Artigo Destaque dos editores

A ingerência dos meios de comunicação na prisão preventiva

Exibindo página 2 de 8
16/07/2017 às 11:20
Leia nesta página:

2 A INEXISTÊNCIA DE PRAZOS LEGAIS CLAROS E OBJETIVOS PARA A IMPOSIÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA 

A restrição da liberdade, mesmo que de forma cautelar, causa repercussão em vários direitos do suposto agente delituoso e também à sua vida no meio da sociedade, não afetando apenas a sua liberdade.

Além de afligir sua qualidade de vida, sua dignidade humana e o conceito que ostenta perante o meio social em que se encontra inserido, também traz repercussões negativas à sua integridade física e intelectual, eis que não apenas é privado de seu direito de ir e vir, mas também é enclausurado no ambiente extremamente hostil, como é notório, representado pelas penitenciárias brasileiras.

Neste contexto, é preciso observar as garantias a que faz jus este cidadão até então inocente, porque ainda não condenado, tendo em vista que o ordenamento jurídico pátrio é embasado no princípio da presunção de inocência.

Dentre os pontos que devem ser observados para a garantia da dignidade da pessoa humana do, em tese, infrator, está a duração desta medida excepcional de privação de liberdade de locomoção.

É preciso, de um lado, considerar os fundamentos autorizadores da prisão cautelar e, de outro, levar em conta as garantias estabelecidas pela Constituição Federal, a qual impõe limites ao Estado, com o fim de evitar arbitrariedades e injustiças que podem ser perpetradas por quem detém o poder jurídico neste país.

A Carta Maior protege seus cidadãos, ainda considerados inocentes, pois ainda investigados, de sofrimento desproporcional, impedindo que fiquem esquecidos pelos entes estatais dentro dos estabelecimentos carcerários brasileiros até que sejam definitivamente julgados.

Para tanto, a custódia é admitida pela Lei Superior em face da ponderação entre os princípios garantidores dos direitos dos cidadãos ligados à sua liberdade e dignidade em face das necessidades sociais de controle e de apuração das infrações, para que seja estabelecida o máximo de ordem possível.

Como é amplamente sabido, no entanto, a “justiça é lenta”, o processo demora para se desenrolar e chegar ao seu termo final e o acusado permanece encarcerado tendo seus direitos violados.

Até que ponto isso não torna a prisão cautelar uma medida inconstitucional, por violar os direitos do suposto infrator?

Para evitar a inconstitucionalidade da custódia, portanto, surgem as diversas formas de controlar, também, a atuação estatal, com a finalidade de limitar o lapso temporal que o imputado poderia permanecer constrito durante a persecução penal, seja na fase de inquérito, seja na fase processual.

E é neste ponto que se admite a concessão da ordem de habeas corpus, com a finalidade de relaxar a prisão ilegal, em razão do excesso de prazo para a formação da culpa do suposto agente delituoso.

O problema é que o Código de Processo Penal não traz o prazo máximo que o constrito pode permanecer com seu direito à liberdade maculado.

Isso acarreta grave insegurança jurídica, eis que o suposto autor do injusto e sua defesa desconhecem previamente o tempo de duração do cárcere provisório.

Este lapso temporal, portanto, está diretamente atrelado a critérios subjetivos do julgador.

 Dispõe Delmanto Junior que a ausência de prazo “abre espaço para interpretações elásticas e discricionárias, não conciliáveis com o dever estatal de prestação jurisdicional certa e segura”.[14]

O mesmo autor continua sua exposição afirmando que “o ideal seria que a lei ordinária estipulasse prazos claros e peremptórios de duração da prisão cautelar, que abrangessem toda a instrução e o julgamento, com limitadas e objetivas hipóteses de dilação, restringindo-se a arbitrariedade judicial”[15].

É inadmissível, em um Estado Democrático de Direito, regido pelo princípio da reserva legal e da presunção da inocência, a aceitação de prazos decorrentes do arbítrio do magistrado, os quais tendem a variar de acordo com a sua conveniência caso a caso.

Vale analisar o ordenamento jurídico de alguns países europeus, nos quais, preocupada em proteger a sociedade contra a discricionariedade do juiz, a legislação prevê os prazos máximos da custódia preventiva, além de exigir revisões periódicas dos fatos que a determinaram, evitando possíveis excessos na sua utilização.

A Espanha considera a pena em abstrato para estabelecer o prazo máximo da medida cautelar, podendo durar até um ano, se a reprimenda atribuída ao crime não ultrapassar três anos, e até dois anos, se ultrapassar, prorrogada até seis meses, no primeiro caso, e dois anos, no segundo.

Na Alemanha, determina-se que a prisão provisória não exceda a seis meses, salvo se a complexidade do caso justificar prazo maior.

Em Portugal, da mesma forma, os fundamentos que ensejaram a restrição devem ser revisados a cada três meses, além de não ser admissível a permanência do imputado em cárcere se em até dois anos não houver ocorrido o trânsito em julgado, salvo, também, se a gravidade do crime autorizar a continuidade da medida excepcional.[16]  

  A omissão do legislador brasileiro sobre essa importante matéria ofende princípios constitucionais, porquanto desrespeita o acusado, propiciando encarceramentos provisórios infinitos.

Ademais, acarreta o esquecimento de muitos cidadãos em nossas penitenciárias, ocasionando excessivo sofrimento ao sujeito, que, segundo a Magna Carta, é considerado inocente até prova em contrário.

Segundo notícia divulgada pelo site da Folha de São Paulo em 26 de julho de 2009, o Conselho Nacional de Justiça teria descoberto o que considerava ser, à época, um dos casos mais graves da história do Judiciário no país: o lavrador V. R. A., com 42 anos, teria passado quase 11 (onze) anos preso no Espírito Santo sem nunca ter sido julgado. Acusado de ter praticado um homicídio em 1998, V. R. A. teria passado por quatro presídios e não teve direito de sair da prisão nem mesmo para o enterro da mãe, em 2007. O lamentável caso confirma um dos maiores problemas da prisão preventiva no ordenamento pátrio: sua indeterminação temporal. Impera, no processo penal comum brasileiro, absoluta indeterminação acerca do prazo de duração da prisão preventiva, que passa a assumir contornos de verdadeira pena antecipada. Isso porque, ao contrário da prisão temporária, que possui prazo prefixado, o Código de Processo Penal não prevê o prazo determinado para a duração da prisão preventiva. Assim, a prisão preventiva, cuja natureza cautelar deveria revelar a característica da provisoriedade, acaba por assumir caráter de verdadeira prisão definitiva.[17]

Como já ventilado neste trabalho, a prestação jurisdicional em nosso país é extremamente morosa, em razão da alta quantidade de processos aglomerados dia após dia nas prateleiras de nossos tribunais, juntamente com a falta de estrutura do Poder Judiciário para analisá-los de forma célere.

O aparelhamento estatal em estado deficitário, conforme se apresenta no Brasil, traz prejuízos, pois deixa a desejar quando se trata de investigação e julgamento das condutas delituosas.

Não podemos transferir ao réu o encargo de suportar tal carência, que é de responsabilidade do Estado.

Para mudar essa triste realidade, na qual o arbítrio da autoridade jurisdicional impera, deve o legislador determinar os prazos máximos para o encarceramento provisório, pois, apesar de todas as garantias constitucionais existentes, é o preceito legal que impõe, com eficiência, os limites aos poderes estatais de interferência nos direitos individuais dos cidadãos.

Conforme vem ocorrendo com frequência neste país (não apenas no referente ao prazo de duração da prisão preventiva), o legislador tem sido omisso em sua atividade típica em diversas áreas.

E, como ao juiz não é dado se desincumbir de sua função de julgar nem mesmo quando ausente norma para o caso concreto, coube aos magistrados o empenho na busca de uma resposta para esta lacuna legislativa.

Assim, na desesperada tentativa de uniformizar a jurisprudência, os tribunais têm criado parâmetros em seus julgados, para definir o lapso temporal máximo aceito para a duração da constrição provisória de liberdade.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Respondendo a isso, a doutrina também trouxe suas delimitações quanto ao prazo para a prisão cautelar:

Com o novo procedimento comum ordinário (Lei n.º 11.719/08), aplicável quando o crime tiver sanção máxima igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade (CPP, art. 394, § 1º, inciso I), a contagem do prazo para o encerramento do processo criminal quando o acusado estiver preso foi sensivelmente alterada, podendo variar entre 95 (noventa e cinco) e 190 (cento e noventa) dias. É bom esclarecer que, de modo semelhante ao que se dava com a construção pretoriana da contagem do prazo de 81 (oitenta e um) dias, não levamos em consideração as prazos relativos à movimentação cartorária. [...] Quanto à 1ª fase do procedimento do Tribunal do Júri (judicium accusationis), o prazo pode variar entre 100 (cem) e 120 (cento e vinte) dias, na Justiça Estadual e Federal, respectivamente. [...]Quanto à 2ª fase do procedimento do júri (judicium causae), diante da ausência de prazo expresso em lei para o julgamento em plenário do acusado já pronunciado, pode-se estabelecer uma presunção relativa de excesso de prazo caso o julgamento não seja realizado no prazo de 6 (seis) meses contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia, aplicando-se aí o prazo previsto para o desaforamento (CPP, art. 428, caput, com redação determinada pela Lei n.º 11.689/08).[18]

Diante disso, na tentativa de atender aos princípios constitucionais, a doutrina e a jurisprudência se esforçam ao máximo no sentido de determinar os paradigmas a serem seguidos no referente aos lapsos temporais máximos a que está sujeita a custódia cautelar preventiva.

Contudo, a força representada pela jurisprudência e pela doutrina não é a mesma que a da lei.

Os instrumentos voltados a assegurar a uniformização jurisprudencial, neste país, ainda engatinham, motivo pelo qual os lapsos temporais máximos estabelecidos pela doutrina e pelos tribunais são frequentemente relativizados, sob o fundamento da complexidade do caso ou da quantidade de réus, o que, inevitavelmente, sujeita o encarcerado à discricionariedade do julgador e acaba por acarretar insegurança jurídica.

Neste sentido:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. FALSA IDENTIDADE. CORRUPÇÃO ATIVA. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO. IMPROCEDÊNCIA. FEITO COMPLEXO. PLURALIDADE DE RÉUS. DIVERSAS CARTAS PRECATÓRIAS EXPEDIDAS. DIVERSOS PLEITOS DE REVOGAÇÃO DA PRISÃO ANALISADOS. NECESSIDADE DE LAUDOS TÉCNICOS. VÁRIOS E COMPLEXOS APARELHOS ELETRÔNICOS. RECURSO DESPROVIDO.

I - A prisão cautelar deve ser considerada exceção, já que, por meio desta medida, priva-se o réu de seu jus libertatis antes da execução (provisória ou definitiva) da pena. É por isso que tal medida constritiva só se justifica caso demonstrada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal (precedentes).

II - O prazo para a conclusão da instrução criminal não tem as características de fatalidade e de improrrogabilidade, fazendo-se imprescindível raciocinar com o juízo de razoabilidade para definir o excesso de prazo, não se ponderando a mera soma aritmética dos prazos para os atos processuais (precedentes).

III - In casu, malgrado o atraso na instrução criminal, ele se justifica, tendo em vista a complexidade do feito, com a persecução penal de 4 réus, tendo sido expedidas diversas cartas precatórias e apreciados 3 pedidos de revogação da prisão, além da necessidade de se realizar perícia em diversos e complexos aparelhos eletrônicos apreendidos na posse do ora recorrente, provavelmente utilizados para o cometimento de ilícitos penais, razão pela qual não se vislumbra, por ora, configurado constrangimento ilegal suscetível de concessão de writ.

Recurso ordinário desprovido.[19]

Portanto, ante a inexistência em lei de prazos certos e peremptórios de duração da constrição preventiva, impera a subjetividade do julgador na análise do caso concreto, o que causa grande insegurança jurídica aos jurisdicionados.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CECHINEL, Liliana. A ingerência dos meios de comunicação na prisão preventiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5128, 16 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58882. Acesso em: 25 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos