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A reforma da previdência como política pública de desoneração do Estado

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23/07/2017 às 15:00
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As Propostas da PEC nº 287/2016

Precipuamente, na análise de política pública aqui engendrada, pretende-se fixar como variável independente o governo em ação, ou seja, a reforma previdenciária tal como intentada na PEC nº 287/2016, em contraste com as mudanças e os cursos que se almeja alcançar, isto é: as variáveis dependentes a serem testadas em relação ao objetivo de recuperação da poupança pública.

         Muito embora não haja um consenso de que a atual estrutura previdenciária tenha parte na crise econômico-financeira atual, estipula-se que as mudanças demográficas, por conta da elevação da qualidade de vida, da redução da taxa de natalidade e do aumento da expectativa de sobrevida, tenham ocasionado o envelhecimento populacional, com o consequente aumento da quantidade de beneficiários do sistema e comprometimento orçamentário estatal. 

            Importa consignar que não se examinará outros recursos de contenção orçamentária da Previdência Social já previstos na Constituição por outras Emendas como a instituição da Previdência Complementar e o abono de permanência, porquanto se limitará o objeto do presente artigo às novas disposições veiculadas pela PEC nº 287/2016. Estabelecidas essas premissas, podemos apontar algumas medidas pretendidas pela Reforma da Previdência, entre elas:

  1.             Igualar os requisitos de idade e tempo de contribuição para homens e mulheres;
  2.             Igualar a idade mínima dos trabalhadores urbanos e rurais;
  3.             Instituir uma cobrança individual mínima e periódica para o segurado especial;
  4.             Fixar uma idade mínima obrigatória para a aposentadoria voluntária obrigatória de homens ou mulheres, aplicável ao RGPS e ao RPPS;
  5.             Uniformização do tempo de contribuição e idade exigidos para a aposentadoria voluntária, com elevação da idade mínima;
  6.             Extinção das aposentadorias especiais das atividades de risco como a carreira policial e dos professores;
  7.             Aplicação obrigatória do teto de benefícios do RGPS aos RPPS;
  8.             Uniformização do rol de dependentes de todos os regimes de previdência social;
  9.             Vedação do cômputo de tempo ficto para concessão de aposentadoria no RGPS;
  10.             Irreversibilidade de cotas dos demais beneficiários de pensão por morte entre si em todos os regimes[23];
  11.             Vedação de acúmulo de pensão por morte com aposentadoria por qualquer beneficiário ou de duas pensões por morte, pelo beneficiário cônjuge ou companheiro, oriundas de qualquer regime previdenciário;
  12.             Alteração do piso do Benefício de Prestação Continuada (BPC), bem como o cômputo da renda integral de cada membro familiar e o estabelecimento de graus de deficiência para a apuração do valor devido[24].

Em contrapartida, espera-se que essas medidas contribuam para a sustentabilidade dos planos previdenciários, com o fito de garantir a implementação de outras políticas públicas de responsabilidade dos Estados e Municípios, que restam onerados em seus orçamentos com despesas com a Previdência Social. A mais, intenta-se respeitar a taxa de reposição, isto é, manter a proporção entre o que a Previdência Social recebe enquanto o segurado está em atividade, com o que lhe será pago na inatividade, a despeito de se manter o sistema de repartição comum.

Paralelamente, a Reforma da Previdência se esforça para impedir a migração do sistema previdenciário para o sistema assistencialista, de maneira que o valor pago pelo BPC deverá ser diferenciado do piso previdenciário, sobretudo porquanto seu objetivo é promover o mínimo existencial, evitando o estado de miserabilidade, sem a intenção de preencher os direitos sociais previstos na cabeça do artigo 6º da Constituição, tal qual o salário mínimo.

Soma-se a isso o aumento da idade para a aposentadoria voluntária para 65 anos, cumulado com a exigência de 25 anos de contribuição, de sorte a elevar o tempo de contribuição[25], com o objetivo de reequilibrar as contas públicas. Na EMI nº 140/2016 MF[26], nos parágrafos 17-19, explica que

17. Um dos argumentos para a manutenção da aposentadoria por tempo de contribuição é o de que alguns trabalhadores ingressam no mercado de trabalho muito jovens e que, portanto, contribuem por mais tempo, expostos a maior desgaste pela atividade laboral, devendo ser compensados por isso. 18. Esse argumento, contudo, deve ser relativizado, pois a experiência brasileira vem demonstrando que os trabalhadores que conseguem atingir 35 anos de contribuição mais cedo são justamente aqueles que são mais qualificados e ocupam posições com maior remuneração e melhores condições de trabalho, possuindo maior estabilidade ao longo de sua vida laboral. Os trabalhadores menos favorecidos tendem a entrar mais cedo no mercado de trabalho, mas submetidos a um nível maior de informalidade, além de sofrerem mais com a sua instabilidade. Assim, os trabalhadores de menor renda acabam se aposentando por idade, benefício que requer menos tempo de contribuição. 19. Paralelamente, o tempo de contribuição é um fator relevante, não como critério exclusivo de aquisição do direito à aposentadoria, mas para fins de cálculo do benefício, estimulando-se o maior tempo de contribuição para recebimento de um benefício de maior valor. Assim, sem prejuízo de fixar uma idade mínima para concessão do benefício, a proposta de Emenda mantém o tempo de contribuição como relevante critério para apuração do valor do mesmo.

Além dessas modificações, pode-se citar a criação de uma fórmula[27] de adequação automática dos benefícios previdenciários e assistenciais às mudanças demográficas futuras, para efetivar a reforma previdenciária de forma transparente, permanente e objetiva. Então, acrescentar-se-ia um ano a idade mínima para aposentadoria voluntária, caso houvesse aumento da expectativa de sobrevida da população brasileira acima de 65 anos, em comparação à média apurada no ano de promulgação da PEC.

Assim, a PEC nº 287/2016 anuncia a transferência da competência para processar e julgar as causas previdenciárias decorrentes de acidente do trabalho da Justiça Estadual para a Justiça Federal, assim como prevê que o caso julgado formado na Justiça Trabalhista ostenta efeitos previdenciários[28].

Em seguida, em relação ao trabalhador rural, prevalece um painel de desequilíbrio entre arrecadação e despesas com benefícios rurais, porquanto a diminuição de receitas devido ao menor período contributivo corresponde ao aumento de despesas, visto que a antecipação fomenta um maior período de pagamento de benefícios. A Reforma propõe, portanto, a substituição do modelo de recolhimento previdenciário sobre o resultado da comercialização da produção pela adoção de uma alíquota favorecida sobre o salário mínimo, o que, de seu turno, assegura a comprovação do trabalho rural, evitando a judicialização excessiva experimentada pelos Tribunais Regionais Federais.

    Por fim, a Proposta alvitra interditar a prática de desvinculação das receitas do orçamento da seguridade social para outra finalidade, e estabelece restrições às transferências voluntárias em caso de descumprimento pelos entes parciais das normas gerais de organização e funcionamento do regime de previdência social próprio aos servidores públicos[29].


Texto Substitutivo à PEC nº 287/2016

De outro giro, o texto substitutivo já reflete algumas concessões do jogo democrático em dinâmica, tais como a diferenciação entre a idade mínima da aposentadoria voluntária da mulher e do homem, sendo aquela reduzida para 62 anos, mantido o tempo de contribuição mínimo. Em adendo, a antiga fórmula de cálculo do benefício com base em 51% da média dos salários recebidos pelo segurado desde 1994[30], com o acréscimo de 1% por ano de tempo de contribuição foi substituída por 70% da média, somada com três índices diversos, quais sejam: (i) 1,5 (para cada ano que superar 25 anos de contribuição); (ii) 2,0 (para o que superar 30 anos); (iii) 2,5 (para o que superar 35 anos até o limite de 100%). Importa assinalar que, na órbita previdenciária, essa nova fórmula se cálculo se estendeu para todos os tipos de aposentadoria.

De outra banda, impende enfatizar que ao trabalhador rural, sob regime de economia familiar, a aposentadoria se daria aos 60 anos de idade, se homem; e, aos 58 anos de idade, se mulher, ambos com carência mínima de 20 anos, retornando à diferenciação em relação ao trabalhador urbano, sendo os mesmos requisitos para aposentadoria por idade de pessoa com deficiência[31]. Convém notar que a contribuição sobre o salário mínimo com alíquota favorecida permanece na reforma, caso não haja comercialização da produção rural. [32].

Conquanto existam alterações pontuais às regras de transição de regime, o ponto nodal do texto substitutivo reside no fim da fórmula automática de reajustamento da idade mínima para aposentadoria[33], na medida em que a Lei, submetida a novo debate democrático, deverá reger a relação entre o aumento da idade em comparação ao aumento da sobrevida, com respaldo nos dados das Projeções Populacionais do IBGE e na fase final do bônus demográfico[34].

 Especial relevo, como já externado anteriormente, o texto substitutivo voltou atrás na extinção da aposentadoria especial dos professores[35]. Quanto às atividades prejudiciais à saúde[36], o texto em apreço manteve o mote da vedação à categorização por ocupação, ao passo que reduziu para 55 anos de idade mínima e 15 anos de contribuição no RGPS e 20 anos no RPPS. Antes, a Reforma albergava a ideia de que a aposentadoria de pessoas com deficiência e de atividades prejudiciais à saúde só poderiam ter redução de 10 anos na idade e 5 anos na contribuição, mercê de uma suposta banalização do instituto[37].

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Em adição, a aposentadoria dos policiais, antes fixada em 65 anos[38], restou por ser definida em sede de Lei Complementar, no patamar igual ou superior a 55 anos, mantendo o tempo de contribuição em atividade estritamente policial e alterando a forma de cálculo, conforme já explicitado no primeiro parágrafo deste tópico. Não para por aí, a pressão popular e de outros círculos sociais conseguiu o retorno da vinculação da pensão por morte ao salário mínimo, com o aumento da cota para 80% e a previsão de reversibilidade aos demais beneficiários[39].

A partir do exposto, vale dizer que voltou à pauta governamental o tema da vinculação dos benefícios assistenciais ao salário mínimo, bem como o tema da redução da idade mínima do idoso ou da pessoa com deficiência de 70 anos para 68 anos[40]. Além disso, traz a previsão de que não se computarão na renda per capita aferida para fins de gozo do benefício os tributos incidentes sobre os rendimentos de cada membro do grupo familiar.

Nesse quadro, muitas medidas foram mantidas como a discricionariedade da Administração no oferecimento do abono de permanência aos seus servidores e a obrigatoriedade de vinculação dos detentores de mandato eletivo ao RGPS. Obviamente, deverá sempre haver o respeito ao direito fundamental à segurança jurídica e ao direito adquirido, contudo, a interpretação da extensão desses direitos e seu conjunto formativo entram no debate da Reforma da Previdência.

Em sendo assim, os lobbys dos burocratas ainda lançam mão da fachada ou interpretação extensiva dos direitos adquiridos e da segurança jurídica para defender a manutenção dos seus interesses, talvez motivo pelo qual o limite do teto do RGPS continua inaplicável[41] àqueles que não aderiram ao regime e ingressaram no serviço público antes da EC nº 41/2003, a qual só vigorou em 2013 consoante os ditames da Lei nº 12.618/2012 no âmbito do executivo federal. Seria ingenuidade considerar que esse dispositivo não passaria por alterações, em caso de apropriada janela de oportunidades. 

Pontualmente, a Emenda Substitutiva Global à PEC nº 287/2016 objetivou fomentar a formalização do trabalho e a importância do investimento. Paralelo a isso, o texto substitutivo trouxe um rol novo de direitos já implícitos na Constituição, o que é bem-vindo, ao mesmo tempo em que se transvestiu de poder constituinte originário e declamou a irreversibilidade dos direitos ali preconizados pelo poder reformador, o que é de duvidosa constitucionalidade, a não ser por uma inclusão no rol das cláusulas pétreas, debate no qual não se entrará. Veja-se:

Art. 1º A Constituição passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 5º (...) LXXIX. A todo trabalhador é garantida cobertura previdenciária. LXXX. É vedado o retrocesso de direitos sociais. LXXXI. É vedada a quebra do contrato social. LXXXII. A todos é garantido o bem-estar social e o mínimo existencial como direitos fundamentais.

Art. 19. Não poderá o legislador, mesmo sob o poder reformador da Constituição, retirar direitos estabelecidas na presente Emenda Constitucional referentes à concessão dos benefícios previdenciários dos Regimes Próprios de Previdência Social – RPPS e do Regime Geral de Previdência Social – RPGS ou restringir sua proteção em período inferior a 20 (vinte) anos, a contar da publicação desta Emenda, em respeito aos princípios da segurança jurídica, da confiança legítima e da vedação do retrocesso social.

Visto isso, impende assinalar que o texto substitutivo expande o acréscimo de 25% ao valor de todas as aposentadorias, em caso de necessidade de assistência permanente[42], veda a concessão de remissão ou anistia de dívidas fiscais relativas às contribuições sociais que financiam a Previdência Social[43], prevê a criação de um fundo poupador[44] em caso de superávit e impõe a criação de uma auditoria pública[45] da Seguridade Social e da dívida pública nacional a fim de assegurar a manutenção do equilíbrio financeiro-atuarial e garantir o pagamento dos benefícios.

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Sobre o autor
Lucas Medeiros Gomes

Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ex-Especialista em Regulação na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Ex-Defensor Público Federal. Juiz Federal Substituto no Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Lucas Medeiros. A reforma da previdência como política pública de desoneração do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5135, 23 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58791. Acesso em: 28 mar. 2024.

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