A CESSÃO FIDUCIÁRIA NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
A cessão fiduciária de créditos e títulos de crédito constitui negócio jurídico para garantia, que se divide em duas naturezas, uma obrigacional, que consiste no dever de pagamento do crédito obtido por meio de mútuo, outra real, que consiste na cessão/transferência do direito de crédito em favor do credor fiduciário, que ostenta a posição de proprietário até que durante o período de adimplemento do contrato firmado entre as partes, vez que ocorrido o inadimplemento, o direito cedido consolida-se em favor do referido credor.
Analisando esta garantia no âmbito da Lei 11.101/2005, verifica-se que este instrumento já foi objeto de questionamento acerca da sua sujeição ou não ao procedimento recuperacional. Houve doutrinadores que defenderam a sua extraconsursalidade, argumentando que o direito objeto da cessão tem características de bem móvel, atribuída pelo art. 83 da Lei 11.101/2005 e, ainda, que o art. 49, § 3.º da Lei 11.101/2005, expressamente excluiu dos efeitos da Recuperação Judicial qualquer espécie de propriedade fiduciária, ao não especificar a espécie a que pretendia a exclusão. Assim, o credor teria o direito ao percebimento integral do seu crédito, consubstanciado no direito cedido.
Outro argumento que se usou para defender a extraconsursalidade do crédito garantido por cessão fiduciária, é que na hipótese de falência da sociedade empresária, o credor fiduciário poderá efetivamente aplicar o produto recebido dos títulos para liquidação da dívida e, se houver saldo, o devolverá para a massa falida. Desse modo, o credor não se sujeita ao procedimento falimentar para recebimento do seu direito creditício.
Para excluir qualquer dúvida acerca da extraconcursalidade do crédito garantido pela cessão fiduciária, oportuno destacar que o art. 66-B, § 3.º da Lei Federal n.º 4728/95 (introduzido pela Lei Federal n.º 10.931/2004) admitiu como garantia fiduciária as espécies alienação e cessão ao referir-se à elas genericamente como propriedade fiduciária. Assim, se a legislação especial estabelece a existência e pertinência das referidas espécies, não há como ignorar que a Lei 11.101/2005 também as contempla no art. 49, § 3.º da Lei 11.1011/2005.
Na oportunidade em que se discutiu a sujeição ou não da cessão fiduciária no âmbito da Recuperação Judicial, os Tribunais de Justiça posicionaram-se de formas distintas, qual seja: (i) exclui-la do procedimento recuperacional e (ii) comparando-a ao penhor mercantil, sujeitar o crédito ao procedimento recuperacional.
O Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento de que o crédito que ostente a garantia fiduciária sobre cessão fiduciária não se submete ao procedimento recuperacional, conforme se verifica nos arestos abaixo colacionados:
DIREITO EMPRESARIAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRÉDITO GARANTIDO POR CESSÃO FIDUCIÁRIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. NÃO SUBMISSÃO. DECISÃO MANTIDA. 1. É assente, nas Turmas que compõem a Segunda Seção desta Corte, o entendimento no sentido de que o crédito garantido por cessão fiduciária não se submete ao processo de recuperação judicial. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.(AgRg no REsp 1263510/MT, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 05/04/2016, DJe 11/04/2016).
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITOS RESULTANTES DE ARRENDAMENTO MERCANTIL E COM GARANTIA FIDUCIÁRIA. NÃO SUBMISSÃO À RECUPERAÇÃO. 1. Interpretando o art. 49, § 3º, da Lei n. 11.101/2005, a jurisprudência entende que os créditos decorrentes de arrendamento mercantil ou com garantia fiduciária - inclusive os resultantes de cessão fiduciária - não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1181533/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/12/2013, DJe 10/12/2013).
Contudo, considerando que a Lei 11.101/2005 não apresenta os requisitos necessários para a aplicação da regra excepcional do art. 49, § 3.º, houve a necessidade de recorrer à legislação específica que trata sobre o tema para identificá-los, de forma a reconhecer se o crédito estará sujeito ou não ao procedimento recuperacional.
Oportuno destacar que o tratamento dispensado ao crédito garantido por cessão fiduciária distingue-se daquele aplicado à alienação fiduciária.
Na cessão fiduciária a constituição da garantia opera-se na contratação da operação financeira, dispensando-se, portanto, o registro, para que o negócio fiduciário tenha validade entre as partes, conforme estabelece o art. 42 da Lei 10.931/2004:
Art. 42. A validade e eficácia da Cédula de Crédito Bancário não dependem de registro, mas as garantias reais, por ela constituídas, ficam sujeitas, para valer contra terceiros, aos registros ou averbações previstas na legislação aplicável, com as alterações introduzidas por esta Lei.
Por oportuno, ressalte-se que o registro é indispensável para que o negócio fiduciário (cessão) tenha validade e eficácia, ou seja, seja oponível em face de terceiros.
Em análise dos acórdãos proferidos pelos Tribunais Estaduais relativos à esta questão, verificou-se que a exigência do registro do contrato e do instrumento da garantia de cessão fiduciária, conforme se demonstra os arestos abaixo colacionados:
RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA A DECISÃO QUE DETERMINOU A RESTITUIÇÃO DE VALORES DESCONTADOS DE CONTAS BANCÁRIAS DA RECUPERANDA. DESCONTO FUNDADO EM CESSÕES FIDUCIÁRIAS DE RECEBÍVEIS REPRESENTADOS POR DUPLICATAS MERCANTIS CEDIDAS. Por entender que seu crédito teria natureza extraconcursal, realizou o agravante o desconto do crédito diretamente da conta bancária da recuperanda, como autorizava, segundo afirmou, as cédulas de crédito bancário emitidas, garantidas por cessões fiduciárias de recebíveis consubstanciados em duplicatas mercantis. Passado o stay, deve ser examinada a questão atinente aos créditos performados. Em relação aos créditos performados, cumpre observar que o próprio agravante reconheceu a falta de constituição válida da garantia fiduciária, visto que registrado o contrato em domicílio diverso da recuperanda. Diante disso, não se pode reconhecer a natureza extraconcursal e, por isso, estão sujeitos à recuperação judicial. No que tange à obrigação de pagamento de astreintes, verifica-se que, embora exista a obrigação de não fazer, referente ao não desconto pelas instituições financeiras de valores das contas bancárias das recuperandas, esta obrigação, no caso em exame, transmudou-se efetivamente para obrigação de restituir, de pagar quantia certa, de modo que não pode subsistir a imposição de multa a este título, como já decidiu precedentemente o Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Não obstante, continua a agravante obrigada a cumprir a obrigação de não fazer, referente ao não desconto dos créditos pretendidos das contas bancárias das recuperandas e, neste ponto, subsistem as astreintes. Redução do valor da multa fixada. Cabe ao Magistrado, de ofício ou a requerimento da parte interessada, alterar o valor da multa caso ela se mostre insuficiente ou excessiva. A fixação de multa deve guardar proporcionalidade e não ensejar o enriquecimento sem causa. Recurso parcialmente provido apenas para afastar a imposição de multa diária referente à obrigação pecuniária – restituição dos valores indevidamente retidos pelo agravante, mantida a multa, fixada, agora, no valor de R$ 20.000,00, no que se refere ao cumprimento da obrigação de não fazer – não desconto dos créditos pretendidos das contas bancárias. (Relator(a): Carlos Alberto Garbi; Comarca: Fernandópolis; Órgão julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Data do julgamento: 06/04/2016; Data de registro: 08/04/2016).
RECURSO – Agravo de Instrumento – "Ação de execução por quantia certa contra devedores solventes com pedido acautelatório liminar de arresto" – Insurgência contra o respeitável "decisum" que indeferiu a inicial, julgando parcialmente extinto o feito, sem resolução do mérito, com fundamento no artigo 267, inciso VI do Código de ProcessoCivil, com relação às empresas PROIMPORT BRASIL S/A (em Recuperação Judicial) e ARTLUZ BRASIL DISTRIBUIDORA LTDA (em Recuperação Judicial) e indeferiu o pedido de arresto em relação ao executado ANDRÉ RICARDO SOUTO MAIOR – Inadmissibilidade – Cessão Fiduciária de Títulos – Necessidade de registro para a constituição da propriedade fiduciária – Inteligência do artigo 1361, §1º do Código Civil e da Súmula 60 desta Corte – Credor que levou o contrato a registro após o requerimento da recuperação judicial das empresas – Ausência de descrição da coisa objeto da transferência, com os elementos indispensáveis à sua identificação – Inobservância ao disposto no artigo 1.362, inciso IV do Código Civil – Propriedade fiduciária que não constituída regularmente – Não incidência da exceção prevista no artigo 49, §3º da Lei n.º 11.101/05 – Precedentes jurisprudenciais – Pedido de arresto em relação ao executado ANDRÉ RICARDO SOUTO MAIOR, antes mesmo da tentativa de citação – A existência restrições financeiras e demandas em face do agravado, por si só, não o caracteriza como insolvente – Requisitos dos artigos 813 e 814 do CPC não configurados – Recurso improvido. (Relator(a): Roque Antonio Mesquita de Oliveira; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 18ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 30/03/2016; Data de registro: 06/04/2016).
Cumpre observar que, a fundamentação apresentada nas referidas ementas, para a declarar sujeito ao procedimento recuperacional o crédito garantido por cessão fiduciária (a necessidade de registro), baseia-se na exigência insculpida no art. 1361, § 1.º do Código Civil. Todavia, em detida análise do que dispõe o referido dispositivo, constata-se que a exigência tem aplicação limitada à constituição da propriedade fiduciária sobre coisa móvel infungível.
Assim, uma vez que a garantia de cessão fiduciária recai sobre coisas móveis ou títulos de crédito, que apresentam características de bens incorpóreos e fungíveis, constata-se a inadequação da exigência do registro para a constituição da garantia, com base no art. 1361, § 1.º da Lei Federal 11.101/2005.
Oportuno destacar que esse foi o entendimento adotado em recente decisão proferida pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n.º 1412529/SP, em 17/12/2015:
RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CESSÃO FIDUCIÁRIA SOBRE DIREITOS SOBRE COISA MÓVEL E SOBRE TÍTULOS DE CRÉDITO. CREDOR TITULAR DE POSIÇÃO DE PROPRIETÁRIO FIDUCIÁRIO SOBRE DIREITOS CREDITÍCIOS. NÃO SUJEIÇÃO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL, NOS TERMOS DO § 3º DO ART. 49 DA LEI N. 11.101/2005. MATÉRIA PACÍFICA NO ÂMBITO DAS TURMAS DE DIREITO PRIVADO DO STJ. PRETENSÃO DE SUBMETER AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL, COMO CRÉDITO QUIROGRAFÁRIO, OS CONTRATOS DE CESSÃO FIDUCIÁRIA QUE, À ÉPOCA DO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL, NÃO SE ENCONTRAVAM REGISTRADOS NO CARTÓRIO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS DO DOMICÍLIO DO DEVEDOR, COM ESTEIO NO § 1º DO ART. 1.361-A DO CÓDIGO CIVIL. INSUBSISTÊNCIA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Encontra-se sedimentada no âmbito das Turmas que compõem a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça a compreensão de que a alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de créditos (caso dos autos), justamente por possuírem a natureza jurídica de propriedade fiduciária, não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial, nos termos do § 3º do art. 49 da Lei n. 11.101/2005. 2. O Código Civil, nos arts. 1.361 a 1.368-A, limitou-se a disciplinar a propriedade fiduciária sobre bens móveis infungíveis. Em relação às demais espécies de bem, a propriedade fiduciária sobre eles constituída é disciplinada, cada qual, por lei especial própria para tal propósito. Essa circunscrição normativa, ressalta-se, restou devidamente explicitada pelo próprio Código Civil, em seu art. 1.368-A (introduzido pela Lei n. 10.931/2004), ao dispor textualmente que "as demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições desse Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial". 2.1 Vê-se, portanto, que a incidência subsidiária da lei adjetiva civil, em relação à propriedade/titularidade fiduciária sobre bens que não sejam móveis infugíveis, regulada por leis especiais, é excepcional, somente se afigurando possível no caso em que o regramento específico apresentar lacunas e a solução ofertada pela "lei geral" não se contrapuser às especificidades do instituto por aquela regulada. 3. A exigência de registro, para efeito de constituição da propriedade fiduciária, não se faz presente no tratamento legal ofertado pela Lei n. 4.728/95, em seu art. 66-B (introduzido pela Lei n. 10.931/2004) à cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de crédito (bens incorpóreos e fungíveis, por excelência), tampouco com ela se coaduna. 3.1. A constituição da propriedade fiduciária, oriunda de cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis e de títulos de crédito, dá-se a partir da própria contratação, afigurando-se, desde então, plenamente válida e eficaz entre as partes. A consecução do registro do contrato, no tocante à garantia ali inserta, afigura-se relevante, quando muito, para produzir efeitos em relação a terceiros, dando-lhes a correlata publicidade. 3.2 Efetivamente, todos os direitos e prerrogativas conferidas ao credor fiduciário, decorrentes da cessão fiduciária, devidamente explicitados na lei (tais como, o direito de posse do título, que pode ser conservado e recuperado 'inclusive contra o próprio cedente'; o direito de 'receber diretamente dos devedores os créditos cedidos fiduciariamente', a outorga do uso de todas as ações e instrumentos, judiciais e extrajudiciais, para receber os créditos cedidos, entre outros) são exercitáveis imediatamente à contratação da garantia, independente de seu registro. 3.3 Por consectário, absolutamente descabido reputar constituída a obrigação principal (mútuo bancário, representado pela Cédula de Crédito Bancário emitida em favor da instituição financeira) e, ao mesmo tempo, considerar pendente de formalização a indissociável garantia àquela, condicionando a existência desta última ao posterior registro. 3.4 Não é demasiado ressaltar, aliás, que a função publicista é expressamente mencionada pela Lei n. 10.931/2004, em seu art. 42, ao dispor sobre cédula de crédito bancário, em expressa referência à constituição da garantia, seja ela fidejussória, seja ela real, como no caso dos autos. O referido dispositivo legal preceitua que essa garantia, "para valer contra terceiros", ou seja, para ser oponível contra terceiros, deve ser registrada. De se notar que o credor titular da posição de proprietário fiduciário sobre direitos creditícios (excluído dos efeitos da recuperação judicial, segundo o § 3º do art. 49 da Lei n. 11.101/2005) não opõe essa garantia real aos credores da recuperanda, mas sim aos devedores da recuperanda, o que robustece a compreensão de que a garantia sob comento não diz respeito à recuperação judicial. Assentado que está que o direito creditício sobre o qual recai a propriedade fiduciária é de titularidade (resolúvel) do banco fiduciário, este bem, a partir da cessão, não compõe o patrimônio da devedora fiduciante - a recuperanda, sendo, pois, inacessível aos seus demais credores e, por conseguinte, sem qualquer repercussão na esfera jurídica destes. Não se antevê, por conseguinte, qualquer frustração dos demais credores da recuperanda que, sobre o bem dado em garantia (fora dos efeitos da recuperação judicial), não guardam legítima expectativa. 4. Mesmo sob o enfoque sustentado pelas recorrentes, ad argumentandum, caso se pudesse entender que a constituição da cessão fiduciária de direitos creditícios tenha ocorrido apenas com o registro e, portanto, após o pedido recuperacional, o respectivo crédito, também desse modo, afastar-se-ia da hipótese de incidência prevista no caput do art. 49 da Lei n. 11.101/2005, in verbis: " Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos". 5. Recurso especial provido, para restabelecer a decisão de primeiro grau que acolheu a impugnação apresentada pelo Banco recorrente, para excluir dos efeitos da recuperação judicial seu crédito, garantido pela cessão fiduciária. (REsp 1412529/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/12/2015, DJe 02/03/2016).
Diante dos argumentos apresentados no aresto colacionado, constata-se a aplicação do disposto nas legislações de que tratam sobre a propriedade e com esse posicionamento há que se manifestar concordância com o entendimento de que a cessão fiduciária sobre coisa móvel e títulos de crédito não necessita de registro para a sua constituição.
Todavia, considerando que a Recuperação Judicial consiste na reunião dos credores que ostentam a natureza (i) trabalhista, (ii) privilegiada em razão de ser detentor de garantias reais ou, ainda, (iii) quirografária, oportuno ressaltar que a extraconcursalidade do crédito garantido por cessão fiduciária sobre coisas móveis e títulos de crédito, há que se considerar que somente se declarará a exclusão do crédito do procedimento recuperacional, quando houver demonstração pelo credor fiduciário de que promoveu o registro do contrato e do instrumento da garantia, de forma a cumprir o requisito publicístico e a sua eficácia contra terceiros, nos exatos termos do art. 42 da lei 10.931/2004.
Outro ponto relacionado à questão do registro da garantia para oponibilidade perante terceiros, consiste na observação da exigência de que o objeto da garantia esteja discriminado e individualizado, de modo que terceiros possam identificar quais são as coisas que compõe o acervo da cessão fiduciária que se pretende constituir.
Embora as Leis Federais n.º 4.278/65 e 10.931/2004 não estabeleçam expressamente esta exigência, oportuno destacar que o art. 1362, IV do Código Civil, estabelece como requisito do contrato que serve de título para a propriedade fiduciária “a descrição da coisa objeto da transferência, com os elementos indispensáveis à sua identificação”, isto quer dizer a sua discriminação e individualização.
Oportuno destacar, que o referido dispositivo legal pode ser aplicado em qualquer espécie de propriedade fiduciária, ante a ausência de incompatibilidade entre as disposições das Leis Federais n.º 4728/65 e 9514/97, vez que o art. 52 da Lei Federal n.º 10.931/2004 introduziu o art. 1368-A ao Código Civil, com a seguinte redação:
Art. 1.368-A. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004).
Diante do exposto, entende-se que se o credor fiduciário, detentor de garantia de cessão fiduciária sobre coisas móveis e títulos de crédito cumprir os requisitos e considerações apresentadas nesse item III poderá pleitear e ver reconhecido o seu direito à extraconcursalidade do crédito. Dessa forma divergimos da simplicidade do acórdão proferido nos autos do Recurso Especial n.º 1412529/SP, que tratou a questão de maneira simplista, quando não analisa a questão sobre a ótica da Recuperação Judicial e da massa de credores (terceiros) que a compõe, limitando o exame às partes contratantes.