saúde. Isso porque, sem qualquer respaldo constitucional, muitos julgadores vêm interpretando tal direito como absoluto, de forma a se considerar imoral qualquer ponderação relativa aos seus custos. Assim, observar balizas que garantam equidade na apreciação de demandas envolvendo o direito à saúde se mostra como um caminho a ser trilhado, de forma assegurar a eficácia, em sua integralidade, ao que o Constituinte de 1988 pretendeu.