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Execução híbrida

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04/11/2004 às 00:00
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O texto estuda a possibilidade de usar os meios da execução considerada em seu sentido lato, ensejando uma atipicidade dos meios executórios a que chamamos execução híbrida.

SUMÁRIO: introdução • nomenclatura • o princípio da ordinariedade e a segurança jurídica • a reformulação do processo à luz do direito material • da tipicidade dos meios executórios à execução em sentido lato • execução híbrida • conseqüências da execução híbrida • conclusão • bibliografia.


1. INTRODUÇÃO

Atávico a uma finalidade didática, o estudo do Direito sempre se pautou pela classificação ou pelo agrupamento dos seus diversos institutos. É o que se dá com os interesses ou direitos coletivos em sentido amplo, gênero tripartido em direitos ou interesses difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos. Diga-se o mesmo da construção doutrinária denominada tutela específica [1], dividida em cinco espécies diferentes: inibitória, preventiva executiva, reintegratória, ressarcitória específica e do adimplemento dos contratos.

As modalidades de execução não se afastam dessa técnica de compartimentação. Em algumas hipóteses, exigem a prévia existência de um título executivo; noutras, os meios executórios são praticados independentemente da apresentação de qualquer título, seja judicial, seja extrajudicial.

A referência ao título executivo permitiu o fracionamento das espécies de execução disciplinadas pelo Código de Processo Civil em dois grandes grupos: o da execução em sentido estrito, previsto no Livro II sob a epígrafe "Do Processo de Execução", e o das formas de execução consideradas em seu aspecto amplo, as quais prescindem de prévia apresentação do título executivo.

A finalidade deste trabalho é a de demonstrar, por meio da execução das obrigações de fazer e de não fazer embasadas num título executivo, a possibilidade de se utilizar os meios executórios da execução considerada em seu sentido lato, no curso de um processo de execução embasado num título executivo, ensejando uma atipicidade dos meios executórios a que chamamos execução híbrida.

Concluir-se-á, por derradeiro, diante da atual conjuntura do Código de Processo Civil, pela fragilidade de se utilizar os títulos executivos judicial ou extrajudicial como critério diferenciador dos meios executórios considerados em seu aspecto estrito ou amplo.


2. NOMENCLATURA

Por estar dirigido, de uma maneira especial, àqueles que se iniciam no estudo do Direito Processual Civil, este trabalho impõe um cuidado especial com a terminologia empregada a fim de facilitar a sua compreensão.

Dessa maneira, cuidou-se de destacar alguns institutos importantes para a compreensão do pensamento central a ser exposto.

2.1 Jurisdição

A jurisdição consiste numa atividade eminentemente intelectual e abstrata do julgador. Semanticamente, corresponde ao ato de dizer o direito: ius dicere.

A atividade jurisdicional não admite qualquer incursão do Poder do Estado na esfera de direitos dos jurisdicionados. Culmina numa decisão de conteúdo estritamente declaratório, limitando-se a adequar o direito ao caso concreto apreciado.

2.2 Execução

Por inúmeras vezes a satisfação dos direitos deduzida em juízo não se limita à mera adequação da lei ao caso concreto. É preciso atingir um segundo degrau para que a pretensão do demandante possa ser atendida. A esse patamar mais elevado convencionou-se chamar execução.

A atividade executiva do Estado pode ser definida como uma série de atos tendentes a agredir a esfera jurídica do executado para a satisfação dos interesses do demandante, quando estes não se limitarem ao plano estritamente intelectual do julgador. [2]

Ao contrário da tutela meramente declaratória, sempre adstrita ao plano abstrato, a execução se perpetua pela ingerência estatal no plano concreto dos direitos do executado. Assim, v. g., por meio da penhora o Estado seleciona um bem de apreciação econômica da esfera patrimonial do demandado para aliená-lo em hasta pública e arrecadar subsídios para pagar o crédito comprovado pelo exeqüente.

2.3 Meios executórios

A atividade executiva do Estado deve se processar de conformidade com um rito pré-estabelecido pelo legislador para coibir eventuais violações desnecessárias dos direitos assegurados ao executado pelo ordenamento jurídico.

Os meios executórios estabelecem, justamente, esse caminho a ser seguido pelo Estado para a satisfação concreta do direito reconhecido ao exeqüente. Consiste, como salienta Araken de Assis, na operacionalização da atividade executiva do Estado. [3]

Os meios, ritos ou procedimentos executórios podem ser seccionados em sub-rogatórios e coercitivos. Os primeiros, prescindindo da atuação do obrigado para a satisfação do direito pleiteado, são, também denominados pela doutrina italiana de execução direta. Os últimos, inevitavelmente operacionalizados pela atividade do executado, foram chamados pelos mesmos doutrinadores de execução indireta.

2.4 Execução em sentido estrito

Assim como a modalidade seguinte, já recebeu tratamento em oportunidade anterior.

É caracterizada pela execução precedida pela existência de um título executivo, judicial ou extrajudicial.

Disciplinada pelo Processo de Execução, é operacionalizada pelos meios executórios delimitados pelo Livro II do Código de Processo Civil.

2.5 Execução em sentido amplo

Ao contrário da modalidade passada, a execução em sentido amplo não está condicionada à prévia existência de um título executivo judicial ou extrajudicial.

A satisfação da pretensão deduzida em juízo poderá ocorrer ainda no curso do Processo de Conhecimento, seja no seu rito comum, seja no especial.

É exemplo bastante marcante da execução em sentido lato, designação também bastante utilizada, a antecipação dos efeitos da tutela, prevista no artigo 273, ou a tutela específica, encartada nos artigos 461 e 461-A, todos do Código de Processo Civil.


3. O PRINCÍPIO DA ORDINARIEDADE E A SEGURbANÇA JURÍDICA

O delineamento da jurisdição e da execução não foi uma simples idéia bem sucedida de um determinado legislador em certa época. Ao revés, é uma construção que vem sendo sedimentada pelo tempo e por diferentes ideologias e concepções sociais.

O seu grande mérito foi, exatamente, o de restringir, após a Revolução Francesa, os poderes do rei absoluto. Elidiu o despotismo monárquico que afligia, acima de tudo, os ideais de liberdade burgueses.

Aliás, tamanho era o repúdio francês ao autoritarismo do Estado de Polícia que, mesmo após a Revolução, a própria imparcialidade do Poder Judiciário restou desacreditada. A tripartição de Poderes não bastou para convencer o francês da segurança jurídica dos direitos individuais que se instaurava. A desconfiança em relação aos juízes da ordem deposta levaram-no a criar o contencioso administrativo ou, como preferem outros, a jurisdição administrativa. [4]

Afastado o extremismo da França, os demais Estados contiveram-se à tripartição proposta por Monstesquieu. No entanto, dentro da própria dinâmica do Poder Judiciário, encontraram novos mecanismos de mitigação dos poderes do julgador. Consigne-se que a França adotou, igualmente, estas mesmas limitações, ainda que já contasse com as da jurisdição administrativa.

As garantias processuais do devido processo legal e o intervalo criado entre as atividades jurisdicionais e executivas são alguns dos reflexos da segurança jurídica pretendida.

Os valores burgueses, representados, principalmente, pela concepção liberal econômica, influenciaram, decisivamente, o pensamento jurídico.

O "deixe fazer, deixe passar" [5] cumulado aos direitos negativos de primeira geração [6] conotaram abominável qualquer ingerência do Estado na esfera jurídica do particular. Assim como a ordem econômica, a jurídica deveria caminhar por si só, sendo o juiz um mero expectador dos conflitos sociais. Caso sua participação fosse necessária, certamente seria convidado a interferir.

Associada à ideologia burguesa "(...) de abstenção do Estado em certas matérias ou domínios da atividade humana (...)" [7], o gosto pela precisão das ciências naturais e exatas, em evidente fase de evolução, bem como o testemunho de busca constante da verdade, contribuíram de maneira inexorável para a cristalização de uma ordem jurídica segura e adequada às finalidades da burguesia.

Nessa ordem de valores, o magistrado, além de manter-se afastado da vida dos jurisdicionados, só poderia intervir nos fatos quando tivesse a certeza absoluta de que a decisão que faria cumprir fosse correta. Não poderia, até por influência da doutrina católica, manifestar-se por meio de uma mera decisão, mas através de um reflexo da verdade, pois somente esta seria justa [8]: "E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará." [9]

A busca da verdade deveria contar com um método jurídico que permitisse ao julgador analisar os fatos sem interferir na dinâmica da ordem jurídica. A esse método chamou-se Processo de Conhecimento.

A atividade do Poder Judiciário, nesse primeiro momento, deveria ficar situada num plano eminentemente abstrato e ensejador de instantes de grande reflexão para o juiz. Quando alcançasse a verdade, poderia emitir uma, dentre três sentenças: a meramente declaratória, apta ao reconhecimento de um fato pretérito; a constitutiva, permitindo a criação, modificação ou extinção de uma relação jurídica, e a condenatória, esta sim capaz de permitir-lhe atuar na esfera jurídica dos direitos patrimoniais dos particulares. [10]

A sentença condenatória se apresentou como o grande instrumento de limitação da ingerência do Estado em relação aos direitos dos indivíduos. Para que o Poder Judiciário pudesse impor o cumprimento da lei por meio de um Processo de Execução, deveria contar com uma prévia sentença condenatória obtida por meio do Processo de Conhecimento.

Surgiu uma ordem de atos na qual primeiro se conhecia da pretensão deduzida para, se se comprovasse a existência do direito subjetivo pleiteado, satisfazê-lo por meio do Processo de Execução. A essa seqüência, de observância obrigatória, Ovídio Araújo Baptista da Silva denominou princípio da ordinariedade. [11]

O Código de Processo Civil de 1.973, citando a construção legislativa brasileira, sob os auspícios do princípio da ordinariedade, arrebatou, de uma maneira geral, todos os meios executórios para o seu Livro II. Só havendo, como regra, há poucos anos, atos de execução quando fosse possível fazer referência ao Processo de Execução.


4. A REFORMULAÇÃO DO PROCESSO À LUZ DO DIREITO MATERIAL

O princípio da ordinariedade e a conseqüente tripartição das ações, bem como a compartimentação dos meios de execução, encontraram guarida e até serviram de reforço à formulação do Direito Processual como ciência.

Durante o auge do Império Romano não se conhecia o Direito Processual como ciência autônoma, sequer se cogitava de reconhecê-lo num plano apartado do direito material. Era a fase do sincretismo na qual existia apenas um procedimento, sendo a ação uma mera conseqüência da violação de um direito material.

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O tempo se esvai. Chega o ano de 1.856. Na Alemanha trava-se a famosa polêmica entre Windscheid e Muther, resultando na conclusão de que o direito de ação deveria ser tratado como um instituto autônomo.

Para Bernardo Windscheid, a actio romana contemplava algumas hipóteses em que não pressupunha a existência de um prévio direito material. Era, portanto, independente em relação a este.

Theodoro Muther, ao contrário, argumentava em prol da manutenção do sincretismo. Toda ação, afirmava, embasava-se num direito subjetivo.

A teoria de Windscheid foi a que prevaleceu.

Paralelamente à discussão acerca da autonomia do direito de ação, Oskar von Bulow propunha a autonomia da relação jurídica processual em relação à material. A sua teoria também foi largamente acatada.

Mais do que discussões pontuais, as teorias da autonomia do direito de ação e da relação jurídica processual implicaram no encerramento da fase sincrética e na abertura da autonomista. [12] Nesta etapa, o Direito Processual é elevado ao patamar de nova ciência.

Tem início um período de euforia jurídica, procurando sedimentar a autonomia alcançada e desenvolver ou incrementar idéias antigas ou novas a respeito das concepções dos institutos abrangidos pela novel ciência.

É nesse período que o princípio da ordinariedade e a tripartição das ações ganham os contornos pretendidos pela burguesia patrocinadora da Revolução Francesa.

Percebeu-se que o até então procedimento de aplicação do direito material poderia servir de embaraço ao exercício desse direito quando pudesse limitar os mecanismos para o seu exercício.

Nessa linha de raciocínio, a cisão entre as atividades de cognição e de execução exercitadas pelo Poder Judiciário representou mais um bom negócio para o burguês detentor dos títulos executivos extrajudiciais.

Limitando-se os juízos sumários, nos quais o juiz poderia conhecer e executar num único processo, a alguns direitos inerentes ao poderil econômico burguês, deferiu-se à maioria da população uma atividade judiciária bifurcada em que primeiro deveria haver jurisdição para, depois, falar-se em satisfação. É o caso, por exemplo, das liminares concedidas nas ações possessórias: muito antes da introdução da tutela antecipada no Livro I do Código de Processo Civil, as liminares possessórias já permitiam aos detentores da posse a satisfação imediata do seu direito material, ameaçado ou violado, prescindindo de qualquer atividade jurisdicional prévia.

Com essa dinâmica, a burguesia, num único ato, ratificava dois de seus desígnios: a limitação do Poder do Estado e o aviltamento do direito material das grandes massas da população.

À passadas largas o Direito Processual deixava de ser um instrumento de aplicação do direito material para se tornar um meio de fazer sobrevaler os anseios da burguesia em relação ao Estado e às camadas menos favorecidas da sociedade. Deixava de existir um Direito Processual para surgir o que José Roberto dos Santos Bedaque chamou de processualismo. [13]

O termo pejorativo designa a preterição do direito material quando da construção de seu instrumento de aplicação.

A fase autonomista mergulha num período de crise. O processualista percebe que o seu objeto de estudo está afastado do alcance da população a que se destina, servindo como simples anteparo de ratificação do poder econômico de uns poucos.

A crítica do processualismo conduziu ao terceiro, e provavelmente último, estágio de evolução da ciência processual, a fase instrumentalista.

Marcada pela aproximação entre o direito material e o processo, propõe uma revisita ao Direito Processual, tratando-o como um instrumento ético a serviço do direito substantivo. [14] A eficácia do instrumento passou a ser medida em função dos benefícios que pudesse trazer ao titular da pretensão protegida pelo ordenamento jurídico material. [15]

Nesta terceira etapa, o jurista, e não apenas o processualista, encontra pontos de estrangulamento entre a matéria e o processo. [16] É o caso dos títulos executivos extrajudiciais [17] ou das condições da ação [18]. A própria lide, constatou-se, parte de uma concepção de direito material, senão não haveria porque solucioná-la no curso de um processo à luz do direito substantivo. E que se vá além: a solução da lide é respaldada pela definição de direito subjetivo. Será vencedor na demanda aquele que se mostrar titular do direito subjetivo em discussão.

O direito subjetivo deve ser entendido como aquela pretensão escolhida pelo legislador no universo dos fatos para prevalecer sobre outra que com ela conflita e é de menor importância. [19]

Na verdade, e que se conclua dessa maneira, a crise da fase autonomista do Processo representa a crise da concepção burguesa de Processo.

O ordenamento não mais pode ser concebido como um instrumento de legitimação das pretensões de uma classe social particularizada. O instrumento deve ser afiado para amparar os interesses de todo o corpo social, adequando-se à nova ordem jurídica à qual se compraz a Constituição cidadã, na feliz expressão de Ulysses Guimarães. [20]

Como diria Cândido Rangel Dinamarco, o processo e a ordem constitucional devem ser estudados através de uma dupla via vetorial, na qual Constituição-processo e processo-Constituição são direções opostas que se completam mutuamente.

Enquanto a via Constituição-processo está direcionada a tutelar, na Constituição, os princípios que devem reger o Direito Processual, o vetor processo-Constituição norteia-se pela proteção processual dos valores constitucionais. No último caso, instaura-se a chamada jurisdição constitucional, direcionada ao controle de constitucionalidade das leis e atos administrativos, bem como à preservação das garantias asseguradas pela Constituição. [21]


5. DA TIPICIDADE DOS MEIOS EXECUTÓRIOS À EXECUÇÃO EM SENTIDO LATO

A tipicidade dos meios de execução sempre representou um adicional à segurança jurídica pretendida pela classe burguesa e uma construção processual adequada à sua filosofia liberal, na qual se valoravam os direitos negativos de primeira geração.

Se a Flávio Luiz Yarshell fosse permitido definir a expressão tipo, certamente, como já o fez em sua obra Tutela jurisdicional [22], diria tratar-se de um modelo.

Nessa linha de pensamento, é admitido sustentar que o Código de Processo Civil, no seu Livro II, Processo de Execução, enumera uma série de modelos, por meio dos quais permite a realização dos direitos subjetivos reconhecidos no Processo de Conhecimento ou declarados em títulos de validade atestada pelo legislador no artigo 585 do mesmo Estatuto. Para alcançar a satisfação do direito, basta apresentar o título executivo a ele referente.

Essa construção legislativa permitiu a alguns teóricos, por muitos anos, sustentar não haver atos de execução alheios ao curso de um Processo de Execução. Existia, apenas, a execução em sentido estrito, i. e., embasada num título executivo.

O advento dos novos direitos de terceira geração conduziu à relativização do posicionamento exposto, especialmente no tocante à execução das obrigações de fazer e de não fazer, pois constituíam o rito mais coerente para a sua realização.

Capitaneados, especialmente, pelo direito à higidez ambiental e à proteção do consumidor, da criança e do adolescente, impunham a desconsideração da tipicidade dos meios executórios, determinando a difusão dos meios executórios por todo o Código de Processo Civil.

Para cumprir tal finalidade, reconheceu-se a necessidade de construção de um meio executório que permitisse a satisfação do direito em momento precedente à sentença.

A dificuldade de se reconstituir um bem ambiental lesado, v. g., não permitia ao operador do direito dar-se ao luxo de obter um título executivo para, só depois, socorrer-se da execução das obrigações de fazer ou de não fazer, previstas no Capítulo III do Título II do Livro II.

A crítica inspirou uma análise cautelosa do Código de Processo Civil, levando à conclusão de que desde a sua criação o princípio da tipicidade dos meios executórios já se encontrava mitigado.

Partindo-se do pressuposto de que a execução consiste na satisfação do direito subjetivo do demandante por meio da ingerência do Estado na esfera jurídica da parte adversa, as diversas formas de antecipação dos efeitos da tutela previstas pelos procedimentos especiais do Livro IV não deixavam de se constituir em meios executórios apartados da execução considerada em seu aspecto estrito. Não só se referiam a meios executórios atípicos, como, também, admitiam a satisfação do direito deduzido em momento antecedente à prolação da sentença.

Paulatinamente, a construção burguesa do Direito Processual foi sendo abandonada e carregando consigo o princípio da ordinariedade, da nulla executio sine titulo, previsto no artigo 583, e, por conseguinte, a teoria da tripartição das ações.

No ano de 1.990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069, e o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078, mostraram-se sensíveis à imperiosidade de se instituir meios executórios que prescindissem de um título prévio para a satisfação do direito pretendido.

O sucesso da execução sem título para a proteção dos direitos coletivos, quatro anos mais tarde, por meio da Lei 8.952, de 13 de dezembro de 1.994, seria estendido ao direito privado por meio da modificação dos artigos 273 e 461 do Código de Processo Civil.

Inseriu-se no Processo de Conhecimento, respectivamente, os institutos da antecipação dos efeitos da tutela e da tutela específica. O último, aprimorado pela Lei 10.444, de 7 de maio de 2.002, objetivava conferir maior eficácia à proteção dos direitos viabilizados por meio da execução das obrigações de fazer e de não fazer tuteladas no plano do direito privado.

Não só uma inovação legislativa, os artigos citados impuseram uma releitura da teoria da classificação das ações até então adotada no Brasil. O Processo de Conhecimento não mais se limitava ao cognoscere, também se prestava à satisfação dos direitos que conhecia.

À tríade das ações eminentemente declaratórias acrescentaram-se outras duas: as ações mandamentais e as ações executivas lato sensu, ambas espécies de execução em sentido lato, sem título.

As primeiras, ações mandamentais, pautam-se pela finalidade de infundir no obrigado a vontade de cumprir, por si mesmo, a obrigação assumida. Para alcançar este objetivo, utiliza-se das coerções física e patrimonial como meios executórios, demonstrando evidente eficácia para a tutela das obrigações puramente infungíveis. É o caso, v. g., da imposição de multa ao pintor famoso inadimplente, para que cumpra a obrigação de confeccionar o quadro encomendado pelo requerente.

As ações executivas lato sensu, em contrapartida, estão vinculadas às obrigações fungíveis ou juridicamente infungíveis. Permitem ao Poder Judiciário, fazendo as vezes do obrigado, dar cumprimento a obrigação por este assumida. O exemplo clássico é o da adjudicação compulsória, aplicável diante da negativa do proprietário em transferir a escritura objeto do compromisso de venda e compra.

A aplicação das novas modalidades de ações executivas, inserindo modelos de satisfação de direitos num processo, até então, eminentemente voltado ao mero conhecimento, conduziu à relativização dos meios executórios, permitindo o acesso imediato à execução, ainda que sem título.

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Sobre o autor
Elvis Donizeti Voltolin

advogado, pós-graduando em Direito Civil e Processual Civil pela Instituição Toledo de Ensino (ITE) em Bauru (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VOLTOLIN, Elvis Donizeti. Execução híbrida. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 485, 4 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5878. Acesso em: 29 mar. 2024.

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