Controle abstrato de constitucionalidade nos entes estaduais e suas características

17/07/2017 às 19:57
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Pode haver a possibilidade de controle abstrato/concentrado de normas estaduais ou municipais frente à Constituição Estadual, ou seja, não poderá ser utilizado como parâmetro as normas da Constituição Federal para esse tipo de controle.

1 – INTRODUÇÃO

A previsão do controle concentrado/abstrato de constitucionalidade está presente no artigo 125, §2º da Constituição Federal de 1988: “Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição estadual (...)”.

No contexto acima, cabe ao Tribunal de Justiça local processar e julgar, originariamente, as ações diretas de inconstitucionalidades relacionadas às leis ou atos normativos estaduais ou municipais que estiverem indo de encontro com a Constituição Estadual.

Fazendo-se uma leitura fria do texto constitucional, pode-se imaginar que só caberia ação direta de inconstitucionalidade, mas em atenção ao princípio da simetria, presente na relação constitucional, poderão ser usadas as demais ações presentes no controle de constitucionalidade (ADO, ADC e ADPF).

Insta salientar, por fim, que o texto constitucional de 1988 não previu a possibilidade de controle de constitucionalidade de leis municipais em face das respectivas leis orgânicas.


2 – COMPETÊNCIA

Conforme já adiantado no presente artigo, a competência originária para julgamento das ações destinadas ao controle de constitucionalidade em âmbito estadual, de acordo com o artigo 125, §2º da CF, será do Tribunal de Justiça local.

A professora Nathalia Masson (2016, pag. 1252) ainda nos informa que:

“insta salientar que o TJ poderá, portanto, atuar na jurisdição constitucional em duas frentes: controle difuso de constitucionalidade, tendo a Constituição da República como norma de referência, e no controle concentrado, tendo a Constituição do Estado respectivo como parâmetro. No primeiro caso, a competência do TJ é concorrente com todos os demais órgãos do Poder Judiciário; no segundo é exclusiva.”[1]

Com isso, fica clara a competência do TJ local, tanto para o controle difuso, como para o controle abstrato das normas estaduais ou municipais contrárias ao texto constitucional.


3 – LEGITIMAÇÃO E PARÂMETRO

Em relação à legitimação, insta salientar que o artigo 125, §2º da CF apenas vedou que a atribuição da legitimação para propositura das ações de controle fosse destinada a apenas um único órgão.

Cada Constituição estadual deverá indicar em seu texto um rol de legitimados ativos. Só não está autorizado a destinação de competência única, ou seja, não pode ser destinada essa competência a apenas um órgão.

No texto da Constituição Federal, em seu artigo 103, está previsto um rol de legitimados ativos para as ações do controle concentrado/abstrato, rol esse que tomando como base, mais uma vez, o princípio da simetria, poderá ser estendido para as demais Constituições estaduais.

Mas muitos devem estar se perguntando se essa competência poderia ou não ser estendida para outros legitimados que não sejam os previstos no artigo 103 da CF e a resposta é positiva. O próprio STF já se posicionou nesse sentido[2].

Além da legitimação, importante saber qual é o parâmetro utilizado para o respectivo controle, tarefa essa de fácil constatação, pois o Tribunal de Justiça somente poderá fazer o controle das normas previstas na Constituição Federal, nunca da Constituição Federal, este que seria tarefa do STF.

Vejamos o que nos diz os professores Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2013, pag. 921):

“as leis federais só poderão ser objeto de controle abstrato perante o STF, haja vista que o estados-membros só podem aferir, em tese, a validade de leis municipais ou estaduais (...) As leis municipais poderão ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade perante os Tribunais de Justiça, em confronto com a Constituição do Estado (...).”[3]   

Desta feita, o texto da Constituição estadual será utilizado como base/parâmetro no controle de constitucionalidade abstrato de normas municipais ou estaduais.


4 – INCONSTITUCIONALIDADE DO PARÂMETRO DE CONTROLE ESTADUAL

Ponto bastante interessante é saber se pode acontecer de o Tribunal de Justiça considerar inconstitucional o seu parâmetro de controle. Poderíamos tomar como exemplo o fato de um legitimado propor uma ação direta de inconstitucionalidade perante o TJ local impugnando a lei “X” em face do artigo Y da Constituição estadual, e o próprio TJ entende que aquele artigo “Y” é inconstitucional por estar ofendendo a Constituição Federal, ou seja, “Y” seria o parâmetro da ação de controle, mas ele estaria sendo declarado inconstitucional.

Referido tema foi tratado pelo professor e Min. do STF Gilmar Mendes[4] nos seguintes termos:

“Nada obsta que o Tribunal de Justiça competente para conhecer da ação direta de inconstitucionalidade em face da Constituição estadual suscite ex officio a questão constitucional – inconstitucionalidade do parâmetro estadual em face da Constituição Federal -, declarando, incidentalmente, a inconstitucionalidade da norma constitucional estadual em face da Constituição Federal, extinguindo, por conseguinte, o processo, ante a impossibilidade jurídica do pedido (declaração de inconstitucionalidade em face de parâmetro constitucional estadual violador da Constituição Federal).”

Destarte, poderá o artigo estadual utilizado como fundamento da ação de inconstitucionalidade, ou seja, parâmetro de controle estadual. ser declarado inconstitucional frente a Constituição Federal.

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5 – SIMULTANEIDADE DE AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE

As leis estaduais podem ser objeto de controle perante o STF e também perante o TJ local, isso a depender se a norma estadual está ofendendo a Constituição Federal ou a Constituição Estadual.

Com essa situação de duplo questionamento, podemos ter a possibilidade de uma mesma lei ser impugnada, ao mesmo tempo, em diferentes ações diretas: uma perante o TJ e outra perante o STF.

A professora Nathalia Masson (2016, p. 1258) na mesma obra já citada, nos traz uma possível solução para a ocorrência ora citada informando que:

“para solucionar essa peculiar ocorrência, basta fazer-se uma construção com base no princípio da primazia da Constituição Federal (e, por conseguinte, o da primazia de sua tutela). Assim, a propositura de ação direta no STF vai acarretar o sobrestamento do processo em sede estadual, segundo a doutrina, em virtude de uma causa especial de suspensão do processo, até que o STF julgue a ação direta federal.”

Essa possível suspensão, por parte do STF, da ação proposta perante o TJ se justifica pelo fato de que a decisão do STF (constitucionalidade ou não da norma estadual) poderá influenciar ou prejudicar a decisão proferida pelo TJ local em razão da própria reprodução que existe de normas federais na Constituição Estadual.

Caso o STF decida pela constitucionalidade da norma estadual frente a Constituição Federal, o órgão local do TJ só poderia enfrentar as questões relacionadas aos preceitos constitucionais estaduais que não foram reproduzidos pela Constituição Federal.


6 - CONCLUSÃO     

Como se viu no presente artigo, pode haver a possibilidade de controle abstrato/concentrado de normas estaduais ou municipais frente à Constituição Estadual, ou seja, não poderá ser utilizado como parâmetro as normas da Constituição Federal para esse tipo de controle.

As normas federais só poderão ser confrontadas com a Constituição Federal e as normas estaduais e municipais com a Constituição respectiva de seu Estado.

Por fim, ficou claro que o Tribunal de Justiça local é o órgão competente para o julgamento no controle de constitucionalidade de normas estaduais ou municipais frente à Constituição Estadual, bem como que poderá haver a declaração de inconstitucionalidade do parâmetro utilizado como controle estadual e a solução para os casos de simultaneidade de ações diretas de inconstitucionalidade.   


Notas

[1] MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. 4ª Ed. Salvador: juspodivm, 2016.

[2] Vide RE nº 261.677, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j.6.4.2006, DJ 15.9.2006.

[3] Paulo, VICENTE. Alexandrino, MARCELO. Direito Constitucional Descomplicado. 10ª ed. Rio de Janeiro: Método, 2013.

[4] Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 250.

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Sobre o autor
Wagner Tinô

Procurador Municipal efetivo na cidade de Água Branca-AL; especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera - UNIDERP. Membro da Associação dos Procuradores Municipais de Alagoas - APROMAL;

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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