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Da necessária mudança quanto ao procedimento de levantamento de valores decorrentes de condenação judicial

30/08/2017 às 14:30
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Os procedimentos que são adotados atualmente, para a expedição de mandados de pagamento, referentes à condenação principal, claramente carecem de um debate mais aprofundado e mais técnico.

A vida em sociedade, muito embora seja (e tenha sido) essencial para o desenvolvimento da civilização, igualmente trouxe discórdia e prejuízos, considerando eventuais conflitos de interesses entre as pessoas. Quanto mais desenvolvido o corpo social, mais complexas serão as questões a se resolver entre os indivíduos que o compõe.

No início de nossa história prevalecia a violência na solução dos impasses, sendo o exemplo mais memorável a instituição da "Lei de Talião", cujos primeiros indícios foram encontrados no Código de Hamurábi. Em verdade, não havia justiça, portanto, mas sim mera retaliação.

O progresso da raça humana paulatinamente nos fez perceber que a elaboração de normas que regulassem as situações cotidianas, seria (como de fato, foi) crucial para a convivência harmônica de todos. Na sociedade moderna, o mecanismo de reparação que temos caso alguém viole nossos direitos é justamente o ajuizamento de ações judiciais.

O que podemos perceber na prática forense, é que mesmo quando a demanda tem como objetivo uma obrigação relativa a alguma ação ou omissão (fazer ou não fazer, por exemplo), mantém-se algum conteúdo econômico, ou seja, na maior parte dos casos, há, outrossim, a obrigação de pagar.

Com o trânsito em julgado, os valores devidos por direito concedido pelo Estado-Juiz, deverão ser repassados à parte vencedora, que tanto aguarda este momento, mormente quando relativos a verbas alimentícias, ou diante da necessidade do dinheiro para a reparação de danos, principalmente em se tratando de hipossuficientes.

Com relação a este ponto, os procedimentos que são adotados atualmente, para a expedição de mandados de pagamento, referentes à condenação principal (ou seja, o valor que ao final será devido à parte vencedora), claramente carecem de um debate mais aprofundado e mais técnico.

O entendimento mais recente tanto do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), quanto do Superior Tribunal de Justiça (STJ), se alicerça na premissa de que o advogado, desde que possua procuração com poderes para receber e dar quitação, deve obrigatoriamente figurar nos alvarás de levantamento, ao lado do nome da parte a qual assiste, ainda que se trate de verba destinada ao seu cliente.

Data maxima venia, não parece a melhor solução.

Em verdade, por uma questão de praticidade, economicidade e a fim de tornar a estatística processual mais próxima da realidade, a expedição de alvarás individualizados, - ou seja, para a parte (principal) e para seu patrono (honorários) separadamente -, agilizaria o trâmite judicial, considerando que o processo poderia desde logo ser arquivado, uma vez que não restariam dúvidas quanto à quitação integral.

Ao revés, quando o mandado referente ao valor da condenação é expedido em nome do patrono, embora alusivo a numerário de titularidade da parte, é necessário que o processo fique parado, aguardando a efetiva comprovação do repasse. Essa logística induz ao acúmulo e eventual "esquecimento" de processos findos, aumentando desnecessariamente - e erroneamente - as estatísticas processuais.

Ademais, a rotina de expedição de alvarás separadamente para a parte e para o seu causídico, de acordo com os valores devidos a cada um, evitaria eventuais retificações da Declaração de Imposto de Renda, que é remetida pelos Tribunais à Receita Federal. 

Exemplificando, se um mandado de pagamento é entregue pelo Tribunal em dezembro, esta será a referência que será passada ao Fisco, para o cruzamento de dados. No entanto, se o advogado prestar conta desses valores ao seu assistido unicamente, v.g., em março, o beneficiário pode cair na malha fina, considerando a possível divergência de informação.

 Por outro lado, são inúmeros os precedentes de "desvio" de valores pertencentes às partes por alguns procuradores atuantes.

Convenhamos. Após a liberação do numerário, o Magistrado pouco pode fazer para proteger o jurisdicionado. Eventual comunicação ao órgão de classe (OAB), intimação do causídico, ou mesmo ofício ao Ministério Público para apuração quanto à suposta apropriação indébita, são medidas que, infelizmente, não se mostram céleres, e, por conta disso, podem restar ineficazes ao final, considerando a alta burocracia e o formalismo necessário para efetivá-las.

Por óbvio que o patrono acabará por ser condenado, caso a retenção tenha sido indevida; mas e o prejuízo material? E se a verba for desviada a tal ponto que não reste rastro da mesma? Para aquele que luta na justiça por seus direitos, e que está contando com aquele dinheiro, após meses ou mesmo anos para a solução desse impasse, o desfecho pode mesmo ser fatal.

Além do mais, ao contrário do que se propaga, não há que se falar em ofensa à legislação. O art. 22, §4º, da lei 8.906/94 preconiza que "se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou." Veja-se que a lei fala de honorários (contratuais) e não da indenização devida à parte (valores da condenação).

Argumenta-se acaloradamente que a expedição de mandados de pagamento individualizados compromete o relacionamento de confiança entre o cliente e seu patrono, além de gerar certo constrangimento, uma vez que daria a entender que o causídico não estaria acompanhando o processo adequadamente.

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Tais alegações soam quase pueris. O que aqui se sugere não é que o advogado seja "excluído" do acompanhamento processual, tornando-se um mero coadjuvante. O que nem poderia acontecer, tendo em vista a importância (e a própria indispensabilidade - art. 133 CRFB/88) que possui no andamento da justiça.

As comunicações dos atos processuais continuariam, como de praxe, sendo publicadas na imprensa oficial. O patrono saberia quanto à expedição dos alvarás e mesmo a retirada pelo seu cliente. Apenas haveria separação entre o valor principal, os honorários de sucumbência e eventuais honorários contratuais (caso fosse seguido os ditames legais impostos para tanto).

Ao proceder desta forma, o Magistrado não estará "controlando" o mandato entre advogado e cliente, apenas simplificando o procedimento, evitando-se a demora na comunicação à parte, bem como a demora na efetiva conclusão do feito.

De outra feita, a eventual procuração outorgada pela Parte ao seu advogado, conferindo poderes especiais, poderia ser utilizada, ainda que expressamente consignada neste sentido, como uma autorização para o advogado receber, no banco e na conta corrente da parte, em seu favor, quando concernente ao seu cliente, liberando o Juízo de qualquer ônus neste sentido.

Em outras palavras, uma espécie de "renovação" da procuração, o que seria igualmente uma solução razoável e segura para todos, na medida em que demonstraria o contato recente do patrono com seu cliente.

O que não se pode é tornar a questão um tabu tão arraigado, que não seja possível pensar e sugerir outras formas de proceder, a pretexto de supostos melindres ou egos inflamados de certos advogados, os quais colocam suas ambições bem acima dos interesses de seus constituintes, em efetivo prejuízo ao bem maior: a correta e célere prestação da tutela jurisdicional completa, com o pagamento e o recebimento dos valores de condenação devidos.

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Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRIEDE, Reis. Da necessária mudança quanto ao procedimento de levantamento de valores decorrentes de condenação judicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5173, 30 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60104. Acesso em: 19 mar. 2024.

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