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Iniciativa popular e democracia participativa: entraves à construção de uma cidadania ativa

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07/12/2017 às 14:40
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O fortalecimento do sistema democrático participativo complementa o modelo vigente, na busca por uma sociedade politicamente ativa.

SUMÁRIO:Introdução. 1. Soberania popular e democracia: a necessária construção de uma sociedade ativa. 2. A crise do modelo representativo. 3. Democracia participativa; 3.1 Iniciativa popular como materialização da democracia participativa. 4. Entraves à efetivação da participação popular no Brasil. Considerações finais. Referências bibliográficas.

RESUMO:Busca-se examinar as características da democracia e da soberania popular, com o enfoque na demonstração teórica de que o fortalecimento do sistema democrático participativo tem a possibilidade de complementar o modelo representativo puro, na busca por uma sociedade politicamente ativa, de modo a contemplar o cidadão como protagonista das decisões governativas, e não um mero e passivo espectador. Nesse contexto, será apresentada a sólida e atual crise que aflige a democracia representativa, transformando-a num modelo distante do ideal democrático, bem como as dificuldades enfrentadas para a efetiva e plena materialização da participação popular no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: Soberania. Democracia. Participação popular.

INICIATIVA POPULAR Y LA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA: obstáculos para la construcción de una ciudadanía activa

CONTENIDO:Introducción. 1. La soberanía popular y la democracia: la necesaria construcción de una sociedad activa. 2. La crisis del modelo representativo. 3. La democracia participativa; 3.1 iniciativa popular como la encarnación de la democracia participativa. 4. Obstáculos para la participación popular efectiva en Brasil. Consideraciones finales. Referencias.

RESUMEN:Este artículo tiene la intención de examinar las características de la democracia y la soberanía popular, con el foco en la demostración teórica de que el fortalecimiento de sistema democrático participativo tienen la capacidad de complementar el modelo representativo puro en la búsqueda de una sociedad políticamente activa, a fin de incluir al ciudadano como protagonista de las decisiones gubernamentales, y no un mero espectador y pasivos. En este contexto, el sólido y la actual crisis que aflige a la democracia representativa se presentará, por lo que es un modelo distante del ideal democrático, y las dificultades que enfrentó en la realización plena y efectiva de la participación popular en Brasil.

PALABRAS CLAVE: Soberanía. Democracia. Participación popular.

LEGISLATIVE INITIATIVE POPULAR AND PARTICIPATORY DEMOCRACY: obstacles to the construction of an active citizenship

CONTENTS:Introduction. 1. Popular sovereignty and democracy: the necessary building an active society. 2. The crisis of representative model. 3. Participatory democracy; 3.1 popular initiative as the embodiment of participatory democracy. 4. Obstacles to effective popular participation in Brazil. Final considerations. References.

ABSTRACT:This paper intends to examine the characteristics of democracy and popular sovereignty, with the focus on theoretical demonstration that the strengthening of participatory democratic system have the ability to complement the pure representative model, in the search for a politically active society of order to include the citizen as protagonist of governmental decisions, and not a simple spectator and liabilities. In this context, the solid and the current crisis afflicting representative democracy will be presented, making it a distant model of the democratic ideal, and the difficulties faced in the effective and full realization of popular in Brazil.

KEYWORDS: Sovereignty. Democracy. Popular participation.


CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição (BRASIL, CRFB/ 1988).

A afirmativa trazida pelo parágrafo único, do artigo 1º, da Constituição da República Federativa do Brasil, inserto em seu Título I (Dos princípios fundamentais), pode ser considerada como a essência, a gênese da soberania popular, bem como da democracia brasileira, em suas modalidades representativa e participativa.

O “todo poder emana do povo” evidencia que o poder estatal somente poderá ser concebido como de propriedade insofismável do povo.

Não pode existir poder que não seja exercido em nome e em favor da sociedade, sendo inviável conceber a mera menção a qualquer poder superior à coletividade. A soberania popular é o pressuposto basilar para a existência de uma democracia sólida.

No mesmo sentido, o recorte “que o exerce por meio de representantes eleitos” deixa claro que a opção política do texto constitucional foi a adoção de um sistema representativo, por meio do qual há o exercício do poder soberano pertencente à coletividade, através de seus representantes eleitos.

O modelo representativo é adotado não só no Brasil, como também, em centenas de nações democráticas e tem como pressuposto a construção de uma delegação de poder conferida pelo povo aos seus representantes, por meio de eleições livres.

Há, também, o exercício de poder de forma direta pelo povo, configurando-se o modelo participativo, o qual pode existir de forma complementar ao sistema representativo, conferindo-se maior legitimidade às decisões governativas.

Resta claro, pois, que o legislador constituinte adotou o modelo representativo, sem prejuízo da utilização de mecanismos de democracia direta (iniciativa popular, referendo e plebiscito).

Diversamente do que fora idealizado pelo constituinte, o modelo representativo apresenta-se em crise, eis que o povo, real detentor do poder, não consegue vislumbrar em seus líderes eleitos democraticamente, verdadeiros representantes da vontade geral.

Percebe-se uma inversão de valores, eis que os mandatos conferidos pelo povo estão sendo utilizados com a exclusiva finalidade de manutenção e perpetuação do poder.

Para ocupar esse crescente vácuo de legitimidade imposto pelo modelo representativo, está a democracia semidireta, participativa ou mista, como forma de verdadeiramente conferir ao povo soberano a detenção e gozo do poder.

Essa legitimidade, diversamente do modelo puramente representativo, pode ser percebida quando os governados colaboram na construção da vontade governativa, o fazendo, segundo o regramento pátrio, por meio dos mecanismos de democracia direta.

O objetivo do presente estudo é demonstrar que as formas de democracia direta que coexistem em nosso ordenamento constitucional com o modelo representativo, apesar de conferirem a almejada legitimidade democrática, padecem de algumas vicissitudes que podem fragilizá-las.

Há diversos entraves que obstaculizam a materialização da vontade do legislador constitucional, de modo que os instrumentos de democracia participativa trazidos originariamente na Carta de outubro de 1988 ainda não foram, de fato, albergados pela sociedade brasileira.

A mera previsão formal de mecanismos de democracia participativa, desprovidos, contudo, de efetividade prática, não confere alicerce à soberania popular. Torna-se necessário que os instrumentos de participação direta sejam absorvidos e passem a compor o imaginário da sociedade, deixando de existir apenas como meros ornamentos, sem qualquer finalidade realmente democrática.


1 – SOBERANIA POPULAR E DEMOCRACIA: A NECESSÁRIA CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE ATIVA

O desenvolvimento da democracia vem indicando que outro destino está sendo dado ao princípio da soberania popular. De cláusula mito ou ícone constitucional destinado a iludir a massa, o princípio é hoje tido como pressuposto para a real existência de uma democracia (MÜLLER, 2003, p. 65).

Para o entendimento da existência de um povo soberano faz-se necessário conceber que não há qualquer poder superior ao da coletividade. Deve-se analisar que inexiste interesse particular que se sobreponha aos anseios da coletividade e, para tanto, à luz desse interesse comum, ao cidadão devem ser disponibilizados direitos de participar e influir nas decisões governamentais, sendo-lhe assegurado um extenso rol de liberdades, direitos e garantias individuais expressamente previstos no texto constitucional.

O princípio da soberania popular é, pois, de observância obrigatória, sob pena de se desmascarar a fachada dos Estados que se dizem erigir sobre regimes democráticos e bases institucionais sólidas. O princípio democrático exige a participação livre e igual daqueles sobre cujas vidas as decisões podem repercutir.

A democracia, desta maneira, não está vinculada apenas a uma limitação do poder do Estado como forma de garantir o exercício de liberdades individuais, mas principalmente com a participação dos cidadãos no processo de tomada de decisões governamentais, tendo em vista que serão legítimas essas normas apenas quando os próprios destinatários participarem da elaboração (FABRIZ; MOREIRA JUNIOR, 2014, p. 07).

Na medida em que a soberania popular estaria, com efeito, compreendida na democracia que seja ao mesmo tempo uma forma de estado (o que pode ser representado pela expressão “todo poder emana do povo”) e também uma forma de governo (representada pela expressão “que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”), pois assim a organização do poder, bem como seu próprio exercício efetivo são reenviados para a determinação da vontade popular (existe, portanto, a legitimidade de origem e também a legitimidade de exercício) (FABRIZ; MOREIRA JUNIOR, 2014, p. 07).

A cláusula constitucional “todo poder emana do povo”, embora nascida e historicamente utilizada com finalidade distorcida de seu conteúdo, há que ser implementada, mesmo que lentamente e ao longo da experiência democrática (SOUZA, 2003, p. 37).

A essência da democracia representativa assenta-se na titularidade do poder nas mãos do povo. O governo é exercido pelos representantes eleitos, porém, o poder pertence ao povo. A efetiva participação popular no seio social relaciona-se ao aumento dos níveis de eficiência decisional, eis que gera uma produtiva relação dialética entre interesse e eficácia no quadro dos processos de tomada de decisões (PEREIRA, 2008, p. 155).

A participação de todos no ato fundacional do princípio condutor da vida em sociedade e a consequente sujeição à vontade comum criam uma blindagem à força desagregadora dos interesses particulares voltados apenas para o benefício pessoal.

A formação de uma sociedade verdadeiramente ativa perpassa pela busca de novas formas de administração política, pautadas no fortalecimento da participação dos cidadãos e, para tanto, torna-se premente a necessidade de um contínuo alargamento na transparência dos procedimentos públicos em geral.

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A institucionalização (e popularização) de vias de acesso direto à gestão governamental é vista como medida imprescindível não apenas por razões de coerência abstrata com o princípio democrático, mas também em virtude da complexidade da estrutura social moderna que torna precária a tomada de decisões solitárias, imunes à percepção dos vários interesses envolvidos.

A busca da construção de uma sociedade efetivamente ativa depende, também, do aprimoramento de práticas participativas, bem como do acesso amplo e irrestrito à educação. Educação e participação devem ser entendidos como conceitos indissociáveis no sonho de construção de uma sociedade realmente democrática.

A participação popular, além de inserir o cidadão nos processos de tomada de decisões, possui, também, o condão de possibilitar a construção de vínculos sólidos entre os membros da sociedade.

Inegável constatar que a busca pelo ideal de uma sociedade ativa e participante da tomada de decisões guarda sintonia com a necessidade de aumentar o senso de pertencimento à determinada comunidade, bem como do reconhecimento da política como algo em comum, voltada à satisfação, unicamente, dos anseios coletivos.

No mesmo sentido, percebe-se com clareza que a preocupação do cidadão com questões de interesse público contribui para a formatação de um espaço cultural fomentador do fortalecimento de um regime democrático no qual o processo de tomada de decisões não se afasta do núcleo detentor do poder.

A participação apresenta-se, pois, como um fator de descolonização do espaço político e tende a viabilizar uma aproximação viável entre a política e o cidadão comum, em benefício da diminuição de sua sensação de isolamento e de impotência em face dos rumos das decisões políticas (PEREIRA, 2008, p. 163).

Esse “desenvolvimento de um regime político bem-sucedido” corresponde ao ideal de Friedrich Müller (2003, p. 55) de povo como verdadeiro “povo ativo” e real titular da soberania política. Para o autor alemão faz-se necessário torna-se premente conceber ao povo a atribuição de certas prerrogativas e responsabilidades coletivas no universo jurídico-político.

O poder extremamente difuso na comunidade, eventualmente ganha personalização num patriarca, num cacique ou num pajé, mas somente na sociedade começa a transcender da concentração em pessoas para uma concentração em instituições. Nessa passagem, do poder personalizado para o poder institucionalizado, ele se aperfeiçoa enquanto instrumento social, vocacionado a servir não mais a uma vontade individual, mas a uma ideia (MOREIRA NETO, 1992, p. 03).

Inquestionável, nesse sentido, que a democracia não pode ser apenas o cumprimento de um ritualismo eleitoral, da simplicidade em se atribuir um voto em uma urna eletrônica. Democracia significa a existência de uma sociedade formada por homens capazes de apresentar interesse e discernimento pelas demandas que irão influenciar a vida de todos. Significa, pois, a existência de cidadãos ativos.


2 – A CRISE DO MODELO REPRESENTATIVO

O sistema representativo de governo, mecanismo de escolha popular de representantes pelo sufrágio universal, é quase que hegemônico nos regimes democráticos modernos e contemporâneos, predominando a atuação dos partidos políticos (SOUZA, 2003, p. 47).

Na democracia representativa tem sido verificada a insatisfação dos representados face ao comportamento dos seus representantes, que, em regra, se comportam como substitutos do povo e, nesse contexto, a democracia estritamente representativa não vem encontrando mais legitimidade no Estado contemporâneo, mormente no Brasil (PEDRA, 2014, p. 160).

Há um sentimento geral de que os representantes eleitos pelo povo romperam o nexo de confiança para com os representados, passando a agir, tão somente, na busca pela satisfação de interesses não confessáveis. O sistema representativo e, sobretudo, os partidos políticos, não mais representam o ideal democrático, eis que opera-se um vácuo, um hiato quase intransponível entre o representantes e os reais detentores do poder.

Essa fragilização do modelo representativo tem o condão de influir na construção de uma participação popular mais efetiva, uma vez que o povo percebe-se distante das decisões que acabarão por influenciar todo o seu modo de vida. Essa distância não é apenas física, no sentido de que as instâncias decisórias situam-se em locais determinados e de difícil acesso, mas sim, espiritual.

A sociedade percebe-se desprotegida, desprestigiada e alijada à construção dos processos de tomada de decisões, as quais, por vezes, surgem em proveito de grupos componentes de uma elite divorciada dos anseios coletivos. Dá-se, nesse sentido, a construção de uma sociedade órfã, que não enxerga em seus representantes verdadeiros líderes, incapazes, ante ao déficit de legitimidade, de conduzir e gerir os destinos do todo.

A legitimidade é o critério que se busca menos para compreender e aplicar do que para aceitar ou negar a adequação do poder às situações da vida social que ele é chamado a disciplinar (BONAVIDES, 2001, p. 141).

E é justamente essa legitimidade que não está presente no sistema representativo vigente. O modelo atual está longe de servir como ideal, em razão de inúmeras incompatibilidades e fragmentações internas e externas.

O isolamento, a clausura e a crescente burocratização das instâncias de decisão, a perda da capacidade de mobilização e de conquistas de “capital social” por parte dos partidos políticos, a impressão generalizada de queda no desempenho dos poderes e das agências estatais, o enfraquecimento de legitimidade governamental e parlamentar em face dos altos níveis de abstencionismo e desinteresse popular pela política oficial são alguns dos fatores que colocaram em questão a capacidade global das estruturas e atores políticos tradicionais em cumprir de modo razoável as funções deles esperadas (PEREIRA, 2008, p. 147).

O noticiário diário revela que os altos escalões do poder, a elite hegemônica, reiteradamente, desfruta do poder, tão somente, em proveito próprio, num descarado desvirtuamento dos mandatos conferidos pelo povo, bem como, num processo de dilapidação das riquezas coletivas.  Resta a dúvida se grande parcela dos representantes dilapida essas riquezas com a finalidade de perpetuação no poder ou, pelo contrário (porém, como a mesma finalidade), se perpetua no poder com o objetivo de promover a dilapidação.

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Sobre o autor
Rodrigo Monteiro da Silva

Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais, pela Faculdade de Direito de Vitória – FDV; Especialista em Direito Público pela Universidade Gama Filho (RJ); Promotor de Justiça (MP-ES).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Rodrigo Monteiro. Iniciativa popular e democracia participativa: entraves à construção de uma cidadania ativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5272, 7 dez. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58743. Acesso em: 2 nov. 2024.

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