2. Jurisdição Constitucional dos Tribunais de Justiça
O controle de constitucionalidade, nas palavras de Bonavides, "é coluna de sustentação do Estado de direito, onde ele se alicerça sobre o formalismo hierárquico das leis" (BONAVIDES, 2002, p. 272).
Canotilho leciona que a fiscalização judicial da constitucionalidade das leis e atos normativos do Estado constitui um dos mais relevantes instrumentos de controle do cumprimento e da observância de normas constitucionais (CANOTILHO, 2003).
Segundo o autor, o controle da constitucionalidade é garantia de observância da Constituição, ao assegurar a força normativa da Constituição, bem como ao reagir contra a violação das normas constitucionais, como garantia preventiva de evitar a existência de atos normativos formal e materialmente violadores de normas e princípios constitucionais (CANOTILHO, 2003).
Para Novelino, por estabelecerem direitos e garantias fundamentais, a estrutura do Estado e a organização dos poderes, as constituições possuem supremacia de conteúdo em relação às Leis, impondo a compatibilidade vertical das normas do ordenamento jurídico, a ser fiscalizada por órgãos encarregados de impedir a criação e manutenção de atos normativos em desacordo com o seu fundamento de validade (NOVELINO, 2017).
Zanon Junior afirma que "os ditames infraconstitucionais não possam contrariar o centro material e formal do sistema", ensinando em sua Teoria Complexa do Direito, que o centro do Ordenamento Jurídico é a Constituição (ZANON JUNIOR, 2013, p. 126-127).
Bonavides explica que "o controle jurisdicional da constitucionalidade das leis consagra duas formas básicas: o controle por via de exceção e o controle por via de ação" (BONAVIDES, 2002, p. 270).
Historicamente, o controle de constitucionalidade tem sua base em um precedente de controle de constitucionalidade de leis por via de exceção, ou seja, na análise judicial de um caso concreto (controle difuso e concreto, por via de exceção ou sistema americano). Referido precedente ocorre em 1.803, nos Estados Unidos, na decisão do emblemático caso Marbury versus Madison, com a fundamentação do juiz da Suprema Corte americana John Marshall, quanto à natureza das Constituições escritas. Bonavides afirma que na decisão "sustentava ele a irrefutável tese da supremacia da lei constitucional sobre a lei ordinária, ao declarar, na espécie julgada, que todo ato do Congresso contrário à Constituição Federal deveria ser tido por nulo, inválido e ineficaz" (BONAVIDES, 2002, p. 281).
Por sua vez, a origem histórica do controle de constitucionalidade por via de ação (controle concentrado e abstrato, por via de ação ou sistema austríaco) partiu de Kelsen, na doutrina de constituir um órgão jurisdicional que enfeixasse toda a competência decisória em matéria de constitucionalidade. Esse sistema de jurisdição concentrada foi positivado na Constituição austríaca de 1920 (BONAVIDES, 2002).
Bonavides esclarece que "a aplicação do controle de constitucionalidade das leis por via de ação tanto pode caber a um tribunal ordinário (uma Suprema Corte) como a um órgão jurisdicional especializado (um tribunal constitucional)" (BONAVIDES, 2002, p. 278).
Novelino leciona que o controle abstrato (por via de ação, por via direta ou principal), é voltado a assegurar a supremacia da Constituição, tratando-se de processo constitucional objetivo, sem a existência de partes formais, passível de ser instaurado, em tese, sem a existência de um interesse jurídico subjetivo (NOVELINO, 2017).
Já o controle de constitucionalidade por via de exceção (também denominado de controle in concreto ou difuso), pode ser efetuado por qualquer juiz ou tribunal, quando, no curso de uma demanda judicial, uma das partes alega em defesa objeção de inconstitucionalidade de lei que se pretenda aplicar ao caso concreto (BONAVIDES, 2002).
Quanto à jurisdição constitucional para o controle de constitucionalidade, ao Supremo Tribunal Federal incumbe o controle abstrato mediante ação direta de inconstitucionalidade ou declaratória de constitucionalidade, de norma estadual e federal em face da Constituição Federal. O Supremo Tribunal Federal também pode realizar por meio de arguição de descumprimento de preceito fundamental, o controle de abstrato de norma municipal em face de preceito fundamental da Constituição Federal (MARINONI, 2013).
Marinoni leciona, de outro lado, que o exame da constitucionalidade abstrato de lei municipal e estadual, mediante ação direta, em face da Constituição do Estado, cabe ao Tribunal de Justiça Estadual (MARINONI, 2013).
Quanto às formas de controle de constitucionalidade de competência do Supremo Tribunal Federal, importa o registro de que, além da Suprema Corte exercer o controle concentrado e abstrato de constitucionalidade, realiza também o controle difuso e concreto de constitucionalidade. Tal controle ocorre nas hipóteses de julgamento de Recurso Extraordinário, interposto em face das causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida a) contrariar dispositivo da Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição e d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal, conforme previsão do art. 102, III, da Constituição Federal.
Marinoni menciona que de um lado, há a jurisdição constitucional exercida pelo Supremo Tribunal Federal e, de outro, a jurisdição constitucional desempenhada pelos Tribunais de Justiça dos Estados-Membros. Enquanto o controle de constitucionalidade, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, recai sobre lei ou ato normativo federal e estadual, o objeto de controle perante os Tribunais de Justiça é a lei ou ato normativo estadual ou municipal. Além disso, as duas formas de controle de constitucionalidade tomam em consideração parâmetros diversos, isto porque no STF o parâmetro é a Constituição Federal, ao passo nos Tribunais de Justiça, o parâmetro de análise da constitucionalidade é a Constituição Estadual (MARINONI, 2013).
Importa assim o registro, de que existem duas possibilidades de controle de constitucionalidade, uma vez que as normas estaduais podem ser confrontadas com a Constituição Estadual e com a Constituição Federal. Há, assim, a duplicidade de proteção jurisdicional (MARINONI, 2013).
Mendes ensina que no caso do Direito Estadual, entendido como proposições criadas por órgãos estaduais ou que a estes possam ser atribuídas, pode ser submetido ao controle abstrato de normas constitucionais (MENDES, 2012).
Sobre os atos de órgãos estaduais que podem ser objeto do controle abstrato de constitucionalidade, o autor especifica: a) disposições constitucionais estaduais, que embora tenham a mesma natureza das normas da Constituição Federal, devem ser compatíveis com as normas constitucionais federais; b) leis estaduais de qualquer espécie e natureza, independentemente de seu conteúdo; c) leis estaduais editadas para regulamentar matéria de competência exclusiva da União (art. 22, da CF); d) decreto editado com força de lei; e) regimentos internos dos Tribunais Estaduais e Assembleias Legislativas; f) atos normativos expedidos por Pessoas Jurídicas de Direito Público (MENDES, 2012).
Portanto, é mister observar que no plano da jurisdição constitucional do Tribunal de Justiça Estadual, também coexistem os sistemas de controle de constitucionalidade difuso (por via de exceção ou concreto) e controle de constitucionalidade concentrado (por via de ação ou abstrato).
O controle difuso pode ser realizado por todos os Juízes ou pelo Tribunal de Justiça, como questão incidental na análise de casos concretos, mediante a verificação da adequação de leis e atos normativos do Poder Público estadual ou municipal com as normas da Constituição Federal e da Constituição Estadual.
Importa registrar-se ainda, que o controle de constitucionalidade concentrado de competência do Tribunal de Justiça do Estado-membro possui como objeto toda a legislação estadual e municipal, bem como atos normativos estaduais e municipais e como parâmetro ou norma de referência exclusivamente as normas da Constituição Estadual.
3. Possibilidade de ADPF perante a Constituição Estadual
Feitas essas breves considerações sobre a jurisdição constitucional exercida pelos Tribunais de Justiça dos Estados-Membros, cumpre registrar-se que, no atinente ao controle concentrado in abstrato que é exercido no âmbito especificamente estadual, o art. 125, § 2º da Constituição Federal é expresso no sentido de que cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual (FERNANDES, 2011).
Importa assinalar, que todas as normas presentes na Constituição Estadual servirão como parâmetro para o controle concentrado e abstrato de leis ou atos normativos estaduais e municipais realizado pelos Tribunais de Justiça dos Estados-membros (FERNANDES, 2011).
Portanto, o controle de constitucionalidade exercido pelos Tribunais de Justiça abarca a Ação Direta de Inconstitucionalidade, e por simetria, as demais ações diretas de controle de constitucionalidade, como a Ação Declaratória de Constitucionalidade e Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão.
Quanto à competência para o processo e julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental pelos Tribunais de Justiça, há dissenso na doutrina atual sobre a possibilidade de previsão dessa ação de caráter constitucional no âmbito estadual.
Fernandes entende que, para que seja admitida a ADPF no âmbito de Tribunais de Justiça, haveria a necessidade de previsão expressa na Constituição Federal da instituição da ação e quanto à competência para o processo e julgamento nas Constituições Estaduais (FERNANDES, 2011).
O autor menciona que a Constituição Federal prevê a ADPF, estabelecendo que a competência para o seu julgamento é do Supremo Tribunal Federal, de forma que não estariam presentes os fundamentos de duplicidade, ambivalência e fungibilidade para admitir o cabimento dessa ação no âmbito do Tribunal de Justiça Estadual (FERNANDES, 2011).
Bruning e Sebastiani afirmam que, diversamente do que ocorre com a ação direta de inconstitucionalidade, a Constituição Federal não expressamente prevê a possibilidade de arguição de descumprimento de preceito fundamental no âmbito estadual, portanto, perante os Tribunais de Justiça dos Estados (BRUNING; SEBASTIANI, 2013).
Segundo Novelino
"A criação, pelas constituições estaduais, de ações de arguição de descumprimento de preceito fundamental revela-se mais problemática ante da dificuldade de enquadramento no referido dispositivo e a incompetência dos Estados para legislar sobre matéria processual, salvo quando autorizados por lei complementar a tratar de questões específicas (CF, art. 22, I e parágrafo único). Não obstante, com fundamento no princípio da simetria, há quem admita a possibilidade de se conferir competência ao Tribunal de Justiça para processar e julgar ações desta natureza, como previsto nas constituições de Alagoas e do Rio Grande do Norte" (NOVELINO, 2017, p. 241).
Faz-se necessário o registro de que a Constituição Federal efetivamente não contém previsão expressa acerca da competência para o processamento e julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental pelos Tribunais de Justiça estaduais, no âmbito dos Estados-Membros.
Todavia, alguns doutrinadores apontam quanto à possibilidade de instituição da ADPF pelas Constituições dos Estados-Membros, com a consequente atribuição da competência para o processo e julgamento aos Tribunais de Justiça, tendo como paradigma as normas da Constituição Estadual.
Barroso afirma que a Constituição efetivamente não previu a ADPF no âmbito dos Estados-membros, como o fez com a ação direta de inconstitucionalidade de competência dos Tribunais de Justiça estaduais, mas refere que, a exemplo da previsão da ADI no âmbito estadual, pode ser instituída a ADPF pelo Poder Constituinte Decorrente estadual, e isto com fundamento no princípio da simetria com o modelo federal (BARROSO, 2006).
Segundo Da Cunha Júnior
As Cartas estaduais podem perfeitamente introduzir em seus sistemas de defesa da supremacia de suas normas, a arguição de descumprimento em tela, para a proteção específica dos preceitos fundamentais que consagra. Nesse caso, a competência para julgá-la certamente caberá, com exclusividade, aos Tribunais de Justiça (DA CUNHA JÚNIOR apud BRUNING; SEBASTIANI, 2013, p. 158).
Dentro desse contexto, Marinoni menciona que algumas Constituições dos Estados-membros, além de terem instituído a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, erigiram a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e, algumas poucas Constituições dos Estados-membros instituíram a arguição de descumprimento de preceito fundamental (MARINONI, 2013).
Partindo-se então da premissa de que é possível a instituição da ADPF no âmbito dos Tribunais de Justiça estaduais, caso instituída na Constituição estadual, a demanda estará limitada por dois paradigmas: a) os preceitos fundamentais deverão ser os presentes na Constituição estadual decorrentes da Constituição Federal, b) os atos municipais e estaduais poderão ser também objeto da arguição de descumprimento de preceito fundamental federal de competência do Supremo Tribunal Federal (BARROSO, 2006).
Na hipótese de cabimento da arguição de descumprimento de preceito fundamental no âmbito estadual, pode ocorrer, ainda, outra singularidade, que é a duplicidade de ADPFs contra os mesmos atos normativos ou não normativos do Poder Público estadual ou municipal, tramitando uma ação, no Supremo Tribunal Federal, de atos contestados em face da Constituição Federal e outra, no Tribunal de Justiça estadual, relativamente a atos contestados em face da Constituição Estadual.
Nessa hipótese, ocorre o que a doutrina denomina de simultaneus processus. Fernandes menciona que o entendimento pretoriano atual é no sentido de que deverá haver a suspensão do processo ajuizado perante o Tribunal de Justiça até o julgamento da ação pelo Supremo Tribunal Federal, para a fixação da tese (FERNANDES, 2011).
Portanto, até aqui, tem-se o registro de que a competência para o processo julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de atos do Poder Público contestados em face da Constituição Federal é do Supremo Tribunal Federal.
De outro lado, na esfera estadual, falando-se no paradigma de controle de atos em face da Constituição do Estado-Membro, o controle pode ser realizado pelo Tribunal de Justiça do Estado, na hipótese de previsão do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental na respectiva Constituição Estadual, consoante o entendimento doutrinário de alguns constitucionalistas supracitados.
Prosseguindo no estudo, no caso específico do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, a Constituição Estadual prevê em seu Título IV, Capítulo IV a organização do Poder Judiciário, instituindo expressamente no art. 83, XI, alíneas "f" e "j", que compete ao Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina processar e julgar originariamente a ações diretas de inconstitucionalidade de leis e atos normativos estaduais e municipais contestados em face da Constituição Estadual, bem como o pedido de medida cautelar em ações diretas de inconstitucionalidade (Constituição do Estado de Santa Catarina, art. 83, XI, "f" e "j").
Menciona-se aqui, apenas a competência atribuída ao Tribunal de Justiça para ações diretas de declaração de inconstitucionalidade/constitucionalidade, que interessam ao objeto ora em estudo.
Portanto, extrai-se que a Constituição do Estado de Santa Catarina não prevê expressamente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental no âmbito do Tribunal de Justiça.
Fixada a premissa de que não há previsão expressa da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental na Constituição do Estado de Santa Catarina, cabe ainda explicitar que há precedente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina também neste sentido.
Todavia, importa o destaque de que essa exegese do precedente é feita por exclusão, veja-se
O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina é competente para processar e julgar as ações diretas de inconstitucionalidade contra leis estaduais ou municipais (normas objeto) contrastando com dispositivos da Constituição Estadual (normas parâmetro), ainda quando meras reproduções do texto da Constituição Federal. A esfera estadual representa, na verdade, um microssistema de controle da constitucionalidade, (cf. Zeno Veloso. Controle Jurisdicional de Constitucionalidade, 3ª ed., Del Rey, pág. 342), no centro do qual a competência da Corte local se subsume à causa petendi referente à alegada violação à Constituição Estadual. Somente quando a alegação concentrada de inconstitucionalidade apontar para a violação de norma exclusiva da Constituição Federal, incide a competência privativa do Supremo Tribunal Federal, órgão incumbido de guardá-la em sede de ação direta, em se tratando de leis estaduais, ou de argüição de descumprimento de preceito fundamental, em se cuidando de leis municipais (Lei 9.882/99), não sendo essa a hipótese. 2. Remontando o fundamento de invalidade da norma atacada (art. 41, LC 505/05) diretamente à Constituição Estadual (art. 16 e 22, I e IV, CE), não havendo no cotejo vertical entre ambas qualquer norma interposta, não há falar em inadequação da ação direta por argüição de ofensa reflexa, apenas configurada quando a norma impugnada não retira seu fundamento de validade diretamente da Constituição, mas de norma superior, esta sim ligada àquela. [...] (TJSC, Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2005.015788-5, de Blumenau, Relatora Desembagadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta, j. 18.04.2007) (Sublinhou-se).