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Responsabilidade subsidiária da Administração Pública pelas verbas trabalhistas na terceirização

15/02/2018 às 13:20
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Recente decisão do STF reforça o posicionamento de que a responsabilidade subsidiária da Administração Pública só ocorrerá quando houver flagrante falha na fiscalização do contrato de terceirização.

A recente decisão do STF, no Recurso Extraordinário 760.931/DF, foi recebida com espanto por muitos que labutam na Justiça do Trabalho, afinal, confirmou o entendimento adotado na Ação de Declaração de Constitucionalidade (ADC) 16, que veda a responsabilização automática da administração pública, só cabendo sua condenação se houver prova inequívoca de sua conduta omissiva ou comissiva na fiscalização dos contratos.

Tem-se utilizado esse método nos modelos de ações sobre o tema para conseguir garantir a liquidez de uma futura condenação.

Ocorre que este posicionamento não é novo; praticamente sempre existiu. Afinal, a responsabilidade subsidiária só ocorre nos casos em que a Administração Pública falhe na fiscalização. Trata-se de previsão clara da Lei 8.666/93:

Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

§ 1o A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)

E a lei é explícita sobre a responsabilidade solidária somente quanto aos encargos previdenciários:

§ 2o A Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)

E este foi o entendimento reiterado pelo STF na última semana, no qual o ministro Luiz Fux, ao relatar o processo reforçou a previsão expressa da Lei 8.666, estabelecendo um paralelo sobre a previsão da responsabilidade dos encargos previdenciários, destacando que “Se quisesse, o legislador teria feito o mesmo em relação aos encargos trabalhistas. (…) Se não o fez, é porque entende que a administração pública já afere, no momento da licitação, a aptidão orçamentária e financeira da empresa contratada.”

Assim, reforçado o posicionamento de que a responsabilidade subsidiária da Administração Pública só decorre quando houver flagrante falha na fiscalização do contrato. Tal entendimento já era explícita na súmula 331 do TST de 2011:

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011 (…)

V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

Fato já consolidado na jurisprudência:

DA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA RECURSO ORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA. Considerando o Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº. 0000362-87.2015.5.06.0000, há de se observar tese prevalecente, que "I - reconhece a responsabilidade subsidiária da Administração Pública direta e indireta pelas obrigações trabalhistas não cumpridas por empresa prestadora de serviços, quando evidenciado culpa in eligendo e/ou in vigilando; II - reconhece ser da tomadora de serviços o ônus probatório relativo ao efetivo exercício da fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas". Nesse aspecto, a recorrente não se desincumbiu do ônus de comprovar que manteve atitude diligente na fiscalização do contrato, estando, pois, caracterizada a conduta culposa da tomadora dos serviços no cumprimento das obrigações da Lei nº. 8.666 /93. Apelo a que se nega provimento. (Processo: RO - 0001656-72.2014.5.06.0013, Redator: Maria Clara Saboya Albuquerque Bernardino, Data de julgamento: 20/03/2017, Terceira Turma, Data da assinatura: 21/03/2017)

MUNICÍPIO DE CANOAS E REVITA ENGENHARIA S. A. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PARA COLETA E TRANSPORTE DE RESÍDUOS SÓLIDOS (LIXO DOMÉSTICO E DE SERVIÇOS DE SAÚDE). CASO CLÁSSICO DE TERCEIRIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA. A responsabilização do ente público decorre da falha na fiscalização como causa principal da inadimplência do crédito trabalhista reconhecido, abrangendo a satisfação de todas as parcelas objeto da condenação ou de acordo celebrado entre as partes, na medida em que beneficiário direto dos serviços prestados. Aplicação da Súmula 331, IV e VI, do TST, e Súmulas 11 e 47 deste Regional, já adequadas ao julgado da ADC 16 pelo STF. (TRT-4 - Recurso Ordinário RO 00216270920145040204 (TRT-4)

Portanto, salvo melhor juízo, nenhuma novidade na decisão do STF. A preocupação portanto, passa a ser outra:

Como evidenciar a falha na fiscalização da Administração Pública?

Para iniciar o tema, interessante observar que a Responsabilidade da Administração Pública na fiscalização da empresa é inerente ao regime da contratação pública, afinal, trata-se da gestão do dinheiro público, e vem expressamente previsto na Lei 8.666 que rege as licitações e contratos públicos, in verbis:

Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de: (...)

III - fiscalizar-lhes a execução; (...)

Art. 66. O contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas desta Lei, respondendo cada uma pelas conseqüências de sua inexecução total ou parcial. Parágrafo único. Cabe à administração fiscalizar o cumprimento dos requisitos de acessibilidade nos serviços e nos ambientes de trabalho. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

Art. 67. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição.

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Portanto a responsabilidade última pela fiscalização da execução permanece sempre com a Administração Pública. [Acórdão 1930/2009 – TCU – Plenário], respondendo subsidiariamente se houver falha na fiscalização.

Trata-se da configuração da culpa in eligendo, bem como da culpa in vigilando.

Reforçando esta responsabilidade a Instrução Normativa MP nº 2/2008, com alteração da Instrução Normativa MP nº 3/2009, ambas da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão autorizou, em hipóteses excepcionais, e desde que previstas em edital de licitação, o pagamento direto ao empregado da empresa contratada de verbas trabalhistas. Veja:

Art. 19. Os instrumentos convocatórios devem o conter o disposto no art. 40 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, indicando ainda, quando couber: (…)

XVIII – disposição prevendo que a execução completa do contrato só acontecerá quando o contratado comprovar o pagamento de todas as obrigações trabalhistas referente à mão de obra utilizada, quando da contratação de serviço continuado com dedicação exclusiva de mão de obra; e (Incluído pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009)

b) a garantia, qualquer que seja a modalidade escolhida, assegurará o pagamento de: (Incluído pela Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013) (...)

4. obrigações trabalhistas e previdenciárias de qualquer natureza, não adimplidas pela contratada, quando couber;(Redação dada pela Instrução Normativa nº 4, de 19 de março de 2015) (…)

k) deverá haver previsão expressa no contrato e seus aditivos de que a garantia prevista no inciso XIX deste artigo somente será liberada ante a comprovação de que a empresa pagou todas as verbas rescisórias trabalhistas decorrentes da contratação, e que, caso esse pagamento não ocorra até o fim do segundo mês após o encerramento da vigência contratual, a garantia será utilizada para o pagamento dessas verbas trabalhistas, conforme estabelecido no art. 19-A, inciso IV, desta Instrução Normativa, observada a legislação que rege a matéria.(Redação dada pela Instrução Normativa nº 4, de 19 de março de 2015)

Art. 19-A. O edital deverá conter ainda as seguintes regras para a garantia do cumprimento das obrigações trabalhistas nas contratações de serviços continuados com dedicação exclusiva de mão de obra: (Redação dada pela Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013)

I - previsão de provisionamento de valores para o pagamento das férias, 13º (décimo terceiro) salário e verbas rescisórias aos trabalhadores da contratada, que serão depositados pela Administração em conta vinculada específica, conforme o disposto no Anexo VII desta Instrução Normativa; (Redação dada pela Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013)

Ou seja, a obrigatoriedade da fiscalização está normatizada expressamente. Assim, no papel de fiscal do contrato, a Administração Pública tem inúmeras formas de assegurar o cumprimento rigoroso das normas trabalhistas, especialmente quando exige previamente ao pagamento, por força de lei, a comprovação do cumprimento a tais normas.

Assim, quando ocorre o descumprimento das normas trabalhistas por parte da empresa terceirizada, provavelmente houve também uma inobservância do papel vigilante da Administração Pública.

Diante de tais premissas, quais as formas passíveis de demonstração de falha na fiscalização?

O primeiro passo é obter cópia do processo administrativo de contratação na íntegra. No processo você poderá ter as seguintes evidências da ocorrência ou não da fiscalização, tais como:

  • Ausência de previsão em contrato e edital das orientações previstas na IN MPOG 02/2008;
  • Ausência de verificação prévia a cada pagamento do cumprimento ao recolhimento dos encargos previdenciários;
  • Finalização do contrato sem a certificação do cumprimento integral dos encargos trabalhistas;
  • Ausência de fiscalização (relatórios assinados pelos fiscais) do cumprimento rigoroso às normas de segurança no trabalho;
  • Ausência de servidor ou assistência específica para a fiscalização do contrato;
  • Ausência de condições físicas e estruturais aos fiscais para a realização da fiscalização, conforme já alertado pelo TCU: Acórdão nº 839/2011 – Plenário “52. Saliento, ainda, a precariedade das condições de trabalho propiciadas pela Seter aos executores técnicos. Causa espécie que o titular daquela Secretaria não tenha adotado as providências necessárias no sentido de munir esses executores de todas as condições necessárias ao bom e fiel cumprimento de suas atribuições. Afinal, eles eram os responsáveis pelo fornecimento das informações que fundamentaram a liquidação da despesa e o pagamento das entidades contratadas. Acrescento que, ao indicar servidores para o exercício cumulativo de várias funções, o Secretário da Seter praticou um ato imprudente, pois era possível antever que esses servidores não teriam condições de acompanhar a execução de todos esses contratos, o maior dos quais visava treinar 48.000 alunos, que comporiam 1.920 turmas de 25 alunos cada. (...) em média, o executor técnico fica responsável pelo acompanhamento de 10.000 treinandos, o que equivale a, aproximadamente, 400 salas de aulas funcionando simultaneamente em locais diversos, o que leva a afirmar, sem exagero, que é humanamente impossível cumprir a legislação com os mecanismos de controle atualmente existentes."(trechos do relatório do acórdão)
  • Ausência de capacitação ou qualificação específica dos fiscais do contrato; Acórdão nº 2.917/2010 – Plenário. “5.7.6. Acerca das incumbências do fiscal do contrato, o TCU entende que devem ser designados servidores públicos qualificados para a gestão dos contratos, de modo que sejam responsáveis pela execução de atividades e/ou pela vigilância e garantia da regularidade e adequação dos serviços (item 9.2.3 do Acórdão nº 2.632/2007-P). 5.7.7. O servidor designado para exercer o encargo de fiscal não pode oferecer recusa, porquanto não se trata de ordem ilegal. Entretanto, tem a opção de expor ao superior hierárquico as deficiências e limitações que possam impedi-lo de cumprir diligentemente suas obrigações. A opção que não se aceita é uma atuação a esmo (com imprudência, negligência, omissão, ausência de cautela e de zelo profissional), sob pena de configurar grave infração à norma legal (itens 31/3 do voto do Acórdão nº 468/2007-P).” (Trecho do Relatório do acórdão do Min. Valmir Campelo)

Seguindo este raciocínio, utilize um modelo de reclamatória trabalhista envolvendo a responsabilidade subsidiária da Administração Pública.

Em suma, o papel fundamental da Administração Pública de efetivar a fiscalização do dinheiro público apenas ganha maior importância. Afinal, se não houve a efetiva fiscalização do cumprimento das condições contratadas em detrimento do erário público, evidente que o trabalhador, parte mais frágil da relação, sofrerá o maior prejuízo, devendo, como conclusão do presente trabalho, esta responsabilidade recair sobre a Administração Pública.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

INICIAL, Modelo. Responsabilidade subsidiária da Administração Pública pelas verbas trabalhistas na terceirização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5342, 15 fev. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58391. Acesso em: 19 mar. 2024.

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