Crimes motivados por ciúmes.

Uma análise sob o ponto de vista da Psicologia Forense, do Direito Penal e da Criminologia

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15/06/2017 às 16:19
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iV LEGÍTIMA DEFESA DA HONRA 

4.1 DADOS HISTÓRICOS

Nos primórdios, vigorava a noção de legítima defesa da honra conjugal, surgida na legislação portuguesa, trazida para o Brasil na qual permitia que o marido traído matasse a mulher e seu amante se cometessem adultério, entretanto essa legislação não era reconhecida juridicamente.

O Código Penal Brasileiro de 1890 trazia a excludente de antijuridicidade da “perturbação dos sentidos e inteligência”, em que os advogados utilizavam esta tese para conseguirem a absolvição de seus clientes.

Sabe-se que, diante das transformações socioeconômicas ocorridas ao longo dos séculos, o Código Penal mantém ditando condutas provenientes de décadas passadas.

 Muitos dispositivos aplicados anteriormente, como a legítima defesa da honra, tornaram-se incompatíveis com os preceitos culturais que vigoram atualmente, visando proibir uma discriminação de gênero na esfera social e no âmbito penal.

Quando se aceita a aplicação da legítima defesa da honra nesse cenário, fere de sobremaneira os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, constituindo um retrocesso, pois coloca uma pena corpórea em reação a uma ofensa subjetiva.

Mesmo que honra seja algo tão importante e que merece respeito, ela não pode se sobrepuser a uma reação violenta como método de defendê-la, muito menos executando pessoas.

Sentimentos como o ódio e a obsessão podem desencadear atos desmedidos ou cruéis, porém esse fundamento não poderá ser usado como argumento para descaracterizar criminalidade, a tipificação legal da conduta, devendo o infrator ser punido.

4.2 DA HONRA

A honra possui um conceito multiforme e variante. Pode ser individual ou coletiva, a primeira diz respeito a afeições intrínsecas e extrínsecas do indivíduo, sendo um conjunto de atributos físicos, morais, intelectuais e outros dotes da pessoa; sendo a segunda referente ao decoro, a reputação, a dignidade de um grupo.

A honra individual será considerada subjetiva quando representa a ideia própria do ser à cerca de suas qualidades, variando de indivíduo para outro, sendo suscetível a influências exógenas e alterações da personalidade. Sendo composta com a honra dignidade, referente aos atributos morais e a honra decoro, aos atributos físicos e intelectuais da pessoa. Já a honra objetiva compreende a reputação ou concepção do outro.

Então, o liame de legítima defesa à honra é um assunto divergente. Entretanto, a ideia da legítima defesa da honra no flagrante adultério gera várias opiniões. Quando provêm o homicídio, o entendimento majoritário crê não existir tal faculdade, em virtude do caráter pessoal, próprio e individual da honra. Logo, para estes não existe honra conjugal, pois, é a mulher quem macula sua própria honra.

No mesmo sentido:

“Inexiste honra da mulher a ser defendida porquanto o comportamento do adúltero atinge a sua própria honra se o valor moral assim for de ser entendido em tal sentido e jamais a de seu cônjuge. Animus laedendi reconhecido no procedimento da agressora” (TACRIM-SP-AC-Rel. Roberto de Almeida – JUTACRIM 85/439).

4.3 DA POSIÇÃO MAJORITÁRIA

Constituindo um sacrifício a um direito fundamental – a vida – protegido constitucionalmente, haja vista que não há lei que confira ao outro (a) traído (a) o direito de matar, não podendo este ato ser considerado um meio de defesa.

“Honra é atributo pessoal independente de ato de terceiro, donde impossível levar em consideração ser um homem desonrado porque sua mulher é infiel. A simples invocação de infidelidade não dá o direito de o cônjuge traído executar a seu bel – prazer à pena de morte. A lei e a moral não permitem que a mulher prevarique. Mas negar-lhe, por isso, o direito de viver, seria um requinte de impiedade” (TJPR-AC-REL. Luiz Perrotti – RT 473/372).

Recaindo na maior parte das vezes no crime de Violência Doméstica. Há de convir que não se possa admitir a alegação de defesa da honra, pois, o bem jurídico, vida, não pode ser colocado abaixo do bem jurídico, honra.

O adultério traz uma desonra ao próprio agente, porém não se pode aceitar que conceba o homicídio como reação proporcional e razoável da ofensa à sua honra ou reputação, quanto mais na suspeita da infidelidade.

"Invocada a infidelidade conjugal, só há ressaltar que o direito não autoriza a pena de morte que se pretende justificar, imposta e executada pelo cônjuge traído, à revelia dos tribunais. A lei prevê para a hipótese sanções outras, de ordem civil ou criminal, e adverte que a emoção ou a paixão não exclui a responsabilidade criminal” (TJSP-AC- Rel. Acácio Rebouças – RT 432/308).“Homicídio simples. Réu absolvido sob o acolhimento da legítima defesa da honra. Não age em legítima defesa da honra o agente que mata sua esposa movido pela suspeita de que a mesma lhe era infiel. Ausência de fato concreto, atual ou iminente, a justificar os ciúmes do agente da ocisão. A ofensa simples não tem os contornos de agressão capaz de justificar a reação impiedosa e desmedida do acusado de matar a tiros e facadas a esposa indefesa” (TJPR – AC – Rel. Eros Gradowski – RE 655/315).

Já o entendimento minoritário acredita que o cônjuge traído teria direitos genuínos de propriedade sobre seu amor. Não se defendendo, perde a honra perante a sociedade, cabendo neste caso uma legítima defesa da honra.

Segundo a renomada Silvia Pimental, tal poder decorre de aspectos sócio-culturais erigidos do cerne da sociedade latina. No século passado, havia uma clara secessão entre o mundo privado – representado pelo lar e pela família – onde se encontravam as mulheres e o mundo público – representado pelo trabalho e pelo poder – onde se encontravam os homens. Estes formulavam as leis, os valores, os conceitos e de acordo com eles as situações eram interpretadas. Como exemplo, menciona-se a interpretação fundamentalista do Alcorão, a qual permite atos de extrema violência às mulheres em prol da preservação da honra da família. Há quarenta anos as mulheres principiaram a invasão do universo público, porém a situação ainda é desigual. Não muito distante, no início do século XX, elas necessitavam da autorização do marido para trabalhar, bem como a tese da legítima defesa da honra era considerada procedente unanimemente. (PIMENTEL 1998).

“É muito fácil alegar-se que a honra ultrajada será a do cônjuge infiel e que a conduta deste não fere a honra do outro cônjuge. Mas tal questão fica assim colocada nos livros, longe da realidade, sabido que, especialmente entre nós, latinos, não é esse o conceito popular: a honra ultrajada é a do cônjuge não culpado” (TCRIMSP-AC-JUTACRIM- 85/441).

E, ainda, pode-se frisar que:

“Sabemos que só existe legítima defesa contra ameaça atual ou iminente de uma lesão de direito. Contra lesão passada ou ofensa consumada não há defesa legitimada. Mas não se pode negar que a ofensa à honra, mesmo depois de consumada, para a consciência social, continua a sua ação, como se fosse uma coação irresistível a atuar permanentemente sobre o ofendido, transformando-o num elemento desprezível na comunidade, que serve de escárnio, porque, embora conhecendo a sua desonra, não se desagrava” (TJDF-AC-Rel Candido Colombo – DJU 163.3.72, p. 1345).

Mirabete ainda distingue a conduta de acordo com a consequência do flagrante. Por isso, diverge quando resulta homicídio, reconhecendo-a na ocorrência de lesões, visto que estão presentes todos os requisitos do artigo 25 do Código Penal (MIRABETE, 1998).

A proposta de alegar a legítima defesa da honra demonstra-se inviável juridicamente, pois inexiste os requisitos constitutivos da excludente de antijuridicidade, prevista no art. 25 do Código Penal Brasileiro. Especialmente, no que tange à agressão atual ou iminente e ao uso moderado dos meios, raros são os fatos que de sobremaneira a identifica.

  Por fim, a aplicação da defesa de legítima defesa da honra legitimaria um Direito Penal Máximo, seria imposta sanções de natureza moral, tendo a possibilidade de a morte ser uma forma de correção de comportamentos, o que infringiria, com toda certeza, nossa Constituição Federal.

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CONCLUSÃO

De fato, os infratores que cometem os delitos passionais merecem tratamento e punição. Nada fundamenta tirar a vida de alguém em razão do ciúme. O que acontece muitas vezes, são mulheres e homens, reiteradamente humilhados, que se omitem em expor seus casos à polícia ou à justiça, com vergonha e medo de retaliações por parte do seu companheiro, até um dia morrer, ajudando desta forma, a manutenção da impunidade.

Os maiores casos de homicídios, Lesões corporais, enfim, delitos passionais, são os praticados por homens, logo, configurando uma violência Doméstica, tipificada no art.129, parágrafo 9º. Logo, o melhor a ser feito é capacitar os profissionais das delegacias da mulher a trabalhar preventivamente.

Seminários, encontros, reuniões com uma equipe multidisciplinar, com psicólogos, psiquiatras e terapeutas são aspirados. Instruindo as mulheres a agir antes que fatos dramáticos ocorram. Observar e detectar possíveis focos de violência familiar.

Destarte, não podemos esquecer-nos das mulheres que também ceifam a vida de homens, bem como os mutilam, fato este, que também precisam de punição.

É interessante perceber que o crime passional deve ser julgado de acordo com dois princípios básicos: os motivos e a personalidade do autor. Itens que, sendo analisados, podem estabelecer se o criminoso era ou não um passional. O que se busca é demonstrar a importância do motivo na caracterização do crime e índole do criminoso.

De toda forma, não se pode confundir “passionalidade” com a figura penal atenuante da “violenta emoção” (crime privilegiado). Pois esta é uma reação imoderada e passageira, já a paixão é um estado crônico, duradouro, obsessivo.

Porém, existem julgados colocando o delito passional não como privilegiado, mas sim como qualificados pelo motivo torpe, previsto como qualificadora do homicídio. Sendo, portanto, um crime hediondo, pois a vingança, o ódio reprimido, que levam o agente à prática do crime, configuram o motivo torpe, de acordo com o art. 121, § 2°, I, do CP.

Ou, sustenta-se, também, de que a prática de homicídio passional, pode ser tipificada no art. 121, § 1º do Código Penal, que prevê como caso de diminuição de pena o homicídio praticado sob domínio de violenta emoção seguida à injusta provocação da vítima.

Essa atenuação de pena acontece na terceira fase da dosimetria e prevê uma diminuição de um sexto a um terço. Para conseguir o benefício da violenta emoção, o sujeito deve agir se a reação do agente ocorrer logo em seguida a uma injusta provocação da vítima.

Além da violenta emoção, deve ser observada a injusta provocação por parte da vítima, devendo ser observada de maneira objetiva, segundo, o qual, a opinião da mídia, e não do agente.

Para alguns doutrinadores, a tentativa de configurar a violenta emoção, na maioria dos casos é impossível, pois se revela premeditado, desta forma, o autor planejou detalhadamente cada etapa do delito. Desta feita, a premeditação afronta o benefício da violenta emoção.

A premeditação é incompatível com a violenta emoção, mesmo tendo provocação por parte da vítima, e o agente comparece armado ao local do fato delituoso, demonstrando a intenção de matar, não podendo neste caso, reconhecer o privilégio.

Logo, deve-se analisar caso a caso, pois dependendo dos fatos, da provocação da vítima, dos motivos que levaram o agente à prática do ilícito penal, é que se pode configurar se o delito é ou não passional, sendo, portanto, privilegiado ou qualificado.

Deve-se buscar prevenir esses crimes, conscientizando as pessoas, especialmente as famílias, de que um lar tranquilo e estruturado é essencial para um bom convívio social; dando ênfase na busca de diálogos entre o casal.

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Conclusão de pós graduação em ciências criminais.

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