3. DA POSSIBILIDADE DA USUCAPIÃO DE EM TERRAS PÚBLICAS
Antes de adentrar no centro da questão precisamos trazer algumas definições tal como, quais são os tipos de Terras Públicas?, ou, abordando o gênero, quais são os Bens públicos?; o Código Civil de 2002 classifica os bens como Federais, Estaduais, Distritais e Municipais, portanto, divide portanto os bens públicos, segundo à sua destinação, em três categorias: Bens de uso comum do povo ou de Domínio Público, Bens de uso especial ou do Patrimônio Administrativo Indisponível e Bens dominicais.
Bens de uso comum do povo ou de Domínio Público: são aqueles que se destinam à utilização de toda uma coletividade, tais como, ruas e estradas.
Bens de uso especial ou do Patrimônio Administrativo Indisponível são aqueles bens que destinam- se à execução dos serviços administrativos e serviços públicos em geral (como por exemplo, um prédio onde esteja instalado um hospital público ou uma escola pública).
E os bens dominiais ou do Patrimônio Disponível são aqueles que, apesar de constituírem o patrimônio público, não possuem uma destinação pública determinada ou um fim administrativo específico (por exemplo, prédios públicos desativados).17
Neste sentido, encontramos previsão legal na Constituição Federal em seus artigos: 20, 26, 29, ainda no Código Civil artigos: 98 ao 103, distinguindo e classificando cada modalidade de bem, contudo, a pedra de toque desta problemática são as terras passíveis de prescrição aquisitiva, o que isola ainda da abordagem a Aquisição por Acessão , prevista no Artigo: 1248 do Código Civil, restando vislumbrar como eixo central as Públicas in espécie: Terrenos de Marinha, Terrenos Reservados, Ilhas, Terras Indígenas, Terras Devolutas, uma vez que esta ultima tem sido tratada com mais atenção pelo Jurisdicionado.
Consoante à possibilidade, rege-se dois princípios elementares à questão, o princípio da Supremacia do interesse público sobre o interesse privado e ainda o Princípio da Função social da Propriedade, ambos possuem previsão constitucional aquele está previsto no Artigo 37 da CF e este ultimo no artigo 5º, XXIII, seria pois um conflito aparente de normas, dado a indisponibilidade do direito público?
3.1. DA FUNÇÃO SOCIAL E DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PRIVADO
O princípio da Função Social rege-se sob a égide constitucional e possui critério para que seja ou não reconhecido, em suma o bem ou a propriedade deve atender à função pela qual fora destinada. Neste momento é oportuno citar a Afetação de Desafetação.
Para Marcus Vinícius Corrêa Bittencourt, Afetação significa: “conferir uma destinação pública a um determinado bem, caracterizando-o como bem de uso comum do povo ou bem de uso especial, por meio de lei ou ato administrativo”.
Em uma leitura contraria, logo entendemos que Desafetação ocorre pela descaracterização do uso da Propriedade Pública, não atendendo assim a sua Função social.
Pois bem, a Supremacia do Interesse Público sobre o Direito Privado nos preceitua que tendo o Estado, União, Município interesse em determinada propriedade, “torna-se indisponível” o direito do proprietário, devendo o Ente Federado, desapropria-la nos ditames da lei , “ no valor de mercado e em moeda corrente”, detalhe, ainda que a propriedade esteja cumprindo com a sua Função Social; tomamos como oportuno exemplificar a casa que esteja em um local que deverá passar uma rodovia e sem possibilidade de via alternativa à mesma, logo o Estado desapropria nos ditames da lei com o devido ressarcimento, e assim, prevalece a Supremacia do Interesse Público sobre o Direito Privado de tal modo que a Função social está em uma ótica secundaria.
3.2. DO CONFLITO APARENTE ENTRE: A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIENDADE E DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O INTERESSE PRIVADO
O conceito de Interesse Público é lato, de forma que constitui uma grande celeuma doutrinária , corrente
Hely Lopes Meirelles assevera que:
“(...) A Administração Pública não pode dispor desse interesse geral num renunciar a poderes que a lei lhe deu para tal tutela, mesmo porque ela não é titular do interesse público, cujo titular é o Estado, que, por isso, mediante lei poderá autorizar a disponibilidade ou a renúncia (...)”18
Cabe destacar que os poderes conferidos à Administração Pública são dotados da irrenunciabilidade e indisponibilidade, dentre tantos outros, como nos afirma o ilustre doutrinador, contudo, entende-se como relativo a sua renúncia, o que abre espaço para uma interpretação, no que tange a Função Social da Propriedade se efetivando sobre a Supremacia do Interesse Público sobre o Privado.
Já a Função Social, diz respeito à propriedade que está ou não atendendo as especificidades a qual é designada, no caso de uma Propriedade Urbana, ela deve estar contribuindo para o Desenvolvimento do Município, não apenas no quesito Tributação mas efetivamente, estar alocado nela, uma Residência , um Estabelecimento Comercial, e outros quetais.
Ainda neste sentido podemos entender que:
O princípio da função social tem controvertida origem. Teria sido, segundo alguns, formulado por Augusto Comte e postulado por Léon Duguit, no começo do século. Em virtude da influencia que a sua obra exerceu nos autores latinos, Duguit é considerado o precursor da ideia de que os direitos só se justificam pela missão social para o qual devem contribuir e, portanto, que o proprietário deve comportar-se e ser considerado, quanto á gestão dos seus bens, como um funcionário.19
Visão esta que prevalece, a nosso “Lex fundamentalis”, insere a função social da propriedade no capítulo dos direitos e garantias individuais, subdividindo seus efeitos conforme seja a propriedade urbana ou rural, o que é sem dúvida uma inovação da Constituição vigente.
Contudo, estabelecido esta nova ordem constitucional, especialmente em razão da consagração do princípio da dignidade da pessoa humana como um dos alicerces da República e do Estado Democrático de Direito, deu-se início a um necessário reexame do princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse particular, sob os pontos de vista do Direito Administrativo e do Direito Constitucional.20
4. DA POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO EM TERRAS PÚBLICAS
4.1. DA ANÁLISE ACERCA DA JURISPRUDÊNCIA
A análise feita por alguns tribunais fora um tanto quanto estranha com o tema, devido a sua expressa vedação constitucional, sendo que a maioria das ações de Usucapião desse teor, são extintas sem julgamento do mérito, contudo, adentremos na jurisprudência que possui julgados favoráveis.
4.1.1. APELAÇÃO CÍVEL: N° 2002.001.15380 DA 16ª CAMARA DO T.J. DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
A decisão do presente julgado trata de, um possuidor de um imóvel público, situado a margem de um rio, bem este Dominical, o teor da sentença reconhece a Impenhorabilidade, Imprescritibilidade e Inalienabilidade do bem, bem como a sumula 370 do STF que reconhece ser insuscetível Usucapir a terra, contudo o fora julgado procedente.
Na decisão entenderam os embargadores que a posse é situação de fato, que a pessoa exercendo a posse independentemente de ser proprietário ou não.
4.2. ANÁLISE A CERCA DA DOUTRINA
Muito embora a norma constitucional vede a possibilidade consagrados Doutrinadores têm posicionamento favorável à questão que cada vez mais tem sido postulada ao jurisdicionado.
Dentre alguns Doutrinadores cabe destacar as palavras de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:
A nosso viso, a absoluta impossibilidade de usucapião sobre bens públicos é equivocada, por ofensa ao princípio da constitucional da função social da posse, e em ultima instancia, ao próprio princípio da proporcionalidade, Os bens públicos poderiam se divididos em materialmente e formalmente públicos. Estes seriam aqueles registrados em nome da pessoa jurídica de Direito Público, porem excluídos da atividade produtiva. Já os bens materialmente públicos seriam aqueles aptos a preencherem os critérios de legalidade e merecimento, postos dotados de alguma função social.
Porem, a constituição não atendeu a esta peculiaridade, olvidando- se de ponderar o direito fundamental difuso à função social com o necessário dimensionamento do bem público, de acordo com a sua conformação no caso concreto. Ou seja: se formalmente público, seria possível a usucapião, satisfeitos os demais requisitos, havia óbice à usucapião. Esta seria a forma mais adequada de tratar a matéria, lembrando-se ainda que, enquanto o bem privado “tem” função social, o bem público “é” função social.”21
Consoante a tese levantada em todo momento o ilustres doutrinadores citam o princípio da função social, e vão adiante com ideia de que os bens públicos deveriam ser materialmente públicos e formalmente públicos.
A presente tese ainda encontra esteio nos TRIBUNAIS SUPERIORES e dentre os julgados mais recentes : STJ, REsp. 864. .449/RS, 2 .ª Turma, Relator . Min. Eliana Calmon, j. 1. 5. .12 . 2009, D.Je08.02 .2010) .
Neste sentido, existem mais julgados que instigam a doutrina a se manifestar cada vez mais, JULGADOS ESTADUAIS ADMITINDO A USUCAPIÃO EM TERRAS PÚBLICAS (DEVOLUTAS): TJSP, Apelação 991.06.028414-0, Acordão 4576364, Presidente Epitácio 19ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Mario de Oliveira.j.08.06.2010, DJESP 14.07.2010; e TJSP, APELAÇÃO 991.04.007975-9, Acórdão 4241 892, Presidente Venceslau, 19ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Conti Machado, J. 24.11.2009, DJESP. 29.01.2010.
Ainda que haja expressa vedação constitucional, existe sem sombra de dúvidas um inconformismo por parte da doutrina, posto que os próprios Princípios Constitucionais propiciam a discussão no campo do Jurisdicionado no Doutrinário e no meio acadêmico , gerando sem dúvidas uma celeuma.
5. CONCLUSÃO.
Dado o exposto, foram apresentadas as modalidades e as peculiaridades da ação de Usucapião sob a égide Constitucional e do Código Civil, bem como as modalidades de terras públicas que podem ser objeto de Prescrição Aquisitiva sobre uma nova ótica do judiciário.
Haja vista a possibilidade da aplicação do Princípio da Função Social às Terras Públicas, não visando em momento algum sobrepor princípios, mas sim trazer o conceito de relativização da Supremacia do Interesse Público Sobre o interesse Privado, ora, nenhum princípio pode ser aplicado e entendido como absoluto, e, se fazer valer sem diretrizes que o delimitem.
Desta forma, ainda que haja vedação constitucional expressa, alguns tribunais e até mesmo o Supremo Tribunal Federal tem entendido a possibilidade de Usucapir Terras Públicas em homenagem ao princípio da Função Social da Propriedade, o que sem dúvida é um grande avanço, é possível sim que a questão chegue a ser sumulada, ou até mesmo apreciada pelo legislativo; de toda forma essa questão merece uma atenção especial do Judiciário e do Legislativo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
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GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume V: Direito das Coisas. 3ª ed. ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 222.
RIBEIRO, Silvério Benedito, Tratado, cit.v.2, 910. apud. GONÇALVES, Roberto Carlos, 2014, Direito Civil Brasileiro, p, 265.
Notas
1 GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito Civil Brasileiro. 2014.
2 Ibidem, p. 254.
3 GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Jurídico. 7a Edição. São Paulo: Rideel, 2004. pag. 175
4 GONÇALVES, Carlos Roberto. apud. Comentário de Código de Processo Civil, pag.517
5 PEREZ, Maria da Glória. (2008) Da Ação de Usucapião de Terras Particulares: Estudo Teórico e Análise de Um Caso.
6 Ibidem. p. 259
7 Código Civil Brasileiro, 2002.
8 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro.2002. p.260
9 Ibidem.p.260,apud. O Projeto do novo Código Cívil,p. 82-83.
10 GONÇALVES, Carlos Roberto, 2014, Direito Civil Brasileiro. p.261.
11 RIBEIRO, Silvério Benedito,Tratado,cit.v.2,p.910. apud. GONÇALVES, Roberto Carlos, 2014, Direito Civil Brasileiro,p,265.
12 GONÇALVES, Carlos Roberto, 2014, Direito Civil Brasileiro.p.266
13 GONÇALVES, Carlos Roberto, 2014, Direito Civil Brasileiro.
14 Ibidem.p.262.
15GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Direito das Coisas.2014
16 GONÇALVES, Carlos Roberto. 2014. Direito das Coisas.
17 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 17. Ed. São Paulo. Lumen Juris. 2007.
18 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32º edição. São Paulo, 2006. p. 103.
19GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume V: Direito das Coisas. 3. ed. ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 222.
20 MOISES, Natália Hallit, A aplicação da regra da proporcionalidade na como concretização do princípio da Supremacia do Interesse Público quando em conflito com o Direito Privado .apud. AVILA, Humberto , SARMENTO, Daniel , BINENBOJM, Gustavo.
21 TARTUCE, Flavio , Manual de Direito Civil. 2016. p.1043.apud. FARIAS, Cristiano Chaves , ROSENVALD, Nelson.