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A interferência do Poder Judiciário na concretização do direito à saúde:

os riscos de uma atuação não planejada e casuística

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07/06/2017 às 12:20
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CONCLUSÃO

O direito à saúde, tal como previsto na Constituição Federal de 1988, não é absoluto. A sua concretização deve ser conduzida com base na observância da equidade e na garantia de acesso universal às ações disponibilizadas gratuitamente pelo Estado. A interferência do Poder Judiciário, no âmbito do casuísmo das demandas individuais, não contribui para a sua concretização de forma justa. Ao contrário, ao não levar em consideração o planejamento das ações efetivadas pelos gestores, o Judiciário termina por aprofundar iniquidades dentro do sistema público de saúde, causando prejuízos para a coletividade.

Ao se deparar com uma demanda envolvendo o direito à saúde, o juiz deve ter a cautela de não se deixar conduzir pela emoção, pois a sua intenção de garantir o acesso a todas as promessas que a medicina disponibiliza para um determinado caso, como forma de garantir uma esperança de cura ou sobrevida para um indivíduo, pode significar o perecimento de inúmeros outros anônimos, cujo drama silencioso não chegou ao conhecimento do julgador.

Diante dessa problemática, e como forma de contribuir para a sua discussão, propomos no presente trabalho quatro balizas que podem nortear o julgador ao apreciar as demandas individuais envolvendo o direito a saúde, quais sejam: a) apenas terapias que puderem ser ofertadas, de forma universal, a todos que delas vierem a necessitar, ou seja, que tenham sido objeto de prévio planejamento pelos gestores do SUS, poderão ser outorgadas em demandas individuais; b) a inclusão judicial de terapia para fins de dispensação gratuita pelo SUS somente deve ocorrer em sede de ação coletiva; c) não se deve conceder judicialmente terapia médica experimental ou desprovida de registro no órgão de controle nacional competente; d) jamais se deve obrigar o custeio, pelo sistema público de saúde, de  tratamento no exterior.

Com isso, sustentamos que o direito à saúde deve ser concretizado de forma tão ampla quanto possibilitarem os recursos disponíveis para o seu custeio, privilegiando-se o planejamento prévio realizado pelos gestores do sistema público de saúde, sob pena de o casuísmo das demandas individuais crescentes inviabilizarem o sistema, deixando desassistidos os mais necessitados.


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Notas

[1] Aguiar (2011, p. 17-40), apresenta um histórico da evolução da forma de tratamento da saúde ao longo da história brasileira. Destaca, por exemplo, que, desde o período colonial até meados do século XX, existiu uma clara cisão entre os serviços privados de saúde atrelados à medicina liberal, destinados a pequena parcela da população de maior poder aquisitivo, enquanto os demais cidadãos não tinham acesso a qualquer assistência à saúde, exceto quando prestada por instituições de caridade, normalmente vinculadas à Igreja Católica. A atuação do Estado, na maior parte das vezes, era voltada, apenas, ao controle das epidemias que rotineiramente atacavam a população, não havendo qualquer garantia de saúde como um direito a ser postulado em face do Estado. O Ministério da Saúde, por exemplo, somente foi criado como pasta independente em 1953, haja vista que, até aquele momento, as ações de saúde eram conduzidas pelo Ministério da Educação. 

[2] Pode-se dizer, pelo aspecto do funcionalismo, que diversas dificuldades de execução de políticas públicas de saúde estão vinculadas às interferências do Poder Judiciário na execução orçamentária, em decorrência de demandas individuais (BARROS e LEHFELD, 2012, p. 52).

[3] Trata-se da Ação tombada sob o nº 0001778-95.2014.4.03.6110, distribuída ao Juízo da 3ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Sorocaba, interior do estado de São Paulo.

[4] Tombado sob o nº 0008474-47.2014.4.03.0000.

[5] Publicada na Edição nº 73/2014, de 24/04/2014, do Diário Eletrônico da Justiça Federal da 3ª Região.

[6] Publicada na Edição nº 97/2014, de 29/05/2014, do Diário Eletrônico da Justiça Federal da 3ª Região.

[7] “(...) os assim chamados direitos humanos, os droits de l’homme, diferentemente dos droits du citoyen, nada mais são dos os direitos do membro da sociedade burguesa, isto é, do homem egoísta, do homem separado do homem e da comunidade (negrito não consta do original).”

[8] O Conselho Nacional de Justiça realizou, em maio de 2014, a I Jornada de Direito da Saúde, oportunidade em que foram aprovados quarenta e cinco enunciados destinados a orientar os julgadores na apreciação das demandas envolvendo o direito à saúde. No entanto, entendemos que aquelas que tratam da  saúde pública (as dezenove primeiras), ainda são norteadas pela equivocada visão de que o direito à saúde é absoluto, não havendo nelas uma consideração consistente no tocante ao problema do casuísmo das demandas individuais, bem como aos danos coletivos decorrentes de uma crescente interferência do Judiciário na alocação dos recursos destinados à saúde pública, sem qualquer planejamento prévio e sem preocupação com os efeitos decorrentes dessa atuação.

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Sobre o autor
Gilvânklim Marques de Lima

Doutor e mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Juiz Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Gilvânklim Marques. A interferência do Poder Judiciário na concretização do direito à saúde:: os riscos de uma atuação não planejada e casuística. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5089, 7 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58277. Acesso em: 17 abr. 2024.

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