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A ingerência dos meios de comunicação na prisão preventiva

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16/07/2017 às 11:20
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5 CASO RECENTE SOBRE A APLICAÇÃO DE PRISÃO CAUTELAR A SENADOR

No dia 25 de novembro de 2015, o Supremo Tribunal Federal decretou a prisão do Senador Delcídio do Amaral.

Para contextualizar, imprescindível é a descrição da conduta imputada ao Parlamentar:

O Senador, em conjunto com os demais investigados, estariam tentando convencer o ex-diretor Internacional da Petrobras, Nestor Cerveró (um dos réus na Lava Jato), a não assinar acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal. Isso porque Cerveró iria delatar crimes que teriam sido praticados por Delcídio e Esteves.

Em troca de seu silêncio, o Senador e o banqueiro teriam oferecido o pagamento de uma quantia mensal em dinheiro à família de Cerveró. Além disso, o Senador teria também prometido fazer lobby junto aos Ministros do STF para que estes concedessem liberdade a Cerveró e, em seguida, com o réu solto, o parlamentar iria facilitar a fuga do ex-diretor da Petrobras para a Espanha, país do qual também tem cidadania. Foram realizadas pelo menos quatro reuniões para tratar sobre a proposta e o plano de fuga. Nestas reuniões, participavam, além do Senador, o assessor parlamentar, o advogado de Nestor Cerveró e seu filho (Bernardo Cerveró). Ocorre que Nestor Cerveró já estava decidido a fazer o acordo de colaboração premiada e não confiava na proposta do Senador. Por isso, seu filho (Bernardo Cerveró) gravou as conversas e as propostas que foram feitas e as entregou ao Ministério Público. Bernardo entregou também vídeos, conversas trocadas por e-mail e por whatsapp.[29]

O art. 53, § 2º, da Constituição Federal prevê que “desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável”.

O mesmo dispositivo ainda acrescenta: “Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão”.

Pela literalidade do texto citado, um Senador somente poderá ser preso, antes da condenação definitiva em caso de flagrante de crime inafiançável.

Isso se dá em razão da imunidade formal que possui o parlamentar em relação à sua prisão.

Conforme bem explicam os doutrinadores Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino:

Por força dessa imunidade formal, desde a diplomação, o parlamentar não poderá mais ser vítima de qualquer tipo de prisão penal ou processual – prisão temporária, prisão em flagrante, por crime afiançável, prisão preventiva, prisão por pronúncia ou prisão por sentença condenatória recorrível –, tampouco de prisão civil por dívida nas hipóteses admitidas pelo art. 5º, inciso LXVII, da Constituição – inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e depositário infiel. [...] Alertamos que essa impossibilidade de prisão do parlamentar o protege não só em relação aos crimes praticados após a diplomação, mas, também, em relação aos crimes praticados em data anterior a esta. Assim, se, em data anterior à diplomação, o indivíduo havia cometido certo crime e estava respondendo por ele perante a justiça comum, com possibilidade de ser preso, com a expedição de sua diplomação a prisão não poderá mais ser determinada pelo Poder Judiciário, em respeito ao art. 53, § 2º, da Constituição.[30]

Conforme visto, por ocasião da imunidade formal, desde a ocorrência da diplomação, o Deputado ou Senador não poderá mais sofrer qualquer tipo de restrição à sua liberdade de locomoção, seja ela de natureza penal ou processual (segregação temporária, recolhimento em flagrante, por crime afiançável, prisão preventiva, custódia por pronúncia ou por sentença condenatória recorrível), nem mesmo prisão civil por dívida, nas situações em que o art. 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal (inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia) autoriza.

Isso leva à conclusão de que o parlamentar não poderia, apenas com base na lei, ser preso preventivamente.

Ainda de acordo com os mesmos autores:

A única situação em que se admite a prisão do parlamentar é a de flagrante de crime inafiançável. Mas, mesmo nesse caso, a manutenção da sua prisão dependerá de autorização da Casa Legislativa, e não da vontade do Poder Judiciário. Com efeito, determina a Constituição que, no caso de prisão em flagrante por crime inafiançável, os autos deverão ser remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão. A manutenção da prisão dependerá, então, de formação de culpa pela Casa Legislativa, pelo voto ostensivo e nominal da maioria de seus membros (maioria absoluta). Se a Casa Legislativa não autorizar a formação de culpa, o parlamentar será posto em liberdade, independentemente da gravidade de sua conduta criminosa.[31]

Do trecho citado, é possível considerar que a única situação em que se admite a restrição de liberdade de parlamentar é a de flagrante de crime inafiançável. E, mesmo neste caso, a manutenção de sua restrição de liberdade ficará condicionada à autorização da Casa Legislativa, e não à vontade do Poder Judiciário.

Por isso, segundo a Constituição, no caso de prisão em flagrante por crime inafiançável, os autos deverão ser remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.

A manutenção da medida dependerá, então, de formação de culpa pela Casa Legislativa, pelo voto da maioria absoluta de seus membros. Se a Casa Legislativa não autorizar a formação de culpa, o parlamentar será posto em liberdade, independentemente da gravidade de sua conduta criminosa

Prerrogativas conferidas pela Carta Magna, as imunidades parlamentares servem para que os beneficiários Deputados e Senadores exerçam o mandato com liberdade e independência.

Na situação em análise, segundo o Ministério Público, o Senador Delcídio do Amaral e as demais pessoas investigadas teriam praticado, em tese, dois crimes: a) integrar organização criminosa (conduta descrita no art. 2º, caput, da Lei n.º 12.850/2013); e b) embaraçar investigação envolvendo organização criminosa (injusto tipificado no art. 2º, § 1º, da Lei n.º 12.850/2013).

O Supremo Tribunal Federal entendeu que estes delitos configuram crimes permanentes e, portanto, estava o Senador em situação de flagrância.

A doutrina confirma o estado de permanência, na medida em que até o momento da constrição estava o parlamentar integrando organização criminosa: “Infração permanente, a sua consumação se protrai enquanto não cessada a permanência. Isso significa que o agente pode ser preso em flagrante delito enquanto não desfeita (ou abandonar) a associação (art. 303 do CPP)”.[32]

Contudo, para o fim de determinar a prisão em flagrante, ainda era necessário serem estes injustos inafiançáveis, conforme limita a Constituição Federal no artigo mencionado no início deste item.

Por isso, a Corte Suprema declarou que, por estarem presentes elementos que autorizariam a constrição preventiva, não seria possível a concessão de fiança, caracterizando caso de conduta típica inafiançável, portanto.

Baseou-se o Tribunal no art. 324 do Código de Processo Penal, em seu inciso IV, o qual declara que “Não será igualmente concedida a fiança [...] IV – quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312)”.

Portanto, este inciso estabelece que, mesmo o delito não estando previsto no rol de crimes absolutamente inafiançáveis (racismo, tortura, tráfico ilícito de drogas, terrorismo, crimes hediondos, crimes cometidos por ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático), não poderá receber fiança por circunstâncias concretas verificadas no curso do processo, as quais preenchem os requisitos autorizadores da decretação de prisão preventiva.

Mas, como é sabido, o art. 310 do Código de Processo Penal deixa claro que a prisão em flagrante não pode subsistir por muito tempo, devendo o juiz, observados os termos do dispositivo citado, determinar a liberdade provisória, a segregação preventiva, ou relaxamento da prisão em flagrante.  

Diante disso, em não sendo caso de soltura do suposto agente, deve a restrição ser convertida em preventiva, desde que, conforme já exposto, estejam presentes os requisitos autorizadores da medida excepcional.

Assim, o Procurador Geral da República representou, na hipótese, pela custódia preventiva, com fundamento no art. 312 do Diploma Processual Penal.

O argumento utilizado foi o de que o art. 53, § 2º, da Constituição da República não poderia ser tomado como absoluto.

A respeito da possibilidade de decretação da prisão preventiva de parlamentar surgiram duas correntes:

1ª) SIM. Para Rogério Sanches e Marcelo Novelino, o STF teria autorizado a prisão preventiva do Senador, relativizando o art. 53, § 2º, da CF/88. 2ª) NÃO. Não é possível a prisão preventiva de Deputado Estadual, Deputado Federal ou Senador porque a única prisão cautelar que o art. 53, § 2º da CF/88 admite é a prisão em flagrante de crime inafiançável. O Ministro Teori Zavascki não decretou a prisão preventiva do Senador Delcídio do Amaral. Digo isso não apenas com base na argumentação por ele utilizada, mas também pela forma como escreveu o comando da decisão. Vejamos: […]"Ante o exposto, presentes situação de flagrância e os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, decreto a prisão cautelar do Senador Delcídio do Amaral, observadas as especificações apontadas e ad referendum  da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal."[33]

Portanto, embora a existência de discussões doutrinárias, o que não pode ser negado é que houve a decretação de uma “prisão cautelar” pelo Poder Judiciário, seja ela preventiva ou sui generis, na tentativa desesperada de suprir a ineficiência dos outros Poderes (representada pela insuficiência das leis elaboradas pelo Legislativo e onda de corrupção sistêmica no Executivo), com o fim de coibir as manobras realizadas pelos infratores que possuem o intuito de burlar a justiça.


6 DISTORÇÃO DA NOTÍCIA FEITA PELOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

Este Capítulo é destinado à análise, em síntese, da relação existente entre a liberdade de divulgação jornalística e os direitos fundamentais, dos fatores responsáveis pela distorção da notícia, além da influência que o poder econômico exerce sobre os meios de comunicação populares.

6.1 A LIBERDADE DE DIVULGAÇÃO JORNALÍSTICA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS  

A relevância dos meios de comunicação, nas sociedades contemporâneas, é evidente com o decurso do tempo e os avanços tecnológicos dele decorrentes.

As transformações ocorridas nos séculos XX e XXI determinaram a evolução na difusão de notícias, permitindo a realização de transmissões em tempo real.

Especificamente com o surgimento da internet e dos smartphones, juntamente com as redes sociais (whatsaap e facebook, por exemplo), a situação da divulgação de informação se tornou incontrolável, em razão da velocidade e amplitude com que se espalha por entre os cidadãos.

Os meios de comunicação em massa (televisão, livros, rádios, jornais, computadores e celulares) desenvolveram-se em progressão geométrica, passando a ser considerados por muitos estudiosos como os responsáveis pelo surgimento de um quarto poder, capaz de influenciar a sociedade.

Basta ver, nos últimos tempos, a quantidade de manifestações ocorridas contra o governo deste país, cujas organizações iniciais partiram das redes sociais e foram, em tempo real acompanhada pela televisão e internet.

Em questão de minutos, a propagação de uma informação é capaz de atingir uma enorme quantidade de sujeitos, ante a facilidade proporcionada pelos meios citados, os quais se encontram à disposição de um número elevado de destinatários.

Isto acarreta algumas consequências.

Os receptores da notícia são influenciados de diversas formas.

As pessoas, em sua individualidade, reagem de maneiras diversas ao mesmo estímulo, influenciadas por sua própria experiência de vida e preconceitos.

Neste ponto, há quem defenda que os receptores das informações transmitidas não passam de meros sujeitos passivos apáticos, de identidade empobrecida, fato que facilita o controle deles, tornando-os verdadeiras esponjas das notícias[34].    

Vale salientar que a mídia está atrelada às estruturas institucionais de organizações econômicas e também depende delas para se desenvolver.

Neste sentido:

A mercantilização de alguns impressos, como livros e panfletos, depende quase inteiramente da capacidade de produzir e vender as múltiplas cópias da obra. Outros impressos (jornais, por exemplo) combinam este tipo de valorização com outros, como a capacidade de vender o espaço de propaganda. No caso das transmissões de rádio e televisão, a venda do tempo de propaganda aos anunciantes tem sido de fundamental importância, em alguns contextos nacionais para a valorização econômica.[35]   

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Neste contexto, portanto, a análise que será feita ao longo deste trabalho, sobre as características apresentadas pelos meios de comunicação de massa, possibilitará entender a sistemática de divulgação utilizada pela mídia e permitirá a identificação dos fatores que influenciam na seleção das matérias a serem publicadas e as possíveis distorções que poderão ser feitas.

O correto seria que os jornalistas permanecessem neutros quanto ao fato divulgado, para que a mensagem chegasse ao seu destinatário da forma mais condizente com a realidade possível.

O ideal seria que os noticiários realizassem seu trabalho com cautela, como meros relatores da informação.

No entanto, não é o que ocorre na realidade.

É notório que isto é muito difícil, eis que, de qualquer forma, são seres humanos transmitindo fatos e, nesta tarefa, é impossível que inexista ao menos um pouco de subjetividade, pois sempre estarão presentes as convicções pessoais de quem narra o fato que está sendo veiculado.

Não bastasse isso, existem também obstáculos acarretados por fatores externos, como a influência exercida pela política e economia.

Mesmo diante de todos estes percalços, o valor da mídia, na atualidade, é inestimável, porquanto é a através dela que a opinião pública é formada.

Inclusive, em Capítulo próprio, mais adiante neste trabalho, será analisada a utilidade da publicidade para o Direito.

Não bastasse isso, o Estado também necessita dos meios de comunicação, para a propagação de políticas de desenvolvimento. 

Sergio Capparelli e Venício Lima acentuam a importância da televisão no exercício da atividade do Estado:

No Brasil, a análise em separado das relações entre a televisão e o Estado, de um lado, e a televisão e capital, do outro, atende mais a objetivos didáticos, de tal forma que essas relações estiveram imbricadas desde o princípio da radiofusão. A televisão acolhe uma cultura de fluxo contínuo – os produtos difundidos tornam obsoletos os de ontem – mas é, ao mesmo tempo, um instrumento informativo e ideológico, fazendo com que o Estado tenha em relação a ela um interesse particular. Esse interesse existe também no plano econômico: assim, a fundação da BBC nos anos 20 revelou a vontade do Estado de sustentar a indústria eletrônica inglesa por razões econômicas e estratégicas – telecomunicações, por exemplo, vitais para o império inglês. Aconteceu, em quase todos os países europeus, uma intervenção clara do governo para favorecer os grupos econômicos nacionais.[36]   

Conforme é possível extrair do texto destacado, os meios de comunicação foram indispensáveis à evolução do Estado.

É que são eficientes em demonstrar as características da população e em comparar este Estado com os países desenvolvidos, para que sejam estudadas práticas que deram certo para outros ordenamentos jurídicos, a fim de que possamos implementar melhorias no nosso sistema atual.

Neste contexto, a mídia atua como facilitadora da adoção de novos métodos de produção e consumo, além de mobilizar a opinião pública, para que o ente estatal adote determinada postura diante do cenário mundial.

O constituinte, em apreço à divulgação de fatos formadores de opinião e ao consequente desenvolvimento populacional, resguardou, no art. 220, § 1º, da Lei Suprema, a liberdade de informações, vedando “toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

Alexandre de Moraes explica que a liberdade de imprensa, em todos os seus aspectos, incluindo no que se refere à vedação à censura prévia, precisa observar as responsabilidades exigidas em um Estado Democrático de Direito, na medida em que o desvirtuamento da mesma, com o fim de cometimentos de ilícitos, sejam eles civis ou penais, possibilitará aos ofendidos integral indenização por danos materiais e morais, além do direito de resposta[37]

No entanto, esta liberdade não é absoluta, conforme pondera Pedro Lenza:

Conforme vimos, muito embora a “posição de preferência” que pode ser reconhecida na doutrina e jurisprudência em relação à liberdade de expressão, esse direito fundamental não é absoluto. Em caso concreto, discutia-se a prática ou não de crime de racismo cometido por escritor e editor de livros por suposta discriminação contra os judeus (art. 5.º, XLII) ao pregar ideias antissemitas, preconceituosas e discriminatórias. Absolvido em primeira instância, a 3.ª Câmara Criminal do TJRS, por unanimidade, reformou a sentença e o condenou. Impetrado HC no STJ, a ordem foi denegada. Houve nova impetração de habeas corpus no STF, ora em análise (HC 82.424). O STF, por 8 x 3, em julgamento finalizado em 17.09.2003, manteve a condenação imposta pelo TJRS por crime de racismo, flexibilizando a amplitude da liberdade de expressão. Em razão da importância do tema (o Min. Marco Aurélio, que ficou vencido e defendeu a tese da liberdade de expressão, definiu o julgamento como um dos mais importantes da Corte desde a sua chegada há 13 anos), pedimos vênia para transcrever a ementa: 1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros ‘fazendo apologia de ideias preconceituosas e discriminatórias’ contra a comunidade judaica (Lei n. 7.716/89, art. 20, na redação dada pela Lei n. 8.081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, art. 5.º, XLII). (...). 10. A edição e publicação de obras escritas veiculando ideias antissemitas, que buscam resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras e subversoras de fatos históricos incontroversos como o holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, equivalem à incitação ao discrimen com acentuado conteúdo racista, reforçadas pelas consequências históricas dos atos em que se baseiam. (...). 15. (...). Jamais podem se apagar da memória dos povos que se pretendam justos os atos repulsivos do passado que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais por motivos raciais de torpeza inominável. 16. A ausência de prescrição nos crimes de racismo justifica-se como alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admitem” (HC 82.424, Rel. p/ o ac. Min. Presidente Maurício Corrêa, j. em 17.09.2003, Plenário, DJ de 19.03.2004). A maioria dos Ministros, apesar de pequenas distinções metodológicas, justificou os seus votos com base na ideia de ponderação (sopesamento) entre a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa de um lado e a dignidade da pessoa humana e o direito à honra de outro.[38]

Na mesma linha, ensina Nathalia Masson que a liberdade de imprensa deve ser exercida em harmonia com os direitos individuais consagrados na Constituição, ou seja, a propagação de dados que não ostentem qualquer relação com o interesse público e social e violem a proteção à vida privada, dignidade e honra, não estão respaldadas na Carta Magna[39]

Este também é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme o trecho da ementa:

[...] 1.  No  tocante  à  liberdade  de  imprensa,  em situações como a do presente caso, há de ser feita a devida ponderação entre os direitos constitucionais  em  tensão, levando-se em consideração as premissas do caso concreto firmadas pelas instâncias ordinárias. Tem-se, de um lado,  a  livre  expressão  da atividade intelectual, artística e de comunicação  e  informação,  com  ampla  liberdade  de  publicação e abordagem  de  temas,  assuntos,  notícias  e  imagens de interesse, inclusive recreativo, da coletividade (CF, art. 5º, IX), e, de outro lado,  o direito à intimidade, abrangendo a privacidade, a honra e a imagem da pessoa (CF, art. 5º, X). [...][40]

Assim, é preciso ponderar a liberdade de expressão com outras garantias e direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, o direito à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem.

O direito de informação, conforme David Araujo, abrange “o direito de informar, de se informar e de ser informado”[41] e, com o intuito de explicar o significado de cada um, o autor cita as palavras de Canotilho e Vital:

O primeiro consiste, desde logo, na liberdade de transmitir ou comunicar informações a outrem, de as difundir sem impedimento, mas pode também revestir uma forma positiva, enquanto direito a meios para informar. O direito de se informar consiste designadamente na liberdade de escolha da informação, de procura de fontes de informações, isto é, no direito de não ser impedido de se informar; é a versão positiva do direito de se informar, consistindo num direito a ser mantido adequada e verdadeiramente informado.[42]

Neste sentido, é assegurado ao cidadão o direito de se manter informado, sem ter obstáculos criados pelo Estado.

Ressalte-se que a liberdade de informação se refere à jornalística, cuja abrangência se dá sobre fatos indispensáveis à formação da opinião pública e não puramente relacionados a aspectos íntimos de celebridades.

A propagação das informações deve ser feita de acordo com critérios objetivos, vinculados à verdade, tentando-se coibir, na maior medida possível, a difusão de notícias distorcidas e abusivas, as quais acarretam escândalos no meio social[43]

Acentua, José Afonso da Silva:

A liberdade de informação não é simplesmente a liberdade do dono da empresa jornalística ou do jornalista. A liberdade deste é reflexa, no sentido de que ela só existe e se justifica na medida do direito dos indivíduos a uma formação correta e imparcial. A liberdade dominante é a de ser informado, a de ter acesso às fontes de informação, a de obtê-la. O dono da empresa e o jornalista têm um direito fundamental de exercer sua atividade, sua missão, mas especialmente têm um dever. Reconhece-lhes o direito de informar ao público os acontecimentos e idéias, mas sobre ele incide o dever de informar à coletividade de tais acontecimentos e idéias, objetivamente, sem alterar-lhes a verdade ou esvaziar-lhes o sentido original, do contrário, se terá não informação, mas deformação.[44]   

Diante do exposto, a garantia constitucional resguarda apenas as notícias verídicas, as quais propiciam o conhecimento pela sociedade dos fatos de forma correta, com o fim de assegurar o efetivo e verdadeiro controle das atividades políticas e econômicas desenvolvidas pelo Estado.

Neste ponto, é indispensável fazer a abordagem do tema sob o aspecto da publicidade dos atos processuais.

Trata-se de prerrogativa inerente a todo processo (em razão do que dispõe o art. 93, inciso IX, da Constituição Federal) e pressuposto de validade dos atos judiciais.

Neste sentido:

Complementando essa garantia geral do dever de motivação e publicidade das decisões, o art. 5.º, LX, da CF/88 estabelece que a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem. Assim, totalmente aceitáveis as regras fixadas, por exemplo, nos arts. 155, 444, 815 e 841 do CPC/73 (tendo os dois primeiros correspondências nos arts. 189 e 368 do CPC/2015) e 20 do CPP.[45]

A exposição dos atos processuais representa grande importância para o réu, pois o resguarda de abusos inerentes a práticas excessivas ou arbitrárias e, consequentemente, ilícitas das autoridades.

Ao julgar às claras, o magistrado tende a ater-se exclusivamente a critérios jurídicos, despindo-se de qualquer influência espúria e mantendo a sua independência.

Além dessa função protetora, a publicidade possibilita o controle dos atos judiciais pela sociedade, proporcionando aos cidadãos, portanto, a fiscalização do exercício da atividade jurisdicional.   

No âmbito da esfera penal, é legítimo o estabelecimento de limites ao livre exercício da imprensa, quando esta liberdade vem de encontro com o processo penal justo, prejudicando garantias constitucionais do acusado[46].    

Pondera Ana Lúcia Menezes Vieira que:

Com a atual interferência da mídia na Justiça e, mais propriamente, no processo penal, os direitos da pessoa humana e das partes processuais estão sacrificados em nome da liberdade de imprensa que vem assumindo posição de preponderância sobre todo e qualquer outro direito humano, chegando, por vezes, a anulá-lo.[47]     

Conforme exposto, mesmo diante de todos os meios criados pela legislação e pela jurisprudência pátria a fim de coibir as práticas abusivas da mídia, a realidade em que vivemos e estamos inseridos é marcada pela supremacia dos meios de comunicação, quando confrontados com os direitos fundamentais que normalmente são afetados pela liberdade de expressão (por exemplo, o direito à intimidade) e isto é inconcebível para um Estado Democrático de Direito.

6.2 FATORES RESPÓNSAVEIS PELA DISTORÇÃO DAS NOTICÍAS

Conforme vem sendo amplamente abordado ao longo deste trabalho, a distorção dos fatos noticiados pela imprensa é uma prática comum na atualidade e causa repercussões na esfera jurídica.

Quais seriam as possíveis causas para a ocorrência deste fenômeno?

A imprensa, com sua ampla capacidade de difusão de informações não se encontra autônoma em relação à política e à economia.

Ela está, isto sim, diretamente vinculada a estas áreas, fato que acarreta aos jornalistas inúmeras restrições na elaboração e divulgação das notícias.

Comumente, o profissional responsável pela difusão de informações não ostenta discricionariedade o bastante na escolha dos fatos objetos de publicação.

Muitas vezes, os temas a serem abordados e suas condições de divulgação são impostos ao agente noticiante, por questões políticas, econômicas e também pelo Estado que fornece subvenções.

Trata-se de influência de natureza financeira, bem evidente nas grandes emissoras de televisão, na medida em que se verifica serem seus proprietários grandes conglomerados econômicos, cujo objetivo é o lucro, acima do dever de informar corretamente os seus telespectadores.

Tudo gira em torno da busca pelo lucro financeiro e aí cresce de relevo a importância da exposição de matérias capazes de interessar à coletividade, aumentando, assim, os índices de audiência.

Neste contexto, o trabalho do jornalista passa a ser a procura por notícias extraordinárias, que despertem o interesse do maior número de pessoas possível.

Aí, surge a busca por fatos relacionados com o cometimento de crimes, os quais ostentam grande potencial de chocar os indivíduos que deles tomam conhecimento, ativando, desta maneira, a curiosidade da maior parte da população.

Conforme expõe Marco Natalino:

O valor-notícia, que corresponde ao próprio cerne do hábito jornalístico, é aquele conjunto de características presentes em maior ou menor grau nos acontecimentos reconhecidos como notícia, como novidade, a extraordinariedade, a presença de personagens conhecidos, a negatividade, a presença de elementos fortes como vida, morte, desejo sexual, entre outros.[48]        

Por outro lado, é claro que, mesmo apresentando todos os defeitos expostos, não se pode olvidar da imprescindibilidade dos meios de comunicação para a vida do homem na atualidade, bem como para o desenvolvimento social.

Sobre o tema, destaca Ana Menezes Vieira:

Não é demais informar que os meios de comunicação exercem a indispensável função social de informar, esclarecer e propor debates. Impossível imaginar uma sociedade democrática que prescinda de informações, pois, somente pelas notícias, dados, idéias, o homem exerce sua condição humana de socialização. E, à medida que a pessoa se comunica, ela se desenvolve pessoalmente e participa do desenvolvimento coletivo. Por tal razão, a informação que possibilita a comunicação é um direito humano.[49]   

Contudo, na medida do possível, é necessário atentar para a propagação de notícias da forma mais objetiva possível, evitando, ao máximo, as distorções fáticas.

Isso porque o jornalista deve procurar comunicar os fatos à população com transparência e honestidade, conforme a realidade.

Informar é apresentar ao espectador a verdade.

O homem informado tem condições de compreender o mundo no qual se insere e se tornar mais participativo.[50]

Eugênio Bucci, ao conceber uma visão da ética da comunicação de massa, explica:

A ética da comunicação de massa não pode ser pensada a partir das mesmas balizas que nos guiam para discutir a ética na imprensa. O termo imprensa designa a instituição constituída pelos veículos jornalísticos, seus profissionais e seus laços com o público. Refere-se, portanto, ao relato das notícias e ao debate das idéias em jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão, além de sites da internet. Sua ética deve primar pela busca da verdade factual, da objetividade, da transparência, da independência editorial e do equilíbrio. Já o conceito de “meios de comunicação de massa” traz em si, desde a origem, o embaralhamento sistêmico entre fato e ficção, entre jornalismo e entretenimento, entre interesse público, interesse privado e predileções da esfera íntima. Assim, a chamada “comunicação de massa”, além de modificar para sempre a própria natureza da imprensa, tende a misturar os domínios da arte e do jornalismo num mesmo balaio de imposturas éticas, prontas para o consumo e inimigas da virtude tanto artística (criar em conformidade com a imaginação), quanto jornalística (falar em conformidade com a imaginação).[51]

Assim, diante do surgimento dos meios de comunicação de massa, o relato de forma objetiva a respeito dos fatos noticiados passou a não ser mais o foco principal da mídia, cuja função primordial passou a ser mesclar realidade e ficção, aspirando à ampliação da quantidade de receptores da notícia.

Consequentemente, os índices de audiência tendem a crescer, possibilitando a essas corporações detentoras das empresas de comunicação a obtenção de lucro com a venda de intervalos para a divulgação de produtos pelos anunciantes[52].

Portanto, em primeiro lugar, o lucro é visado e, depois, é cumprida a função social, consistente no dever informar clara e objetivamente a população.

Destaca-se que:

A busca da verdade, virtude ancestral do jornalismo, é simplesmente incompatível com a lógica dos conglomerados comerciais da mídia dos nossos dias. A busca da verdade era um projeto da razão e os conglomerados há muito se divorciaram da razão. Não porque seus gestores sejam mentirosos, mas pela própria natureza dos conglomerados e da comunicação tiranizada pela imagem. Onde quer que a notícia esteja a serviço do espetáculo, a busca da verdade é apenas um cadáver. Pode até existir, mas, sempre, como um cadáver a serviço do “dom de iludir.[53]  

A velocidade demandada pela internet, na difusão de notícias, e a concorrência característica do nosso sistema capitalista são outros fatores que influenciam determinantemente na atividade jornalística, pois dificultam a efetivação de uma análise mais aprofundada do fato a ser divulgado, muitas vezes conhecido apenas por fontes precárias e sendo exposto, portanto, sem a confirmação de sua veracidade.

Sylvia Moretzsohn, tratando sobre a distorção ocasionada pela velocidade na propagação de notícias, explica:

A urgência imposta traz outras consequências: reduz, quando não anula, a possibilidade de reflexão no processo de produção de notícia, o que não apenas aumenta a probabilidade de erro como, principalmente e mais grave, limita a possibilidade de matérias com ângulos diferenciados de abordagem, capazes de provocar questionamentos no leitor; obriga o repórter a divulgar informações sobre as quais não tem certeza; submete as fontes à lógica da velocidade (apresentada como uma imposição da realidade e não como consequência do modo de produção), o que frequentemente compromete, na origem, a qualidade da informação a ser veiculada.[54]

A todos estes fatores, acrescem-se os desvios oriundos das interpretações dos redatores e editores dos textos e das imagens a serem veiculadas.

Isso porque é inevitável que prevaleçam as opiniões e ideologias dos profissionais responsáveis pela constituição do noticiário.[55] 

Não bastasse isto, no pertinente à esfera penal, a situação é ainda mais grave, porque os jornalistas, em sua grande maioria, quando tratam de assuntos alusivos a injustos penais, esquivam-se da sua função de informar, e se arvoram na condição de investigadores do caso, reconstruindo-o, de modo dramático, e exigindo dos órgãos estatais a punição imediata do suposto infrator, bem como o aumento da severidade das punições.

Consequentemente, influenciam a população, que clama por justiça.  

Sobre a carga de subjetividade presente na transmissão de informações, salienta-se:

Os meios de comunicação de massa medeiam a realidade e o conhecimento desta pelo público e, ao descreverem o acontecimento, podem ser inexatos. Isto ocorre porque a interpretação do profissional da notícia sobre as circunstâncias do acontecimento traz necessariamente, uma carga de subjetividade daquele que produz ou descreve o fato.[56]           

Diante de todo o exposto, é possível concluir que, apesar da grande importância que a mídia representa para a sociedade, na medida em que possibilita discussões, reflexões e informações, cujo papel para o desenvolvimento do Estado é essencial, existem diversos fatores negativos, os quais influenciam diretamente sobre a atuação dos agentes responsáveis pela aplicação do Direito Penal.

6.3 A INFLUÊNCIA DO PODER ECONÔMICO SOBRE OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

O Brasil, como ocorre em geral nos países em desenvolvimento, apresenta grande disparidade entre as classes sociais.

Convivem inseridos na mesma sociedade pessoas em realidades econômicas completamente distintas.

Parcela reduzida da população detém a maior parte do poderio econômico, enquanto a maioria da população vive em condições de escassez de recursos.

Este fator exerce influência sobre o aumento da criminalidade, na medida em que o povo, não só não dispõe do mínimo de bens necessários a uma vida digna, como também carece de estudos, acarretando, assim, um número cada vez maior de potenciais criminosos.

Não que o fato de não possuir riquezas materiais ou de não estudar seja capaz, por si só, de construir uma personalidade voltada para o crime, ou que as pessoas detentoras de cultura e posses estejam isentas do cometimento de delitos, mas é inegável que este fator auxilia no aumento dos índices criminais.

O quadro instável provocado pela prática delituosa vai de encontro com os interesses da pequena elite detentora do poderio econômico, que necessita de um país estável, para realizar seus investimentos e auferir lucro. 

Neste contexto, os meios de comunicação de massa representam decisivo instrumento nas mãos da classe mais abastada no controle da população de baixa renda, pois informam os cidadãos a respeito dos fatos, mas sempre de acordo com os interesses da elite.

Os receptores da notícia, por sua vez, são bombardeados por reportagens selecionadas, as quais são repetidas exaustivamente até que sejam absorvidas, ou seja, a mídia oculta e omite do debate público questões que vão diretamente contra os interesses dos seus patrões (proprietários)[57].

Os órgãos responsáveis pela imprensa influem na reflexão do cidadão, escolhem os temas sobre os quais deve pensar e indicam a maneira de realizar esta meditação, conduzindo a opinião pública ao caminho desejado.

Explica Ana Menezes Vieira:

Utilizam-se os jornalistas da ideologia do proprietário da empresa. E é esta que irá formar a opinião pública. Sem dúvida, a notícia será tendenciosa, manipulada, pois não visa o interesse social e sim o particular. Vai impedir que o público analise e compreenda o que, de fato, é realidade; vai impedir a indagação e a dúvida e, por consequência, evitar o acesso às idéias.[58]  

 Oportuno citar a precisa lição do professor Fábio Martins:

Os órgãos da mídia não passam de meros veículos de que lançam mão a minoritária classe dominante para estabelecer, manter e perpetuar o status quo da realidade social na qual se inserem. Nesse contexto, a minoritária classe dominante manipularia a majoritária classe dominada. Para tanto, os dirigentes dos órgãos da mídia manipulam a informação, em prejuízo do público em geral.[59]    

Diante do exposto, por meio da constante manipulação das informações divulgadas, a opinião pública passa a ser formada em consonância com os interesses da classe economicamente dominante, acontecendo, assim, o controle dos órgãos de comunicação sobre as massas.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CECHINEL, Liliana. A ingerência dos meios de comunicação na prisão preventiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5128, 16 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58882. Acesso em: 23 abr. 2024.

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