RESUMO: Este artigo faz uma abordagem acerca da aplicabilidade do dano moral nos crimes contra a honra no distrito Riacho Pequeno, município de Belém do São Francisco-PE, fundado, sobretudo, em uma pesquisa, no sentido de identificar se as pessoas têm buscado a tutela estatal para a efetivação dos seus direitos quando estes são violados. A partir das informações obtidas, é possível constatar que existem poucas ações impetradas no Poder Judiciário local, no que tange à busca pelo reconhecimento da pretensão reparatória do dano moral pela violação da honra objetiva e subjetiva, e existem inúmeros fatores apontados que têm contribuído para que as pessoas do distrito pesquisado permaneçam inertes. O objetivo, portanto, deste trabalho é analisar fatos da localidade que se enquadram nas tipificações legais de calúnia, injúria e difamação, assim como mostrar os aspectos funcionais da Comarca local, mormente no que diz respeito à celeridade processual.
Palavras-Chave: Responsabilidade Civil. Calúnia, injúria e difamação. Violações
1. Introdução
Riacho Pequeno, distrito localizado no município de Belém do São Francisco/PE, é um lugar muito pacato e sua história está relacionada com a passagem de um riacho que passava por uma fazenda pertencente às terras de João Vicente Nogueira, da comunidade, e com o surgimento de uma capela intitulada Bom Jesus da Lapa em homenagem ao padroeiro, a qual foi construída e inaugurada em 1909 por Celestino Nunes, figura essa que nasceu em 1784 e faleceu em 1955, a qual deu nome as duas atuais escolas da comunidade: Escola Celestino Nunes e Escola Municipal Celestino Nunes. (BARROS; NASCIMENTO, 2015, p.24).
Para quem vive nessa localidade é preocupante a realidade fática observada no seu cotidiano na qual se vê a presença de condutas que se enquadram nos crimes tipificados como calúnia, injúria e difamação.
Essas condutas são praticadas constantemente. No entanto, não têm gerado processos na justiça e as pessoas não têm recorrido aos recursos legais para ter os seus direitos tutelados. Nesse sentido, serão abordadas situações que no contexto dessa comunidade é comum se observar, como condutas que ofendem a honra, que são praticadas e as pessoas não buscam a tutela jurisdicional para a reparação do dano sofrido quando sua honra é violada.
Há acontecimentos, portanto, que como fatos geradores do dano moral não têm dado ensejo à responsabilidade civil dos que lesam os direitos de outrem de forma efetiva no contexto desse distrito os quais serão analisados a partir de uma perspectiva jurídica bem como serão citadas as previsões legais em que os fatos citados encontrarão adequação nas normas.
Ao longo desse trabalho será tratada a proteção jurídica da honra subjetiva e objetiva, a qual o constituinte decidiu trazer a previsão para a reparação do dano moral quando essas condutas praticadas atingir a esfera jurídica de qualquer pessoa, tornando possível o acesso à justiça para a prestação jurisdicional.
Tratar dessa problemática, então, não interessa somente ao particular, mas também ao Estado, o qual é o criador de normas que impõem a obrigatoriedade de reparação do dano quando existir a violação desse direito o qual está elencado no rol dos direitos fundamentais, previstos no inciso X, do artigo 5º, da Constituição Federal que assim prescreve: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano moral decorrente dessa violação”.
A aplicabilidade do dano moral não está se dando de forma efetiva, o que se faz necessário analisar os fatores que estão envolvidos no contexto desse distrito os quais têm contribuído diretamente para que o Poder Judiciário de Belém do São Francisco/PE permaneça inerte, os quais têm impedido a aplicabilidade do mandamento constitucional que reza o seguinte: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”.
Nos dias atuais, não se justifica alguém usar expressões ou realizar ações que ofendam a honra de outrem, pois o fato é que existem leis que preveem o repúdio a qualquer conduta que viole o princípio da dignidade da pessoa humana, e que apesar das diferenças sociais, econômicas e culturais, independentemente dessas divergências, todos têm direito de ser tratado como ser humano.
A tutela do dano moral apenas se evidencia no momento em que os atos de calúnia, injúria e difamação interferem em vários aspectos da vida humana. Essa temática, pois, trata de um tema que abrange a todos. Portanto, é de suma importância, tratar da questão do dano moral, pois este não se dá somente no contexto do distrito Riacho Pequeno, mas também ocorre em outras realidades fazendo-se presente no dia-a-dia das pessoas seja nas suas relações sociais, familiares, profissionais o que demonstra a relevância de ser estudado no meio acadêmico.
2. Tratamento jurídico dado à responsabilidade civil
Depreende-se da legislação e da doutrina que a responsabilidade civil é a obrigação que tem o causador do dano de pagar uma indenização ao sujeito lesado. Nos crimes contra a honra a responsabilidade civil do causador do dano é de natureza extracontratual e nesse sentido, cita Carlos Roberto Gonçalves: “Todo aquele que causa dano a outrem, por culpa em sentido estrito ou dolo, fica obrigado a repará-lo. É a responsabilidade derivada de ilícito extracontratual, também chamada aquiliana”. (GONÇALVES, 2012, p. 42).
De acordo com Silvio de Salvo Venosa a responsabilidade civil pode ser dividida em responsabilidade objetiva e responsabilidade subjetiva. Enquanto para que esta se configure seja necessário que estejam presentes os elementos do ato ilícito, nexo de causalidade, dano e culpa aquela exige apenas o ato ilícito, nexo de causalidade e dano, excluindo, pois, o elemento culpa, baseando-se, portanto, na teoria do risco. (VENOSA, 2015, p. 1-13);
O ato, pois de agredir alguém no seu aspecto moral de maneira a lhe causar prejuízos seja de ordem psicológica, social, familiar, profissional, expondo a pessoa à humilhação, cabendo ressaltar que não é o simples aborrecimento que caracteriza o dano, porque esse ato deve causar perturbações psíquicas, afetando os sentimentos e a tranquilidade, bem como afetar a pessoa até mesmo em face de suas relações sociais, como está escrito no artigo 927, do Código Civil: “Aquele por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. O prejuízo advindo do ato é o que dá ensejo ao dever de reparação dessa lesão por meio do qual o causador poderá responder civilmente.
O dano moral se caracteriza pelo sentimento de dor profunda a que uma pessoa é exposta pela ação de outra pessoa. Fica, pois, o dano configurado quando existe uma relação entre o cometimento do ato ilícito e o sentimento ferido.
Nesse sentido, explica Uadi Lammêgo Bulos que o dano moral é “detectado pela mágoa profunda ou constrangimento de toda espécie que deprecie o ser humano quando lhe causa lesões extrapatrimoniais”. (BULOS, 2014, p. 574).
Na aplicabilidade do dano moral se deve levar em consideração alguns fatores, pois, como já foi dito, não é qualquer situação que possibilitará a sua concessão.
No que tange a isso, Carlos Roberto Gonçalves explica com precisão quais aspectos devem ser considerados quando o magistrado apreciar questões atinentes a essa temática.
No arbitramento de indenização de reparação do dano moral, o juiz terá em conta (...) “a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido”, bem como a “intensidade do dolo ou o grau de culpa do responsável, sua situação econômica. (GONÇALVES, 2012, p. 59).
Será no caso concreto que o juiz decidirá a incidência da norma do caráter ilícito da conduta do agressor bem como do prejuízo a ser reparado, o qual condenará a parte ao pagamento, tradicionalmente, estabelecido em pecúnia.
Dispõe o artigo 953, do Código Civil, prevê: “A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido”.
A calúnia, a injúria e a difamação são condutas ilícitas que além de abranger a responsabilidade penal engloba também a responsabilidade civil. Rui Stoco explica o que é essencial para configurar os crimes contra a honra:
A calúnia, a difamação e a injúria, podem eventualmente não causar dano material, mas só terão existência e estarão caracterizadas se causarem ofensa à honra, pois esta é o seu substrato. E desonrar é o mesmo que desmoralizar. Demoralização, por sua vez, é a fonte do dano moral e com ele se confunde. (STOCO apud BOGO, 2014, p. 25).
Assim, o dano material não é essencial para caracterizar os crimes contra a honra, mas o dano moral decorre da própria prática do ato e está bem esclarecido que dada situação dá ensejo a reparação do dano, como se depreende do inciso X, do artigo 5º, Constituição Federal que dispõe: “são invioláveis [...] a honra e a imagem das pessoas, assegurado o dano material ou moral decorrente de sua violação”.
3. Calúnia
A calúnia é configurada quando alguém atribui a outrem um fato tipificado como crime na legislação. Este é considerado o crime mais grave, pois além de imputar-se uma conduta falsa, está ainda é prevista como crime.
Para que o mesmo também se configure como crime ele não deve estar inserido em brincadeiras e o agente deve ter o praticado com a intenção de ofender a vítima. E o fato deve ser certo, e não apenas palavras sem fundamentos. Nesse sentido, diz a doutrina de Fernando Capez:
O fato criminoso deve ser determinado, ou seja, um caso concreto, não sendo necessário, contudo, descrevê-lo de forma pormenorizada, detalhada, como por exemplo, apontar dia, hora e local. Não pode, por outro lado, a imputação ser vaga, afirmar simplesmente que José é um ladrão. (CAPEZ apud BOGO, 2014, p. 20).
O objeto jurídico desse crime é a honra objetiva, que corresponde à reputação da vítima na sociedade, ou seja, o seu apreço e valor social e é consumado quando o fato chega ao conhecimento de outras pessoas. Nos dizeres de Vicente Greco Filho:
O delito só admite a modalidade dolosa, ou seja, o chamado animus calumniandi, a vontade de ofender a honra do sujeito passivo [...] O agente caso não tenha certeza da veracidade do fato e ainda assim, mesmo correndo o risco de ser falsa a informação que divulga, a profere do mesmo jeito, age com dolo eventual. (GRECO FILHO apud BOGO, 2014, p. 20).
Portanto, tem-se que a calúnia deve reunir os seguintes elementos: fato determinado, imputação de ato criminoso e ato falso. A difamação é configurada quando uma pessoa atinge também a honra objetiva de outra, atribuindo-lhe fato que diminua o valor social que a pessoa possui diante de todos, ou seja, a imagem da pessoa é denegrida.
4. Difamação
Acerca da difamação Yussef Said Cahali afirma que esta se caracteriza pelo fato de alguém imputar a outra pessoa algo que fira o seu valor social de forma negativa, ainda que o fato imputado não seja crime, bastando que a pessoa denegrir ou macular a reputação alheia. (CAHALI, 2011, p. 247).
Tendo em vista que há pessoas que prezam por sua imagem social, preservando certos valores acerca da sua personalidade, sejam de ordem religiosa, social, familiares, o legislador compreendeu ser necessário criar um instituto que visasse tornar viável compensar os prejuízos resultantes desse mal injusto.
E assim como na calúnia, o ato não pode ter sido inserido em uma brincadeira e para que ele prejudique a imagem social da vítima não é relevante se ele é verídico ou não. Assim, a ofensa pode ser não apenas propagada verbalmente, bem como pode ser por outros meios.
5. Injúria
Na injúria o ato praticado fere a honra subjetiva do ofendido e pode ser de forma direta ou indireta.
A injúria ocorre quando alguém ofende a esfera jurídica de outra pessoa utilizando elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. A injúria consiste, pois, na ofensa a outra pessoa através da atribuição de elementos pejorativos, e pode ser através de palavras ou gestos. E para a conduta enquadrar-se na tipificação o agente deve agir de forma dolosa.
No que diz respeito a isso, a doutrina se posiciona da seguinte maneira:
Não será suficiente ao aperfeiçoamento da injúria qualificada pelo preconceito, que alguém venha a ultrajar alguém pejorativamente chamando-o de negro, baiano, judeu, macaco, africano ou carcamano. [...] Sempre será necessário que se agregue ao simples dolo de ofender a incolumidade moral alheia o elemento subjetivo do injusto, a conferir-lhe maior amplitude e contundência, consiste numa manifestação do sentimento a revelar, de forma prevalente, a intenção de ferir não apenas a pessoa particularmente considerada e propriamente dita, mas de discriminá-la pela sua raça, etnia ou religião. (PEDROSO apud BOGO, 2014, p.24).
Cabe ressaltar que na injúria não é necessário que o conteúdo da ofensa seja comunicado a terceiro, é suficiente que o ofendido leia, ouça ou perceba o ato.
No campo da responsabilidade civil, Yussef Said Cahali cita casos em que a jurisprudência brasileira tem reconhecido o dano moral em situações em que estaria configurada a injúria:
1ª turma Rec. do JE do DF: Havendo a projeção de palavras ofensivas moralmente, seja em razão da cor,da capacidade administrativa em função eletiva legítima, caracteriza-se dano moral indenizável(16.04.2002, Rep. IOB Jurisp. 3/1.944).4ª Câmara do TJPR: O insulto sofrido pelo apelante teve forte sentido de menosprezo à pessoa humana, além de características de preconceito racial, cabendo nos termos da Carta Magna, a recomposição dos danos sofridos.(apel 55.179,04.03.1998, AASP 2090, p. 855).1ª Câmara do TALçMG: Comprovada a ofensa com palavras, expressões ou frases ofensivas, demonstrando o ofensor nítida intenção de denegrir a honra e a imagem da vítima em razão de sua cor,é devida indenização por dano moral(04.11.2003, Revista Jurídica 313/131). (CAHALI, 2011, p. 293).
Aquele que comete um ato ilícito pode fazer nascer tanto a responsabilidade civil como a penal, ou seja, o ofensor pode ser demandado não somente na esfera cível, mas também pode responder pelo seu ato na esfera criminal.