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O sigilo advogado-cliente é sagrado, Moraes!

07/10/2017 às 16:24
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O Brasil verdadeiramente tem vivido, como bem observado pelo Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, “tempos estranhos”.

O Brasil verdadeiramente tem vivido, como bem observado pelo Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, “tempos estranhos”. A cada dia, uma nova e estarrecedora notícia é veiculada pela mídia, evidenciando que o Estado Brasileiro tem se tornado cada vez menos democrático e menos de Direito. Os caminhos que estão a ser trilhados conduzem inexoravelmente ao retrocesso. Isso não se pode negar.

Problemas político-institucionais têm mostrado que o governo, ao que parece, pelo menos em certos casos, está “(des)governado”, sem saber o que fazer com certas mazelas que de há muito assolam a sociedade de modo geral.  Esse quadro vem influenciando drasticamente o Direito, como norma de convivência e pacificação social que é.

Levando-se em consideração que os fatos ocorridos na sociedade devem ser valorados para, somente depois, constituir-se normas (teoria tridimensional de Miguel Reale), poderia se afirmar que tudo está a seguir a normalidade. Afinal, como dizem alguns, situações drásticas pedem medidas enérgicas. E, assim, a cada “fato novo”, uma “nova medida” é adotada.

Ocorre, no entanto, que toda e qualquer medida, abrangendo-se aqui mormente as jurídicas, antes de ser implementada no “mundo real”, tem que observar o conjunto de normas jurídicas posto, uma vez que, se o contrariar, fomentará a desordem, e não a ordem – o que não se almeja, destaque-se.

É de ser ver, contudo, que ultimamente o dito “ordenamento jurídico” brasileiro tem sido deveras inobservado e, o pior, reiteradamente desrespeitado. Inobservado, quem sabe, por negligência; desrespeitado, talvez, por dolo.

Malgrado haja inúmeras medidas merecedoras de críticas, far-se-ão, na presente oportunidade, algumas singelas ponderações no que tange à declaração proferida pelo ex-Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, publicada em diversos meios de comunicação[2], na qual propôs que fossem gravadas as conversas entre advogado e cliente.

Veja-se, nesse sentido, fragmento da referida entrevista, disponível no site da Folha de São Paulo:

O sr. acha que tem que gravar conversa do advogado com os chefes de facção presos?

Eu acho que tem de ter o controle desse advogado. Recentemente, foi feita uma operação em São Paulo em que foram presos mais de 20 que não eram advogados.

Uma coisa é o advogado da causa, que está defendendo a pessoa, outra é toda pessoa que se identifica como advogado poder ingressar e conversar. Obviamente que, em São Paulo, eram advogados só de fachada, eram criminosos com carteira de advogados, como a própria OAB disse.[3]

Fica clara a generalização feita pelo jurista. Com efeito, indaga-se: por conta de um número ínfimo de advogados que desvirtuam a nobre advocacia (como ocorre em qualquer profissão ou cargo público), prejudicar-se-á a todos? Óbvio que não! Não se criam “regras” com base em exceções! Adotar medidas nesse sentido é afirmar, em outras palavras, que todo advogado é um e que, por isso, deve ser monitorado. Tal fato, nem de longe, condiz com a realidade.

É evidente que tal proposta não encontra respaldo jurídico e só torna manifesta a falta de razoabilidade que invadiu o Ministro naquele momento o fazendo propalar tão deplorável pensamento. Diz-se deplorável por conta do currículo de quem difundiu a malfadada ideia.

Ora, Alexandre de Moraes sempre foi tido como um grande constitucionalista, profundo conhecedor das temáticas atinentes à regra fundamental do Estado Democrático de Direito, qual seja, a Constituição. Não era de se esperar dele um ataque desse quilate à Carta Magna e à legislação infraconstitucional.

Observe-se que a Constituição Federal é clara ao dizer, em seu artigo 133, que o advogado é “inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão”. Na mesma toada, o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994), ao abordar os direitos do advogado, consagra “a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia”.

Tamanha a afronta levada a efeito pelo Ministro, que não foi sem razão a crítica da Advogada Criminalista integrante do Instituto dos Advogados Brasileiros, Maira Fernandes, ao afirmar que “é de estarrecer que um constitucionalista proponha a violação do sigilo advogado-cliente, medida evidentemente inconstitucional e ilegal. Há um capítulo inteiro no Código de Ética e Disciplina da OAB sobre isso. Ele já leu? Pois deveria.”. [4]

Em repúdio às palavras do ex-Ministro da Justiça Alexandre de Moraes, o ex-presidente da Ordem dos Advogados do BrasilJosé Roberto Batochio, o “pai” do Estatuto da Advocacia, em matéria disponível no site Consultor Jurídico (Conjur), classificou a proposta de “franca agressão à prerrogativa básica” da profissão.[5]

Não obstante, porém, as diversas críticas feitas por diversos especialistas, a questão, ao que parece, ultrapassa as barreiras da prerrogativa do advogado. Permeia todo o rol de direitos e garantias fundamentais consagrados no artigo 5º da Carta Política, revelando-se verdadeira cláusula pétrea, ínsita ao próprio direito fundamental à ampla defesa e ao silêncio em seu desdobramento do nemo tenetur se detegere (vedação de produção de provas contra si mesmo).

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Nesse mesmo sentido, aliás, são as considerações do Advogado Criminalista Artur Barros Freitas Osti, para quem “A Constituição Federal, ao garantir em seu artigo 5º, inciso LV, o direito ao contraditório e ampla defesa, com os meios de recursos a ela inerentes, por razões lógicas resguarda os diálogos havidos entre advogado e cliente”.[6]

Com efeito, como se falar em devido processo legal, em contraditório e ampla defesa, tendo o constituinte (preso) receio de falar com seu próprio advogado? Como advogar para um preso que, ao conversar com seu defensor, omite informações indispensáveis à sua defesa por receio – e com razão, ressalte-se – de serem utilizadas em seu desfavor posteriormente?

Se na conversa, por exemplo, o preso confessar o delito para seu advogado e constar das gravações, o que será feito com esse conteúdo? Decerto não poderá servir para nada, visto que é uma clara hipótese de prova ilícita. Todavia, como aponta Advogado Criminalista André Lozano, “Quem garante que essa conversa não será usada – ainda que não oficialmente – para agravar a situação do réu ou para a acusação antecipar as teses defensivas?”. [7]

Insofismavelmente, tal medida é de todo inviável, uma vez que a inviolabilidade do advogado, o sigilo advogado-cliente, o direito à ampla defesa e a vedação à prova ilícita consubstanciam cristalinos mandamentos constitucionais, verdadeiras cláusulas pétreas. Bem por isso que Lenio Streck, de modo bastante severo, afirmou no sítio virtual do Conjur que “Até o porteiro do Supremo Tribunal Federal iria declarar essa proposta inconstitucional”.[8]

Em verdade, não há interpretação que confira validade à ilusória manifestação do ex-Ministro da Justiça, atual Ministro do STF, Alexandre de Moraes; por qualquer prisma que se analise, sua opinião, ao menos nesse caso específico, não pode e não deve ser levada a sério. Como ele não pode (des)dizê-la, resta a todos (os defensores do Estado Democrático de Direito) rechaçá-la.


Notas

[2] http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/01/1849095-visita-de-advogado-de-faccao-deveria-ser-gravada-nas-prisoes-diz-ministro.shtml. Acesso em 13/01/2017.

[3] http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/01/1849095-visita-de-advogado-de-faccao-deveria-ser-gravada-nas-prisoes-diz-ministro.shtml. Acesso em 13/01/2017.

[4] http://justificando.cartacapital.com.br/2017/01/12/juristas-e-entidades-reagem-proposta-de-moraes-de-gravar-cliente-e-advogado/

[5] http://www.conjur.com.br/2017-jan-12/proposta-ministro-gravar-advogados-presos-lei

[6] http://www.conjur.com.br/2014-ago-31/artur-osti-interceptacao-dialogo-entre-advogado-cliente-ilicita. Acesso em 13/01/2017.

[7] Idem.

[8] http://www.conjur.com.br/2017-jan-12/proposta-ministro-gravar-advogados-presos-lei. Acesso em 13/01/2017. 

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Sobre o autor
Filipe Maia Broeto Nunes

Advogado Criminalista e professor de Direito Penal e Processo Penal, em nível de graduação e pós-graduação. Professor Convidado da Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal da PUC-Campinas. Mestre em Direito Penal (sobresaliente) com dupla titulação pela Escuela de Postgrado de Ciencias del Derecho/ESP e pela Universidad Católica de Cuyo – DQ/ARG. Mestrando em Direito Penal Econômico pela Faculdade de Direito da Universidade Internacional de La Rioja – UNIR/ESP e em Direito Penal Econômico e da Empresa pela pela Faculdade de Direito da Universidade Carlos III de Madrid - UC3M/ESP. Especialista em Direito Penal Econômico pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG e também Especialista em Direito Penal Econômico pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - FDUC/PT-IBCCRIM. Especialista em Ciências Penais pela Universidade Cândido Mendes - UCAM, em Processo Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - FDUC/PT-IBCCRIM, em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes - UCAM e em Compliance Corporativo pelo Instituto de Direito Peruano e Internacional – IDEPEI e Plan A – Kanzlei für Strafrecht, Alemanha (Curso reconhecido pela World Compliance Association). Foi aluno do curso “crime doesn't pay: blanqueo, enriquecimiento ilícito y decomiso”, da Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca – USAL/ ESP, e do Módulo Internacional de "Temas Avançados de Direito Público e Privado", da Universidade de Santiago de Compostela USC/ESP. Membro da Câmara de Desagravo do Tribunal de Defesa das Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Mato Grosso - OAB/MT; Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM; do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico - IBDPE; do Instituto de Ciências Penais - ICP; da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB/MT; Membro efetivo do Instituto dos Advogados Mato-grossenses - IAMAT e Diretor da Comissão de Estudos Jurídicos da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – Abracrim. Autor de livros e artigos jurídicos, no Brasil e no exterior. E-mail: [email protected].

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NUNES, Filipe Maia Broeto. O sigilo advogado-cliente é sagrado, Moraes!. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5211, 7 out. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60626. Acesso em: 2 nov. 2024.

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