Uso de algemas e sua problemática no meio policial

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15/06/2017 às 16:49
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O uso de algemas, mesmo com a edição da súmula vinculante nº 11, do STF, ainda permanece polêmico. A ausência de regulamentação específica sobre a matéria deixa os agentes de segurança pública - únicos capazes de aferir a real necessidade do uso das algemas no caso concreto - em situação de constante exposição. Há um tênue limite entre o uso humilhante, ferindo a dignidade da pessoa humana do suspeito, e o uso como medida de proteção do agente, da sociedade e do próprio suspeito.

INTRODUÇÃO

Em inúmeros casos, principalmente naqueles com maior repercussão na mídia, houve a discussão se haveria mesmo a necessidade de se limitar a liberdade de locomoção através do uso de algemas. Neste diapasão, sempre surgem alguns contrários ao seu uso e outros a favor.

Para os Agentes de Segurança Pública, as algemas são equipamentos tão necessários quanto a arma de fogo, o colete à prova de balas e o radiocomunicador, ou seja, as algemas são instrumentos fundamentais no serviço policial. Têm múltiplas serventias preventivas, tais como: proteger o Agente, a população, o próprio preso, evitar fugas, bem como o fator psicológico de caráter preventivo em relação ao preso.

A problemática está na escassez de legislação disciplinando o uso de algemas em nosso País. Temos apenas alguns artigos de diferentes Leis e, mais recentemente, a Súmula Vinculante nº 11 do STF, que, de forma muito branda, tentam disciplinar o assunto. 

O presente Trabalho de Conclusão de Curso tem como finalidade fazer um paralelo entre o problema que é para o Agente de Segurança Pública quanto à constante necessidade de utilização de algemas e as poucas algumas legislações que versam sobre o tema no Brasil, abordando, também, alguns princípios constitucionais.


2. CONCEITO E ORIGEM DAS ALGEMAS

Conceito de algemas

Sem aprofundar muito no tema, a palavra algema é originária do idioma árabe Al-jámiâ, cujo significado é: pulseira de ferro. O dicionário Aurélio define o vocábulo algema, como sendo “objeto metálico constituído por duas argolas interligadas, que serve para prender alguém pelos pulsos ou pelos tornozelos”.

Origem histórica

Sem também aprofundar muito no tema, a prática de conter os movimentos corporais e limitar o espaço das pessoas, utilizando-se de métodos de imobilização de membros superiores, principalmente pulsos e membros inferiores, mais especificamente os tornozelos, são muitos arcaicos, há cerca de 4.000 anos se registram prisioneiros com pés e mãos atadas.

As algemas também estiveram presentes na época da escravidão, sofrendo algumas modificações em suas formas, começando com as cordas, fabricadas com um material mais frágil, podendo se romper com maior facilidade passando por grilhões e correntes.

Posteriormente, surgiram os grilhões, que foram bem vindos para a época, pois podiam ser usado nos pulsos, pescoço e pés, e eram mais difíceis de serem removidos. Porém tinham uma desvantagem, por não serem reguláveis, era preciso fabricar os grilhões em vários tamanhos. A idéia das correntes também funcionou bem por alguns anos, mas o desconforto também era notório.

Atualmente as algemas são fabricadas de forma que podem ser reguladas para cada individuo, dessa forma diminui significadamente o desconforto.


3. DISCIPLINAS LEGAIS SOBRE USO DE ALGEMAS

3.1 Breves preceitos legais relacionados a algemas

O presente capítulo tem por finalidade demonstrar, de forma não exaustiva, algumas legislações que, de forma direta ou indireta, falam sobre uso de algemas em nosso País.

Veremos a seguir que este tema é pouco trabalhado no direito brasileiro. As poucas legislações que abordam o assunto não se aprofundam no tema. Gerando, assim, uma grande duvida quanto à legalidade da utilização deste instrumento.

  3.2 Constituição Federal.

   A Constituição Federal de 1988 estabelece, no seu artigo 5º, os direitos e garantias fundamentais, entre os quais o princípio da reserva legal, o direito de petição contra ilegalidade ou abuso de poder, respeito à integridade física e moral, presunção de inocência e outros, veremos a seguir alguns deles:

O princípio constitucional da legalidade (Art. 5, II, C.F) determina que somente a “lei” pode criar, transformar ou extinguir obrigações de fazer ou de não fazer. É importante destacar que a expressão “lei”, nesse dispositivo, se refere tanto às leis ordinárias quanto a complementares, regulamente elaboradas segundo o processo legislativo constitucionalmente assentado, como também inclui tipos normativos executivos expressamente equiparados à lei, como as leis delegadas e as medidas provisórias, ou seja, a expressão “lei” para este inciso é bastante ampla.

“II- ninguém será obrigado a fazer a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”

O inciso XXXIV do artigo 5º trata da gratuidade constitucional incondicionada, o que significa dizer que qualquer tipo de cobrança de taxas para o exercício do direito de petição ou do direito de obter certidões será sempre inconstitucional. Há que se ressaltar que a constituição dispõe também sobre a gratuidade de duas certidões específicas: de óbito e de nascimento, no seu art. 5º, LXXVI, que no âmbito constitucional alcança apenas os reconhecidamente podres, nos termos da lei.

“XXXIV- são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a. “O direito de petição aos poderes públicos em defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder.”

A lei assegura ao Estado a tutela do preso, devendo ter resguardada sua integridade física e moral. O Estado será responsável tanto pelos danos gerados por seus agentes, quanto por aqueles que sejam gerados pelos demais presos, tendo em vista o dever de cuidar da integridade daqueles que estão sob sua custódia. É de se notar que a Constituição Federal fala em “presos” e, portanto, não se refere apenas aos definitivamente presos por sentença final, mas também aos presos provisoriamente pelas chamadas prisões processuais.

“XLIX- é assegurado aos presos o respeito à integridade física e   moral.”

O inciso LVII trata do princípio da presunção de inocência. É inconstitucional qualquer ato no sentido de se apontar qualquer pessoa como culpada de fato ou ato ilícito até que o competente processo penal esteja transitado em julgado, sem mais possibilidade de recursos. Assim, durante uma investigação ou durante o próprio processo, enquanto ele ainda estiver tramitando, o réu é apenas considerado acusado e não culpado.

“LVII- ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”

A regra abordada por esse dispositivo impõe que a prisão somente poderá ocorrer sob dois argumentos: ou a pessoa está em flagrante delito (cometendo o crime; acabando de cometê-lo; sendo perseguida logo após o crime ou sendo encontrado logo depois com objetos ou instrumentos dos quais se presuma a autoria de crime, artigo 302, CPP), ou, obrigatoriamente, a prisão terá de ser executada em cumprimento de ordem judicial escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente. Nessa disciplina, são inconstitucionais ordens de prisão expedidas por autoridade policial ou autoridade executiva.

“LXI- ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.

Vale destacar que os direitos e garantias contidos no artigo 5º da Constituição Federal não são exaurientes, ou seja, podem ser criados outros direitos ou garantias, nos termos do §2º, Art. 5º, da CF:

“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. 

3.3 Código de Processo Penal

Os Arts. 284 e 292 CPP prevêem, que se o sujeito passivo da prisão vier a ser lesionado, em face da autorização legal do uso da força, quando necessária e no limite necessário, não haverá crime por parte do sujeito ativo, pois está agindo em estrito cumprimento de um dever legal (artigo 23, III, CP) por parte das autoridades policiais ou em exercício regular de um direito (artigo 23, III, CP) no caso do particular, causas excludentes de ilicitude. Vale ressaltar que, caso haja excesso, podem restar configurados os delitos de abuso de autoridade por parte da autoridade policial ou lesão corporal por parte do particular.

“Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso.”

“Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderá usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas.”

Outro diploma que merece destaque é o Art. 474, §3º, CPP, pois sob pena de nulidade do ato processual, proíbe-se o uso de algemas durante o plenário do júri.

“Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.”

3.4 Código de Processo Penal Militar

O Art. 234, CPPM ressalta, mais uma vez que, só é permitido o emprego de força quando indispensável em caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga. 

“O emprego de força só é permitido quando indispensável, no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga. Se houver resistência da parte de terceiros, poderão ser usados os meios necessários para vencê-las ou para defesa do executor e auxiliares seus, inclusive a prisão do ofensor. De tudo se lavrará auto subscrito pelo executor e por duas testemunhas.”

Já o §1º do mesmo artigo prevê que deve ser evitado o emprego de algemas e que algumas autoridades não devem ser algemas de modo algum.

“O emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão da parte do preso, e de modo algum será permitido nos presos a que se refere o Art. 242.” 

O §1º do Art. 234, CPPM nos remete para o Art. 242, da mesma legislação, para nos informar quem são essas autoridades.

“a. Os ministros de Estado;

b. Os governadores ou interventores de Estados, ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários e chefes de Polícia;

c. Os membros do Congresso Nacional, dos Conselhos da União e das Assembléias Legislativas dos Estados;

d. Os cidadãos inscritos no Livro de Mérito das ordens militares ou civis reconhecidos em lei;

e. Os magistrados;

f. Os oficiais das Forças Armadas, das Polícias e dos Corpos de Bombeiros Militares, inclusive os da reserva, remunerada ou não, e os reformados;

g. Os oficiais da Marinha Mercante Nacional;

h. Os diplomados por faculdade ou instituto superior de ensino nacional;

i. Os ministros do Tribunal de Contas;

j. Os ministros de confissão religiosa”.

  3.5 Estatuto da Criança e do Adolescente

A Lei Nº 8.069/90-ECA, em seu Art. 178, prevê a forma como o adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional não poderá ser conduzido.

“O adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional não poderá ser conduzido ou transportado em compartimento fechado de veículo policial, em condições atentatórias à sua dignidade física ou mental, sob pena de responsabilidade.”

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Desta forma, interpretamos que, se existem impedimentos legais para algemar alguns adultos, conforme preceitua o Art. 242 do CPPM, e na condução das crianças e/ou adolescentes nas “celas” das viaturas, não há como deixar de reconhecer tal impedimento para os mesmos, dentro de uma interpretação sistemática daquele Estatuto e da Legislação Processual Penal, ou seja, também não poderão ser algemadas as crianças e/ou adolescentes.

 3.6 Lei de Execução Penal

O Art. 199 da Lei Nº 7.210/84-LEP trata que o emprego de algemas em nosso País será regulado através de decreto federal, no entanto, até o momento esse decreto não foi editado.

“O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal.”

3.7 Súmula Vinculante Nº 11, STF

 O Supremo Tribunal Federal (STF), percebendo a inércia do Poder Executivo por mais de 24 anos sem regulamentar o uso de algemas, previsto pelo Artigo 199 da Lei de Execuções Penais (Lei Nº 7.210/84), assumiu a responsabilidade e aprovou no dia 13 de agosto 2008 a Súmula Vinculante nº 11, da qual limita o uso de algemas, licitamente, a casos excepcionais de resistência, de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física do policial ou alheia, por parte do preso ou de terceiros.

“Só é licito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinas, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.

Prevê a súmula, ainda, a aplicação de penalidades pelo abuso no seu uso indevido, pois se consubstanciaria em constrangimento físico e moral do preso, caso não seja devidamente justificada por escrito, podendo acarretar em responsabilidades disciplinar civil e penal do policial e de nulidade da prisão ou do ato processual, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

O instituto da Súmula Vinculante foi criado pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004, da qual objetiva pacificar a discussão de questões examinadas nas instâncias inferiores do Judiciário, visando diminuir o numero de recursos que chegam às instâncias superiores e ao STF, permitindo a sua resolução na primeira instância.

O STF decidiu editar esta súmula, com base em um julgamento de um Habeas Corpus (HC 91952), da qual o Plenário anulou a condenação do pedreiro Antônio Sérgio da Silva pelo Tribunal do Júri de Laranjal Paulista (SP) da qual o julgava por homicídio triplamente qualificado.

Para a anulação, o STF argumentou que a condenação pelo Tribunal do Júri teria violado o princípio da dignidade da pessoa humana, haja vista a manutenção do réu algemado perante os jurados durante todo o julgamento do réu, sem que a juíza-presidente apresentasse uma justificativa convincente para o caso, a despeito das outras circunstâncias, influenciando na condenação.

A súmula consolida entendimento do STF sobre o cumprimento de legislações que tratam do assunto, como: artigo 5º da Constituição Federal, além dos artigos 284, 292 e 474, §3º do Código de Processo Penal, também no artigo 234 do Código de Processo Penal Militar, do artigo 178 do Estatuto da Criança e do Adolescente e do artigo 199 da Lei 7.210/84 (LEP) e outros.

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