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Do acordo de não-persecução penal

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QUANDO SERÁ POSSÍVEL O ACORDO DE NÃO-PERSECUÇÃO PENAL

Conforme a resolução 181 do CNMP, nos delitos cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, não sendo o caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor ao investigado acordo de não-persecução penal, desde que este confesse formal e detalhadamente a prática do delito e indique eventuais provas de seu cometimento, além de cumprir os seguintes requisitos, de forma cumulativa ou não:

I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima;

II – renunciar voluntariamente a bens e direitos, de modo a gerar resultados práticos equivalentes aos efeitos genéricos da condenação, nos termos e condições estabelecidos pelos artigos 91 e 92 do Código Penal;

III – comunicar ao Ministério Público eventual mudança de endereço, número de telefone ou e-mail;

IV – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito, diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo Ministério Público.

V – pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse social a ser indicada pelo Ministério Público, devendo a prestação ser destinada preferencialmente àquelas entidades que tenham como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito.

VI – cumprir outra condição estipulada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal aparentemente praticada.

Leciona Emerson Garcia:

“Na disciplina da Resolução CNMP nº 181/2017, não são aplicadas verdadeiras penas, já que os requisitos a serem cumpridos são individualizados em momento anterior à persecução penal, excluindo-a. Acresça-se que o objeto do acordo não importa em qualquer ruptura com o sistema vigente, que admite a celebração de ajustes inclusive em relação ao quantum da pena privativa de liberdade a ser cumprida, afastando a tradicional tese da indisponibilidade do interesse. Além disso, os requisitos que mais se assemelham às sanções previstas na legislação penal, especificamente às penas restritivas de direitos, são a prestação de serviço à comunidade e o pagamento de prestação pecuniária, os quais sequer redundam em privação da liberdade”.


DA IMPOSSIBILIDADE DO ACORDO DE NÃO-PERSECUÇÃO PENAL

Não se admitirá a proposta nos casos em que:

I – for cabível a transação penal, nos termos da lei;

II – o dano causado for superior a vinte salários-mínimos ou a parâmetro diverso definido pelo respectivo órgão de coordenação;

III – o investigado incorra em alguma das hipóteses previstas no art. 76, § 2º, da Lei n. 9.099/95, in verbis:

a) ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

b) ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

c) não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.

IV – o aguardo para o cumprimento do acordo possa acarretar a prescrição da pretensão punitiva estatal.


 DA FORMALIZAÇÃO DO ACORDO DE NÃO-PERSECUÇÃO PENAL

O acordo será formalizado nos autos, com a qualificação completa do investigado e estipulará de modo claro as suas condições, eventuais valores a serem restituídos e as datas para cumprimento e será firmado pelo Membro do Ministério Público, pelo investigado e seu advogado.

A confissão detalhada dos fatos e as tratativas do acordo deverão ser registrados pelos meios ou recursos de gravação audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informações.

É dever do investigado comprovar mensalmente o cumprimento das condições, independentemente de notificação ou aviso prévio, devendo ele, quando for o caso, por iniciativa própria, apresentar imediatamente e de forma documentada eventual justificativa para o não cumprimento do acordo.


O MOMENTO DA FORMALIZAÇÃO DO ACORDO  DE NÃO- PERSECUÇÃO PENAL

Segundo o artigo 18 § 5º da Resolução 181 do CNMP:

“O acordo de não-persecução poderá ser celebrado na mesma oportunidade da audiência de custódia”.

Dada à celeridade da audiência de custódia e o tempo que pode levar para que os Membros do Ministério Público possam averiguar os fatos permissivos e impeditivos do acordo de não-persecução penal, na prática, nem sempre será possível ofertar a proposta de não-persecução penal, mas não há nenhum óbice do acordo ser proposto por ocasião do recebimento da nota de culpa ou inquérito policial.


DA CONSEQUÊNCIA DO DESCUMPRIMENTO DAS CONDIÇÕES ESTIPULADAS NO ACORDO  FORMALIZAÇÃO  DE NÃO-PERSECUÇÃO PENAL

Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo ou não comprovando o investigado o seu cumprimento, no prazo e condições estabelecidas, o Membro do Ministério Público deverá, se for o caso, imediatamente oferecer denúncia.

Não havendo elementos informativos mínimos para dar suporte a uma delatio criminis, o Membro do Ministério Público requisitar a instauração de um inquérito policial ou instaurar um PIC.

O descumprimento do acordo de não-persecução pelo investigado, também, poderá ser utilizado pelo Membro do Ministério Público como justificativa para o eventual não-oferecimento de suspensão condicional do processo.

Cumprido integralmente o acordo, o Ministério Público promoverá o arquivamento da investigação, sendo que esse pronunciamento, desde que esteja em conformidade com as leis e com a resolução 181 do CNMP, vinculará toda a Instituição.


DA CONCLUSÃO E DO ARQUIVAMENTO DO PIC  (PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL).

Segundo o artigo 19 da Resolução 181 do CNMP:

Art. 19. Se o membro do Ministério Público responsável pelo procedimento investigatório criminal se convencer da inexistência de fundamento para a propositura de ação penal pública ou constatar o cumprimento do acordo de não persecução, promoverá o arquivamento dos autos ou das peças de informação, fazendo-o fundamentadamente.

Parágrafo único. A promoção de arquivamento será apresentada ao juízo competente, nos moldes do art. 28 do CPP, ou ao órgão superior interno responsável por sua apreciação, nos termos da legislação vigente.

Portanto, caso o poder judiciário não aceite o acordo de não-persecução penal, haverá duas hipóteses:

  • No âmbito da justiça estadual, não havendo aceitação do acordo de não-persecução penal, o juiz fará remessa dos autos ao procurador-geral de justiça, e este oferecerá a denúncia, se houver elementos informativos suficientes, ou designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.
  • No âmbito da justiça federal, deverá os autos serem remetidos à Câmara de Coordenação e Revisão Criminal manifestar-se sobre o arquivamento, à exceção das hipóteses de competência originária do Procurador-geral, isto é, nos casos de ações penais que devam ser ajuizadas perante o Supremo Tribunal Federal e perante o Superior Tribunal de Justiça (arts. 46 e 48 da Lei Complementar no 75/1993).


DESARQUIVAMENTO DO PIC  (PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL).

A decisão que defere o pedido de arquivamento motivado pelo acordo não-persecução penal, não faz coisa julgada material, mas tão-somente formal. Portanto, aparecendo novas provas, será possível o desarquivamento:

O artigo 20 da resolução nº 181 do CNMP é clara:

“Se houver notícia da existência de novos elementos de informação, poderá o membro do Ministério Público requerer o desarquivamento dos autos, providenciando-se a comunicação a que se refere o artigo 5º desta Resolução”.


O ACORDO DE NÃO-PERSECUÇÃO PENAL E O PROCESSO DE EXPANSÃO DO PROCESSO PENAL

Dissertamos no livro “Tratado Doutrinário de Direito Penal[8], ainda no prelo que:

Jésus-Maria Silva Sánchez criou o chamado processo de expansão do Direito Penal, atribuindo o que seria as velocidades do Direito Penal. Ensina o renomado autor:[9]

Uma primeira velocidade, representada pelo Direito Penal ‘do cárcere’, em que haveriam de ser mantidos rigidamente os princí­pios político-criminais clássicos, as regras de imputação e os princí­pios processuais; e uma segunda velocidade, para os casos em que, por não se tratar de prisão, senão de penas de privação de direitos ou pecuniárias, aqueles princípios e regras poderiam experimentar uma flexibilização proporcionada a menor intensidade da sanção.

O “Direito Penal da pena de prisão” concorre com uma ampla relativização de garantias político-criminais, neste sentido, as regras de imputação e critérios processuais, devem ser alterados para alcançar o fim maior do processo que é a resolução das lides com fito de promover a paz social.

Neste sentido, no processo de expansão do processo penal, há três velocidades:

a) Direito Penal de primeira velocidade: é o Direito Penal tradicional, car­acterizado pela pena de prisão, com duas características predominantes:

1 – tem como último fim a aplicação de uma pena privativa de liberdade;

2 – observa na aplicação da pena as regras garantistas penais e processuais penais.

EXEMPLO PRÁTICO

É a velocidade, em regra, adotada pelo Direito Penal brasileiro, em que a maioria das penas é privativa de liberdade, mas são observados vários princípios constitucionais e infraconstitucionais na aplicação da pena.

b) Direito Penal de segunda velocidade: é o Direito Penal caracterizado pela aplicação de penas que não levam o condenado ao cárcere e que tem como principais características:

1 – aplicação de penas em não-privativas de liberdade;

2 – na aplicação das penas não-privativas de liberdade podem ser afastadas algumas garantias penais e processuais penais.

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EXEMPLO PRÁTICO

Um exemplo típico do Direito Penal de segunda velocidade são os institutos da Lei no 9.099/1995, transação penal, suspensão condicional do processo e agora o acordo de não-persecução penal, em que temos a aplicação de penas em não-privativas de liberdade, mas não são observados os princípios do contraditório, ampla defesa e o devido processo legal.

c) Direito penal de terceira velocidade: é a teoria do Direito Penal do inimigo de Güinther Jakobs. Na realidade, há um Direito Penal de velocidade híbrida, pois há duas características principais:

1 – tem como último fim a aplicação de uma pena privativa de liberdade (primeira característica do Direito Penal de primeira velocidade);

2 – na aplicação das penas privativas de liberdade podem ser afastadas algu­mas garantias penais e processuais penais (segunda característica do Direito Penal de segunda velocidade).

Tem como características, dentre outras: a tipificação dos atos meramente preparatórios na associação criminosa (art. 288, CP), tipos de mera conduta (ex. ato obsceno), tipos de perigo abstrato (ex. lei de drogas).

EXEMPLO PRÁTICO

Podemos afirmar que, no Brasil, há um exemplo de direito penal do inimigo, é a chamada lei do abate (Lei no 9.614/1998) que, como já relatamos, autoriza sem a observância de nenhuma das garantias constitucionais, a destruição de aeronave e, por ser evidente, a morte do piloto.

Já o RDD (regime disciplinar diferenciado) não pode ser classificado como terceira velocidade, porque há uma priorização da pena privativa de liberdade, mas há plena observação de garantistas penais e processuais penais, portanto, estamos diante de uma primeira velocidade.


Notas

[1] (SCHÜNEMANN, Bernd. Cuestiones Básicas de la Estructura y Reforma del Procedimento Penal bajo una Perspectiva Global, in Obras. Tomo II, Rubinzal Culzoni: Buenos Aires, 2009, p. 423).

[2]ADC 12, Relator(a):  Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 20/08/2008, DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009 EMENT VOL-02387-01 PP-00001 RTJ VOL-00215-01 PP-00011 RT v. 99, n. 893, 2010, p. 133-149

[3]Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=606840>. Acesso em: 11 de setembro de 2017.

[4]Especificamente no caso da Alemanha, os casos que permitem disponibilidade do membro do Ministério Público para o não oferecimento da ação penal estão restritos aos crimes de bagatela.10.2001)

[5] (VANINI, Ottorino, COCCIARDI, Giuseppe. Manuale di diritto processuale penale italiano, 1986. Milão: Giufré, 1986. p. 22.)

[6] (Dias. Jorge de Figueiredo. Op. cit.

[7] (Istituzioni del processo civile italiano. Roma, 1956, n. 98).

[8] Editora JH Mizuno, lançamento: fevereiro de 2018.

[9] SÁNCHEZ, Jésus-Maria Silva. La expansión del derecho penal, p. 163.

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Sobre os autores
Jefson M S Romaniuc

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Pernambuco. Graduado pela Universidade Federal da Paraíba. Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Superior de Advocacia da Paraíba – ESA/PB. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Faculdade CERS. Mestrando em Políticas Públicas pela Universidade Federal de Pernambuco.

Francisco Dirceu Barros

Procurador Geral de Justiça do Estado de Pernambuco, Promotor de Justiça Criminal e Eleitoral durante 18 anos, Mestre em Direito, Especialista em Direito Penal e Processo Penal, ex-Professor universitário, Professor da EJE (Escola Judiciária Eleitoral) no curso de pós-graduação em Direito Eleitoral, Professor de dois cursos de pós-graduação em Direito Penal e Processo Penal, com vasta experiência em cursos preparatórios aos concursos do Ministério Público e Magistratura, lecionando as disciplinas de Direito Eleitoral, Direito Penal, Processo Penal, Legislação Especial e Direito Constitucional. Ex-comentarista da Rádio Justiça – STF, Colunista da Revista Prática Consulex, seção “Casos Práticos”. Colunista do Bloq AD (Atualidades do Direito). Membro do CNPG (Conselho Nacional dos Procuradores Gerais do Ministério Público). Colaborador da Revista Jurídica Jus Navigandi. Colaborador da Revista Jurídica Jus Brasil. Colaborador da Revista Síntese de Penal e Processo Penal. Autor de diversos artigos em revistas especializadas. Escritor com 70 (setenta) livros lançados, entre eles: Direito Eleitoral, 14ª edição, Editora Método. Direito Penal - Parte Geral, prefácio: Fernando da Costa Tourinho Filho. Direito Penal – Parte Especial, prefácios de José Henrique Pierangeli, Rogério Greco e Júlio Fabbrini Mirabete. Direito Penal Interpretado pelo STF/STJ, 2ª Edição, Editora JH Mizuno. Recursos Eleitorais, 2ª Edição, Editora JH Mizuno. Direito Eleitoral Criminal, 1ª Edição, Tomos I e II. Editora Juruá, Manual do Júri-Teoria e Prática, 4ª Edição, Editora JH Mizuno. Manual de Prática Eleitoral, Editora JH Mizuno, Tratado Doutrinário de Direito Penal, Editora JH Mizuno. Participou da coordenação do livro “Acordo de Não Persecução Penal”, editora Juspodivm.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANIUC, Jefson M S ; BARROS, Francisco Dirceu. Do acordo de não-persecução penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5195, 21 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60515. Acesso em: 3 mai. 2024.

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