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Novas luzes sobre o procedimento administrativo disciplinar no âmbito da execução criminal

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27/09/2017 às 15:00
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8 CONCLUSÃO

Em função de tudo o que foi exposto, não restam dúvidas que o Poder Judiciário – junto com os demais atores judiciais – vem historicamente adentrando no mérito de atos administrativos, muito embora não tenha tido a intenção de fazê-lo. Ao permitir que se possa oficiar órgãos administrativos da forma como se faz hoje (ordenando a instauração de procedimentos disciplinares) e ao enfrentar o mérito dos atos administrativos (relegando o administrador prisional a um segundo plano, como se suas decisões não tivessem validade), o Poder Judiciário causa inúmeros transtornos e injustiças – muito embora, repita-se, não tenha sido essa jamais a sua intenção.

O acompanhamento da jurisprudência reiterada, assim como do dia-a-dia das Varas de Execuções Criminais, permite afirmar com absoluto grau de convicção que os Juízes (e os demais atores judiciais) dão tudo de si para fazer o sistema funcionar. Os agentes e serventuários envolvidos são verdadeiros guerreiros dentro do sistema público. Afinal, diferentemente de outras varas com competências mais glamorosas, a execução criminal não recebe a atenção que mereceria receber, até para implementar todas as políticas públicas que seriam necessárias. E a imagem junto à sociedade não é das melhores, pois quem atua perante a área prisional recebe olhares “duvidosos”, tendo em vista que lida com “bandidos” (fato que tem se agravado com as recentes questões envolvendo o agravamento da crise da Segurança Pública).

Nesse sentido, olha-se com parcimônia e afirma-se que, muito embora bem-intencionados, os agentes envolvidos acabaram por colaborar com uma injustiça gritante ao longo de anos de decisões “reiteradas”, sem jamais questionar os fundamentos e motivos dessas decisões. Nem mesmo Defensores, Promotores e Advogados passaram ilesos em relação a isso. A responsabilidade, decididamente, não é exclusiva do Poder Judiciário. O problema é que cabe a este a última palavra, o que acaba por deixá-lo mais em evidência, apenas isso. Mas devemos lembrar que a Magistratura decide a partir daquilo que lhe é apresentado.

Nesse passo, é importante que se dê a devida atenção aos problemas levantados neste estudo. É preciso sair daquela atuação “no automático” que o dia-a-dia impõe, para que se possa questionar o Processo de Execução Criminal com a profundidade que ele merece.

Assim, depois de tudo o que restou apresentado, algumas conclusões podem ser extraídas:

  • a competência para instaurar, conduzir a instrução do PAD, reconhecer a prática de uma falta grave e aplicar sanções administrativas é do Diretor do estabelecimento prisional
  • o Juízo da VEC não tem competência para determinar a instauração de PADs
  • o Juízo da VEC, igualmente, não tem competência para reconhecer ou deixar de reconhecer faltas graves
  • a competência do Juízo da VEC está restrita a aplicar (ou não) um ou alguns dos chamados “consectários legais” (que não são de aplicação obrigatória em qualquer caso)
  • se provocado, poderá o Judiciário exercer o controle de legalidade/constitucionalidade dos atos administrativos
  • Na ausência de provocação determinará (ou não) a regressão de regime, a alteração da data-base e a perda da remição (mas não poderá se imiscuir na competência do Diretor do Presídio, reconhecendo ou não a suposta falta grave).
  • a audiência de justificação é prescindível
  • diante da omissão na LEP, a prescrição de faltas disciplinares será aquela regrada nas legislações estaduais, quando houver essa previsão

Diante desse quadro de conclusões que o estudo impõe, e até para otimizar a atuação processual penal nos feitos atinentes à execução criminal, poder-se-ia sugerir inclusive a seguinte forma de agir, quando do aporte nos autos da notícia do reconhecimento administrativo de uma falta grave:

  • vista dos documentos para o Ministério Público e a Defesa (constituída ou Pública) para analisarem o procedimento e formularem as alegações pertinentes (se as entenderem necessárias);
  • na ausência de requerimentos, o Juiz apreciará se é o caso de aplicação (ou não) de uma, todas ou apenas algumas das consequências que entender cabíveis (regressão de regime, alteração de data-base e/ou perda da remição);
  • no caso de haver alegações, poderá então (agora devidamente provocado) declarar a ilegalidade/inconstitucionalidade, se entender que estas existem; ou, na hipótese de entender não haver nenhum vício, apreciar se é o caso de aplicação dos efeitos referidos no item anterior.

Proceder dessa maneira parece atender de forma conciliadora e integral a todos os princípios processuais mencionados acima, tanto os constitucionais como os legais. Da mesma forma, haveria um grande incremento de agilidade na procedimentalização dos PADS e na sua apreciação judicial (que inclusive dispensaria audiências desnecessárias). De outra banda, o apenado veria o seu direito apreciado com agilidade, fato que teria como efeito direto a própria pacificação das casas prisionais (hoje superlotadas, algumas à beira de um colapso).

Pode-se inclusive dizer que é semelhante a uma negociação do tipo “ganha-ganha” (do inglês “win-win negotiation”), pois: de um lado, ganha o apenado em justiça e celeridade; ao mesmo tempo, do outro lado, ganha o Poder Judiciário que, ao não precisar realizar audiências a esmo, pode direcionar o foco do seu trabalho para questões mais práticas, como a própria fiscalização prisional ou mesmo a análise dos pedidos formulados pelos jurisdicionados. Ainda, uma consequência feliz e inesperada da solução apresentada: ganha também o Poder Executivo, pois, não havendo mais necessidade de audiências de justificação, também não há mais a necessidade de transporte de presos, o que gera uma grande economia de recursos para o Estado.


9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, Wellington Pacheco. Curso de processo administrativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 3ª edição, revisada e atualizada, de acordo com a Emenda Constitucional n. 56/2007. São Paulo: Saraiva, 2009

FREITAS, Juarez. Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004

JESUS, Damásio de. Prescrição Penal. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001

JULIOTTI, PEDRO de JESUS. Lei de Execução Penal anotada. São Paulo: Editora Verbatim, 2011

LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 21ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1996

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal – parte geral – parte especial. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007

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Sobre o autor
Everton Hertzog Castilhos

advogado do escritório Ribeiro Machado Advogados, em Porto Alegre (RS), especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTILHOS, Everton Hertzog. Novas luzes sobre o procedimento administrativo disciplinar no âmbito da execução criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5201, 27 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60500. Acesso em: 23 abr. 2024.

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