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A atual jurisprudência acerca da contribuição previdenciária devida nos valores pagos a título de um terço de férias

23/06/2017 às 11:02
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A Lei nº 8.212/91 prevê o pagamento de contribuição previdenciária sobre o terço de férias, indenizadas e gozadas. Porém, a Constituição deixa claro que o adicional é indenizatório, sem habitualidade, não havendo que se falar na incidência da contribuição. O STJ já se manifestou, mas aguarda-se o entendimento final do STF.

Desde a edição da Lei nº 8.212 de 24.07.1991 (Lei nº 8.212/91), o pagamento de contribuição previdenciária referente ao terço de férias, indenizadas e gozadas, tem sido objeto de diversos questionamentos pelos contribuintes nos tribunais.

Em linhas gerais, a exigência de recolhimento da contribuição previdenciária, a cargo da empresa, referente ao terço de férias, encontra previsão nos seguintes dispositivos:

Lei nº 8.212/91       

Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:

I - vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa.

Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição:

I - para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa;“ 

Apesar de a Lei nº 8.212/91 prever, por meio dos dispositivos supra, o recolhimento da contribuição, justifica-se a não incidência sobre o terço de férias com base no texto constitucional, mais precisamente §11, do artigo 201[1], que expressamente dispõe que a hipótese de incidência são os ganhos habituais incorporados ao salário.

Sendo o terço de férias um pagamento com claro viés indenizatório e sem qualquer habitualidade, não há que se falar em pagamento da contribuição previdenciária.

Nas palavras de Maurício Godinho Delgado, o terço constitucional de férias é “uma parcela com nítido caráter acessório: trata-se de percentagem incidente sobre as férias. Como acessório que é, assume a natureza da parcela principal a que se acopla. Terá, desse modo, caráter salarial nas férias gozadas ao longo do contrato; terá natureza indenizatória nas férias indenizadas na rescisão.[2]”

No julgamento do REsp nº 1.230.957/RS, submetido à sistemática de recurso repetitivo, na forma do artigo 543-C do CPC/73, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) decidiu que não incide contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias, indenizadas e gozadas, senão vejamos:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA A CARGO DA EMPRESA. REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. DISCUSSÃO A RESPEITO DA INCIDÊNCIA OU NÃO SOBRE AS SEGUINTES VERBAS: TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS; SALÁRIO MATERNIDADE; SALÁRIO PATERNIDADE, AVISO PRÉVIO INDENIZADO; IMPORTÂNCIA PAGA NOS QUINZE DIAS QUE ANTECEDEM O AUXÍLIO-DOENÇA.

Terço constitucional de férias

No que se refere ao adicional de férias relativo às férias indenizadas, a não incidência de contribuição previdenciária decorre de expressa previsão legal (art. 28, §9, “d”, da Lei 8.212/91 – redação dada pela Lei 9.528/97).

Em relação ao adicional de férias concernente às férias gozadas, tal importância possui natureza indenizatória/compensatória, e não constitui ganho habitual do empregado, razão pela qual sobre ela não é possível a incidência de contribuição previdenciária (a cargo da empresa). A Primeira Seção/STJ, no julgamento do AgRg nos EREsp 957.719/SC (Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe de 16.11.2010), ratificando entendimento das Turmas de Direito Público deste Tribunal, adotou a seguinte orientação: “jurisprudência das Turmas que compõem a Primeira Seção desta Corte consolidada no sentido de afastar a contribuição previdenciária do terço de férias também dos empregados celetistas contratados por empresas privadas.

(...) (grifou-se)

Esse acórdão foi publicado em 18.03.2014 e, desde então, em tese, qualquer tipo de discussão deveria estar superada.

Todavia, não foi o que se viu, uma vez que a União Federal persiste na cobrança da contribuição sobre o terço de férias, seja ao continuar recorrendo nos processos judiciais em curso, ou mesmo ao demonstrar, por meio de soluções de consulta da Receita Federal do Brasil (“RFB”), a necessidade de recolhimento da exação.

Resumidamente, a União justifica que a discussão não se esgotou, tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal (“STF”) ainda analisará se há incidência de contribuição previdenciária sobre o terço de férias nos autos do Recurso Extraordinário (“RE”) nº 593.028, que trata da contribuição social devida pelos servidores públicos.

A Nota CRJ/Nº 115/2017, publicada no dia 13.09.2016 da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (“PGFN”) reforça essa postura ao deixar claro que a União persistirá cobrando o recolhimento. Eis o fragmento que interessa ao caso:

“2.1 – Contribuição Previdenciária

Terço constitucional de férias – Remuneração paga pelo empregador nos primeiros dias de afastamento do trabalhador por incapacidade.

REsp 1.230.957/RS (temas nº 479 e 738 de recursos repetitivos)

Não obstante a fixação do entendimento acima esposado, em sede de julgamento realizado nos termos do art. 543-C do CPC/1973, os Procuradores da Fazenda Nacional deverão continuar a contestar e recorrer, quando se tratar de incidência de contribuição previdenciária do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei sobre a remuneração paga pelo empregador durante os primeiros quinze dias de afastamento do trabalho incapacitante e sobre o terço constitucional de férias.” (grifou-se)

Outro não poderia ser o entendimento da RFB que, ao ser questionada por contribuintes, afirma que é devido o recolhimento da contribuição sobre os valores pagos no terço constitucional de férias, como se nota das recentes soluções de consulta, veja:

“CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PREVIDENCIÁRIAS. FÉRIAS INDENIZADAS.

As importâncias pagas a título de férias indenizadas e respectivo adicional constitucional não integram a base de cálculo para fins de incidência de contribuições sociais previdenciárias.[4]” 

“CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PREVIDENCIÁRIAS. FÉRIAS GOZADAS. TERÇO CONSTITUCIONAL.

As férias gozadas acrescidas do terço constitucional integram a base de cálculo para fins de incidência das contribuições sociais previdenciárias.[5]”

Apesar dos argumentos constantes na publicação da Nota PGFN e nas soluções de consulta da RFB, mencionadas acima, a matéria já se encontra totalmente decidida pelo Supremo nos autos do RE nº 593.068, vez que já há maioria formada pela não incidência sobre as verbas lá discutidas, entre as quais, o terço de férias.

A bem da verdade, a União apenas posterga o fim da discussão na ânsia de uma reviravolta milagrosa no julgamento do STF, que de fato, tecnicamente não foi concluído, mas o que a PGFN deixa de mencionar é que já existe maioria formada nesse julgamento no sentido de que não incide contribuição previdenciária referente a verba não incorporável aos proventos de aposentadoria do servidor.

Aguarda-se apenas a liberação do processo pelo Ministro Gilmar Mendes, que pediu vista em 16.11.2016 e não o liberou até o momento. Já votaram pela exclusão do terço o relator, Luís Roberto Barroso, as Ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber e os Ministros Edson Fachin, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski. Em sentido contrário, ou seja, pela incidência, os ministros Dias Toffoli, Marco Aurélio de Mello e o saudoso Teori Zavaski.

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O Ministro Gilmar Mendes já havia seguido a divergência, mas não se sabe ao certo o motivo, requereu vista do processo.

Portanto, levando em consideração que já existe maioria formada (6 a 4) e mesmo que o Ministro Celso de Mello vote com a divergência, o placar do julgamento ficará 6 a 5.

Destarte, a probabilidade de reversão da tese fixada no julgamento do RE nº 593.068 nos parece remota no momento, sendo necessário que algum ministro que votou pela não incidência, modifique o seu entendimento, o que não costuma acontecer.

Hipoteticamente, mesmo que ocorra reversão do julgamento no STF, existirá grande debate acerca da extensão da interpretação que se dará no julgamento do RE nº 593.068, pois a tese a ser fixada nesse processo é de que não incide contribuição previdenciária sobre as remunerações ou ganhos habituais que tenham repercussão em benefícios.

No julgamento do STJ, REsp nº 1.230.957/RS, a tese consolidada é de que as verbas indenizatórias e não habituais não sofrem incidência de contribuição previdenciária.

Sendo assim, o entendimento do STF no RE nº 593.068 teria o condão de mudar o que ficou decido no REsp nº 1.230.957/RS?

Particularmente, entendo que seria difícil, uma vez que as teses fixadas não são exatamente iguais (STF – remunerações ou ganhos habituais que tenham repercussão em benefícios x  STJ – as verbas indenizatórias e sem habitualidade não sofrem incidência da contribuição).

No mais, salvo o terço de férias, as verbas discutidas nos processos são totalmente diferentes (STF – adicional de hora extra, adicional noturno, adicional de insalubridade x STJ – Aviso prévio indenizado, importância pagas nos quinze dias que antecedem o auxílio doença, salário maternidade e salário paternidade).

Diante das considerações feitas anteriormente, entendo que a questão já se encontra resolvida, diga-se de passagem, desde a decisão de 2014 no julgamento do REsp nº 1.230.957/RS, representativo de controvérsia que colocou uma pá de cal na discussão.

Sendo certo que a matéria já foi decida por representativo de controvérsia, cabe às demais esferas da justiça adotarem o entendimento do STJ, conforme determina o artigo 927, III, do CPC/15 que impõe aos juízes e os tribunais a observação dos “acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinários e especial repetitivos.”

Por fim, importante mencionar que aos contribuintes que já têm ação em curso questionando a incidência da contribuição sobre o terço de férias, apesar do entendimento do STJ em sede de representativo de controvérsia, é preciso aguardar o trânsito em julgado para deixar de recolher e, eventualmente, compensar/repetir os valores recolhidos, em respeito ao artigo 170 – A do Código Tributário Nacional (“CTN”).

Para as empresas que não possuem ação judicial, é necessário ajuizá-la, não sendo permitido parar de recolher ou compensar os valores pagos referente ao terço de férias, sob pena de autuação da RFB.


Notas

[1] “Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:  

§ 11. Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei. ”   

[2] DELGADO. Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3ª Edição. São Paulo: LTR, 2004, pág. 1184.

[3] Receita Federal. Solução de Consulta DISIT/SRRF01 nº 1003 de 20.01.2015.

[4] Receita Federal. Solução de Consulta COSIT nº 99014 DOE  27.03.2017.

[5] Receita Federal. Solução de Consulta COSIT nº 99014 DOE  27.03.2017.

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Sobre o autor
Carlos Alberto Gama

Advogado na área tributária no Freitas, Silva e Panchaud Advogados Associados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GAMA, Carlos Alberto. A atual jurisprudência acerca da contribuição previdenciária devida nos valores pagos a título de um terço de férias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5105, 23 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58641. Acesso em: 21 nov. 2024.

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