O profissional de enfermagem tem por missão cuidar da vida humana, promovendo sua saúde por meio de ações preventivas e cuidados direcionados para a sua recuperação. É uma das profissões mais dignas, dentre muitas outras.
Sua presença é essencial em ambientes hospitalares, atuando tanto diretamente no cuidado ao paciente, como indiretamente, por meio da orientação e supervisão da equipe de técnicos e auxiliares de enfermagem.
A profissão de enfermeiro é regulamentada pela Lei nº 7.498/86, que determina, entre outras necessidades, que a enfermagem e suas atividades auxiliares somente podem ser exercidas por profissionais legalmente habilitados e inscritos no Conselho Regional de Enfermagem.
Referida lei determina, também, que as atividades de técnico de enfermagem e auxiliar de enfermagem somente podem ser desempenhadas sob orientação e supervisão de enfermeiro. Dentro da especialidade de direito médico e da saúde em vários textos legais, doutrinários e jurisprudenciais, a enfermagem é objeto de estudo.
Inobstante, diversas clínicas médicas possuem técnicos e auxiliares de enfermagem em sua equipe de saúde, sem a presença de um enfermeiro, sendo a supervisão e orientação das atividades desenvolvidas por tais profissionais realizada por médicos.
Em muitas destas situações, as clínicas médicas acabam se tornando alvo de notificação por parte dos Conselhos Regionais de Enfermagem, sob a alegação de violação à Lei 7.498/86, justamente em decorrência da imposição legal acima mencionada.
No entanto, esta situação não é tão pacífica quanto pode parecer.
Em que pese haver a determinação legal da presença de enfermeiro para exercer a supervisão e orientação de técnicos e auxiliares de enfermagem (art. 15 da Lei nº 7.498/86), existe, em sede de direito médico e da saúde, uma infinidade de decisões administrativas e judiciais no sentido de que o cumprimento desta exigência não se faz necessário em clínicas médicas onde são aplicados procedimentos ambulatoriais simples.
Nestes casos, entende o Conselho Federal de Medicina que a supervisão dos técnicos e auxiliares de enfermagem pode ser realizada diretamente por médicos, sendo imprescindível a presença do enfermeiro tão somente nos ambientes hospitalares e/ou onde são realizados procedimentos ambulatoriais complexos.
Foi o que destacou o Parecer do Conselho Federal de Medicina nº 16/12, fruto de consulta realizada por uma clínica de gastrenterologia do Distrito Federal, que havia sido notificada pelo Conselho Federal de Enfermagem por suposta violação ao art. 15 da Lei nº 7.498/86, por não contar com enfermeiro em sua equipe.
Em resposta à consulta realizada pela referida clínica médica, o Conselho Federal de Medicina destacou que “cumpre pontuar que a organização e funcionamento dos consultórios médicos, clínicas médicas e outras instituições destinadas à assistência médica estão sujeitas às normas dos Conselhos Regionais e Federal de Medicina e àquelas emanadas da Vigilância Sanitária e Epidemiológica.”.
Mencionou ainda que “por conseguinte, as clínicas médicas, consultórios e serviços médicos em geral não estão submetidos às normas dos Conselhos de Enfermagem, cuja aplicação restringe-se aos profissionais de enfermagem. Cabe, portanto, apenas aos Conselhos de Medicina a fiscalização das entidades neles inscritos.”.
E concluiu: “Clara está, portanto, a completa coerência e pertinência da supervisão médica dos atos praticados por seu auxiliar, sendo desnecessária a contratação de profissional enfermeiro para a realização do referido mister. O diretor técnico da instituição tem o direito e o dever legal e ético de exercer tal supervisão, posto ser o responsável pelo ato médico. Os consulentes, como médico e diretor técnico, devem submissão apenas à fiscalização e às normas do seu conselho de classe, que são os Conselhos Regional e Federal de Medicina, bem como devem atender às exigências da Vigilância Sanitária.”.
Desta forma, como a finalidade das clínicas médicas é o exercício da medicina, o trabalho dos técnicos e auxiliares de enfermagem é supervisionado pelo médico, profissional adequadamente habilitado para tanto, prescindindo de supervisão direta de um enfermeiro, segundo entendimento defendido pelo Conselho Federal de Medicina.
Fixado tal entendimento, importante destacar que a Lei nº 6.839/80, que dispõe sobre o registro de empresas e inscrição de profissionais perante os conselhos de fiscalização, disciplina que o registro de empresas e a anotação dos profissionais legalmente habilitados, delas encarregados, serão obrigatórios nas entidades competentes para a fiscalização do exercício das diversas profissões, em razão da atividade básica ou em relação àquela pela qual prestem serviços a terceiros.
Em outras palavras, embora haja a presença de técnicos e auxiliares de enfermagem em uma clínica médica, a atividade primordial e básica desta é a prestação de serviços médicos, estando sujeita e vinculada ao conselho de fiscalização profissional de sua área de atuação – medicina – entendimento este defendido pelo Conselho Federal de Medicina.
Ao lado deste entendimento está o do Superior Tribunal de Justiça, que decidiu no mesmo sentido por meio do então Ministro Luiz Fux, nos autos do Recurso Especial nº 1.175.022/PR, definindo que “a atividade básica desempenhada pela empresa é que determina a sua vinculação ao conselho de fiscalização profissional.”.
Segundo o coordenador do Curso de Enfermagem da Universidade Regional de Blumenau/SC – FURB, professor Jarbas Galvão, “o enfermeiro é um dos profissionais dentro da equipe de saúde de extrema importância, pois é responsável por conduzir uma complexa estrutura de atuação, entre elas: a assistência, gerência, ensino e pesquisa em enfermagem, resultando no cuidado do paciente. A formação generalista do Enfermeiro o capacita para gerir esta estrutura por meio da utilização de tecnologias leve, leve-dura ou dura em prol da qualidade do serviço e segurança do cuidado prestado ao paciente. É importante ressaltar que a categoria da Enfermagem é composta por Enfermeiro, Técnico de Enfermagem e Auxiliar de Enfermagem. As funções de cada profissional são divididas por níveis de complexidade e são cumulativas, ou seja, ao Técnico compete as suas funções específicas e as dos Auxiliares; enquanto o Enfermeiro é responsável pelas suas atividades privativas e pelas atividades dos técnicos e auxiliares. Estas funções estão definidas no Decreto N° 94.406/87, que regulamenta a Lei N° 7.498/86, sobre o exercício profissional da Enfermagem. Com base nesta Lei, os profissionais da enfermagem que trabalham em clinicas médicas, por exemplo, ou em instituições de pequena, média ou grande complexidade e que executam atividades de enfermagem, deverão ser supervisionados por um enfermeiro. Esta supervisão, por parte do enfermeiro, respalda o profissional de enfermagem (técnico ou auxiliar) na eventualidade de responder a algum processo no seu ambiente laboral.”, concluiu.
Como se percebe, é um tema ainda bastante polêmico, na medida em que, de um lado, os profissionais de enfermagem defendem sua imprescindibilidade no ambiente de consultório médico, com base na interpretação pura da disposição legal da Lei nº 7.498/86.
Diversas clínicas médicas, por outro lado, defendem a possibilidade de atuação do técnico e auxiliar em enfermagem sob supervisão direta do médico, com fundamento nas decisões prolatadas pelo Superior Tribunal de Justiça e Conselho Federal de Medicina acerca do tema.
O que se espera, diante deste quadro de divergência de interesses, é uma regulamentação mais clara e específica da atividade profissional do enfermeiro, de forma a apontar quais suas atribuições atinentes ao ambiente hospitalar, e quais aquelas típicas do ambiente ambulatorial, na medida em que a lei não fez tal discriminação, resultando na polêmica então tratada.