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Justiça restaurativa e os adolescentes infratores

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O modelo de justiça restaurativa é compatível como resposta a qualquer tipo de ato infracional, com exceção dos dolosos contra a vida.

RESUMO: A conciliação e a mediação são os focos do Conselho Nacional de Justiça, para a construção de uma nova justiça, onde os demandantes são os autores, aptos a dizer aquilo que melhor resolverá o litígio existente, mudando a concepção de que uma causa somente pode ser resolvida pelo julgador, pelo juiz. Na esfera penal a mediação e a conciliação também são foco de atenção dos operadores do direito, ganhando destaque com as inúmeras campanhas e metas que são veiculadas pelo listado CNJ. Assim como a cível, a esfera penal possui uma gama de feitos aguardando julgamento, sendo que há tempos no Brasil se cogita acerca da aplicação do instituto da Justiça Restaurativa, existindo já programas e cursos nos Estados da Federação para efetivação dos modelos e práticas restaurativas nas diversas áreas do direito. Nesse sentido, objetiva-se com o presente trabalho explanar acerca da possibilidade de aplicação dos métodos e modelos restaurativos em prol dos adolescentes infratores. As estatísticas alarmantes da prática de atos infracionais por adolescentes condiciona a investigação científica, no sentido de perceber a possibilidade não somente de resgatar o adolescente do mundo do crime, mas inseri-lo na sociedade, passando a vítima, também, de mera coadjuvante para ator principal na construção de uma nova espécie de justiça penal, em prol de toda a coletividade. E nesse sentido, torna-se primordial analisar para quais espécies de atos infracionais é possível a aplicação da justiça restaurativa, sendo este o foco principal da pesquisa.

PALAVRAS-CHAVE: Ato infracional, Adolescente infrator, Justiça Restaurativa.


1 INTRODUÇÃO

As formas alternativas de resolução de conflitos têm ganhado espaço, também, na esfera penal, a exemplo da conciliação que é muito divulgada na atualidade, em especial em razão da Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça que visa a composição amigável dos conflitos existentes no cotidiano, podendo ser usado como exemplo, também, espécie de mediação penal prevista no artigo 74 da Lei dos Juizados Especiais (nº 9.099/95).

De outro norte a criminalidade é crescente, sendo considerada por muitos estudiosos do assunto como um fenômeno social normal, considerando a globalização, o viver em sociedade e a própria dificuldade das pessoas e as oportunidades destas em determinadas situações da vida que se deixam levar para a prática do crime, seja em decorrência, ou não, do uso de substâncias entorpecentes, diante do fato de ser um grande facilitador e incentivador da prática de crimes.

Nesse contexto de ausência de recursos materiais e humanos suficientes por parte do Estado a fim de suprir as necessidades sociais, tanto que o princípio da reserva do possível é usado como fundamento para se obstar do pagamento de inúmeros encargos, a exemplo do que se dá quando se fala do direito à saúde, em especial da entrega de medicamentos por parte do Estado, um novo instituto com base do direito estrangeiro ganha força no Brasil, denominado Justiça Restaurativa.

Assim, o trabalho e pesquisa científica que se pretende efetivar é focado no citado assunto, todavia, restringindo a investigação desta quanto à possibilidade de aplicação da Justiça Restaurativa em prol dos adolescentes infratores, diante das alarmantes estatísticas da prática de atos infracionais por parte dos citados.

Falar de direito penal é falar de infração penal, de privação de liberdade, restrição de direitos, de direitos humanos, de princípios que são o norte das normas dispostas na Lei Maior – a Constituição Federal.

Há uma crescente em relação à prática de crimes no corpo social, considerando as notícias que são veiculadas nos meios midiáticos, a falta de celas, a superlotação das cadeias públicas e penitenciárias, voltando-se, muito, o Estado, para as questões estruturais, esquecendo-se, algumas vezes, das questões sociais.

A vítima de determinado crime ou ato infracional na maioria das vezes não recebe do Estado a importância devida, o que pode ocorrer pela estruturação do próprio sistema ou falta desta.

A partir da Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça muito se fala em composição amigável, conciliação, mediação, tanto que os Centros de Conciliação e Mediação (CEJUSC'S) já são realidades na cidade e Comarca de Cascavel – PR, por exemplo.

E justamente neste contexto é que surge a possibilidade de mediação e conciliação penal, o que já era apresentado pela Lei nº 9.099/1995, todavia, para crimes de menor potencial ofensivo (artigo 61 da referida Lei).

A citada resolução, portanto, visa a conciliação entre as partes, e nesse ponto específico a Justiça Restaurativa traz uma nova proposta de mediação de conflitos quando da prática de crimes, a fim de que autor e vítima possam se colocar um no lugar do outro e tentar resolver pacificamente a situação, sem a necessidade, eventualmente, de aplicação de pena restritiva de direitos ou privativa de liberdade.

Assim, considerando que o assunto é amplo, vez que envolve situações diversas, entende-se que o tema proposto é deveras importante em prol do conhecimento científico próprio, como também para o corpo acadêmico e social, visando conhecer o instituto, as peculiaridades e particularidades, atingindo ao objetivo que se propõe de investigar quanto a possibilidade de aplicação da justiça restaurativa em prol dos menores infratores, como forma de obstar, inclusive, a reincidência delitiva, amenizar problemas estruturais do Poder Pública e dar o devido valor importância em prol de determinada vítima de crime ou prática de ato infracional.

O tema é ainda novidade, havendo muito que discutir e falar, ensejando a pesquisa científica.

O elevado número de crimes e atos infracionais que são praticados contra o corpo social por si só justifica a importância do estudo do tema, como forma de amenizar as consequências sociais geradas pelo crime, razão pela qual optou-se por escolher como problema de pesquisa o que segue: A justiça restaurativa pode ser aplicada em prol dos adolescentes infratores e da própria sociedade como forma de obstar a reiteração de condutas delitivas, amenizar problemas estruturais do Estado, e dar a devida importância em prol da vítima de determinado delito, além de reinserir o menor infrator no seio social?


2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 JUSTIÇA RESTAURATIVA: HISTÓRICO E CONCEITO

Primeiramente, é necessário entender o que é Justiça Restaurativa. E para Vitor (2008, p. 02) é “embasada no conceito de solução de problemas de forma colaborativa, propiciando que aqueles que foram prejudicados por um ato infracional possam expressar de forma real como foram afetados”.

Assim, a justiça restaurativa apresenta relevância para o país e para o cenário internacional, como forma de resolução de conflitos entre as partes envolvidas em determinado delito, “tratando-se de alternativa à sistemática da resolução do conflito pela via judicial” (MACEDO, 2013, p. 97).

Importante frisar que as chamadas práticas restaurativas existem há tempos, considerando as condutas reintegradoras e negociáveis encontrados em códigos da era cristã, a exemplo do Código de Hammurabi (1.700 a.C.), tendo a justiça restaurativa como hoje é conhecida, origem entre os povos da África, Nova Zelândia, Austrália, América do norte e do Sul, surgindo a citada denominação no ano de 1975 pela escrita do psicólogo Albert Eglash, quando então identificou que para cada crime praticado poderia existir três respostas: a retribuição, baseada na punição; a distribuição, focada na reeducação; e a restauração, tendo por objeto a reparação (GRECCO, et. al., 2014).

Para Grecco (et. al., 2014, p. 08/10) três são as correntes de pensamento que auxiliam o crescimento e a evolução da justiça restaurativa:

I. Contestação das instituições repressivas. A justiça restaurativa surge quando já existia um movimento de revisão da Justiça Tradicional, ou seja, quando surgiam profundas transformações estruturais dentro e fora do campo penal, tais como a descentralização do poder estado controlador, a desagregação do modelo estatal de bem-estar social, o simbolismo jurídico, o aparecimento da sociedade civil e a elevação do neoliberalismo e a fragmentação dos centros de decisões (…). II. Descoberta e consideração da vítima. A Justiça Restaurativa emerge, então, como uma alternativa ética com uma visão diferente sobre quem é a vítima e o que são suas necessidades. Considerando que muitas vezes vítima e ofensor podem estar conectados por circunstâncias existenciais, nem sempre as punições severas atendem as vítimas que preferem ter a chance de falar com o ofensor sobre o crime e explicar com detalhes como foram afetadas; e obter uma restituição que compense as perdas e danos sofridos (…). III. Exaltação da comunidade. A recuperação do poder comunitário favoreceu o desenvolvimento de modelos restaurativos ligados, em parte, aos movimentos dos povos nativos em busca do respeito a suas crenças e em resposta ao encarceramento desproporcional de membros de sua comunidade.

Destaca-se que são identificadas pelos estudiosos três fases evolutivas da Justiça restaurativa, a primeira tratando-se de uma movimento de descriminalização a partir dos anos 1970, seguido de uma fase de institucionalização nos anos 1980, ocasião na qual houve a adoção de legislações específicas sobre o tema em outros países e, por fim, a chamada fase de expansão, no ano de 1990, tornando-se conhecido o tema e o movimento até os dias de hoje (JACOUD, 2005), tanto que ensejou a conceituação pela Resolução nº 12/2002 do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, dada a importância do tema:

Programa de Justiça Restaurativa significa qualquer programa que use processos restaurativos. Processo restaurativo significa qualquer processo no qual a vítima e o ofensor, e, quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime, tem participação ativa na resolução das questões oriundas do crime, geralmente com a ajuda de um facilitador. Os processos restaurativos podem incluir a mediação, a conciliação, a reunião familiar ou comunitária (…) e círculos decisórios. Resultados restaurativos incluem respostas e programas tais como reparação, restituição e serviço comunitário, objetivando atender necessidades individuais e coletivas e responsabilidades das partes, bem como promover a reintegração da vítima e do ofensor. Partes regerem-se a vítima, o ofensor e quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime que podem estar envolvidos (direta ou indiretamente) em um processo restaurativo. Facilitador significa uma pessoa cujo papel é facilitar, de maneira justa e imparcial, a participação das pessoas afetadas e envolvidas em um processo restaurativo (ONU, 2002).

Deixou-se claro no sítio do Conselho Nacional de Justiça (2016, p. 02)[1] que o objetivo da Justiça restaurativa é a “responsabilização ativa daqueles que contribuíram direta ou indiretamente para o fato danoso e o empoderamento da comunidade, destacando a necessidade de reparação do dano”.

Para Vitor (2008), na justiça restaurativa há determinado foco, a exemplo de identificar e analisar quem foi prejudicado com determinado ato, as necessidades dos envolvidos, a forma de reintegrar todos na sociedade novamente, podendo ser alcançados todos os objetivos pelo que é chamado de círculos restaurativos, listando que se é uma nova “maneira de abordar a justiça penal, tendo seu foco na reparação dos danos causados às pessoas e relacionamentos, ao invés da simples punição aos transgressores” (VITOR, 2008, p. 03).

Para tanto, é necessária a mudança de pensamento e posicionamento, passando a observar o direito penal e processual penal de outra ótica, como adverte Vasconcelos (2008, p. 16):

A OAB e outros Conselhos Profissionais têm papel importante a desempenhar no desenvolvimento de uma nova cultura entre os operadores do direito. Devem ser estimuladas a formação de profissionais e a organização de instituições que aliem o conhecimento jurídico à capacidade de identificação das reais necessidades das pessoas em conflito. Nas Defensorias Públicas, assistências judiciárias, núcleos comunitários, escritórios privados, instâncias judiciais, instituições especializadas e unidades educacionais devem ser implantados os espaços para a prática multidisciplinar da mediação.

É, portanto, algo novo, mas que já vem sendo implantado nas Comarcas dos Estados brasileiros, a exemplo do Paraná, em especial de Cascavel, que foi destaque no cenário nacional ao receber prêmio nacional pela aplicação dos chamados círculos restaurativos em prol das crianças e dos adolescentes (PARANÁ, 2016).

Os chamados círculos restaurativos nada mais são que reuniões onde são efetivadas com todos os envolvidos, havendo várias formas, métodos e técnicas, para que seja viabilizada a mediação penal e a reconstrução social, começando por todos os envolvidos, em especial a vítima e o autor da conduta delitiva (VITOR, 2008).

Para a maioria dos estudiosos sobre o tema, a exemplo de Vitor (2008) e Vasconcelos (2008), é de extrema relevância que todos os envolvidos se coloquem uns no lugar dos outros, para que possam identificar o que cada um sentiu no momento de determinada prática de ato infracional, entendendo os medos e também as consequências dos atos de cada um para que os objetivos da justiça restaurativa e dos círculos restaurativos sejam alcançados.

O objetivo primordial é mediar os envolvidos, sendo que a redução dos índices de criminalidade é mera consequência, não sendo o objetivo primordial da justiça restaurativa (TEJADAS, 2007).

2.2 OS ADOLESCENTES INFRATORES E AS ESTATÍSTICAS NACIONAIS

A sociedade, o Estado, pode ser considerada como vítima dos crimes que são praticados no corpo social, razão pela qual o ius puniendi lhe pertence. Assim, as condutas que são consideradas perniciosas são regradas pelo direito penal, sendo identificadas como crime, no intuito de obstar a reiteração das condutas delitivas que afetam os bens jurídicos tutelados (BITENCOURT, 2012).

Seguindo a regra do princípio da legalidade, previsto no artigo 5º, inciso XXXIX da Constituição Federal e no artigo 1º do Código Penal nacional, de que não há crime sem lei anterior que o defina, tampouco pena sem prévia previsão legal, para cada crime que é identificado na norma há um bem jurídico protegido pelo direito penal, seja vida, honra, imagem, intimidade, integridade física, entre outros. Há peculiaridades, a exemplo de quem pode ser o autor ou vítima de determinado crime, a pena cominada, entre outras (BRASIL, 1988).

No Brasil, somente a pessoa que conta com 18 (dezoito) anos de idade pode praticar crimes, ou seja, ser responsabilizada criminalmente pela conduta prevista abstratamente na norma como ilícito penal, por força do contido no artigo 228 da Constituição Federal, in verbis: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial” (BRASIL, 1988). E referida lei especial que trata dos menores infratores é o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) à qual, após, será feita referência.

Assim, é formado, primeiramente, um caderno investigativo conhecido como inquérito policial, onde, na fase extrajudicial, são coletadas provas essenciais para atestar a autoria e materialidade de um determinado delito praticado, qual é remetido ao Ministério Público que é, pela Constituição Federal, identificado como órgão acusador, responsável pelo oferecimento da denúncia em desfavor do autor do crime, inaugurando, assim, a ação penal, se referida peça for recebida pelo Juiz que atua nas Varas Criminais das Comarcas dos Estados brasileiros (BRASIL, 1941).

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Ocorre que a criminalidade, como considerada por muitos autores, a exemplo de Bitencourt (2012), é tida como um fenômeno social normal. Havendo sociedade, logo, existirá a prática de crimes em desfavor dos membros sociais e, por consequência, o ferimento a um bem jurídico tutelado.

Os índices de criminalidade são alarmantes no Brasil, e o que mais espanta com as poucas pesquisas efetivadas para início das atividades científicas é que os menores infratores figuram como uma determinada camada da sociedade que vêm praticando muitos ilícitos, em especial, para o consumo de substâncias entorpecentes, ocasionando, portanto, outros tantos crimes que são decorrentes do uso ou da busca pelo uso de drogas (TEJADAS, 2007).

Portanto, o crime, como conhecido pela norma penal e processual penal pode ser praticado pela pessoa que conta com, pelo menos, 18 (dezoito) anos de idade. Todavia, quando é um adolescente que pratica uma conduta que é prevista na norma penal, ou em legislação penal especial como crime, diz-se que o referido adolescente, na verdade, praticou um ato infracional, podendo ser representado, recebendo uma medida socioeducativa ou medida protetiva como espécie de sanção para o ato praticado, na forma do disposto no artigo 112 do ECA (Estatuto da criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/90).

Referida informação consta no Estatuto da Criança e do Adolescente, precisamente no artigo 103 que dispõe que todo o crime ou contravenção penal que é praticada por criança e adolescente é reconhecido pela denominação de ato infracional (BRASIL, 1990).

Por meio da Lei nº 8.069/1990 se tem todo o aparato necessário para a apuração do ato infracional, assim, conhecido como o “ato típico, descrito como crime ou contravenção [...] condenável, de desrespeito às leis, à ordem pública, aos direitos dos cidadãos ou ao patrimônio, cometido por crianças ou adolescentes” (AQUINO, 2012, p. 02), quais receberão, posteriormente, medidas de proteção.

Em meio ao que é identificado ou considerado ato infracional, há uma discussão doutrinária acerca do que pode ser tido como tal. Ataídes Junior (1999 apud KAMINSKI, 2002) esclarece que, na verdade, deve apenas ser observado se na norma penal ou especial penal há uma conduta típica que se amolde ao que foi, na prática, cometido pelo adolescente infrator, não havendo a necessidade de investigar se determinado ato ou conduta é antijurídica ou mesmo culpável.

Veja-se, não é intuito do trabalho esmiuçar a teoria do crime, ou mesmo o que venha a ser considerado como crime do ordenamento jurídico, a exemplo da conduta típica, antijurídica e culpável, bem conhecida pelos operadores do direito e assim conceituado por muitos, a exemplo de Bitencourt (2014). Todavia, pequenas considerações acerca das diferenças existentes entre crime e ato infracional, neste momento, se faz pertinente, para melhor entendimento do tema e exposição do que se pretende com o presente trabalho.

Assim, em poucas linhas, é possível listar que o ato infracional é na referida nomenclatura identificado, e não como crime, pela própria previsão constante na norma nacional, em especial no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), precisamente no artigo 103, prevendo que:  “Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal” (BRASIL, 1990).

O próprio sítio do Senado Federal[2] esclarece que inexiste diferença entre crime e ato infracional, sendo apenas nomenclaturas diferentes para se referir “às condutas que desrespeitem a lei. Quando o ECA fala de ato infracional refere-se ao descumprimento da lei criminal e não de regras de comportamento” (SENADO FEDERAL, 2017, p. 01).

Todavia, retomando a ideia do conceito de crime, primeiramente, é relevante ressaltar que houve uma evolução da teoria do delito, havendo três fases de desenvolvimento, tomando por base somente os entendimentos apresentados pelo doutrinador Cezar Roberto Bitencourt (2014), quais sejam: o conceito clássico de delito, o conceito neoclássico de delito e o conceito finalista de delito. Destaca-se, neste contexto, que a atual concepção do delito, datada do final do século XIX, é tida como quadripartida, sendo o crime compreendido como uma ação, típica, antijurídica e culpável, enfatizando que: “[…] essa concepção pode ser definida como tripartida, considerando somente os predicados da ação, tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade [...]” (BITENCOURT, 2014, p. 272).

Sucintamente, para o conceito clássico de delito este é representado por uma ação, um movimento corporal, qual produz uma modificação no mundo exterior, causando, portanto, um resultado, mantendo em partes bem distintas o aspecto objetivo do delito que são a tipicidade e a antijuridicidade; e o aspecto subjetivo que é representado pela culpabilidade, todavia, estavam contidos no referido conceito os quatro elementos estruturais, quais sejam: ação, tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade (BITENCOURT, 2014)

No conceito neoclássico de delito ocorreu uma reformulação do velho conceito de ação, atribuindo, assim, “[…] nova função do tipo, pela transformação material da antijuridicidade e redefinição da culpabilidade, sem alterar, contudo, o conceito de crime, como a ação típica, antijurídica e culpável” (BITENCOURT, 2014, p. 276).

Para melhor entender o conceito de delito no finalismo, transcreve-se as seguintes considerações, recordando-se da contribuição da teoria para o direito penal, vez que por meio do listado conceito de delito é que ocorreram as distinções entre os tipos dolosos e culposos, entre o dolo e a culpa, como integrantes da ação:

A teoria final da ação, como ficou conhecida, tem o mérito de eliminar a injustificável separação dos aspectos objetivos e subjetivos da ação e do próprio injusto, transformando, assim, o injusto naturalístico em injusto pessoal. Com o finalismo, a teoria do delito encontra um dos mais importantes marcos de sua evolução. A contribuição mais marcante do finalismo, como já indicamos, foi a retirada de todos os elementos subjetivos que integravam a culpabilidade, nascendo, assim, uma concepção puramente normativa. O finalismo deslocou o dolo e a culpa para o injusto, retirando-os de sua tradicional localização – a culpabilidade – , levando, dessa forma, a finalidade para o centro do injusto. Concentrou na culpabilidade somente aquelas circunstâncias que condicionam a reprovabilidade da conduta contrária ao Direito, e o objeto da reprovação (conduta humana) situa-se no injusto (BITENCOURT, 2014, p. 276-277).

Para o conceito de delito no finalismo o crime continuou sendo considerado como a ação típica, antijurídica e culpável. Mas, além dos conceitos listados, existe o conceito analítico de crime, onde a culpabilidade é tida como elemento constitutivo do crime (BITENCOURT, 2014), sendo que as diferenças existentes entre o conceito material, formal e analítico de crime são sintetizadas por LENZA (2012, p. 268), na forma que segue:

Material

Formal

Analítico

Definições

Crime é toda ação ou omissão consciente e voluntária, que, estando previamente definida em lei, cria um risco juridicamente proibido e relevante a bens jurídicos considerados fundamentais para a paz e o convívio social.

Crime é todo ato punido com sanções penais, isto é, penas ou medidas de segurança.

Crime é fato típico e antijurídico (a culpabilidade figura como pressuposto de aplicação da pena).

Enfoque

Essência do fenômeno.

Consequências do ato.

Estrutura e elementos do crime.

Utilidade

Limitar a criação de delitos pelo legislador, segundo critérios materiais.

Compreender e identificar quais são os ilícitos penais a partir de suas consequências.

Sistematizar e permitir uma aplicação racional e uniforme do Direito Penal.

E para Lenza (2012), o conceito analítico de crime envolve quatro teorias, a bipartida que entende que o crime é fato típico e antijurídico; a tripartida, entendendo que o crime é fato típico, antijurídico e culpável, sendo a teoria dominante; a teoria quadripartida, onde crime é considerado fato típico, antijurídico, culpável e punível; tendo ainda a teoria constitucionalista, entendendo que crime é fato típico, antijurídico e punível.

E nesse sentido se torna primordial mencionar acerca da imputabilidade, qual pode ser conceituada como a capacidade de culpabilidade (LENZA, 2012; BITENCOURT, 2014), sendo que, por consequência:

[…] quem carece desta capacidade, por não ter maturidade suficiente, ou por sofrer de graves alterações psíquicas, não pode ser declarado culpado e, por conseguinte, não pode ser responsável penalmente pelos seus atos, por mais que sejam típicos e antijurídicos (CONDE, 1988, p. 137).

Assim, a lei nacional penal adota como regra a chamado “sistema biopsicológico” para a questão da imputabilidade, sendo exceção o sistema chamado de “puramente biológico para a hipótese do menor de dezoito anos (arts. 228 da CF e 27 do CP) […]” (BITENCOURT, 2014, p. 474), demonstrando, portanto, que a imputabilidade estará presente sempre que o agente apresentar condições de normalidade e maturidade.

E quanto aos menores, como fica a responsabilidade penal no caso do adolescente que pratica ato infracional? Para responder ao questionamento, as considerações efetivadas abaixo são as imprescindíveis para o entendimento do tema. Primeiro, o critério biológico esgota o conceito de inimputabilidade, pela própria previsão legal (artigos 228 da Constituição Federal e 27 do Código Penal), onde o menor de idade é considerado como irresponsável “penalmente”, não lhe sendo possível admitir a culpabilidade, embora possa ser responsabilizado de alguma forma pela ação cometida. Nestes termos, atestando-se que o sujeito que praticou determinada conduta prevista como típica, antijurídica e culpável é menor de 18(dezoito) anos, fica isento de pena, podendo, todavia, lhe ser aplicada uma sanção, correspondente às medidas socioeducativas previstas no artigo 112 do ECA, a exemplo da internação (BITENCOURT, 2014).

Na mesma linha de pensamento, refrisando, o critério biológico é suficiente para excluir o menor de 18 (dezoito) anos de receber uma condenação penal, a exemplo da aplicação de penas privativas de liberdade e restritivas de direito, como os maiores de 18(dezoito) anos quando do cometimento e condenação pela prática de crime. No entanto, em relação ao critério biopsicológico, o adolescente infrator continua sendo avaliado para reconhecimento da melhor medida a ser aplicada em seu favor, procurando “minimizar a forma violenta e antidemocrática que o Estado brasileiro pune o menor infrator, sem assegurar-lhe as garantias fundamentais e constitucionais da presunção de inocência, ampla defesa, […] reconhecidas a todos os criminosos adultos”, como assevera Bitencourt (2014, p. 476).

Ou seja, embora praticado o fato típico e antijurídico, pela presunção absoluta de inimputabilidade em prol do menor de dezoito anos, o adolescente, e por isso chamado de infrator, não será responsabilizado penalmente, como asseverado acima, sendo a responsabilidade, por questões de política criminal, ditadas de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), recebendo, na oportunidade do cometimento do chamado ato infracional, portanto, medidas socioeducativas proporcionais e adequadas à gravidade dos atos praticados e a idade.

Referida idade é considerada, vez que até os 12 (doze) anos de idade é aplicada ao menor medida protetiva (artigo 105 do ECA), que é o encaminhamento da criança aos pais ou responsáveis, mediante termo de responsabilidade; recebimento de orientação, acompanhamento; matrícula e frequência obrigatória em estabelecimento de ensino, entre outras, previstas no artigo 101 do ECA (Lei nº 8.069/90); e somente após os 12(doze), até os 18(dezoito) anos, é que são aplicadas as medidas socioeducativas, a exemplo da internação ou da semiliberdade (LENZA, 2012).

Ainda, sobre as questões de crime, ato infracional, imputabilidade e inimputabilidade, um apontamento importante: “[…] a idade do agente deve ser aferida no instante da conduta, isto é, da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado” (LENZA, 2012, p. 422). Isso pela adoção, no Brasil, da teoria da atividade, sendo que a maioridade penal ocorre a partir do primeiro minuto do dia do décimo oitavo aniversário, sendo “[…] de todo irrelevante avaliar o horário do fato para vinculá-lo à hora do nascimento do agente. […] para efeitos penais, desprezam-se as frações de dia [...]” (LENZA, 2012, p. 422).

Por último, mas não menos relevante, em simples linhas lista-se sobre a tipicidade delegada, entendida como um princípio decorrente do princípio da legalidade, prevendo que somente haverá ato infracional se houver, normativamente, um tipo penal, uma figura típica que preveja. Em outras palavras, se o ato considerado como ato infracional é previsto como crime, podendo ser um adulto sancionado pela conduta tida como típica, antijurídica e culpável é que será possível o reconhecimento da conduta pratica pelo adolescente como ato infracional, tendo como consequência a aplicação de uma medida socioeducativa (SCHIAPPACASSA, 2008).

O fundamento para tanto é no intuito de evitar desvio de conduta, desvio de penalização ou aplicação de medida protetiva ou medida socioeducativa “vazia de conteúdo típico”, vedando a aplicação de qualquer medida para tipo penal, por exemplo, que inexista sanção prevista (SCHIAPPACASSA, 2008).

Supõe-se que um exemplo prática da situação seria a abordagem do adolescente com substâncias entorpecentes ilícitas para consumo, tendo sido em seu desfavor aplicada uma medida socioeducativa de internação, sendo desproporcional em razão da previsão legal da lei, se nas mesmas condições fosse abordado e levado para averiguações um adulto. Nesse sentido:

O Estatuto traz, portanto, a garantia da criança e do adolescente autor do ato infracional da reserva legal. Portanto, ato infracional é uma conduta dolosa ou culposa, assim como é para o adulto, é uma conduta que exige um resultado, exige um nexo de causabilidade e exige tipicidade. Mas é uma tipicidade delegada, porque não há no Estatuto da Criança e do Adolescente uma lista de atos infracionais. Os atos infracionais também encontram-se descritos na legislação ordinária, portanto, uma norma de extensão (art. 103 ECA), busca no código penal o tipo relativo ao furto, ao homicídio, busca na lei de drogas o tipo relativo ao tráfico de drogas, por isso que a tipicidade do ato infracional não é própria mas sim delegada (ALMEIDA, 2013, p. 15).

Nesse ínterim, a importância do estudo se dá pelas estatísticas identificadas nacionalmente onde, no ano de 2010, o sistema socioeducativo era composto por 17.703 (dezessete mil setecentos e três) adolescentes em situação de medida de restrição e privação de liberdade pela prática de ato infracional, aumentando em 1.892 (mil oitocentos e noventa e dois) o número de adolescentes, no ano de 2011, na mesma situação de privação ou restrição, pela prática de ato infracional (NUNES, 2012).

Especificamente, no Estado do Paraná, o número de internações nos anos de 2010 e 2011 foram, respectivamente, 778 (setecentos e setenta e oito) e 705 (setecentos e cinco), 95% (noventa e cinco por cento) composto por adolescentes do sexo masculino, sendo possível identificar percentuais exatas quanto às espécies de crimes praticados, havendo uma incidência 41,7% (quarenta e um vírgula sete por cento) de crimes de roubos, 14,9% (quatorze vírgula nove por cento) de homicídios, 11% (onze por cento) de atos infracionais de furto, 7,5% (sete vírgula cinco por cento) de tráfico e 5,5% (cinco vírgula cinco por cento) de latrocínio praticado (NUNES, 2012).

Pouco antes, para exemplificar, nos anos de 2005 e 2006, no Estado de São Paulo, foram autuados 120.000 (cento e vinte mil) processos pela prática de ato infracional no Estado, sendo que no ano de 2008 houve a autuação de 140.000 (cento e quarenta mil processos), 46% (quarenta e seis por cento) corresponderam aos crimes contra o patrimônio, observando que os crimes da referida espécie e natureza são mais comumente praticados por adolescentes infratores (OSPESP, 2010).

Dada a relevância social e juvenil acerca da prática de atos infracionais no país, no ano de 2012 houve a promulgação da importante lei nº 12.594, de 18 de janeiro, tratando do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), que visa regulamentar a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescentes que pratiquem ato infracional (BRASIL. Lei nº 12.594, 2012). E no referido ano foi feito o levantamento estatístico anual pela Coordenação-Geral do SINASE (SNPDCA/SDH 2014), sendo identificado que 20.532 (vinte mil quinhentos e trinta e dois) adolescentes encontravam-se em restrição ou privação de liberdade no país, nas modalidades internação, internação provisória e semiliberdade; 88.022 (oitenta e oito mil e vinte e dois) adolescentes estavam em meio aberto de prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida (BRASIL. Presidência da República. SDH, 2013).

Os dados assustam se observado o apontamento que segue:

Segundo informações do Censo Demográfico, a população total do Brasil é de 190.755.799 pessoas, divididas em 5.564 municípios, com a população adolescente (12 a 21 anos) somando 21.265.930 milhões. Quando comparado ao número total de adolescentes no Brasil, a porcentagem de adolescentes cumprindo medidas socioeducativas de restrição e privação de liberdade é de (…) 0,10%; e de (…) 0,41% em medidas socioeducativas de prestação à comunidade (PSC) e liberdade assistida (LA) (…) que deve ser alvo das políticas públicas, atuando em busca de soluções para assegurar que direitos estabelecidos em lei repercutam diretamente na materialização de políticas públicas sociais que incluam o adolescente em atendimento socioeducativo (BRASIL. Presidência da República. SDH, 2013).

Veja-se. O Brasil enfrentou uma importante trajetória até que os direitos das crianças e dos adolescentes fossem reconhecidos, os inserindo como verdadeiros sujeitos de direitos, tendo início com a adoção da Doutrina das Nações Unidas da Proteção Integral da Infância, normas estas conhecidas internacionalmente (KAMINSKI, 2002).

Pensa-se, assim, que uma das formas de proteger os direitos que são inerentes à criança e ao adolescente é a aplicação dos métodos da justiça restaurativa, quando da prática do ato infracional.

2.3 OS TIPOS PENAIS PARA OS QUAIS É POSSÍVEL A APLICAÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA                                      

O próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) apresentam como metas a composição amigável, inclusive, na esfera penal. Assim, os métodos da Justiça Restaurativa podem ser aplicados como forma, inclusive, de sanar problemas estruturais pelos quais passam a maioria dos Estados brasileiros, com falta de recursos materiais e humanos. Todavia, não somente por esta questão é importante a aplicação da justiça restaurativa, mas para que haja mais humanidade, menos judicialização de problemas, enriquecendo a sociedade fazendo com que um se coloque no lugar do outro para que ambos, juntos, construam uma nova história e uma solução para o problema criado decorrente da prática de determinado ato infracional. Esta é a ideia da aplicação dos métodos restaurativos em prol dos menores infratores (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016).

Evidente, se fala em prol dos menores infratores, mas toda sociedade ganhará com a aplicação desta, e é justamente a esta resposta que se almeja chegar quando da finalização da pesquisa.

Nesse mesmo sentido, importante apontamento é feito por Vasconcelos (2008, p. 10):

Esperar que o Poder Judiciário consiga pacificar todos os conflitos que lhe são submetidos à apreciação é uma grande quimera, evidenciando a importância das intituladas formas alternativas de solução das controvérsias, com destaque para a mediação, a arbitragem e outras técnicas semelhantes, ou com o mesmo propósito. (...) Assim, a valorização da mediação passa pela inclusão da disciplina (como obrigatória, de preferência) na grade curricular do curso de Direito, para que o acadêmico compreenda, enquanto acadêmico, que o mundo jurídico é amplo, e que direito não representa apenas litígio, mas, sobretudo, pacificação.

Vasconcelos (2008) apresenta o entendimento de que o conflito não pode ser olhado negativamente, considerando que é plenamente impossível uma relação interpessoal totalmente consensual, diante das diferenças existentes entre as pessoas, os diversos pensamentos e ideias, sendo que a solução transformadora do conflito depende do reconhecimento dessas diferenças e a identificação de interesses comuns, razão pela qual para ele o diálogo é tudo na justiça restaurativa, tratando-se do método mais poderoso de conciliação.

Assim, por meio da Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, a mediação e a composição, ou seja, os métodos alternativos de solução de conflitos foram ganhando força, chegando à esfera penal, no intuito de atingir a pacificação social (Conselho Nacional de Justiça, 2010). Portanto, os métodos alternativos de resolução de conflitos ganharam força, sendo, inclusive, destaque no novo Código de Processo Civil de 2015 que prevê a conciliação em qualquer fase processual, chegando, também, nos feitos afetos à área penal.

Nesse sentido:

Negociação, mediação e arbitragem são comumente designadas como meios alternativos, ou extrajudiciais, de resolução de disputas (ADRs – Alternative Dispute Resolutions). São também conhecidas como Meios Alternativos de Resolução de Controvérsias (MASCs) ou Meios Extrajudiciais de Resolução de Controvérsias (MESCs) (VASCONCELOS, 2008, p. 35).

Várias foram as práticas e métodos restaurativos encontrados e que podem ser aplicados a partir do momento da prática de um crime, no intuito de serem cumpridos os objetivos e requisitos da Justiça Restaurativa, embora importante salientar, como adverte o Conselho Nacional de Justiça, que a mediação penal e a conciliação não podem ser aplicadas para todas as espécies de crimes, a exemplo dos crimes dolosos contra a vida (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016), indicando, portanto que, em tese, para os demais tipos penais é possível a aplicação dos métodos da justiça restaurativa.

Destaca-se, inclusive, que o citado Conselho aprovou aos 31/05/2016 a Resolução nº 225/2016, que contém diretrizes para implementação e difusão da prática da Justiça Restaurativa no Poder Judiciário nacional, na busca da pacificação social, a fim de prevenir e evitar a violência ou que o ato se repita (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016).

Greco (et. al., 2014, p. 15) elenca como espécie de métodos para aplicação da justiça restaurativa os encontros, os quais consistem em narrativas, emoções, compreensão e possibilidade de acordo, nos seguintes termos:

Reunião: as partes muitas vezes se encontram pessoalmente, embora em algumas circunstâncias seja realizada com a participação de um terceiro, de um substituto. Narrativa; as pessoas que vêm falar sobre o que aconteceu, como foram afetados, e como lidar com o mal feito. Emoção: considerada como um elemento facilitador para a compreensão, modificando a ênfase na racionalidade existente nos tribunais. Compreensão: as partes chegam a compreender melhor uma à outra, o crime, o dano causado pelo crime, e como corrigir a situação. Acordo: quando as partes são capazes de explorar as repercussões pessoais, materiais, morais e espirituais dos crimes, eles, então, planejam um acordo específico para a situação.

Desse acordo é que pode surgir a reparação, que pode consistir em um pedido de desculpas, uma mudança de comportamento, a restituição em si, por exemplo, de um bem subtraído, sendo a generosidade o ponto chave dessa espécie de encontro. Desse encontro também pode ocorrer a reintegração que é a recolocação da vítima e ofensor na sociedade, sendo considerado que ambos sofrem com a prática de um crime, merecendo serem inseridos na comunidade na qual vivem, diante da própria vergonha que sentem com a prática de um crime (GRECO, et. al., 2014).

No que diz respeito aos adolescentes infratores, praticamente, se tem notícias da aplicação dos métodos e modelos da justiça restaurativa, em especial dos círculos restaurativos em alguns Estados da Federação. No Paraná, por exemplo, as práticas restaurativas visam e reforçam o respeito, a dignidade e alteridade, tendo como resultado de um encontro chamado de “bem sucedido”, o pedido de desculpas, o perdão pelo ato, o remorso do adolescente infrator pela prática do ato, sendo, assim, encorajados os seguintes valores: reparação dos danos materiais, minimização das consequências emocionais do conflito, a restauração da dignidade, a própria prevenção de novos delitos (PARANÁ, 2015).

Falando um pouco de dados nacionais:

Em levantamento realizado em 2005 pelo MJ/PNUD foram identificados 67 programas alternativos de administração de conflitos em 22 estados do Brasil. Deste total 49,2% foram criados por instituições públicas governamentais; 47,7% são oferecidos por ONGs e 2,9% por Universidades, sendo que das iniciativas governamentais 51,5% dos fomentadores é o Poder Judiciário e 30,3% pelo Poder Executivo, sendo este último com apoio do Ministério da Justiça (PARANÁ, 2015, p. 30).

Logrou-se êxito na localização de alguns programas práticos que já são efetivados nos Estados em prol dos adolescentes infratores, a exemplo do Projeto São Caetano, sob a coordenação da Vara da Infância e Juventude da Comarca da citada cidade, tendo como foco justamente os atos infracionais levados ao conhecimento do Juízo, onde são aplicadas remissões, sem a imposição de medida socioeducativa, tendo como técnica os círculos restaurativos, sendo efetivados pelo juiz, promotor, assistentes sociais e/ou conselheiros tutelares (PARANÁ, 2015).

Na cidade de Porto Alegre, foi possível a aplicação da Justiça Restaurativa a partir da Resolução nº 822/2010 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, sendo instituída a Central de Práticas Restaurativas como parte integrante do projeto chamado “Justiça para o Século XVI”, tendo como objeto a pacificação de violências envolvendo crianças e adolescentes da citada cidade. A técnica utilizada são os círculos restaurativos, aplicados pelos técnicos do Poder Judiciário (PARANÁ, 2015).

Conforme informação constante no sítio[3] do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, os métodos da Justiça Restaurativa são aplicados em prol dos adolescentes em conflito com a lei, sendo uma iniciativa da Coordenadoria Estadual da Infância e da Juventude (CEIJ), em parceria com o Ministério Público do Estado, a Secretaria da Segurança Pública e os cursos de graduação em Psicologia e em Direito da Unisul, tratando-se de um projeto piloto implementado na Vara da Infância e da Juventude da Comarca da Capital, tendo como fundamento a Lei do Sistema Nacional Socioeducativo (SINASE) (SANTA CATARINA, 2017).

O foco é a reinserção social e familiar do adolescente autor de ato infracional, como também seu encaminhamento para programas de aprendizagem profissional. Neste programa o público-alvo são os adolescentes autores de ato infracional tido como de menor potencial ofensivo, especificados no projeto, quais sejam: “lesão corporal, crimes contra a honra, ameaça, violação de domicílio, furto, dano, estelionato e outras fraudes, receptação, crimes conta a propriedade imaterial, uso de drogas, crimes ambientais e delitos de trânsito” (SANTA CATARINA, 2017, p. 04).

Referido Tribunal de Justiça do Estado estabeleceu, ainda, que somente os adolescentes infratores que tenham cometido no máximo duas infrações seriam inseridos no programa dos círculos restaurativos, tendo como previsão a mediação penal, sendo que os demais casos seguiriam os trâmites normas do ECA (SANTA CATARINA, 2017).

Sales (2007), lista os efeitos, os quais chama de “emancipadores da prática da mediação”, em prol do adolescente infrator:

A mediação entre os adolescentes infratores e as vítimas permite que os adolescentes percebam o sofrimento que causaram, reconhecendo o poder e o alcance de seus atos, e possibilita às vítimas escutarem as motivações da atitude do infrator. Muitas vezes, por meio do diálogo, ambos se percebem envolvidos por uma sociedade desigual, em que o indicador de nobreza é o patrimônio acumulado e as pessoas se conhecem mais como posses do que como seres humanos. A partir disso, verificam que existem causas sociais que influenciaram ou definiram os atos ilícitos cometidos por adolescentes e isso permite o questionamento do sentido da vida de um adolescente infrator (SALES, 2007, p. 127).

Continuando a experiência dos métodos restaurativos no Estado de Santa Catarina, mais precisamente na cidade de Joinville, a justiça restaurativa é aplicada em prol dos adolescentes em conflito com a lei pelo Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil (IMAB), tendo como técnica a mediação, sendo encaminhados pelo Juiz da Vara da Infância e Juventide da localidade, ou pelo representante do Ministério Público. Referido órgão solicita a remissão de acordo com o resultado da mediação, que poderá, ou não, ser homologada pelo Juiz (BESSA, 2008).

No Estado de São Paulo, de 2005 até o ano de 2013 mais de 200 casos foram encaminhados para os procedimentos restaurativos nas Varas da Infância e Juventude, nas Comarcas da Capital, Guarulhos, São Caetanos do Sul, São José dos Campos, Campinas, Tatuí, Santos e Baruerilk (PENIDO, et. al., 2016).

No Estado do Paraná, há tempos existem projetos pilotos nos Ministérios Públicos dos Estados para aplicação da Justiça Restaurativa não somente na esfera do direito da Infância e Juventude, mas em todas as áreas do direito, a exemplo da de família, juizados cíveis e criminais, tanto que no ano de 2014, por meio da Portaria nº 11/2014 do Tribunal de Justiça do citado Estado foi criada a Comissão Paranaense de Práticas Restaurativas, sendo, na atualidade, inúmeros juízes, membros do Ministério Público e servidores aptos para participar dos programas de mediação e conciliação, das práticas restaurativas (BACELLAR, et.al., 2016).

Especificamente, em prol dos menores infratores, na Comarca de Ponta Grossa – PR, foram realizadas várias oficinas, a exemplo da 1ª (primeira), com o tema “O que é isso Medida Socioeducativa? - Sociedade Normativa – Teorias Contratualistas; da 2ª (segunda), “Eu sou o que penso ou penso o que sou? Ética e Moral – relação Eu e o Outro; 3ª (terceira) – “Indiferença e banalização – o Homem é lobo do Homem?, entre outras, destacando que o projeto “Alternativa para Mudar” é aplicado em prol dos adolescentes infratores, desde que o ato infracional seja resultante do uso de substâncias entorpecentes (BACELLAR, et. al., 2016).

De todo o exposto e pesquisado, observa-se, portanto, das experiências práticas e em andamento nos Estados brasileiros, que é possível a aplicação da Justiça Restaurativa em prol dos adolescentes infratores, sendo consenso, alguns aplicando para crimes considerados de menor potencial ofensivo, outros para quase todas as espécies de crime, com exceção dos dolosos contra a vida, seguindo as recomendações do Conselho Nacional de Justiça.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NEVES, Isabela Lisboa ; FÁVERO, Lucas Henrique. Justiça restaurativa e os adolescentes infratores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5115, 3 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58392. Acesso em: 23 abr. 2024.

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