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Novas luzes sobre o procedimento administrativo disciplinar no âmbito da execução criminal

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27/09/2017 às 15:00
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3 A prescindibilidade da audiência de justificação

Um dos grandes registros que pode ser extraído do acórdão é a afirmação textual no sentido de que a chamada audiência de justificação é dispensável. Ou seja, trata-se de ato processual que não tem necessidade de existir.

O Min. Marco Aurélio Bellizze registrou a seguinte lição:

Impende ressaltar, por oportuno, que, não obstante a decisão de regressão seja da competência do juiz da execução, o preceito normativo sequer determina que essa oitiva prévia seja pessoal, em audiência específica para tal finalidade.

No Estado de São Paulo, por exemplo, por ocasião do 1ª Encontro de Execução Criminal e Administração Penitenciária, realizado na cidade de Mogi das Cruzes, em que participaram todas as autoridades responsáveis pela execução penal, ficou estabelecida a seguinte diretriz:

ENUNCIADO 7. A oitiva do sentenciado, a que se refere o artigo 118 da Lei de Execuções Penais, pode ser feita por escrito ou realizada pelo diretor da unidade prisional, na presença de advogado.

Ou seja, revela-se absolutamente dispensável a audiência judicial de justificação. Em verdade, se o apenado foi assistido por advogado particular/Defensoria Pública na seara administrativa, estão atendidos os preceitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa. E, se nessa audiência, o apenado já foi ouvido, cumprido estará o requisito do § 2º do artigo 118 da LEP.

Como salientado acima, a doutrina também conforta essa ideia, como se verifica da transcrição já feita da obra de Guilherme de Souza Nucci (2007b, p. 960), a qual refere expressamente que o poder disciplinar é exercido pela autoridade administrativa (conforme art. 47 da LEP), enquanto que ao Juiz compete analisar os reflexos do reconhecimento da falta na individualização executória da pena, podendo implicar regressão de regime, perda de dias remidos, impedimento de saída temporária, dentre outros (art. 48, parágrafo único, da LEP).

Ou seja, o Juiz analisa os reflexos do PAD na execução penal, de maneira que a audiência será dispensável se o apenado já tiver sido ouvido perante a autoridade administrativa. Veja-se que a LEP não exige que o apenado seja ouvido pessoalmente pelo magistrado titular da VEC.

E nesse contexto é que o STJ entendeu que revela-se imprescindível a realização de PAD, pois é lá na seara administrativa que tudo acontece. Ao Juízo da VEC compete apenas e tão somente decidir acerca da aplicação (ou não) daquilo que é equivocadamente chamado de “consequências legais”.

A má compreensão do Poder Judiciário acerca do teor do acórdão, porém, vem ocasionando prejuízo irreparável aos apenados. Afinal, ao decidir por realizar audiências de justificação para toda e qualquer falta, ao mesmo tempo que exige PAD para tudo, o Poder Judiciário acaba por tornar um direito do apenado em malefício. O direito ao PAD acompanhado de um defensor acaba por se tornar um pesadelo, e isso não pode ocorrer. Uma injustiça não pode ser reparada apenas para substituí-la por outra (como vem ocorrendo hoje, em que apenados ficam aguardando em regime mais severo – chamada regressão cautelar – por uma audiência que pode levar até 1 ano ou mais). É preciso que se dê coerência ao sistema processual penal. E, no presente caso, a coerência manda que as audiências de justificação em Juízo sejam dispensadas, exatamente como destacado pelo Min. Marco Aurélio Bellizze, ao citar o exemplo do Estado de São paulo e o Enunciado 7, editado por ocasião do 1ª Encontro de Execução Criminal e Administração Penitenciária (realizado na cidade de Mogi das Cruzes).

É a única solução que coloca tudo em seu devido lugar. Sem mencionar que essa forma de proceder termina por desafogar o Poder Judiciário, na medida em que não precisa ficar realizando audiências a esmo, sem necessidade.


4 Consectários lógicos da decisão administrativa que reconhece a falta grave

Costuma-se dizer que a regressão de regime e a perda de dias remidos são consectários lógicos do reconhecimento da falta grave, como se fosse algo de aplicação automática. Contudo, a partir da leitura do acórdão, verifica-se que isso não é bem assim.

Se o reconhecimento da falta é matéria exclusiva da competência do Diretor do Presídio, e se ao Juiz compete apenas ouvir o apenado, quando julgar necessário, para decidir se aplica as penalidades que lhe compete, isso significa dizer que a regressão de regime (ou qualquer dos consectários previstos em lei) não são de reconhecimento obrigatório. Serão critérios de proporcionalidade/razoabilidade que levarão o Juiz a decretar tais sanções. Observa-se, portanto, que as sanções não são corolário lógico e muito menos de aplicação obrigatória. Muito pelo contrário, são de imposição facultativa. Estão a disposição do Magistrado, mas isso não quer dizer que sempre tenha que aplicá-las. Até porque, pela falta, o apenado já terá sido punido anteriormente pela Direção da casa prisional e pode ser que a sanção aplicada tenho sido suficiente para a responsabilização do fato. Logo, o Magistrado tem a opção de de aplicá-las ou não.

Pensar de forma diferente, isto é, que são obrigatórias por se tratarem de um consectário lógico, seria o mesmo que tornar a possibilidade de audiência judicial um ato inútil. Isso porque, na medida em que a Casa Prisional é quem decide sobre a falta grave, e vindo o procedimento (PAD) para Juízo, bastaria o próprio Cartório Judicial calcular e aplicar as penalidades a todo e qualquer caso de forma automática. Não haveria nenhuma necessidade – sequer – de apreciação judicial a respeito. E este não parece ter sido o escopo da lei. Seja pela utilização da Interpretação teleológica (de acordo com a sua finalidade), seja pela utilização da interpretação sistemática (enquanto norma inserida em uma sistema), a conclusão é a mesma.

Assim, forçoso o raciocínio de que as tais “consequências” legais são, na verdade, de aplicação facultativa.


5 Ofensa ao Princípio da Legalidade e aos Princípios da Federação e da Separação de Poderes (CF)

Considerando os elementos que foram trazidos acima, podemos observar que o Poder Judiciário extrapola seguidamente a competência que lhe foi atribuída pela Lei de Execução Penal (ao proferir decisão que invade a atribuição exclusiva do Diretor do Presídio), o que implica dizer que há uma afronta direta ao Princípio da Legalidade, insculpido no artigo 37, caput, da Constituição Federal.

Da mesma maneira, estando o Poder Judiciário histórica e sistematicamente adentrando no mérito administrativo, verifica-se violação frontal e direta dos Princípios Federativo e da Separação dos Poderes, como previstos no artigo 2º e no artigo 60, § 4º, incisos I e III, todos da Constituição Federal.

Por fim, o princípio da inércia da jurisdição é de caráter supralegal, consequência natural do sistema acusatório inaugurado pela Constituição Federal. Como bem destacado por Aury Lopes Jr (2012, p. 233):

… não prevê nossa Constituição – expressamente – a garantia de um processo penal orientado pelo sistema acusatório. Contudo, nenhuma dúvida temos da sua consagração, que não decorre da “lei”, mas da interpretação sistemática da Constituição.

Assim, ainda que de forma implícita, pode-se extrair com tranquilidade a conclusão de que a inércia da jurisdição é efetivamente um princípio jurídico-constitucional, em razão da interpretação sistemática do texto magno (como já salientado pelo Prof. Aury Lopes Jr. nas transcrições anteriores). Este, ao fim e ao cabo, resta igualmente violado, na medida em que o Poder Judiciário age sem a devida provocação (ofendendo o brocardo ne procedat iudex ex officio).


6 Ofensa a dispositivos da LeGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL

Considerando, outrossim, os fundamentos trazidos anteriormente, forçoso concluir que o Poder Judiciário, igualmente, desborda daquilo que lhe atribui a Lei de Execução Penal, havendo afronta assim aos artigos 47, 48, 54, 118, 125, 127 e 181, todos deste diploma legal.

Os arts. 47 e 48 estabelecem que o poder disciplinar será exercido pela autoridade administrativa a que estiver sujeito o condenado:

Art. 47. O poder disciplinar, na execução da pena privativa de liberdade, será exercido pela autoridade administrativa conforme as disposições regulamentares.

Art. 48. Na execução das penas restritivas de direitos, o poder disciplinar será exercido pela autoridade administrativa a que estiver sujeito o condenado.

Parágrafo único. Nas faltas graves, a autoridade representará ao Juiz da execução para os fins dos artigos 118, inciso I, 125, 127, 181, §§ 1º, letra d, e 2º desta Lei.

Outrossim, o art. 54 assegura quais sanções são da competência do Diretor do Estabelecimento Prisional e quais são do Juiz da Vara de Execuções Criminais:

Art. 54. As sanções dos incisos I a IV do art. 53 serão aplicadas por ato motivado do diretor do estabelecimento e a do inciso V, por prévio e fundamentado despacho do juiz competente. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003)

§ 1o A autorização para a inclusão do preso em regime disciplinar dependerá de requerimento circunstanciado elaborado pelo diretor do estabelecimento ou outra autoridade administrativa. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003)

§ 2o A decisão judicial sobre inclusão de preso em regime disciplinar será precedida de manifestação do Ministério Público e da defesa e prolatada no prazo máximo de quinze dias. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003)

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Sabe-se que determinadas consequências e sanções são da competência do juiz da execução penal: a regressão de regime (art. 118, I), a revogação de saída temporária (art. 125), a perda dos dias remidos (art. 127) e a conversão de pena restritiva de direitos em privativa de liberdade (art. 181, § 1º, d, e § 2º):

Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado:

I - praticar fato definido como crime doloso ou falta grave;

§ 2º Nas hipóteses do inciso I e do parágrafo anterior, deverá ser ouvido previamente o condenado.

Art. 125. O benefício será automaticamente revogado quando o condenado praticar fato definido como crime doloso, for punido por falta grave, desatender as condições impostas na autorização ou revelar baixo grau de aproveitamento do curso.

Art. 127. Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar. (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011)

Art. 181. A pena restritiva de direitos será convertida em privativa de liberdade nas hipóteses e na forma do artigo 45 e seus incisos do Código Penal.

§ 1º A pena de prestação de serviços à comunidade será convertida quando o condenado:

a) não for encontrado por estar em lugar incerto e não sabido, ou desatender a intimação por edital;

b) não comparecer, injustificadamente, à entidade ou programa em que deva prestar serviço;

c) recusar-se, injustificadamente, a prestar o serviço que lhe foi imposto;

d) praticar falta grave;

e) sofrer condenação por outro crime à pena privativa de liberdade, cuja execução não tenha sido suspensa.

§ 2º A pena de limitação de fim de semana será convertida quando o condenado não comparecer ao estabelecimento designado para o cumprimento da pena, recusar-se a exercer a atividade determinada pelo Juiz ou se ocorrer qualquer das hipóteses das letras "a", "d" e "e" do parágrafo anterior.

Assim, da leitura atenta dos dispositivos, e na esteira do entendimento sedimentado pelo STJ em sede de Recurso Repetitivo, a reorientar toda a jurisprudência brasileira, verifica-se que a atual prática processual afronta cada um dos dispositivos acima, na medida em que o Poder Judiciário exerce competência que não lhe foi atribuída, qual seja, a de reconhecer a prática de faltas graves, além de determinar a instauração de PADs, sem ter a autoridade necessária para isso. Em verdade, tais atribuições são do Diretor do Presídio, sendo que a competência do Juízo de Direito é limitada a: (1) analisar quais os efeitos da decisão administrativa ao Processo de Execução Criminal; e (2) se provocado, efetuar o controle de legalidade/constitucionalidade).

Porém, o Poder Judiciário, ao deixar de aplicar corretamente os comandos legais referentes aos dispositivos citados, termina por afrontar de forma direta cada um deles, tornando possível a via recursal especial, por ofensa direta aos artigos 47, 48, 54, 118, 125, 127 e 181 da LEP.

Não suficiente a afronta aos dispositivos da LEP, forçoso ainda concluir que a iniciativa do Poder Judiciário no sentido de agir sem provocação, ao determinar a instauração de PADs ou mesmo imiscuir-se nas atribuições de autoridades administrativas sem provocação (ex officio), acaba por afrontar o artigo 3º do Código de Processo Penal, em sua combinação com o artigo 2º do Novo Código de Processo Civil, os quais trazem o Princípio da Inércia da Jurisdição, lá do processo civil, para o processo penal.

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Sobre o autor
Everton Hertzog Castilhos

advogado do escritório Ribeiro Machado Advogados, em Porto Alegre (RS), especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTILHOS, Everton Hertzog. Novas luzes sobre o procedimento administrativo disciplinar no âmbito da execução criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5201, 27 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60500. Acesso em: 22 dez. 2024.

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