Capa da publicação Ex-Procurador da República envolvido com JBS tem prisão pedida pelo PGR: crime contra o Ministério Público
Capa: Mauro Pimentel / Folhapress
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Um crime cometido contra o Ministério Público

11/09/2017 às 15:38
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A PGR pediu a prisão preventiva do dono da JBS, Joesley Batista, do diretor da empresa Ricardo Saud, e do ex-procurador Marcello Miller, ao STF. Os supostos crimes deste último - dentre outros, obstrução da Justiça - ferem, sobretudo, toda uma instituição.

Noticia o site do jornal O Globo, no dia 9 de setembro de 2017, que a  Procuradoria-Geral da República pediu  ao Supremo Tribunal Federal (STF) a prisão preventiva do dono da JBS, Joesley Batista, do diretor da empresa Ricardo Saud, e do ex-procurador Marcello Miller. 

Ainda se informou: 

"O procurador-geral da República Rodrigo Janot deve enviar também ao STF a rescisão do acordo de colaboração premiada firmado por Joesley e Ricardo com a Procuradoria-Geral da República (PGR). Como o acerto previa imunidade total aos delatores, ele terá de ser revisto para que os dois vão para trás das grades.

O advogado é suspeito de fazer jogo duplo, ou seja, atuar como investigador do grupo de trabalho da Lava-Jato e, ao mesmo tempo, defender os interesses de executivos da J&F no início deste ano, conforme entendimento unânime da equipe de auxiliares mais próximos do procurador-geral Rodrigo Janot.

A equipe do procurador-geral considera que, ao patrocinar a defesa do empresário Joesley Batista e outros delatores da J&F, controladora da JBS, o ex-procurador incorreu em crimes como envolvimento com organização criminosa, exploração de prestígio e obstrução de justiça. Neste caso, o dono e o diretor da JBS também violaram o acordo de delação por ter suprimido informações relevantes.

Na conversa, gravada involuntariamente, os dois falam sobre contatos e favores recebidos de Miller no período que pré-tratativas do acordo de delação premiada deles e de outros executivos da J&F. Os dois também discorrem sobre como arrancar do ex-ministro José Eduardo Cardozo revelações comprometedoras sobre ministros do STF.

Miller pediu exoneração em 5 de março desde ano, mas a portaria só passou de demissão só passou a valer a partir de 5 de abril. Neste período ele teria se apresentado como advogado e atuado em defesa dos interesses dos executivos da J & F."

Necessário que se analise se o ex-procurador da República tinha informações privilegiadas e fazia uso delas. 

O fato revela-se grave e se soma à conclusão de que dois membros da Instituição foram envolvidos no escândalo da J&F. 

Em outra oportunidade,  seguindo determinação do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, a Polícia Federal prendeu o procurador da República Ângelo Goulart Villela. Ele teria recebido dinheiro do sócio da JBS-Friboi Joesley Batista para repassar informações privilegiadas. O advogado Willer Tomaz também foi preso pela PF.

Analisemos o tipo penal disposto no artigo 2º, § 1º, da Lei 12.850, que se aproxima do delito de fraude processual.

Impedir é opor-se a, estorvar, não permitir, barrar, dificultar, obstar, sustar, tolher.

Embaraçar é dificultar, trazer desordem, confusão, perturbar.

A palavra investigação deve ser interpretada de forma extensiva, para abranger, não apenas, a investigação que é estritamente considerada (investigação pela policia ou pelo Parquet), como ainda o próprio processo judicial, afastando-se a incidência do artigo 344 do Código Penal, que é a regra geral.

Assim o agente pode esconder, queimar documentos que possam comprovar a prática de crime de organização criminosa prevista na Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013.

A pena in abstrato prevista é de reclusão, de 3(três) a 8(oito) anos e multa, sem prejuízo de outras correspondentes.

Trata-se de tipo penal misto alternativo, regido pelo princípio da alternatividade (a realização de um só verbo já configura o crime, pois caso as duas condutas sejam praticadas no mesmo contexto fático, estaremos diante de um mesmo crime). Pode ser sujeito qualquer pessoa, sendo o crime comum, doloso, formal.

Para o crime organizado, tão importante como planejar, financiar, é garantir a impunidade dos seus atos, que pode acontecer: matando-se testemunhas, ameaçando-as, destruindo provas documentais e periciais.

Trata-se de crime de perigo abstrato, presumido pela norma que se contenta com a prática do fato e pressupõe ser ele perigoso e sobre o qual cabe tentativa.

É crime que envolve perigo coletivo, comum, uma vez que ficam expostos ao risco os interesses jurídicos de um número indeterminado de pessoas.

Fala-se que houve crime de exploração de prestígio. É o que se chama de "venda de fumaça". 

Com a nova redação que lhe foi dada pela Lei 9.127, de 16 de novembro de 1995, deve ser observado o núcleo verbal: Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função.

A pena é de dois a cinco anos e multa.

Alguém pode se aproveitar de uma posição privilegiada dentro de uma instituição pública ou ainda de conexões com pessoas em posição de autoridade, para obter favores ou benefícios para terceiros, geralmente assim agindo em troca de favores ou ainda um pagamento.

É uma das mais graves condutas havidas contra a Administração, pois revela o menosprezo e o desrespeito a ela. Ofende-se a confiança e o prestígio de que a Administração não pode abrir mão.

Como bem disse E. Magalhães Noronha (Direito Penal, 8ª edição, volume IV, pág. 335)  é a influência blasonada perante a Administração em geral. É a venda de ¨fumo¨, de ¨fumaça¨, que o agente realiza, iludindo o comprador mas desacreditando a Administração.

Tal se dá até com o silêncio do agente, como pode acontecer quando, mal informado, o pretendente a um fato dirige-se-lhe, supondo-o influente, e ele silencia, aceitando a vantagem ou sua promessa. Ora, o agente deve alardear o prestígio, gabar-se, de forma persuasiva, atribuindo-se a influência sobre o funcionário.

Perceba-se que não se pode conceber que alguém exponha a honra e o prestígio da Administração à situação de objeto de mercancia, de negócio, transformando o funcionário em aparentemente corrupto.

É, ainda, crime contra a administração da justiça, independente daqueles que na societatis delinquentium vierem a ser praticados, desde que sejam punidos com penas máximas superiores a quatro anos ou revelem o caráter transnacional, havendo concurso material entre tal crime e os que vierem a ser praticados pela organização criminosa. Saliente-se que os bens protegidos no crime organizado não se limitam à paz ou a tranquilidade pública, senão a própria preservação material das instituições.

Em sendo crime permanente poder-se-ia pensar na hipótese de flagrante

Resta ao Parquet "cortar na carne", impondo penas no campo penal, disciplinar e de improbidade administrativa aos envolvidos. 

Além dos crimes sujeitos à lei de organização criminosa, o ex-procurador incidiu no crime previsto no do Código Penal de patrocínio infiel: Crime contra a administração da Justiça consistente em trair, na qualidade de advogado ou procurador, o dever profissional, prejudicando o interesse, cujo patrocínio, em juízo, lhe é confiado.  

Incorre na pena deste artigo o advogado ou procurador judicial que defende na mesma causa, simultânea ou sucessivamente, partes contrárias.

Trata-se de uma modalidade de patrocínio infiel prevista no Código anterior (artigo 209,II) e que constitui o tipo tradicional de prevaricação, configurado no direito penal italiano, como crime (artigo 361).

Duas são as modalidades previstas: patrocínio simultâneo e patrocínio sucessivo de partes contrárias, devendo se tratar de processo judicial e que o pressuposto do ilícito se trate de fato atinente à mesma causa. Na lição de Nelson Hungria (Comentários ao código penal, volume IX, 522), ´´causa não deve ser interpretado em sentido demasiadamente restrito.

Assim, se um indivíduo intenta, com fundamento na mesma relação jurídica ou formulando a mesma causa petendi, em torno do mesmo fato, várias ações contra pessoas diversas, o seu advogado, em qualquer delas, não pode ser, ao mesmo tempo ou sucessivamente, advogado do algum réu em qualquer das outras, pois, no fundo, trata-se da mesma causa”. Assim, é indiferente, pois, a unidade ou pluralidade de processos: uma ação penal e outra ação civil podem constituir a mesma causa.

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Partes contrárias são pessoas com interesses antagônicos na mesma relação jurídica, ainda que não constituam partes no processo. O acusado e o lesado no processo penal são partes contrárias.

Como ensinou Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, volume III, 5ª edição, pág. 554), na forma de patrocínio simultâneo, o agente de forma contemporânea defende interesses opostos(por si, ou através de terceiros, que serão os coautores). No patrocínio sucessivo(tergiversação), o agente passa de um lado para o outro, assumindo o patrocínio da parte adversária.

Mas, se houver o consentimento válido, a antijuridicidade se exclui. Sem dúvida há crime se um procurador federal ajuíza ação de cobrança, na defesa da União, e, após, contesta a ação como advogado do réu. Não se considerou haver tergiversação na conduta de advogados que, tendo atuado em separação consensual, de há muito concluída, passam a cuidar de interesses do devedor, em questão de alimentos, o que não constituiria dois momentos da mesma causa (RJDTACRIM 12/178; RT 700/329).

Ainda não se exige que seja a defesa simultânea ou sucessiva de “partes” contrárias. Entendeu-se que está descaracterizado o crime na hipótese de advogado que funciona em autos de separação consensual como defensor de ambas as partes, e, posteriormente, assume o interesse particular de uma delas contra a outra, em ação diversa(RJDTACRIM 23/439). Considerou-se que, cumprido o mandato judicial recebido do cliente, e liberado, portanto, o advogado, de qualquer outro compromisso com ele, não pratica o crime em tela por lhe mover, posteriormente, ação de execução (RT 495/315).

O crime é formal, ao contrário da forma prevista no caput do artigo 355 do Código Penal, e se consuma quando o agente pratica qualquer ato processual relativo ao patrocínio simultâneo ou sucessivo, de partes contrárias, não bastando o simples fato de receber mandato, não se exigindo a superveniência de qualquer outro resultado.

O tipo subjetivo é o dolo genérico, que consiste na vontade consciente de patrocinar simultânea ou sucessivamente interesses contrários na mesma causa, sendo o fim de agir ou motivo irrelevante.

Se não bastasse, houve cometimento de improbidade administrativa, à luz do disposto nos artigos 10, 11 e 12 da Lei 8.429/92. 

"Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente...

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

Art. 12.  Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:         (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009)".

A conduta do ex-procurador da República revelou-se dolosa. 

Normas e princípios da administração foram infringidos pelo ex-membro do Ministério Público Federal e, ainda, sua conduta trouxe prejuízos ao erário na medida em que ele patrocinou pessoas que cometeram crimes patrimoniais. 

É um difícil momento para a instituição, mas normas e princípios devem ser cumpridos. 

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Um crime cometido contra o Ministério Público . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5185, 11 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60395. Acesso em: 22 dez. 2024.

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