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Sobre a possibilidade de extensão da prestação de serviços por consórcios públicos a entes não consorciados

04/09/2018 às 15:00
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Analisa-se a possibilidade de um consórcio público articular convênio de cooperação e contrato de programa com outros entes da federação, com cobrança de tarifa.

Ab initio, impende considerar que um Consórcio Público, em seu Estatuto, pode apresentar-se sob a forma jurídica de associação civil sem fins lucrativos, regendo-se pelas normas do Código Civil Brasileiro e Legislação pertinente. Tal forma encontra-se possibilitada na Lei 11.107/2005, em seu artigo 1º, §1º, segundo o qual “o consórcio público constituirá associação pública ou pessoa jurídica de direito privado”.  

Inobstante a constitutividade de caráter privado, o normativo sob comento dispõe em seu artigo 6º, §2,º que “no caso de se revestir de personalidade jurídica de direito privado, o consórcio público observará as normas de direito público no que concerne à realização de licitação, celebração de contratos, prestação de contas e administração de pessoal, que será regido pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT”.

O mesmo acha-se contido no Decreto Regulamentar 6.017/2007, no artigo 2º, inciso I.

Assim, importa, com efeito, o atinente à observância das normas de ordem pública quanto à celebração de contratos e convênios, como a situação presente demanda. Assim, partindo-se deste pressuposto, é que a questão suscitada inauguralmente deve ser tratada.

Seguidamente, cumpre mencionar, ainda em caráter vestibular, o fato de que, inicialmente, existem limites de atuação para as finalidades a que se propõe um consórcio público, como vem prescrito no artigo 4º, XII, §1º, I, da Lei 11.107/2005. Por outro lado, uma interpretação literal poderia vir a concluir que o consórcio estaria fechado à circunscrição dos entes consorciados, especificamente se se tratar de consórcio intermunicipal, inexistindo, sob esta ótica, possibilidade de extensão dos serviços prestados a eventuais novos Municípios interessados, ainda que não fosse intenção destes consorciarem-se formalmente, porém tão-só utilizarem-se dos serviços ofertados pelos mesmos.

Em primeiro lugar, frente ao caso sob apreço, frise-se que um consórcio público reclama como finalidades justamente a viabilização de programas de abrangência regional, os quais serão viabilizados mediante a celebração de convênios, contratos e acordos de qualquer natureza.

Ademais, nem poderia haver alguma limitação, afora uma que fosse evidentemente razoável, porque é do espírito mesmo dos Consórcios a promoção de formas de gestão associada de serviços públicos, tal como insculpido no artigo 241 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 

Exemplificativamente, nota-se que se se tratar de Consórcio levado a efeito no âmbito dos serviços públicos de saúde, calha fazer incidir os dizeres encartados na Lei 8.080/1990, a qual dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências, sobremodo ao permitir, no artigo 10 que os Municípios poderão constituir consórcios para desenvolver em conjunto as ações e os serviços de saúde que lhes correspondam.

  Pensar contrariamente à liberdade na gestão associada de serviços públicos seria desconsiderar seu projeto ínsito de universalidade no acesso, bem como afastar o chamado federalismo cooperativo que hoje busca congregar e concertar as forças político-administrativas do Estado em prol da consecução dos fins constitucionais consagrados, como a saúde, educação e bem-estar coletivo.  

Neste diapasão, é a previsão do chamado “contrato de programa”, que vai surgir no artigo 13º da Lei 11.107/2005. Este dispositivo estabelece que o contrato de programa é o instrumento hábil para constituir e regular as obrigações que um ente da federação assumir para com outro ente da federação ou para com um consórcio público, no âmbito da gestão associada de serviços públicos em que haja a prestação de serviço ou a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal ou de bens necessários à continuidade dos serviços transferidos. 

Deduz-se, de imediato, que determinado ente da federação, um Município, por exemplo, pode ser parte numa gestão associada de serviços públicos perante um consórcio público, sem que, para tanto, seja com este consorciado.

Muito embora, o contrato de programa apareça na legislação enquanto instrumento que confere eficácia ao programa instituído no Protocolo de Intenções quando da formação do Consórcio Público ou mesmo nos termos que integram o Convênio de Cooperação, não é impossível, do ponto de vista legal, que o Consórcio celebre referida avença com um Município não consorciado originariamente.

Isso fica bastante claro quando o artigo 14 da Lei 11.107/2005 dispõe que a União poderá celebrar convênios com os consórcios públicos, com o objetivo de viabilizar a descentralização e a prestação de políticas públicas em escalas adequadas.

Neste contexto, se a União pode proceder de tal maneira, lícito é concluir, em atendimento à isonomia e a capacidade autônoma de gestão das municipalidades, que um Município pode contratar com um consórcio de que não faça parte.

A dicção legal fala em descentralização em escalas adequadas – ora, nada mais adequado do que uma descentralização situada conforme a necessidade de um Município integrante de determinada região onde é possível que um Consórcio formado estenda seus serviços especializados, mormente os de saúde.

Como visto, o consórcio público, pela sua natureza, aproxima-se de uma autarquia, integrando a Administração Pública Indireta, do que decorre que não somente os Entes da Administração Direta podem celebrar convênios entre si, mas também, com outros entes da Administração Indireta; o que, aliás, está previsto no §5º do artigo 13 da Lei 11.107/2005.

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Idêntica disciplina aparece no artigo 30 e ss. do Decreto Regulamentar 6.017/2007.

Logo, previsto na legislação é o chamado “Convênio de Cooperação”, a ser celebrado entre o Consórcio e o ente interessado, de maneira prévia e prejudicial, que irá prever os termos gerais da cooperação no domínio da gestão associada de serviço público, cuja efetivação e especificação deverá ocorrer, em ato-contínuo, por intermédio da celebração de “Contrato de Programa”, onde serão delimitados todos os aspectos e condições da cooperação.

Tal instrumento jurídico vem como melhor resposta à possibilidade associativa dos Entes de Federação entre si, de sorte que sua estrutura prevê condições igualitárias e paridade na gestão associada dos serviços, diferentemente do que acontecia no domínio dos contratos administrativos de concessão de serviço público onde o Poder Concedente sempre teria em seu poder prerrogativas – chamadas leoninas – superiores àquele ao qual era concedida a prestação dos serviços.

O Contrato de Programa, pois, somente existe após a feitura de um Convênio de Cooperação, que, por sua vez, deverá ocorrer a partir de autorização legislativa por parte do Município contratante/conveniado (cf. Decreto Regulamentar 6.017/2007, art. 31, §4º), permitindo a gestão associada de serviços públicos, bem como, após elaborada a minuta do Convênio de Cooperação e do Contrato de Programa, deverão ser submetidos à exame e aprovação da assessoria jurídica da Administração Contratante.

Em contraprestação, pode-se instituir a cobrança de retribuição de caráter pecuniário, que, segundo a dicção legal, trata-se de hipótese de instituição de tarifa, consoante Lei 11.107/05.

As regras para elaboração do Convênio de Cooperação e do Contrato de Programa estão tanto na Lei 11.107/2005 quanto no Decreto Regulamentar 6.017/2007, que o colocam enquanto condição de validade para a assunção de quaisquer obrigações entre entes da Federação.

Por derradeiro, vale mencionar que é dispensável a licitação na celebração de contrato de programa com ente da Federação ou com entidade de sua administração indireta, para a prestação de serviços públicos de forma associada nos termos do autorizado em contrato de consórcio público ou em convênio de cooperação, conforme preceitua o artigo 24, inc. XXVI da Lei 8.666/1993.

Portanto, em conclusão, tem-se que é possível a extensão dos serviços à ente não consorciado. Os instrumentos jurídicos são o Contrato de Cooperação, que conterá as cláusulas gerais da cooperação, e, ato-contínuo, o Contrato de Programa, que disciplinará de forma minuciosa os direitos e obrigações recíprocos envolvidos na Cooperação e na prestação dos serviços públicos. Ambos os documentos deverão ser ratificados pelos entes, após dispensa de licitação pelo Ente contratante e exame de aprovação pela assessoria do mesmo, dos documentos.

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Sobre o autor
Luiz Felipe Nobre Braga

Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas; Advogado; Consultor e Parecerista; Professor de Direito Constitucional e Lógica Jurídica na Faculdade Santa Lúcia em Mogi Mirim-SP; Professor convidado da pós-graduação em Direito Processual Civil e no MBA em Gestão Pública, da Faculdade Pitágoras em Poços de Caldas/MG. Autor dos livros: "Ser e Princípio - ontologia fundamental e hermenêutica para a reconstrução do pensamento do Direito", Ed. Lumen Júris, 2018; "Direito Existencial das Famílias", Ed. Lumen Juris-RJ, 2014; "Educar, Viver e Sonhar - Dimensões Jurídicas, sociais e psicopedagógicas da educação pós-moderna", Ed. Publit, 2011; e "Metapoesia", Ed. Protexto, 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA, Luiz Felipe Nobre. Sobre a possibilidade de extensão da prestação de serviços por consórcios públicos a entes não consorciados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5543, 4 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58780. Acesso em: 12 out. 2024.

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