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A autonomia da vontade como determinante do feminismo

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Os modelos hierarquizadores tradicionalmente construídos retiram da mulher a própria existência, como se o sexo feminino não tivesse capacidade natural de se autodeterminar.

Definir feminismo não é tarefa fácil diante de várias comunidades ditas feministas na sociedade brasileira.

O feminismo é um movimento, uma ideia, uma potência de vontade das mulheres. Posso dizer que, em síntese, o feminismo é um movimento contra as opressões, históricas, à mulher. Essa opressão se resume em delimitar a vontade de potência da mulher, ou limitar, direcionar, proibir a autonomia da vontade feminina. Desmembra-se o feminismo na busca de vários direitos, os civis, os políticos, os econômicos, os reprodutivos, os sexuais e os culturais.

Os primeiros movimentos feministas surgiram para superar as formas de organizações tradicionais consideradas delineadoras da autopossessão e da autodeliberação às mulheres. O termo machismo, então, possui essência definidora de opressão à autonomia da vontade da mulher. Essa opressão tem origens, nas crenças religiosas, na política, nas normas jurídicas, no modus operandis cultural — advém disto que toda opressão à mulher é cultural, como, por exemplo, o estupro: a cultura do estupro.

De certa maneira, o feminismo tem como propósitos o repensar e recriar a identidade do sexo feminino frente às construções, por meio de crenças religiosas, científicas e filosóficas, de que há uma hierarquização qualitativa entre homens e mulheres; sendo os modelos hierarquizadores definidores dos limites da autopossessão e da autodeliberação da mulher.

Ou melhor, os modelos hierarquizadores retiram/limitam da mulher a própria existência dela mesma, como se o sexo feminino não tivesse capacidade natural, a razão, de determinar à própria existência. Logo, os modelos hierarquizadores — para as feministas, os modelos são construções ideológicas do sexo masculino e não do sexo feminino — são opressões.

Há diferenças fisiológicas e anatômicas entre os sexos masculino e feminino, contudo, tais diferenças não se traduzem em dominações, relações de poderes.

 Na CRFB de 1988, é possível encontrar norma sobre esta questão:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.

Se homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, por que há certos privilégios às mulheres, como licença maternidade? Existe licença paternidade, fato. E por que os dias na licença maternidade não são iguais para os homens na licença paternidade? 

Tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades é o princípio da igualdade. É a mulher que amamenta, muitíssimo importante o ato para o desenvolvimento saudável do nascituro, não o homem. O ato de amamentar naturalmente é muitíssimo superior do que o amamentar por métodos artificiais, como o uso de mamadeira, seios artificiais, que podem ser usados pelos homens.

A aproximação do bebê com o corpo da mãe traz conforto e segurança ao bebê; à mãe, uma ligação emocional muito maior. A produção de leite materno, pelo sugar do bebê, aumenta a produção do leite materno. Leite materno, fresco, possui todos os nutrientes necessários para o desenvolvimento do bebê. Somente em caso de dificuldade de produção de leite materno é que se usa, por exemplo, o banco de leite materno.

Vamos imaginar que não fora inventado o absorvente feminino. A mulher menstrua, que é o deslocamento da placenta; e menstruar é sangrar. Não existindo absorvente íntimo, poderia existir licença menstruação? Homem não menstrua, não suja de sangue os estofamentos dos assentos, os pisos.

Aplicando Tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades, existem desigualdades que devem ser ponderadas pelo princípio da igualdade. Disso, a licença menstruação não é um privilégio, no sentido de aumento de Direito à mulher em detrimento da diminuição, no sentido de criar desigualdade, de Direito ao homem. Dor de cabeça. Há medicamentos, para ambos. Logo, não há o porquê de se criar licença dor de cabeça para a mulher e/ou para o homem.

"Que as mulheres aprendam no silêncio a sua sujeição..." (São Paulo Apóstolo)

As feministas, dentre vários direitos exigidos por elas, querem que suas vozes sejam ouvidas, sem quaisquer censuras. E seus atos não sejam censurados. Neste aspecto, o boicote pode ser uma censura, já que, por exemplo, na Grécia a.C. as mulheres tinham posição social análoga aos escravos (não ateniense). Se o boicote é tentativa de silenciar/acabar com alguma voz, manifestação, expressão artística, mesmo não existindo normas jurídicas proibitivas à liberdade de expressão de determinados grupos, pela ideologia predominante na cultura, o boiote é uma censura, disfarçada de Não fui/fomos ditador/ditadores.

Há vários meios de se boicotar (censurar) alguma coisa, sem violência física. Por exemplo, prevalecer da condição econômica, dos meios de produção, através de coesões de ideologias análogas, ou simétricas, para contrapor, cercear, diminuir a autopossessão, a autodeliberação de quem não seja considerado igual.

Por exemplo, se o Livre Mercado permite a autopossessão e autodeliberação em exporta ou importar, as barreiras criadas pela taxação alfandegária é protecionismo; retira-se, então, por intermédio do Estado, a autopossessão e a autodeliberação de quem quer comprar produtos produzidos fora do território nacional.

Se livros de Kama Sutra fossem produzidos e, por exemplo, algum cidadão quisesse compra algum exemplar, mas o Estado entende que é perversão, há censura. Se o Estado não faz objeções, mas os valores culturais, da ideologia ou da crença predominante, impedem de alguém comprar o exemplar, já que todos os importadores nacionais são contra o conteúdo na Kama Sutra, o possível comprador tem censurado o seu direito de ler/possuir o que bem quiser.

Se algum comerciante deseja importar Kama Sutra, sem quaisquer objeções estatal, mas, pela maioria, através do tipo de ideologia ou crença religiosa, faz pressões, como econômica, pichações na loja do comerciante etc., autopossessão e autodeterminação do comerciante estão censuradas.

Lembremos dos romanos e os primeiros cristãos. A maioria (romanos) ditava regras sobre minorias (cristãos). Ditar regras, não necessariamente pela quantidade, mas pela potencialidade ofensiva contra quem está em desacordo com o tipo de utilitarismo. Digamos que existam 120 mil (cento e vinte mil) habitantes em certa localidade. 115 mil (cento e quinze mil) estão censurados, perda da autopossessão e autodeliberação, pelos 5 mil (cinco mil). Estes possuem armas bélicas capazes de neutralizar quaisquer tentativas de revolução, rebelião, manifestação. Logo, censura/boicote pode ser qualitativa e não quantitativa.

"... que viva sob uma estreita vigilância, veja o menor número de coisas possível, ouça o menor número de coisas possível, faça o menor número de perguntas possível". (Xenofonte sobre condição da mulher)

Na História humana, dizer que as mulheres nunca tiverem autopossessão e autodeliberação é sofisma. Porém, muitos desses direitos eram conseguidos quando aconteciam guerras; os homens saiam para guerrearem, as mulheres ficavam nas aldeias, decidiam o que era melhor para todos os aldeões. Mesmo tendo que obedecer diretrizes já convencionadas, em cada caso concreto, a mulher tinha alguma liberdade (autopossessão e autodeterminação).

Por exemplo, se algumas pessoas invadissem a aldeia, as aldeãs poderiam se defender usando os meios disponíveis. Caso alguma aldeã fosse agarrada pelo intruso, e este quisesse estuprá-la, ela teria autodeliberação para matá-lo ou não. Poderia lutar até morrer, ou deixar-se ser violentada para preservar sua própria vida.Quando os homens retornavam da guerra, eles retornavam o controle dos costumes, das leis. Na Idade Média existiam mulheres exercendo serralheria e carpintaria.

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De certa forma, as mulheres tiveram direitos. As feministas mentem? Não, pois diferentemente dos acontecimentos após a Segunda Guerra Mundial, as mulheres tinham autopossessão e autodeterminação limitadas por crenças religiosas, ideologias políticas e filosóficas.

Quando as leis, consubstanciadas com as crenças religiosas e ideológicas, política ou filosófica, não proibiam a autopossessão e autodeterminação das mulheres, a força do inconsciente coletivo, por intermédio de crenças religiosas e ideológicas política ou filosófica, limitavam, retiravam à autopossessão e autodeliberação das mulheres.

Por exemplo, a CRFB de 1988 garante direitos e deveres iguais aos homens e mulheres, indiferentemente de posições social e econômica, de sexualidade, se pessoa com necessidade especial ou não, morfologia, etnia, crença, contudo, segundo relatórios produzidos pelas Organizações Não Governamentais (ONGs) de direitos humanos, nacional e internacional, e pelo próprio Estado brasileiro, as mulheres ainda se distanciam do que é proposto pela CRFB de 1988 é pelo que há na realidade cotidiana. Ou seja, há um divorciamento entre formal e material.

O que uma feminista pode ou não pode usar/ser? Vejamos:

  • Com ou sem maquilagem?
  • Depilada ou não?
  • Saia ou calça?
  • Usar ou não sutiã?
  • Usar ou não calcinha?
  • Vestida ou pelada?
  • Engenheira ou professora?
  • Dona de casa ou empresária fora do lar?
  • Mãe solteira ou mãe casada?
  • Produção de prole por meio natural ou artificial?
  • Fazer ou não cirurgia plástica estética?
  • Ser magistrada ou servidora?
  • Morar ou não sozinha?
  • Sentar ou não de pernas abertas?
  • Beber ou não bebida alcoólica?
  • Abortar ou não?
  • Ser agente militar ou não?
  • Ter ou não relacionamento homoafetivo?
  • Ter ou não relacionamento heterossexual?
  • Poliandria ou não?
  • Assumir ser ou não heterossexual?
  • Admitir ser ou não ateu?
  • Usar espartilho ou não?
  • Ser assexuada ou não?
  • Ser amélia ou não?
  • Ser masoquista ou sadomasoquista?
  • Manter-se obesa ou não?
  • Fazer regime para emagrecer, ficar musculosa ou engordar?
  • Usar ou não acessórios sexuais?
  • Ser católica, evangélica ou budista?

Immanuel Kant possui valor moral rígido:

"O que torna uma ação moralmente valiosa não consiste nas consequências ou nos resultados que dela fluem. O que torna uma ação moralmente valiosa tem a ver com o motivo, com a qualidade da vontade, com a intenção, com as quais a ação é executada. O importante é a intenção."

Não importa como, importa ser. Eis a autopossessão e a autodeliberação da mulher. Ser feminista é defender o ser, como ser é opção. Se há mulheres que discordam uma das outras, por suas diferenças ideológicas, filosóficas ou por crenças religiosas, mas cada qual é o que é pela autopossessão e autodeliberação, os imbróglios são humanisticamente compreensíveis, pois ninguém é clone do outro.

Se, somente se, a escolha pessoal é determinada pela superstição ou pelo medo, não há autodeterminação e autopossessão. O que vale na escolha é a intenção. Se a intenção possui fulcro na razão, há autopossessão, autodeliberação. Se a intenção possui fulcro no medo ou na superstição, principalmente pelos valores utilitaristas, e suas pressões coercitivas, iminentes ou eminentes, a intenção não é verdadeiramente concretizada pela autopossessão e autodeterminação, mas uma inclinação, uma necessidade de se igualar para não sofrer, emocional, psíquica e/ou economicamente.

Como exemplo, a autopossessão e a autodeliberação dos primeiros cristãos — estou me referindo aos cristãos por predominância da crença cristã no Brasil —; mesmo diante da morte, fogueira ou leões, não cederam ao medo de perderem suas vidas. Isso é autopossessão, autodeterminação.

Encerro. Quando alguém perguntar o que é feminismo, quem é feminista, mesmo entre as mulheres, recomende este texto.

Obrigado!

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HENRIQUE, Sérgio Silva Pereira. A autonomia da vontade como determinante do feminismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5363, 8 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60674. Acesso em: 24 dez. 2024.

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