Como bem se sabe, a Lei Complementar nº 123 concedeu a microempresas e empresas de pequeno porte uma série de benefícios, fiscais, de desburocratização, de facilidade no acesso às aquisições públicas, entre outros.
Entre as facilitações de acesso ao mercado público, para efeitos de participação no certame, a empresa beneficiária da LC nº 123 poderá apresentar a documentação de regularidade fiscal e trabalhista ainda que apresente alguma restrição, conforme art. 43 da referida norma. Isso porque tais documentos são apenas exigíveis das microempresas e empresas de pequeno porte para fins de efetiva contratação.
Até aqui nenhuma grande novidade para quem tem alguma afinidade com a matéria. A coisa fica um pouco mais complicada ao nos depararmos com a redação do § 2º, do art. 43, do Estatuto das Pequenas Empresas:
Art. 43. As microempresas e as empresas de pequeno porte, por ocasião da participação em certames licitatórios, deverão apresentar toda a documentação exigida para efeito de comprovação de regularidade fiscal e trabalhista, mesmo que esta apresente alguma restrição.
§ 1º Havendo alguma restrição na comprovação da regularidade fiscal e trabalhista, será assegurado o prazo de cinco dias úteis, cujo termo inicial corresponderá ao momento em que o proponente for declarado vencedor do certame, prorrogável por igual período, a critério da administração pública, para regularização da documentação, para pagamento ou parcelamento do débito e para emissão de eventuais certidões negativas ou positivas com efeito de certidão negativa.
§ 2º A não-regularização da documentação, no prazo previsto no § 1º deste artigo, implicará decadência do direito à contratação, sem prejuízo das sanções previstas no art. 81 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, sendo facultado à Administração convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para a assinatura do contrato, ou revogar a licitação.
Observe que havendo alguma restrição na documentação de regularidade fiscal ou trabalhista, a Administração concederá prazo para que a empresa beneficiária da LC 123 regularize a fim de formalizar a contratação. Em isso não ocorrendo, decairá o direito à contratação, sendo facultado convocar licitantes remanescentes na ordem de classificação para assinar o contrato.
A dúvida que surge nessa hipótese, visto que a lei, supostamente, não esclarece, é se as empresas convocadas deverão aceitar as condições e valores da primeira colocada ou poderão assinar o contrato conforme sua própria proposta.
Para Diógenes Gasparini, por exemplo, não se admitiria a aplicação do § 2º do art. 64 da Lei nº 8.666/93, determinando que os demais convocados assinem o contrato mediante a aceitação da proposta inicialmente declarada como vencedora. Nas palavras do autor:
Não nos parece adequado aplicar a regra do art. 64, §2º, da Lei federal das Licitações e Contratos da Administração Pública, ou seja, a convocada deverá ser contratada pelo valor da proposta da primeira classificada, dando que diversas são as situações. (...) Para a aplicação a está hipótese do art. 64, §2º, a Lei Complementar federal n. 123/2006 deveria ser expressa, o que, como vimos, não o é. Portanto, a solução está na contratação da licitante convocada pelo valor de sua proposta se esta for, pelos critérios admitidos no edital, aceitável pela Administração Pública.[1]
Discordamos nesse ponto do autor, pois é justamente o dispositivo que oferece a solução interpretativa para o § 2º, do art. 43, da LC 123.
Como se sabe, é necessário que a interpretação leve em consideração o sistema jurídico em que a norma analisada se insere. Na situação em comento, o art. 43 da LC 123 se insere no sistema jurídico das contratações públicas, em que pese a referida lei tratar de forma mais ampla o tema das ME, EPP e MEI.
Portanto, a boa técnica exige que a interpretação e aplicação da lei, quando essa não for totalmente clara, recorra a normas de aplicação subsidiária, no caso a Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativo.
Ademais, temos que partir do pressuposto que o legislador não se utiliza de terminologias em vão, sem um fim específico. Logo, quando o legislador optou por dizer que seriam convocadas as licitantes remanescentes, a nosso ver, há aí um propósito muito claro.
Tal definição na Lei nº 8.666/93 é utilizada em duas oportunidades bem características, no já referido art. 64, § 2º, e no art. 24, inc. XI.
Vale transcrever os referidos:
Art. 24. É dispensável a licitação:
(...)
XI - na contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento, em conseqüência de rescisão contratual, desde que atendida a ordem de classificação da licitação anterior e aceitas as mesmas condições oferecidas pelo licitante vencedor, inclusive quanto ao preço, devidamente corrigido;
(...)
Art. 64. A Administração convocará regularmente o interessado para assinar o termo de contrato, aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo e condições estabelecidos, sob pena de decair o direito à contratação, sem prejuízo das sanções previstas no art. 81 desta Lei.
(...)
§ 2º É facultado à Administração, quando o convocado não assinar o termo de contrato ou não aceitar ou retirar o instrumento equivalente no prazo e condições estabelecidos, convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para fazê-lo em igual prazo e nas mesmas condições propostas pelo primeiro classificado, inclusive quanto aos preços atualizados de conformidade com o ato convocatório, ou revogar a licitação independentemente da cominação prevista no art. 81 desta Lei.
Observe que, nas duas vezes em que a lei se utiliza do termo remanescente, indica que esse deverá assumir as mesmas condições e preços propostos pelo licitante vencedor. Inclusive, ao ler o § 2º do art. 64, percebe-se facilmente que o dispositivo da LC nº 123 é verdadeira importação da Lei Geral de Licitações, pois ambas tratam da contratação do remanescente em caso de não assinatura do contrato pelo vencedor do certame.
Para nós resta muito claro, com isso, que na hipótese do § 2º do art. 43 da LC 123, o convocado remanescente deverá aceitar as condições propostas pelo licitante vencedor para ter direito a assinar o contrato com a Administração Pública.
Nota
[1] GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 646.