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A aplicação do princípio do equilíbrio contratual pelo Superior Tribunal de Justiça

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20/09/2017 às 10:00
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O STJ vem flexibilizando a exigência da imprevisibilidade do fato superveniente para revisão dos contratos empresariais.

RESUMO: O trabalho pretende realizar uma análise jurisprudencial comparativa da aplicação do princípio do equilíbrio contratual em relação aos contratos empresariais e aos contratos de consumo, com foco nas decisões proferidas pelo STJ.

O pretendido estudo buscará apresentar as semelhanças e diferenças no conceito de “equilíbrio” a depender da natureza da relação contratual em foco, bem como a base e fundamentos legais das decisões que evocam a aplicação do princípio do equilíbrio contratual.

Ademais, a análise das decisões observará a possibilidade de aplicação, seja dos conceitos, seja das próprias disposições do Código de Defesa do Consumidor aos contratos empresariais, com o afastamento da teoria finalística e do conceito subjetivo de consumidor, bem como da aplicação de princípios e conceitos próprios do Direito Empresarial às relações de consumo.

Palavras-chave: princípio do equilíbrio contratual; teoria da imprevisão; teoria da onerosidade excessiva; teoria da base objetiva do negócio jurídico; contrato empresarial; contrato de consumo; jurisprudência.

Sumário: INTRODUÇÃO. 1. O Princípio do Equilíbrio Contratual no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil. 2. Análise da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 2.1. REsp 256.456, relator Min. Ruy Rosado de Aguiar, julgado em 22.03.2001. 2.2. REsp 858.785, relatora Min. Nancy Andrighi, julgado em 08.06.2010. 2.3. REsp 437.660, relator Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, julgado em 08.04.2003. 2.4. REsp 1.321.614, relator Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 16.12.2014. 2.5. REsp 8.473, relator Min. Athos Carneiro, julgado em 245.11.1991. 2.6. REsp 73.370, relator Min. Ruy Rosado de Aguiar, julgado em 21.11.1995. 2.7. REsp 32.488, relator Min. Ruy Rosado de Aguiar, julgado em 07.11.1994 e REsp 48.581-9, relator Min. Costa Leite, julgado em 07.06.1994. 2.8. REsp 300.129, relator Min. Ruy Rosado de Aguiar, julgado em 04.09.2001. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 


INTRODUÇÃO

A possibilidade de revisão judicial dos contratos relativiza o princípio do pacta sunt servanda, do qual decorre que aquilo que foi estipulado pelas partes tem força de lei, vinculando e obrigando as partes ao cumprimento do contratos nos seus estritos termos.

Ocorre que o dinamismo que permeia as relações comerciais nos dias atuais não se coaduna com a ideia de um contrato estanque e imutável. Deve-se ter em conta, no entanto, que, em respeito ao princípio da segurança jurídica (o qual é imprescindível para a garantia da própria justiça), a revisão somente terá lugar quando cumpridos determinados requisitos.

A observância destes requisitos exige o conhecimento tanto do Código Civil como do Código de Defesa do Consumidor, os quais abordam de forma diversa a prática da revisão judicial dos contratos.

Em relação aos contratos empresariais, a aplicação do princípio do equilíbrio contratual fundamenta-se na teoria da imprevisão e na teoria da onerosidade excessiva, a qual exige a demonstração de mudanças supervenientes das circunstâncias iniciais vigentes à época da realização do negócio, oriundas de evento imprevisível (teoria da imprevisão) e de evento imprevisível e extraordinário (teoria da onerosidade excessiva), que comprometam o valor da prestação, demandando tutela jurisdicional específica, tendo em vista, em especial, o disposto nos arts. 317, 478 e 479 do Código Civil (CC).

Nesse passo, constitui pressuposto da aplicação das referidas teorias, a teor dos arts. 317 e 478 do CC, como se pode extrair de suas próprias denominações, a existência de um fato imprevisível em contrato de execução diferida ou continuada, que imponha consequências indesejáveis e onerosas para um dos contratantes.

Por outro lado, o art. 51, §1º do Código de Defesa do Consumidor apresenta a ideia de “vantagem exagerada” a implicar a revisão do contrato em busca da restauração do equilíbrio contratual, focando, portanto, no desiquilíbrio de forças entre as partes integrantes do contrato disciplinado por este diploma legal.

A análise das decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça que envolvem a possibilidade ou não de se rever determinado contrato busca, além da identificação dos requisitos que devem ser atendidos para que tal pedido proceda, a verificação da adoção pelo Tribunal de entendimento que se alinhe com a função social do contrato, da qual decorre o princípio da conservação contratual, e, portanto, evite decisões que impliquem a extinção do contrato.

Não houve recorte temporal e para a pesquisa desses acórdãos foram utilizadas as seguintes palavras-chave: “revisão contratual”; “equilíbrio contratual”; “teoria da imprevisão”; e “onerosidade excessiva”.

Ademais, buscou-se agregar ao trabalho as decisões que impactaram na aplicação do princípio do equilíbrio contratual pelo judiciário em virtude dos seguintes acontecimentos históricos (os quais foram devidamente aclarados ao longo do presente trabalho): (i) abandono do câmbio fixo e desvalorização do real; (ii) fracasso do Plano Cruzado e o aumento da inflação; e (iii) “ferrugem asiática” e o impacto no mercado de soja.


1. O Princípio do Equilíbrio Contratual no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil

O sistema jurídico atual não tolera a intangibilidade absoluta da vontade das partes, tendo em vista que a negociação inicialmente avençada pode vir a tornar-se instrumento para um contratante almejar lucro exagerado com o consequente sacrifício da outra parte, em virtude da alteração das circunstâncias que serviram de pressuposto para formação do contrato.

A teoria da imprevisão foi primeiramente adotada pelo Código de Defesa do Consumidor, que ergueu o princípio do equilíbrio contratual a princípio da relação de consumo, ao prever, em seu art. 6º, inciso V, ser direito do consumidor “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”.

No Código de Defesa do Consumidor, o princípio do equilíbrio contratual visa a proteção da parte mais fraca da relação contratual consumerista, colocando em situação de equilíbrio pessoas social e economicamente distintas, de forma que a revisão será cabível por simples ocorrência de onerosidade excessiva.

Vê-se, portanto, que Código de Defesa do Consumidor adotou a teoria da base objetiva do negócio jurídico que implica a revisão por simples onerosidade excessiva, ou seja, basta que o fato seja novo e capaz de gerar o desequilíbrio contratual, independentemente da sua previsibilidade.

No âmbito dos contratos empresariais, o Código Civil, em seus arts. 317 e 478 a 480, passou a disciplinar a revisão e a resolução por onerosidade excessiva sempre que houver ocorrido modificação profunda e imprevisível nas condições contemporâneas a execução do contrato e que gerem onerosidade excessiva para um dos contratantes e lucro desarrazoado para o outro.

Não basta, portanto, o risco que se compreende na previsibilidade humana, pois, como bem pontua Caio Mário Pereira da Silva “todo contrato é previsão, e em todo contrato há margem de oscilação do ganho e da perda, em termos que permitem lucro ou prejuízo. Ao direito não podem afetar estas vicissitudes, desde que constritas as margens do lícito”[1].

Neste sentido, o pedido de revisão ou resolução do contrato empresarial será pertinente sempre que preenchidos os seguintes requisitos:

a) vigência de um contrato comutativo de execução continuada;

b) alteração radical, extraordinária e imprevisível das condições econômicas no momento da execução do contrato;

c) onerosidade excessiva para um dos contratantes e benefício exagerado para o outro.


2.         Análise da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

 2.1. REsp 256.456, relator Min. Ruy Rosado de Aguiar, julgado em 22.03.2001.

Cargill Citrus Ltda. é uma empresa brasileira integrante do grupo econômico norte-americano Cargill, gigante no comércio internacional de alimentos, que atuou, até 2004, no mercado de sucos de laranja no Brasil, através da realização de parcerias com cooperativas e produtores de laranja.

Francisco Ruiz Neto é um produtor rural individual de laranjas que firmou contrato de compra e venda com a Cargill Citrus Ltda., cujo objeto era a venda de laranjas da safra 90/91.

Entre outras cláusulas, o contrato firmado entre as partes estabeleceu que o preço da laranja seria determinado de acordo com as cotações do suco industrializado, em dólares norte-americanos, na bolsa de valores de Nova Iorque[2]. Este método de determinação de preço foi introduzido na prática comercial brasileira a partir da safra de 86/87, em substituição a então usual determinação de preço fixo por caixa de laranja[3].

O novo método de definição de preço considerava, além das cotações do suco no mercado internacional, expresso pela bolsa de Nova Iorque, a (i) remuneração da produção industrial e de comercialização (RPC) (despesas internas e externas, como colheita, frete, tarifas portuárias etc.) e (ii) Taxa de Rendimento da fruta (número de caixas de laranja necessárias para a produção de uma tonelada de suco concentrado)[4].

Durante a década de 90, o setor citrícola brasileiro experimentou um aumento da produção nacional de laranjas e um crescimento da oferta mundial do produto em decorrência da recuperação das plantações norte-americanas que foram atingidas pelas constantes geadas ocorridas na década de 80. Tais fatores concorreram para uma queda das cotações do suco concentrado na Bolsa de Nova Iorque e também dos preços da laranja no mercado interno[5].

A queda dos preços acarretou diretamente uma redução da rentabilidade dos produtores rurais.

Diante da crise e a consequente baixa do resultado final da venda de suco, Francisco Ruiz Neto se viu obrigado a restituir à Cargill a diferença entre o valor final da venda de suco e o preço estipulado da caixa de laranja. O inadimplemento de referida obrigação por Francisco Ruiz Neto resultou no ajuizamento de ação de cobrança pela Cargill Citrus Ltda. que, por sua vez, foi surpreendida com a propositura de ação anulatória pelo produtor rural, pleiteando a alteração ou resolução do contrato de compra e venda.

As ações foram reunidas para julgamento em conjunto. Em primeira instância, a ação de cobrança foi julgada improcedente e a ação anulatória foi julgada procedente para declarar abusivas as cláusulas que transferem praticamente todos os riscos e responsabilidades para o produtor rural:

"...com relação ao contrato de compra e venda de laranja da safra 90/91, celebrado entre as partes, declarar nulas, por abusivas, as cláusulas na parte em que consignaram, quanto à apuração do preço final, que seriam considerados: tão somente a cotação do suco concentrado de laranja na bolsa de mercadorias de Nova York (4.1 e 4.3); como destino final apenas o Estado da Flórida (4.3); como de responsabilidade exclusiva do citricultor as despesas internas e externas fixadas, de forma unilateral, na avença pela indústria (4.5, 5.1 e seu § único, 5.2 e 5.4). Como conseqüência, no respeitante às despesas externas, cada parte arcará com 50% do valor apurado, a esse título, na perícia, enquanto Cargill suportará, sozinha, as despesas infernas. Por força dessas alterações, Cargill deverá pagar aos citricultores, pelas laranjas deles adquiridas na safra 90/91, o valor a ser calculado por arbitramento, acrescido de correção monetária e juros de mora desde 10 de julho de 1991."[6]

Diante dessa decisão, Cargill Citrus Ltda. interpôs recurso de apelação, o qual foi acolhido para dar provimento a ação de cobrança movida por Cargill Citrus Ltda. e negar provimento a ação anulatória proposta por Francisco Ruiz Neto, sob os seguintes argumentos:

- O contrato de compra e venda é contrato aleatório que se assemelha aos contratos firmados anteriormente pelas partes, os quais foram cumpridos em sua integralidade;

- Ausência de vício de vontade ou manipulação de dados apresentados pela indústria citrícola e aplicação do princípio do pacta sunt servanda;

- O prejuízo experimentado pelo produtor rural integra a álea normal do contrato aleatório

- O contrato de compra e venda não pode ser considerado contrato de adesão, mas contrato tipo ou normativo, cujas cláusulas foram devidamente negociadas pelas partes[7].

Tendo em vista as fundamentações diametralmente opostas, Francisco Ruiz Neto interpôs recurso especial. O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o caso, concluiu pelo restabelecimento da decisão de primeiro grau, em razão de:

- Desequilíbrio econômico entre as partes, vez que os custos e riscos ficaram a cargo unicamente do produtor rural, enquanto o preço poderia ser fixado a exclusivo critério da Cargill Citrus Ltda.;

- Desrespeito ao princípio da boa-fé objetiva que impunha aos contratantes a repartição dos prejuízos que decorreram da substancial modificação das condições do mercado;

- Tratar-se o contrato de compra e venda de contrato de adesão, isto porque os elementos vontade e igualdade de forças ficaram definitivamente comprometidos em relação ao produtor rural frente ao poderio econômico da Cargill Citrus Ltda. que, em cartel com as demais indústrias de suco, detinham o domínio de mercado e, consequentemente, a força para impor condições desfavoráveis ao produtor rural[8].

2.2. REsp 858.785, relatora Min. Nancy Andrighi, julgado em 08.06.2010.

A empresa Comércio e Indústrias Brasileiras Coimbra S.A. e Cleosmar Marques Prado firmaram contrato de compra e venda de 60 toneladas de soja da safra 2003/2004. As partes contratantes optaram por firmar o preço quando da celebração do contrato, embora a entrega da soja tenha sido programada para o prazo de um ano a partir da data de assinatura do contrato.

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Ocorre que a soja da safra 2003/2004 foi atingida pela praga popularmente denominada “ferrugem asiática”, cujos danos podem acarretar perdas de até 90% da produtividade. A ferrugem asiática surgiu no Brasil ao final da safra de 2001[9]. Em 2002, a doença foi relatada nos Estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, e na safra 2003/2004 ocorreu de forma generalizada, em quase todo o País, causando prejuízos consideráveis em várias regiões produtoras[10].

A contaminação da plantação pela ferrugem asiática acarreta não só a queda da produtividade, mas também um aumento no custo da produção, uma vez que o controle da praga exige a utilização de inseticidas e outros insumos cujos valores impactam o preço final da soja.

Em vista desses acontecimentos, o produtor rural ingressou com ação judicial pleiteando a resolução do contrato de compra e venda firmado com Comércio e Indústrias Brasileira Coimbra S.A., sob os argumento de que “o contrato não cumpriria a sua função social; que haveria ofensa ao princípio da boa-fé objetiva; e que, tendo em vista a caracterização de onerosidade excessiva, o contrato teria de ser resolvido ou adaptado o respectivo preço[11]”.

A sentença julgou improcedentes os pedidos do autor. O Tribunal de Justiça de Goiás, em segunda instância, reformou a sentença e deu provimento ao recurso, nos seguintes termos:

"APELAÇÃO CÍVEL. ORDINÁRIA DE RESOLUÇÃO DECONTRATO. TEORIA. NOVO CÓDIGO CIVIL. Hodiernamente a teoria contratual pactua-se não mais pela rigidez contratual pauta-se não mais pela rigidez do princípio pacta sunt servanda, mas sim, pelos princípios erigidos no Novo Código Civil, quais sejam, o da função social do contrato, o da boa-fé e o do equilíbrio econômico (arts. 421, 422, parágrafo único do art. 2.035) e na aplicação das Teorias da Imprevisão e da Lesão, arcabouço legal que permite ao Judiciário rever as cláusulas do contrato para restabelecer o equilíbrio sócio-econômico do pacto. Recurso conhecido e provido[12]”.

No entanto, após a análise do Superior Tribunal de Justiça, prevaleceu o entendimento de que não há que se falar em aplicação da Teoria da Imprevisão, vez que as perdas ocasionadas pela ferrugem asiática não podem ser consideradas fatos imprevisíveis ou extraordinários, cujas proporções de dano podem, ainda, ser objeto de controle pelo produtor rural, mediante aplicação de inseticidas e outros insumos agrícolas.

Pronunciou-se o STJ no REsp 858.785 - GO no sentido de que “nos contratos agrícolas de venda para entrega futura, o risco é inerente ao negócio. Nele não se cogita em imprevisão”, com base nos seguintes fundamentos:

- Trata-se de contrato comutativo;

- Possibilidade de fixação do preço em momento futuro e não no momento de celebração do contrato, de forma que seriam consideradas as oscilações do mercado da soja;

- Ausência de vício de consentimento. O contrato foi firmado entre partes economicamente equilibradas e possuidoras de conhecimentos técnicos e negociais suficientes para a celebração do contrato;

- A oscilação de preço de mercado da soja e a queda de produção são riscos normais que, portanto, devem ser considerados na fixação do preço.

No mesmo sentido: STJ - REsp 866414 – GO, Rel Min. Nacy Andrighi, julgado em 20.06.2013; REsp 866414 – GO, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 20.11.2012; e REsp 945166 – GO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28.02.2012.

2.3. REsp 437.660, relator Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, julgado em 08.04.2003.

O arrendamento mercantil ou leasing encontra-se regulado pela Lei nº 6.099/1974, que classifica arrendamento mercantil como “o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta”.

De acordo com Judith Martins Costa, o leasing é gênero que abrange diversas espécies de operações distintas entre si, como o leasing financeiro, o qual é reconhecido pela jurisprudência como um “negócio jurídico complexo[13]” que tem por objeto indireto bem móvel, adquirido pela instituição financeira por indicação e eleição do usuário ou arrendatário e para uso próprio deste último, que deve arcar com as contraprestações e demais pagamentos previstos no contrato[14].

O leasing financeiro admite a indexação do preço em moeda estrangeira, desde que os bens arrendados sejam adquiridos com recursos provenientes do exterior, conforme inteligência do art. 38 do Regulamento anexo a Resolução Bacen nº 980/94 e art. 6º da Lei nº 8.880/94.

Os contratos de leasing que condicionavam a correção das prestações à variação cambial sofreram excessiva onerosidade com a crise de desvalorização do real a partir de janeiro de 1999, quando o Banco Central do Brasil abandonou o regime de câmbio fixo e passou a adotar o sistema de “câmbio flutuante”, em que a ausência de controle do governo permite a livre flutuação da moeda[15].

Várias foram as ações propostas reclamando a revisão dos contratos a fim de recompor o equilíbrio contratual, uma vez que as parcelas dos contratos de arrendamento mercantil firmados à época do controle sistemático do câmbio sofreram reajuste de aproximadamente 70%[16].

O REsp 437.660/SP de relatoria do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, que será utilizado como paradigma para fins de elucidação da conclusão jurisprudencial no presente trabalho, foi interposto pela arrendadora Fibra Leasing S.A. Arrendamento Mercantil em face de Odir Camargo Júnior pleiteando a reforma do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo que reformou a sentença improcedente para reconhecer a relação de consumo entre as partes e admitir a aplicabilidade do art. 6º, V, Código de Defesa do Consumidor que assegura ao consumidor o direito a “modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”.

Importante notar que o mencionado artigo não foi inspirado pela teoria da imprevisão. O sistema consumerista admite a revisão do contrato por simples onerosidade excessiva decorrente de fato superveniente. Tal posicionamento encontra guarida na teoria da base objetiva do negócio jurídico[17].

Diante desta decisão Fibra Leasing S.A. Arrendamento Mercantil interpôs recurso especial. A análise do Superior Tribunal de Justiça foi minucioso ao tratar de todos os aspectos que envolvem a espécie do contrato objeto da discussão.

Neste sentido, ressaltou a legalidade da vinculação do preço à variação cambial e a inconteste aplicação do Código de Defesa do Consumidor à relação estabelecida entre arrendadora e arrendatário.

No entanto, o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira ressalta no acórdão de sua relatoria que os arrendatários, quando da celebração do contrato, puderam optar entre a utilização de capital nacional com parcelas mais elevadas, mas com correção monetária e juros prefixados, ou a contratação com base em recursos obtidos no exterior, com juros mais baixos, porém com o risco da variação cambial[18].

O Relator ressalta que “a variação cambial é, em si, um parâmetro equitativo, haja vista que a sua oscilação é igual para ambas as partes. Imagine-se que, se ao invés de maxidesvalorização do real tivéssemos tido maxivalorização da nossa moeda, a proporção favorável ao consumidor teria se refletido na sua prestação da mesma forma que foi a desfavorável. Considere-se, ainda, que o equilíbrio contratual repousa na compensação do risco assumido pelos arrendantes com o menor custo financeiro do capital, a eles transferido”.

Considerando, portanto, (i) a autorização legal dada ao fornecedor para repassar os riscos da variação cambial ao consumidor, (ii) a possibilidade oferecida ao consumidor para optar por outro indexador; (iii) a obrigação da arrendadora ao pagamento em dólar, tendo em vista a captação de recursos no exterior; o STJ optou pela mitigação do art. 6º, V, do Código de Defesa do Consumidor, para permitir que o ônus decorrente da onerosidade excessiva seja distribuído entre as partes.

No mesmo sentido: STJ - AgRg no REsp 947301 – SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 19.09.2013; EDcl no AgRg no REsp 417878 – RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 27.11.2012; e AgRg no REsp 1260016 – SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 17.11.2011.

2.4. REsp 1.321.614, relator Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 16.12.2014.

A ação judicial versa sobre a possibilidade de revisão de contrato de financiamento, firmado em moeda estrangeira, para aquisição de equipamento médico, em decorrência de  excessiva onerosidade advinda com a crise de desvalorização do real a partir de janeiro de 1999, cujo histórico já foi detalhado neste trabalho (ver REsp 437.660).

O contrato objeto da disputa foi firmado por General Eletric Company, empresa multinacional americana de serviços e de tecnologia, e Javier Figols Costa, médico ginecologista, para financiamento da aquisição de equipamento de ultrassom a ser utilizado pelo médico no exercício de sua atividade profissional.

Javier Figols Costa sustenta a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor à relação firmada entre as partes da disputa e, portanto, a aplicação da teoria da base objetiva para revisão do contrato e correção dos efeitos da maxidesvalorização do real ocorrida em janeiro de 1999.

Na teoria da base objetiva do negócio jurídico não é necessário que o evento seja imprevisível, o que importa é apenas se o fato posterior alterou objetivamente as bases pelas quais as partes contrataram, alterando o ambiente econômico inicialmente presente[19].

Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça entendeu pela não-aplicabilidade do diploma consumerista, vez que optou pela adoção de uma concepção subjetiva de consumidor, classificado, como se insere da leitura do art. 2º, caput, do Código de Defesa do Consumidor[20], como o não-profissional que coloca um fim na cadeia de produção.

O entendimento centrado na teoria subjetiva ou finalista foi firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Resp 541.867 – BA, de relatoria do Ministro Barros Monteiro, assim ementado:

COMPETÊNCIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. UTILIZAÇÃO DE EQUIPAMENTO E DE SERVIÇOS DE CRÉDITO PRESTADO POR EMPRESA ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO. DESTINAÇÃO FINAL INEXISTENTE. – A aquisição de bens ou a utilização de serviços, por pessoa natural ou jurídica, com o escopo de implementar ou incrementar a sua atividade negocial, não se reputa como relação de consumo e, sim, como uma atividade de consumo intermediária. Recurso especial conhecido e provido para reconhecer a incompetência absoluta da Vara Especializada de Defesa do Consumidor, para decretar a nulidade dos atos praticados e, por conseguinte, para determinar a remessa do feito a uma das Varas Cíveis da Comarca. (REsp 541.867/BA, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro BARROS MONTEIRO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/11/2004, DJ 16/05/2005, p. 227) – grifos nossos

Ora, muito embora o Superior Tribunal de Justiça tenha afastado a incidência do Código de Defesa do Consumidor, optou por aplicar a teoria do rompimento da base objetiva do negócio jurídico, afastando, portanto, a teoria da imprevisão adotada pelo Código Civil, em seu art. 478, verbis:

“Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.”

O Superior Tribunal de Justiça entendeu que “o rompimento posterior da base objetiva do negócio por força de fatos extraordinários supervenientes, especialmente nos contratos de longa duração, permite a revisão do pacto”, ainda que para relações não reguladas pelo Código de Defesa do Consumidor.

Neste sentido, em consonância com a jurisprudência consolidada nas hipóteses da maxidesvalorização do real ocorrida em 1999, a ação revisional foi julgada parcialmente procedente para determinar que a correção monetária do contrato ocorra pela metade da variação cambial contratada, repartindo-se, assim, os riscos entre as partes contratantes.

2.5. REsp 8.473, relator Min. Athos Carneiro, julgado em 245.11.1991.

Muanis Imobiliária Ltda. e Augusto Valentim Filho firmaram contrato de promessa de compra e venda de unidade em empreendimento imobiliário, em junho de 1986, ou seja, 3 (três) meses após a implementação do “Plano Cruzado”, sob o comando de Dilson Funaro, então ministro da Fazenda.

O Plano Cruzado foi instituído com vistas ao reequilíbrio da economia e fundamentou-se justamente na extinção da correção monetária e no congelamento de preços[21], medidas que mascaravam o real índice da inflação, de forma que os preços dos contratos de execução diferida ou continuada que não estipularam a incidência de correção monetária não correspondiam ao real valor da prestação ajustada pelas partes contratas.

O contrato de promessa de compra e venda firmado por Muanis Imobiliária Ltda. e Augusto Valentim Filho, como outros tantos contratos celebrados à época, previa a contratação a preço fixo, com previsão apenas de juros de 12% da tabela Price[22].

Ocorre que com o fracasso do Plano Cruzado a inflação disparou, conforme explicitado por Muanis Imobiliária Ltda. em recurso ordinário, in verbis:

“A inflação, à época da celebração do contrato (junho de 1986) era de apenas 1% (um por cento) ao mês: o PLANO CRUZADO I, idealizado pelo Ministro DILSON FURNARO, havia alcançado pleno êxito.

...

A obra terminou em 1988, dois anos depois da contratação, com uma inflação de 676%... e um aumento do custo da construção imobiliária de 1.101,62%...

Assim, a prestação paga pela Recorrente, promitente-vendedora, custou-lhe 1.100% a mais, em comparação com o que deveria custar, se mantidas as condições existentes na data da celebração do contrato.

Por seu turno, a prestação assumida pelos Recorrentes, promitente-compradores, de natureza pecuniária manteve-se inalterada, com a mesma moeda da data de celebração do contrato, já aviltada e desvalorizada em quase 700% (setecentos por cento) de inflação.”

Diante da retomada da inflação e consequente perda do valor do pacto celebrado, Muanis Imobiliária Ltda. ingressou com ação revisional das parcelas vencidas após a entrega das chaves que, no entanto, teve seu provimento negado em primeira e segunda instância sob o argumento de que a inflação não configura fato imprevisível e de que não foi comprovada a onerosidade excessiva e consequente inviabilidade do empreendimento imobiliário, afastada, portanto, a teoria da imprevisão.

O Superior Tribunal de Justiça já havia firmado entendimento em sentido contrário no REsp 2.430, de relatoria do Ministro Sálvio de Figueiredo, em que ficou consignado que “a correção monetária não constituiu um plus, representando mera atualização da moeda aviltada pela inflação” e, portanto, “não há como negar sua aplicação, sob pena de enriquecimento sem causa, dados os elevados índices inflacionários”.

Muanis Imobiliária Ltda. interpôs recurso especial, o qual foi provido nos seguintes termos:

- A inflação é fenômeno econômico, independentemente de sua previsibilidade, capaz de alterar da base objetiva do negócio;

-  Na data de celebração do contrato de promessa de compra e venda, “a expectativa geral, do povo como dos empresários com raras exceções, era a de que o fenômeno inflacionário estava contido ou, quando menos, reduzido a proporções razoáveis, de molde a justificar a contratação de construções a preços fixos”;

- A correção monetária é medida de justiça, pois não implica aumento do preço do contrato, mas mera atualização.

No mesmo sentido: STJ – REsp 94692 – RJ, Rel. Min. Salvio de Figueiredo Teixeira, julgado em 25.06.1998; e REsp 135151 – RJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, julgado em 08.10.1997.

2.6. REsp 73.370, relator Min. Ruy Rosado de Aguiar, julgado em 21.11.1995.

Benjamin Matias Fernandes Filho e Encol S.A. – Engenharia, Comércio e Indústria firmaram contrato de promessa de compra e venda de imóvel em data anterior a promulgação do Código de Defesa de Consumidor, em 1990.

Neste caso, está afastada, portanto, a aplicação do Código de Consumidor, conforme entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CDC. APLICAÇÃO RETROATIVA. IMPOSSIBILIDADE. OBRIGAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. RENOVAÇÃO DO CONTRATO NA VIGÊNCIA DO CDC. INCIDÊNCIA DA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA.

1. O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) não é aplicável aos contratos celebrados antes da sua vigência.

(STJ – AgRg no AgRg nos EDcl no REsp 323519, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 28.08.2012)

PROCESSO CIVIL. PRINCÍPIO DA ADSTRIÇÃO. OBSERVÂNCIA. PRESCRIÇÃO. APLICAÇÃO DO PRAZO REDUZIDO DO CDC. FATO OCORRIDO ANTES DE SUA VIGÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE.

1. É necessária a observância do princípio da adstrição, que vincula o juiz, ao julgar a causa, não apenas ao pedido formulado pela parte, mas também à respectiva causa de pedir. Contudo, se uma decisão se sustenta por duplo fundamento, sendo o fundamento subsidiário conforme à causa de pedir da petição inicial, não há violação a esse princípio jurídico.

2. O CDC não é aplicável a eventos ocorridos anteriormente à sua promulgação, de modo que não é possível defender a aplicação do prazo prescricional de cinco anos à reparação de lesões pretéritas, salvo em hipóteses excepcionais. Precedentes.

3. Recurso especial improvido.

(STJ - REsp 1249484 – MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 21.05.2012) – grifos nossos

Ocorre que a alta da inflação incidente no decorrer do contrato impactou a capacidade financeira do comprador de adimplir com o valor das prestações. Isso porque as décadas de 80 e 90 foram marcadas pelo aumento da taxa de desemprego, queda das exportações e investimentos estrangeiros no país, o drama da alta da inflação e o baixo crescimento do PIB[23].

Importante ressaltar que contrato de promessa de compra e venda firmado entre as partes continha cláusula penal que implicava na perda das quantias pagas pelo compromissário comprador.

Foi neste contexto que Benjamin Matias Fernandes Filho ajuizou ação contra Encol S.A. – Engenharia, Comércio e Indústria para “obter a restituição das importâncias pagas em decorrência de contrato de promessa de compra e venda de um apartamento, alegando sua impossibilidade de continuar pagando as prestações, atualizadas por índices superiores aos do seu salário[24]”.

As decisões de primeira e segunda instância foram pelo provimento do pedido do autor por aplicação da teoria da imprevisão, em razão da modificação superveniente da base objetiva do negócio jurídico.

 A Encol S.A. – Engenharia, Comércio e Indústria interpôs recurso especial alegando que o acórdão divergiu da jurisprudência do STJ em relação à restituição integral das parcelas pagas.

O acórdão do REsp 73.370, de relatoria do Ministro Ruy Rosada de Aguiar, reafirmou a aplicação da teoria da imprevisão ao caso, muito embora disponha que “a inflação é um fato previsível, mas isso não impede que possa ser tomada como causa para a modificação ou extinção contratual, quando seus índices venham a desnaturar a obrigação, ou quando são adotados percentuais diversos para a atualização dos rendimentos do devedor e para as suas obrigações, inviabilizando os pagamentos”.

No entanto, referido acórdão deu parcial provimento ao recurso especial interposto pela vendedora para o fim de reduzir a condenação da Encol S.A. – Engenharia, Comércio e Indústria para devolução de 80% das parcelas pagas, sob o argumento de que embora válida a cláusula penal estipulada em contrato, cabe ao juiz, com base no art. 924 do Código Civil de 2016[25], reduzi-la a patamar justo com vistas a evitar o enriquecimento sem causa de uma das partes.

No mesmo sentido: STJ - REsp 42.226 – SP, Rel. Min. Bueno de Souza, julgado em 17.02.1996; REsp 45.226 – RS, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, julgado em 09.08.1994; REsp 45.409-3 – SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, julgado em 30.09.1994; e REsp 51.019-8 – SP, Rel. Min. Barros Monteiro, julgado em 14.11.1994.

2.7. REsp 32.488, relator Min. Ruy Rosado de Aguiar, julgado em 07.11.1994 e REsp 48.581-9, relator Min. Costa Leite, julgado em 07.06.1994.

Alípio Candido de Lima propôs duas ações de consignação em pagamento em face de Banco Brasileiro de Descontos S.A. diante da recusa da instituição financeira em receber os débitos e parcelas vencidos decorrentes de cédulas de crédito rural pignoratícias emitidas durante a vigência do Plano Cruzado.

O Plano Cruzado, conforme exposto anteriormente neste trabalho (ver REsp 8.473), implicou a neutralização da inflação, associada ao congelamento de preços e salários[26]. Foi neste contexto econômico que foram emitidas as cédulas de crédito rural pignoratícias com previsão de correção monetária ao índice de 0,00%.

O fracasso do Plano Cruzado, o aumento desenfreado da inflação e o distanciamento do valor então acordado nas cédulas de crédito rural e o valor real do financiamento levaram o Banco Brasileiro de Descontos S.A. a recusar o pagamento ofertado pelo devedor Alípio Candido de Lima quando do vencimento dos títulos de crédito rural e a ingressar com ação de execução forçada visando o recebimento do débito corrigido monetariamente.

Em primeira instância, foram julgadas procedentes as ações de consignação em pagamento e extinta a ação de execução forçada. O Banco Brasileiro de Descontos S.A. recorreu destas decisões que, em segunda instância, foram reformadas para acolher os pedidos da instituição financeira sob o argumento de que a correção monetária “é mero instrumento de atualização da moeda desvalorizada pela inflação” e, portanto, deve incidir nos contratos ainda que pactuados sem a sua previsão.

Diante deste novo entendimento, o devedor interpôs recurso especial, o qual foi provido para restaurar a decisão de primeiro grau, sob os seguintes fundamentos[27]:

- Embora pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que é possível a atualização dos créditos rurais pelo índice de correção monetária desde que pactuada[28], a previsão do contrato da alíquota de 0,00% para correção monetária implica sua expressa exclusão;

- Ainda que a inflação consista fato superveniente que acarreta a necessidade de modificação do contrato, por alteração da base objetiva do negócio jurídico, não justifica a recusa da instituição financeira de receber o pagamento pelo devedor;

- A discussão sobre a necessidade do reestabelecimento do equilíbrio econômico do contrato deve ser objeto de ação revisional.

Importante ressaltar que, diante da mesma situação, ou seja, ação de consignação em pagamento de valores devidos em razão de cédulas de de crédito rural com previsão de correção monetária a 0,00% firmado durante o Plano Cruzado, o Superior Tribunal de Justiça, no REsp 48.581-9 – MS[29], de relatoria do Ministro Costa Leite, decidiu que “a circunstância de no próprio campo da cédula, ou seja, no item 48, constar o percentual “zero” é plenamente justificável, porquanto celebrado o contrato na vigência do Plano Cruzados, não servindo, contrariamente ao que entendeu o acórdão recorrido, a arredar a incidência da correção monetária”.

2.8. REsp 300.129, relator Min. Ruy Rosado de Aguiar, julgado em 04.09.2001.

A Refinaria Nacional de Sal S.A. é empresa produtora de sal refinado, que iniciou suas atividades em 1951 e inovou o processo de fabricação nacional de sal pela utilização de equipamentos de evaporação forçada a vácuo[30], movidos por óleo do tipo A2[31] até dezembro de 1983, quando firmou protocolo de intenções com a Petrobrás – Petróleo Brasileiro S.A. para regular (i) a substituição do óleo tipo A2 por gás de refinaria e (ii) um sistema de equivalência térmica com o óleo substituído, pelo qual a Refinaria Nacional de Sal S.A. continuaria pagando o mesmo preço antes despendido com a utilização do óleo tipo A2[32].

Ainda de acordo com o relatório de autoria do Ministro Ruy Rosado de Aguiar no julgamento do REsp 300.129 – RJ, o protocolo de intenções foi ratificado em 1985 por contrato que vigeu até janeiro de 1998.

Com a promulgação das Emendas Constitucionais nº 5 e 9 de 1995, a competência para a exploração de serviços de gás canalizado passou para a esfera estatal, cabendo seu exercício a empresas públicas ou privadas, mediante concessão.

Em razão dessa mudança na competência para prestação do serviço público de gás canalizado de acordo com as necessidades coletivas, foi firmado contrato de concessão entre o Estado do Rio de Janeiro e a concessionária Riogás S.A., em julho de 1997.

Diante desse novo cenário, a Riogás S.A. passou a fornecer o gás canalizado nos mesmos termos ajustados entre a Refinaria Nacional de Sal S.A. e a Petrobrás. No entanto, em janeiro de 1998, Riogás S.A. enviou para análise da Refinaria Nacional de Sal S.A. minuta de novo contrato que, entre outras disposições, estabelecia preço da tarifa de fornecimento de gás superior em 11,93% da tarifa até então praticada.

Em vista disso, a Refinaria Nacional de Sal S.A. ingressou com ação em face da Riogás S.A. visando à declaração de nulidade da previsão contratual de aumento do preço da tarifa de gás canalizado, inclusive pleiteando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor à relação jurídica existente entre as partes.

Ação foi negada em primeira e segunda instâncias sob o fundamento de que se trata de nova relação jurídica entre a Refinaria Nacional de Sal S.A. e a concessionária, absolutamente desvinculado do contrato mantido com a Petrobrás e do critério de “equivalência térmica” para ajuste do preço.

O Tribunal de Justiça, em consonância com a teoria finalista[33], afastou a incidência do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que, verbis:

 “Com efeito, utiliza-se a apelante do gás adquirido, como ela mesmo confessa, como fonte de energia para seu Parque Industrial, ou seja, para produzir o sal que mais tarde coloca no mercado.

Como assinalou com acerto o doutor magistrado do primeiro grau, utiliza-se a apelante do gás como insumo, na fabricação de seu produto final, daí não submeter-se a relação jurídica entre os litigantes ao disposto na Lei 8.078/90, que classifica de consumidor apenas aquele que se utiliza de produto ou serviço na condição de destinatário final.

Ora, se do gás se utiliza a apelante para produzir o sal, não parece que em relação a esse fornecimento possa ser considerado como seu destinatário final”.

O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o recurso especial interposto pela Refinaria Nacional de Sal S.A. entendeu que, muito embora não se possa falar em aplicação de regras do Código de Defesa do Consumidor, é possível a incidência de princípios do referido diploma legal e, portanto, do princípio que considera ilícita a unilateral quebra da base do negócio jurídico.

Apesar deste entendimento, o relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar entende pelo não conhecimento do recurso porque “as instâncias ordinárias, embora tenham afastado a incidência até mesmo de princípios gerais que devem reger a espécie, examinaram a relação obrigacional em que estão envolvidas as partes desde 1983 e concluíram que não houve abuso de parte da fornecedora do gás” e, portanto, conhecer o recurso implicaria nova interpretação das cláusulas contratuais, o que, por si só, não enseja recurso especial[34].

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Sobre a autora
Fernanda Gallo de Carvalho

Advogada do escritório Loeser e Portela Advogados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Fernanda Gallo. A aplicação do princípio do equilíbrio contratual pelo Superior Tribunal de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5194, 20 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60623. Acesso em: 21 nov. 2024.

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