Uso de algemas e sua problemática no meio policial

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15/06/2017 às 16:49
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4.  PROBLEMÁTICA NA UTILIZAÇÃO DE ALGEMAS

. Ao longo deste capitulo, será trabalhada a problemática na utilização de algemas por parte do Agente de Segurança Pública, visto a carência de legislações sobre o tema. Neste diapasão, serão abordados alguns princípios constitucionais importantes para a compreensão da problemática na utilização de algemas. Também, será levantada a questão da impossibilidade de cumprimento da já mencionada Súmula Vinculante Nº 11 do Supremo Tribunal Federal.

4.1 Abuso de autoridade e o constrangimento ilegal

Importa analisar que o mau uso das algemas acarreta o crime de abuso de autoridade. A Lei N° 4.898/65 regula o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, nos casos de abuso de autoridade. A responsabilidade administrativa será apurada por meio de procedimento administrativo próprio, ou seja, sindicância ou processo, de acordo com o Estatuto ou Lei Orgânica a que estiver sujeito à autoridade ou o funcionário que praticou o abuso.

Tratando-se de responsabilidade civil a autoridade responderá ação civil indenizatória, nos termos do Código de Processo Civil. Na esfera penal, a responsabilidade da autoridade será apurada conforme artigos 3° e 4° da Lei de Abuso de Autoridade.

 Para Rômulo de Andrade Moreira, a Lei de Abuso de Autoridade tem dois objetivos primordiais:

“que a função pública seja exercida na mais absoluta normalidade democrática, no sentido que os representantes da administração pública tenham um comportamento legal, portanto, sem abusos de qualquer ordem; de outro modo, a lei também visa a proteger as garantias individuais inerentes à pessoa, aquelas mesmas postas na Constituição Federal”.

A primeira observação a ser feita é que, para a aplicação dessa lei, o abuso deve ser praticado pela autoridade no exercício de suas funções, ou seja, deve está prestando serviço para o Estado.  Em segundo lugar, é importante compreender qual o conceito de autoridade? O artigo 5° da mesma lei responde a pergunta quando ele considera autoridade qualquer pessoa que exerça função pública, ainda que transitoriamente e sem remuneração.

Como as algemas não são restritas aos Agentes de Segurança Pública, pelo contrário, são de livre comercialização e podem ser encontradas em casas de esportes, ferragens, armas e até mesmo em sex shops, é absolutamente possível que um particular se utilize desse instrumento para a contenção de vítimas. Por exemplo: em casos sequestros; para a prática de tortura ou maus tratos; dentre outros fins ilícitos. Entretanto, é importante observar que não havendo vínculo profissional da pessoa que fez o mau uso das algemas com o Estado, esta poderá responder por outros crimes, como o de constrangimento ilegal, mas não pelo abuso de autoridade.

O artigo 3°, “a”, da Lei de Abuso de Autoridade, reza que constitui crime de abuso de autoridade qualquer atentado à liberdade de locomoção do individuo. O direito à liberdade de locomoção engloba quatro situações: o direito de ingressar, o de sair, o de permanecer e o de deslocar-se no território nacional. Desse modo, se as algemas forem utilizadas para impedirem ilegalmente o direito de locomoção de uma pessoa estará configurado o crime do mencionado dispositivo legal.

Completando, o artigo 3°, “i”, da mesma lei, disciplina que qualquer atentado à incolumidade física do indivíduo também enseja abuso de autoridade. Quer dizer, se houver excesso na colocação de algemas, seja pela desnecessidade do seu uso, seja pelo ocasionamento de ferimentos nos punhos do preso, o Agente de Segurança Pública responderá pelo crime de abuso de autoridade em concurso material com o delito que tenha provocado dano à integridade física, como, por exemplo, a lesão corporal. Além disso, o artigo 4°, “b”, da mesma lei, tipifica como abusiva a conduta da autoridade que submete pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei.

 Portanto, o que a lei proíbe é a violação da integridade física e/ou moral do preso, bem como a sua indevida exposição e humilhação pública quando estiver algemado. A finalidade das algemas deve ser unicamente a de contenção e de transporte do preso, garantindo a segurança dele próprio e de terceiros. O simples ato de algemar, por si só, desde que necessário, justificado e moderado, decorrendo de uma prisão legalmente imposta, não caracteriza abuso.

As algemas e os princípios constitucionais

Veremos, de forma um pouco mais aprofundada, alguns princípios constitucionais que de forma indireta está relacionado ao tema.

O princípio da dignidade da pessoa humana

O primeiro problema que este princípio trás consiste em saber se o uso das algemas fere a dignidade pessoa humana. Prevista como fundamento da República Federativa do Brasil no artigo 1°, inciso III, da Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana, é definida pelo constitucionalista Alexandre de Moraes como:

“um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humano”.

Ou seja, a personalidade humana é o único requisito para ser titular desse direito. Isto porque todo ser humano tem uma dignidade que lhe é inerente, não havendo qualquer condicionamento, quer dizer não depende de nenhum outro critério, senão o próprio critério de ser humano. É o princípio da dignidade que concede unidade aos direitos fundamentais expressos na Constituição Federal de 1988, ou seja, sem que se reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhe são inerentes, em verdade estar-se-á lhe negando a própria dignidade como humano.

A previsão no texto constitucional da dignidade da pessoa humana representa a consagração de justiça em toda ordem social, consubstanciando o respeito à integridade moral de todo ser humano, independentemente de credo, raça, cor, origem ou classe social. O acatamento a esse princípio significa a superioridade da igualdade sobre a intolerância, o preconceito, a exclusão social, a ignorância e a opressão.

Tendo em vista o conteúdo desse princípio, a utilização de algemas pelos Agentes Segurança Pública, com o fim de contenção daquele que transgrediu uma norma do ordenamento jurídico e para se preservar os direitos dos demais integrantes da sociedade, é legítima e, por si só, não ferindo a dignidade humana. Seguindo esse entendimento do grande autor Herotides da Silva Lima que ensina:

“se as algemas [...] atentam contra a dignidade do homem pacto, legitimam-se contra o preso insubmisso; e a insurreição e a violência do preso atentam também contra a autoridade e a lei; a si mesmo ele deve imputar as conseqüências dos seus excessos; já não há a preservar nenhuma dignidade quando a lei já esta sendo ofendida e desprezada a decisão de autoridades, incentivando a desordem generalizada”.

 Portanto, se não forem usadas como forma de impor sofrimento, castigo, humilhação ou de antecipação de pena ao individuo algemado e demonstrando-se a necessidade de sua utilização, as algemas desempenham uma função meramente instrumental, não tendo a intenção de ferir a dignidade humana. Ou seja, quando se utiliza legalmente as algemas não há de se falar em humilhação ou ofensa à dignidade humana, visto que não se trata de castigo para o algemado, e sim de medida acauteladora dos interesses sociais e do próprio detento.

O princípio da presunção de inocência

Importante, ainda, esclarecer se o uso de algemas conflita com o princípio constitucional da presunção de inocência. Consta o Artigo 5°, inciso LVII, da Constituição Federal:

“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.

Por este princípio impede-se, portanto, que o suspeito de um modo geral sofra as consequências jurídicas da condenação antes do trânsito em julgado da sentença criminal. Trata-se de garantia processual penal que tem por fim assegurar a liberdade do indivíduo, que é presumidamente inocente, cabendo ao Estado (no caso de ação penal pública) ou ao querelado (na hipótese de ação penal privada) comprovar a culpabilidade do suspeito.

Todavia, com a finalidade de permitir o êxito da persecução penal, admite-se a decretação das conhecidas prisões cautelares e de medidas restritivas de liberdade, como o uso de algemas, mesmo antes da condenação, desde que se mostre como necessárias e que não tenham qualquer propósito de antecipação de pena ou da execução penal. Do mesmo modo, aceitam-se como legítimas as medidas cautelares concernentes ao processo, com a adoção de determinadas medidas de caráter investigatório, tais como a interceptação telefônica.

Assim, o princípio da presunção de inocência não proíbe a adoção de determinadas medidas de caráter cautelar, seja em relação à própria liberdade do investigado ou denunciado, seja em relação aos seus bens. O que se proíbe é a que a providência a ser tomada acarrete em antecipação da condenação ou de sua execução.

A proibição à tortura e ao tratamento desumano ou degradante

A Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu artigo 5°, uma série de direitos e garantias fundamentais que devem ser observados pelos Agentes de Segurança Pública no tocante ao manejo de algemas. Dentre os direitos do artigo 5°, o inciso III garante que:

“ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.

 E o inciso XLIII do mesmo artigo prevê:

“a lei considerará crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia a prática da tortura, [...] por essa respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-la, se omitirem”.

O artigo 5°, inciso XLIII depende da atuação do legislador infraconstitucional para produzir efeitos no mundo jurídico, pois se trata de norma constitucional de eficácia limitada. Em razão disso, quanto à inafiançabilidade e insuscetibilidade de graça ou anistia, foi editada a Lei n° 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos). Mesmo assim, ainda foi necessária a atuação do legislador infraconstitucional para tipificar a conduta de tortura, nesse sentido surgiu a Lei Nº 9.455/07, que em seu artigo 1º assim prescreve:

“Art. Constitui crime de tortura:

I-Constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:

  1. Com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vitima ou de terceira pessoa;
  2. Para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
  3. Em razão de discriminação racial ou religiosa.

II-Submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo”.

A tortura não deve ser encarada apenas como um crime contra o à vida, mas como uma crueldade que atinge a pessoa em todas as suas dimensões, e, ainda, a humanidade como um todo. Nesse sentido a tortura constitui uma verdadeira negação aos direitos humanos.

Nesse diapasão, a tortura seria um tipo agravado de tratamento desumano, atribuído a alguém com uma finalidade específica (ex: obter uma informação). Já o tratamento desumano seria o tratamento degradante que provoca grande sofrimento mental ou físico e que na situação específica é injustificável, impondo esforços que vão além dos limites humanos exigíveis. Assim, o tratamento desumano, engloba o degradante, que, por sua vez, o tratamento degradante ocorre quando há humilhação de alguém perante si mesmo e perante os outros, ou leva a pessoa a agir contra sua vontade ou consciência.

Nesse ponto, desde que devidamente colocadas para que nenhuma lesão seja ocasionada ao detido ou ao preso, as algemas não constituem instrumento de tortura ou de tratamento desumano ou degradante. Ao contrário, as algemas servem como forma de acautelamento do preso.

O direito à integridade física e moral

Outra questão a ser discutida é se o uso de algemas viola o direito fundamental à integridade física e moral daquele que está sendo preso, previsto pelo artigo 5°, inciso XLIX, da Constituição Federal. Esse mesmo direito encontra proteção no artigo 40 da Lei de Execução Penal ao dispor que “impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios”.

A integridade física consiste, como o próprio nome sugere, o direito de o cidadão não ter o seu corpo violado fisicamente, agredido ou ferido. Vale ressaltar que esse direito é inclusive tutelado pelo Direito Penal, que tipificou criminalmente como lesão corporal (artigo 129 e parágrafos do Código Penal). Já a integridade moral é o direito de o preso ter resguardada a sua incolumidade psíquica, não sendo humilhado, insultado ou menosprezado. Caso esse direito venha a ser desrespeitado a Constituição Federal garante à vítima o direito de resposta proporcional ao agravo, cumulado ou não com uma indenização por dano moral, nos termos do artigo 5°, inciso V.

 Portanto, impõe-se ao Estado o dever constitucional e legal de vigilância para evitar que qualquer preso que esteja sob sua custódia venha a sofrer qualquer espécie de dano. É responsabilidade dos Agentes de Segurança Pública resguardarem as pessoas recolhidas a prisões, buscando evitar que as auto-lesões ou agressões praticadas por terceiros venham a ocorrer. Em decorrência desse direito Julio Fabbrini Mirabete assevera que

estão proibidos os maus-tratos e castigos que, por sua crueldade ou conteúdo desumano, degradante, vexatório e humilhante, atentam contra a dignidade da pessoa, sua vida, sua integridade física e moral. Ainda que seja difícil desligar esses direitos dos demais, pois dada sua natureza eles se encontram compreendidos entre os restantes, é possível admiti-los isoladamente, estabelecendo, como faz a lei, as condições para que não sejam afetados. Em todas as dependências penitenciárias, e em todos os momentos e situações, devem ser satisfeitas as necessidades de higiene e segurança de ordem material, bem como as relativas ao tratamento digno da pessoa humana que é o preso.

No entanto, Gilmar Ferreira Mendes observa que

a exigência de respeito à integridade física e moral do preso não impede o padecimento moral ou físico experimentado pelo condenado, inerentes às penas supressivas da liberdade.

Do mesmo modo, o preso pode ser submetido como consectário natural da prisão ao uso de algemas, havendo necessidade de contê-lo ou de transportá-lo, sem que isso ofenda a sua integridade.

O direito à imagem e o direito de informação

A principal discussão sobre uso de algemas paira não sobre o seu uso propriamente, mas sobre o vexame causado pela exibição na mídia da pessoa algemada. A Constituição Federal reservou dois incisos do artigo 5° para conferir proteção ao direito à imagem. O inciso V e o inciso X asseguram, respectivamente:

é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.

são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

A Constituição Federal protege tanto a imagem social, como a imagem retrato. A primeira constitui os atributos exteriores do individuo, com base naquilo que ela própria transmite na vida em sociedade, e, em regra, os agentes causadores dos danos à imagem social são os meios de comunicação em massa, tais como televisão, rádio, internet, jornais, revistas, etc.

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Por outro lado, a imagem retrato representa o físico da pessoa, ou seja, fisionomia, partes do corpo, gestos, expressões, atitudes, traços fisionômicos, sorrisos, fama, dentre outros, captada pelos recursos tecnológicos e artificiais, normalmente fotografias, filmagens, pinturas, gravuras, esculturas, desenhos, caricaturas, manequins, etc.

Além da proteção constitucional do direito à imagem, o preso conta com a Lei de Execução Penal, que no artigo 41, VIII, o protege contra qualquer forma de sensacionalismo, e no artigo 198 diz que

é defesa ao integrante dos órgãos da execução penal, e ao servidor, a divulgação de ocorrência que perturbe a segurança e a disciplina dos estabelecimentos, bem como exponha o preso a inconveniente notoriedade, durante o cumprimento da pena.

Nesse diapasão, há também a Resolução n° 14, de 11 de novembro de 1994, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que estabeleceu Regras Mínimas para o tratamento do prisioneiro no Brasil, reiterando a necessidade de preservação da imagem da pessoa presa em seu artigo 47:

Art. 47 O preso não será constrangido a participar, ativa ou passivamente, de ato de divulgação de informações aos meios de comunicação social, especialmente no que tange à sua exposição compulsória à fotografia ou filmagem.

Parágrafo Único – A autoridade responsável pela custódia do preso providenciará, tanto quanto consinta a lei, para que informações sobre a vida privada e a intimidade do preso sejam mantidas em sigilo, especialmente aquelas que não tenham relação com sua prisão.

O dano à imagem, podemos dizer que é toda investida, proveniente dos Poderes Públicos, que atente contra a expressão sensível da personalidade. É importante destacar que o direito à imagem é inalienável e intransmissível, uma vez que não há como dissociá-lo de seu titular, mas não é indisponível, tendo em vista que a pessoa pode dispor ou não da própria imagem para que outros a utilizem para fins diversos. Via de regra, é necessário à autorização expressa do titular da imagem para a sua utilização, sob pena de o responsável pelo manuseio indevido ter que reparar os danos daí decorrentes.

 A violação ao direito de imagem ocorre basicamente em três situações diversas. Quanto ao consentimento ocorre quando a pessoa tem a sua imagem usada sem que tenha dado qualquer consentimento para tal. Quanto ao uso, há o consentimento, no entanto o uso feito da imagem ultrapassa os limites estabelecidos na autorização. Por último, quanto à ausência de finalidades que justifiquem a exceção, é o caso, por exemplo, das fotografias de interesse público, ou de pessoas célebres, cujo uso leva à inexistência de finalidade que se exige para a limitação do direito da imagem. Acontece quando o uso dessas imagens não tem um caráter cultural ou informativo.

Em alguns casos, o direito à imagem poderá se restringido, o que significa que, mesmo sem autorização do titular, a utilização da imagem não será considerada ilícita. Regina Ferretto D’Azevedo explica esta situação

há limitações impostas que restringem o exercício do direito à própria imagem. Essas restrições são baseadas na prevalência do interesse social, e, portanto, o direito coletivo sobrepõe o direito individual. Se o retratado tiver notoriedade, é livre a utilização de sua imagem para fins informativos que não tenham objetivos comerciais, e desde que não haja intromissão em sua vida privada. Com as ressalvas feitas no caso anterior, é livre também a fixação da imagem realizada com objetivo cultural, porque a informação cultural prevalece sobre o indivíduo e sua imagem desde que respeitadas às finalidades da informação ou notícia. Há também os casos de limitação relacionada à ordem pública, como a reprodução e difusão de um retrato falado por exigências de polícia. Obviamente, não teria lógica um criminoso se opor a esta exposição de sua imagem. Há ainda o caso do indivíduo retratado em cenário público, ou durante acontecimentos sociais, pois ao permanecer em lugar público, o indivíduo, implicitamente, autorizou a veiculação de sua imagem, dentro do liame notícia-imagem. Esse indivíduo só poderá alegar ofensa a seu direito à própria imagem se a utilização da fixação da imagem for de cunho comercial.

Excetuando essas hipóteses excepcionais, o uso da imagem alheia exige a previa, devida e expressa autorização do titular da imagem. Em razão do progresso tecnológico dos meios de comunicação, tanto na facilidade de captação, como de reprodução e de divulgação da imagem, aumentou-se a preocupação em se encontrar meios de proteção ao direito à imagem. Dessa forma, atualmente, a violação à imagem pode tomar grandes e irreparáveis proporções, pois por meio da internet, em segundos, uma imagem pode circular todo o mundo.

Fica a problemática, de um lado o detido ou o preso tem o direito de não ser exposto algemado publicamente e por outro lado os órgãos de comunicação têm o direito de informação. O texto constitucional dispõe no artigo 5°, inciso IV e no artigo 220, respectivamente:

é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.

a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

Dessa forma, a manifestação da liberdade de pensamento é assegurada tanto sob o aspecto positivo, referente à proteção da exteriorização da opinião, como, também, sob o aspecto negativo, ou seja, à proibição de censura. O exercício do direito à informação é de extrema relevância para a harmonia do Estado Democrático de Direito, mas o que não pode ser tolerado é o abuso desse direito. Sobre esse tema, Ricardo Chimenti expõe que

a existência de opinião pública livre é um dos primeiros pressupostos da democracia de um país. Só é possível cogitar de opinião pública livre onde existe liberdade de expressão jornalística. Por isso entende-se que esta é mais do que um direito, uma garantia constitucional. A liberdade de informar só existe diante de fatos cujo conhecimento seja importante para que o indivíduo possa participar do mundo em que vive, não se incluindo, portanto, os fatos sem importância, geralmente relacionados à vida íntima de uma pessoa.

Nesse contexto, o que deve ser coibido com veemência é a espetacularização das diligências policiais, e isso serve tanto para os conhecidos crimes do colarinho branco quanto para os crimes cometidos pelos menos favorecidos economicamente, promovida por alguns órgãos de comunicação e por algumas operações policiais. Os Agentes de Segurança Pública devem utilizar algemas como instrumento de trabalho, com o objetivo de conter ou de transportar o detido ou o preso, pouco importando o seu status social ou econômico. Não cabe ao responsável pela condução do preso ou detido convocar a imprensa para acompanhar o desempenho de suas atividades e também não cabe aos órgãos de comunicação abusar do seu direito de informar explorando imagens de réus algemados que não têm qualquer fim informativo. O direito de informar pode ser exercido, mas desde que não viole os direitos da personalidade do preso.

Podemos citar alguns exemplos do uso de algemas versus a liberdade de imprensa: Em 09 de julho de 2008, o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta estampou a capa do jornal O Estado de São Paulo, tentando esconder as algemas, que usava quando de sua prisão pela Polícia Federal, por meio de uma malha de lã jogada sobre elas. Para piorar a situação foi exposto trajando pijamas. Do mesmo modo, a execução das prisões dos senadores Luiz Estevão e Jader Barbalho, dos juízes Nicolau e Rocha Mattos, da cantora Glória Trevi, do jogador argentino Desábato, da proprietária da grife Daslu, do advogado Ricardo Tosto e do banqueiro Daniel Dantas, são casos emblemáticos de pessoas expostas algemadas na mídia e que tiveram repercussão nacional.

A imagem da pessoa algemada, mesmo que legalmente presa, é degradante e tem o condão de constranger e de provocar, inclusive, a sua “morte social”. Nesse sentido são os ensinamentos de Julio Fabbrini Mirabete:

Prejudicial tanto para o preso como para a sociedade é o sensacionalismo que marca a atividade de certos meios de comunicação de massa (jornais, revistas, rádio, televisão, etc.). Noticiários e entrevistas que visam não à simples informação, mas que têm caráter espetaculoso não só atentam contra a condição da dignidade humana do preso, como também podem dificultar sua ressocialização após o cumprimento da pena. Pode ainda o sensacionalismo produzir efeitos nocivos sobre a personalidade do preso. A divulgação e, principalmente, a exploração, em tom espalhafatoso, de acontecimentos relacionados ao preso, que possam escandalizar ou atrair sobre ele as atenções da comunidade, retirando-o do anonimato, eventualmente o levarão a atitudes anti-sociais, com o fim de manter essa atenção pública em processo de egomania e egocentrismo inteiramente indesejável.

A figura da pessoa algemada, de forma desnecessária e aviltante, desrespeita não apenas os direitos à personalidade, Alexandre de Moraes também adverte que contraria a própria dignidade da pessoa humana

converter em instrumento de diversão ou entretenimento assuntos de natureza tão íntima quanto falecimentos, padecimentos ou quaisquer desgraças alheias, que não demonstrem nenhuma finalidade pública e caráter jornalístico em sua divulgação. Assim, não existe qualquer dúvida de que a divulgação de fotos, imagens ou notícias apelativas, injuriosas, desnecessárias para a informação objetiva e de interesse público, que acarretem injustificado dano à dignidade humana autoriza a ocorrência de indenização por danos materiais e morais, além do respectivo direito a resposta.

Temos que considerar que o preso continua titular de direitos fundamentais e só serão restringidos aqueles direitos incompatíveis com o cumprimento da pena. Dispõe o artigo 38, do Código Penal, que

o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral.

 Portanto, o preso tem o direito à imagem e deverá ser devidamente indenizado pelos danos causados pela sua exposição indevida e não autorizada.

 Os Agentes de Segurança Pública devem atuar de modo a não expor o preso, todavia, como salienta o delegado Rodrigo Carneiro Gomes,

não será a polícia que impedirá o trabalho da imprensa que tem o direito constitucional de informar, incumbindo a toda a sociedade conscientizá-la de seu papel e do respeito à imagem dos investigados.

Já na visão do promotor de justiça Humberto Ibiapina a maneira de se coibir a exposição injusta e desnecessária do preso, em especial quando está algemado, incumbe também à polícia, mas não só a ela, e sim ao Estado como um todo:

cabem aos agentes estatais, Delegados de Polícia, Policiais Militares, Ministério Público e Poder Judiciário o dever de preservar os direitos da personalidade do suspeito, pois como dito antes, o Estado assumiu o dever dessa preservação, quando legislou sobre a proteção à imagem, à honra e à intimidade, elevando tais direitos a nível constitucional, não podendo, esses mesmos agentes, serem desanteciosos neste trato, impedindo as ações previsíveis da mídia sedenta por algo, que lhe ponha no topo da audiência.

 Portanto, as algemas podem ser empregadas licitamente pelos Agentes de Segurança Pública como instrumento de constrição física, com a finalidade de garantir a segurança pública ou individual e para impedir a fuga do detido ou do preso. De modo algum, as algemas poderão ser utilizadas como instrumento de vexame público, com o propósito de humilhar ou de ridicularizar a pessoa.

A compatibilização do direito à imagem com o direito de informar depende tão somente de uma postura adequada e responsável dos integrantes dos órgãos públicos e dos meios de comunicação. Se a liberdade de imprensa colide com os direitos individuais, deve-se alcançar o equilíbrio, de modo que nenhuma das garantias seja obrigada a suportar, sozinha, as consequências trazidas pela outra.

4.2.6 O princípio da proporcionalidade e o abuso no uso de algemas

A doutrina estabeleceu três critérios para a solução de regras conflitantes. O primeiro, é o critério hierárquico, pelo qual a lei superior prevalece sobre a inferior. O segundo, é o critério cronológico, segundo o qual a lei posterior prevalece sobre a anterior. E o terceiro é o critério da especialização, que estabelece que a lei específica prevaleça sobre lei geral. Ocorre, no entanto, que pela aplicação de qualquer um desses critérios, uma regra necessariamente exclui a outra, não servindo, portanto, para resolver conflitos entre princípios constitucionais.

Surge, então, a problemática, diante de valores igualmente tutelados pela atual Constituição Brasileira que são potencialmente antagônicos, como, por exemplo, o direito à imagem resguardado pelo artigo 5º, inciso X, e a liberdade de comunicação, prevista no artigo 5º, inciso IX? Por esses critérios para solução de conflitos, não seria possível saber qual desses bens deve prevalecer, uma vez que ambos são direitos fundamentais constantes de um único texto constitucional, estando, portanto, no mesmo plano hierárquico, criados pelo mesmo poder constituinte e um não é especial ao outro.

Sabe-se que não existem direitos fundamentais absolutos. A necessidade de coexistência de um direito com os outros direitos impõe coercitivamente a admissibilidade de restrições. Previsto implicitamente na Constituição Federal pelo artigo 5º, inciso LIV, como uma das vertentes do devido processo legal substantivo, acolhido expressamente pelo artigo 2º, caput e inciso VI, da Lei 9.784/99, o princípio da proporcionalidade é o instrumento colocado à disposição do intérprete para a superação dos antagonismos existentes entre alguns princípios constitucionais.

O princípio da proporcionalidade está ligado à própria idéia de Estado Democrático de Direito em razão da sua intrínseca relação com os direitos fundamentais, que lhe dão suporte e, ao mesmo tempo, dele dependem para se realizar. Essa interdependência se manifesta especialmente na ocasião de conflito onde se busca uma solução justa e equilibrada.

Utilizado de ordinário, para aferir a legitimidade das restrições de direitos – muito embora possa aplicar-se, também, para dizer do equilíbrio na concessão de poderes, privilégios ou benefícios – o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, em essência, consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das idéias de justiça, eqüidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive a de nível constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral do direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico.

É importante salientar que o princípio da proporcionalidade tem aplicação em situações concretas, onde bens jurídicos igualmente habilitados a uma proteção do ordenamento jurídico se acham em contradição. Isso porque, os bens constitucionais não são superiores uns aos outros, afinal integram um mesmo texto constitucional e foram criados pelo mesmo poder constituinte, não é possível estabelecer em tese, apenas com base na norma, o grau de importância entre eles.

 Podemos dizer que o princípio da proporcionalidade é composto pelos subprincípios da adequação, da necessidade e da ponderação, que nessa ordem, deverão ser analisados pelo intérprete na busca de uma solução equânime à situação da vida que se lhe apresenta. Essas etapas têm que ser respeitadas tendo em vista que na prática, adequação e necessidade não têm o mesmo peso ou relevância no juízo de ponderação. Ou seja, apenas o que é adequado pode ser necessário, mas o que é necessário não pode ser inadequado.

 Desse jeito, tem-se que a prova da necessidade é mais relevante que o teste da adequação. Este fato justifica-se na medida em que se der positivo o teste da necessidade, o resultado da adequação não há de ser negativo. No entanto, se o teste quanto à necessidade revelar-se negativo, o resultado positivo do teste de adequação não mais poderá afetar o resultado definitivo ou final. De qualquer forma, a proporcionalidade da medida só será alcançada após a análise cuidadosa da adequação, da necessidade e da ponderação.

A exigência da adequação aponta para a necessidade de a medida restritiva ser apropriada para a realização dos fins invocados pela lei. Nesse contexto, mais detalhadamente ensinam Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino que

o subprincípio da adequação, também denominado da idoneidade ou pertinência, significa que qualquer medida que o Poder Público adote deve ser adequada à consecução da finalidade objetivada, ou seja, a adoção de um meio deve ter possibilidade de resultar no fim que se pretende obter; o meio escolhido há de ser apto a atingir o objetivo pretendido. Se, com a utilização de determinado meio, não for possível alcançar a finalidade desejada, impende concluir que o meio é inadequado ou impertinente.

O cálculo da necessidade ou exigibilidade significa que a adoção de uma medida restritiva de direito só será possível se esta for indispensável à manutenção do próprio ou de outro direito, e somente se não houver outro meio menos gravoso com o qual se possa atingir o mesmo objetivo. Nesse sentido, esclarece Humberto Ávila que

o exame da necessidade envolve duas etapas de investigação: em primeiro lugar, o exame da igualdade de adequação dos meios, para verificar se os meios alternativos promovem igualmente o fim; em segundo lugar, o exame do meio menos restritivo, para examinar se os meios alternativos restringem em menor medida os direitos fundamentais colateralmente afetados.

Assim, segundo as lições do constitucionalista português José Joaquim Gomes Canotilho

a exigência da necessidade pretende evitar a adoção de medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias que, embora adequadas, não são necessárias para se obterem os fins de proteção visados pela Constituição ou a lei. Uma medida será então exigível ou necessária quando não for possível escolher outro meio igualmente eficaz, mas menos ‘coactivo’, relativamente aos direitos restringidos.

Finalmente, para analisar o último requisito da proporcionalidade, é preciso que se faça uma ponderação de valores, procedendo a uma comparação entre o grau de intensidade de restrição dos direitos fundamentais e o grau de intensidade de promoção da finalidade pretendida. O meio proporcional é aquele que restringe pouco um direito fundamental, mas, em contrapartida, promove bastante o fim. A contrario sensu, o meio será desproporcional se a importância do fim não justificar a intensidade da restrição dos direitos fundamentais. Valendo-se, novamente, das palavras de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, extrai-se a síntese desse requisito da proporcionalidade:

Como terceiro subprincípio, o juízo de proporcionalidade em sentido estrito somente é exercido depois de verificada a adequação e necessidade da medida restritiva de direito. Confirmada a configuração   dos dois primeiros elementos, cabe  averiguar se os  resultados positivos obtidos superam as  desvantagens decorrentes da restrição a um ou a outro direito.   Como a medida restritiva de direito contrapõe o princípio que se   tenciona promover e o direito que está sendo restringido, a  proporcionalidade em sentido estrito traduz a exigência de que   haja um equilíbrio, uma relação ponderada entre o grau de  restrição e o grau de realização do princípio contraposto.

Trata-se, como se pode perceber, de uma missão complexa analisar a vista de uma situação prática, qual direito será restringido e qual poderá ser exercido em sua plenitude. O princípio da proporcionalidade terá aplicação nessas situações que contenham uma relação de causalidade entre um meio e um fim e de tal sorte que se possa proceder aos três exames fundamentais: o da adequação, o da necessidade e o da proporcionalidade em sentido estrito.

A discussão sobre o uso devido ou indevido de algemas importa exatamente em conflitos de bens constitucionalmente protegidos. Essa colisão ocorre tanto entre direitos fundamentais (diversos ou idênticos) ou entre direitos fundamentais e bens jurídicos da comunidade. O direito à imagem (artigo 5°, X, C.F.) do detido frente ao direito de liberdade de comunicação (artigo 5°, IX, C.F.) da imprensa é um exemplo de conflito entre direitos fundamentais diversos, porque embora ambos sejam direitos fundamentais, não só estão previstos em incisos distintos, como também o âmbito de proteção de um é diferente do outro. Outra ilustração é o caso do direito à vida (artigo 5°, caput, C.F.) do preso se contrapondo ao direito à vida (artigo 5°, caput, C.F.) de um Agente de Segurança Pública. Nesse caso, o direito de um afeta diretamente o âmbito de proteção do outro. Já o direito à integridade física e moral do preso (artigo 5°, XLIX, C.F.) é um direito individual que colide com o direito à segurança (artigo 5°, caput, artigo 6° e artigo 144, C.F.) que tanto é um direito individual do cidadão como um valor constitucionalmente relevante para a sociedade.

É correto afirmar que o núcleo essencial desses direitos fundamentais deve ser preservado, um direito não pode se sobrepuser ao outro. E para que sejam feitas concessões recíprocas entre os direitos e uma solução equilibrada seja encontrada, utiliza-se o princípio da proporcionalidade. Uma situação prática dessa tensão entre o direito à imagem do preso e a liberdade de informar dos meios de comunicação é o caso Lebach, que chegou à Corte Constitucional alemã. Gilmar Mendes esclarece que nesse caso

discutiu-se a legitimidade de repetição de notícias sobre fato delituoso ocorrido já há algum tempo e que, por isso, ameaçava afetar o processo de ressocialização de um dos envolvidos no crime. Abstratamente consideradas, as regras de proteção da liberdade de informação e do direito de personalidade não conteriam qualquer lesão ao princípio da proporcionalidade. Eventual dúvida ou controvérsia somente poderia surgir na aplicação in concreto das diversas normas. A Corte Constitucional alemã, após analisar a situação conflitiva, concluiu que ‘a repetição de informações, não mais coberta pelo interesse da atualidade, sobre delitos graves ocorridos no passado, pode revelar-se inadmissível se ela coloca em risco o processo de ressocialização do autor do delito’.

No Brasil, também, o princípio da proporcionalidade vem sendo utilizado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal como instrumento para solução de colisão entre direitos fundamentais envolvendo algemas. No julgamento do HC n° 89.429-1/RO, por exemplo, o supremo concedeu a ordem para que fosse garantido ao paciente, um integrante do Tribunal de Contas de Rondônia que havia sido preso em uma operação da Polícia Federal, o direito de não ser exposto na mídia e que na condução dele ao Superior Tribunal de Justiça, local onde se processava a ação penal, não lhe fossem apostas algemas.

Por ocasião do julgamento ficou assentado que, “não obstante a omissão legislativa, a utilização de algemas não pode ser arbitrária, uma vez que a forma juridicamente válida do seu uso pode ser inferida a partir da interpretação dos princípios jurídicos vigentes, especialmente o princípio da proporcionalidade”.

Desse modo, os direitos fundamentais do acusado, do Agente de Segurança Pública e da sociedade devem ser preservados e harmonizados, não sendo possível, de forma apriorística, proibir a utilização de algemas em qualquer circunstância e tampouco permiti-las indiscriminadamente. Nesse diapasão, para saber se o emprego de algemas é legítimo ou abusivo, é necessário perquirir, diante do caso concreto, se a medida coercitiva é apta a atingir o objetivo pretendido, se há algum meio menos gravoso para atingir o fim visado (proibição de excesso), e se há compatibilidade entre a medida e os valores do sistema constitucional (ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido).

A impossibilidade de se cumprir a súmula

A súmula vinculante nº 11 restringiu o uso de algemas a basicamente três hipóteses excepcionais, quais sejam: resistência à ordem de prisão legal, fundado receio de fuga do preso e de agressão por parte deste ou de terceiros.

 Podemos dizer que a resistência é definida como a possibilidade de o infrator opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio. O segundo motivo traduz-se no receio de fuga, sendo justificado quando o infrator, percebendo a atuação policial, empreende esforço para se evadir, ou quando é capturado após perseguição.

E, por último, está o perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, já que o uso de algemas pode se materializar em expediente para conferir ao procedimento segurança, evitando-se o mal maior que é o emprego de força física para conter o preso ou seus comparsas, amigos, familiares, inclusive com a utilização de armas, letais ou não.

Os Agentes de Segurança Pública, diante de um caso concreto, terão que constatar a presença de um daqueles três requisitos e decidir pela necessidade ou não de fazer uso das algemas. Isso significa que tal decisão acaba sendo discricionária, mas não arbitrária. Celso Antônio Bandeira de Mello define discricionariedade como a margem de liberdade deixada pela lei, para que, no caso concreto, o Agente de Segurança Pública escolha qual a melhor providência a ser adotada, de modo a atender o interesse público.

Todavia, alerta que discricionariedade não se confunde com arbitrariedade, pois nessa o agente se comporta fora do que lhe permite a lei, enquanto naquela o agente deverá optar por uma hipótese dentre as que foram deixadas pela lei.

É preciso considerar, ainda, que existam duas situações: a do Agente de Segurança Pública que decide sobre algemar ou não uma pessoa no calor do acontecimento do fato e a do juiz que, em tese, dispõe de um tempo maior para tomar tal decisão. Entretanto, tendo em vista a subjetividade dos elementos que, segundo o STF, devem ser avaliados para se decidir sobre a utilização de algemas, é praticamente irrelevante uma maior ou menor disponibilidade de tempo para que tal decisão seja tomada.

Avaliar critérios como periculosidade, estado emocional, sinais de desequilíbrio mental causado por doença ou substância entorpecente, compleição física, idade, sexo e idade do preso, local onde se realiza a diligência (possibilidade de fuga ou resgate) e quantidade de policiais envolvidos na operação, pode até indicar algumas das possíveis reações da pessoa a ser presa, mas não todas.

Independentemente da classe social, o ser humano nasceu para ser livre, portanto, em tese, todos têm potencial para, reagir à prisão, colocando a sua própria vida em risco, bem como a integridade dos agentes responsáveis pelo algemamento e a de transeuntes. Situações extremas, como é a prisão, ocasionam nas pessoas as mais inesperadas reações, e não há profissional, seja psiquiatra, psicólogo, magistrado ou policial, capaz de prevê-las.

 Nesse sentido, os requisitos exigidos pelo Supremo para a colocação de algemas, sobretudo

Independentemente da classe social, o homem nasceu para ser livre, portanto, em tese, todos têm potencial para, reagir à prisão, colocando a sua própria vida em risco, bem como a integridade dos agentes responsáveis pelo algemamento e a de transeuntes. Situações-limites, como é a prisão, ocasionam nas pessoas as mais inesperadas reações, e não há profissional, seja psiquiatra, psicólogo, magistrado ou policial, capaz de prevê-las. Nesse sentido, os requisitos exigidos pelo Supremo para a colocação de algemas, sobretudo o ‘fundado’ receio de fuga ou de perigo à integridade física de qualquer pessoa é aspecto nebuloso e de apreciação subjetiva. Será que o STF aceitará que a pessoa presa ou que deva ser presa seja algemada com base exclusivamente na natureza do crime (nesse contexto, assaltantes, latrocidas e homicidas poderiam ser sempre algemados, ainda que bem comportados durante o processo, ao passo que estelionatários não), ou será exigido, para a colocação de algemas no preso (ainda que por crime violento) uma conduta concreta demonstrando ‘periculosidade’ (exemplo: o réu que olha de forma ameaçadora para a vítima em audiência)? E mais: tendo em vista o inato desejo de liberdade do ser humano, será que não haveria fundado receio de fuga em toda execução de uma prisão (em flagrante ou não), e mesmo em toda situação na qual o preso vislumbre a possibilidade de fuga (por exemplo, em uma audiência judicial à qual comparece escoltado)?

Portanto, o problema, está em como aquilatar o comportamento humano. É muito difícil aos Agentes de Segurança Pública e aos juízes manterem o equilíbrio exato entre a necessidade das algemas e a sua dispensa, pois do mesmo modo que existem circunstâncias evidentes a caracterizar algum risco, outras são extremamente tênues. Esse é o principal motivo pelo qual, nos moldes em que foi redigida, a Súmula Vinculante nº 11 é impossível de ser cumprida, exercendo um papel excessivamente simbólico ao servir apenas para transmitir uma imagem à sociedade de que os ministros do Supremo estão preocupados em resguardar os direitos dos presos.

Além desse aspecto, também em relação à exigência de que o Agente de Segurança Pública, e o Juiz, em cada caso, fundamentem por escrito e previamente o que eles entendem como excepcionalidade da situação, diante da própria imprevisibilidade de reação do preso, lhes seria impossível cumprir a imposição da referida súmula, transparecendo mais uma vez a sua carga simbólica. Ao estabelecer tal obrigação, critica a juíza de direito substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal Rejane Jungbluth que

não houve, por parte dos ministros do Supremo, uma preocupação quanto ao elemento desestabilizador causado no trabalho da polícia, bem como do judiciário de primeiro grau, principais destinatários da norma e agora reféns de uma regra embaraçosa e desprovida de um maior comprometimento com a realidade do país.

Ainda no que se refere à previsão na súmula da sanção de nulidade da prisão ou ato processual praticado com colocação de algemas, em função da ausência de justificação ou da falta de excepcionalidade da medida constritiva, isso só se sustenta se houver a demonstração de um efetivo prejuízo. No contrário, dada a subjetividade da questão, qualquer uso de algemas tornará discutível a validade da prisão ou do próprio processo, por meio de reclamação no STF.

Adverte Marcelo Bertasso que se não for essa a interpretação, “a súmula estará algemando de vez o STF, que não fará outra coisa senão decidir quem deve ser algemado”. Esse é mais um problema que dificulta ou até mesmo impede o cumprimento da súmula na prática forense, que se apresenta ao público com uma função essencialmente simbólica.

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