Reflexos da súmula 581, do Superior Tribunal de Justiça, em relação aos devedores solidários ou coobrigados na recuperação judicial de empresas

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09/10/2017 às 18:08
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4. DAS MODALIDADES DE GARANTIAS PESSOAIS NOS CONTRATOS SUJEITOS À RECUPERAÇÃO JUDICIAL

 Nos negócios realizados entre entes econômicos, especialmente no que diz respeito a tomada de recursos financeiros no mercado, não raras vezes é exigido do tomador garantias prestadas por terceiro, sejam elas cambiais, reais ou fidejussórias. No que diz respeito às garantias pessoais, tratam-se daquelas que terceiras pessoas se responsabilizam pela obrigação, caso o devedor deixe de cumpri-las.

Nos contratos não cumpridos e cujos créditos encontram-se sujeitos à recuperação judicial, as garantias mais utilizadas são a fiança e o aval.

     O aval, diferentemente da fiança, é obrigação cambiária que não tem relação de dependência estrita com a obrigação principal assumida pelo avalizado, subsistindo até mesmo quando a última for nula.

     Sobre as diferentes correntes doutrinárias a respeito da natureza jurídica do aval, assim leciona P.R. Tavares Paes:

Magarinos Torres considera o aval uma garantia pessoal, plena e solidária que se pode juntar ao título, à obrigação de qualquer dos obrigados. Diz, ainda que é uma modalidade de fiança ‘expressamente e só visando a fortificar o crédito de um obrigado cambial, isto é, tendo por fim assegurar diretamente o pagamento por terceira pessoa’ (‘Nota Promissória’, vol. I/265). Já José Maria Whitaker diz que o aval é uma garantia a um valor – ‘in rem’ – e não a uma pessoa – ‘in personan’: pressupõe a existência de uma obrigação, mas existência formal, e não real. É, como adverte Bonelli, ‘um instituto análogo ao do aceite por intervenção, pois num e noutro caso o subscritor assume o débito como próprio, independentemente da obrigação de uma pessoa determinada’ (‘Letra de Câmbio’, 6ª ed., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1961, p. 188).”[10]

          João Eunápio Borges assim transcreve a natureza jurídica do aval:

De sua função de garantia de obrigação alheia, surgem as semelhanças com a fiança, e desta analogia as maiores divergências entre os doutrinadores, quando se trata de fixar o verdadeiro conceito do instituto.

Nossa Lei Cambial – a que melhor disciplinou o aval, no autorizado dizer de Saraiva – não deixou margens a dúvidas, afastando, de modo claro e inequívoco, a menor possibilidade de confundi-lo com a fiança, cujo característico essencial é ser obrigação acessória de outra principal – de que depende – ao passo que a responsabilidade do avalista subsiste, mesmo quando nula e juridicamente inexistente a obrigação garantida.

Interessante é observar a semelhança do aval com a sponsio do primitivo direito romano. Sponsio e fidejussio eram duas formas de intercessio, instituto de garantia do antigo direito romano.

Enquanto, porém, a fidejussio só podia garantir uma obrigação perfeitamente válida, a sponsio podia caucionar dívida absolutamente nula, contanto que afetasse a forma de uma obrigação verbal.[11]

Não há dúvidas, assim, que o aval é forma de garantia pessoal que não se confunde com a fiança, tendo, em comum com esta, alguns pontos, pelo fato de ambos tratarem-se de garantia, no entanto, o aval tem acessoriedade formal com relação à firma que garante, mas sua autonomia e substancial em face da lei e da melhor doutrina, como supra demonstrado.

     A fiança, por sua vez, é um contrato acessório, pelo qual uma ou mais pessoas obrigam-se perante o credor a cumprir uma obrigação assumida pelo devedor, caso este reste inadimplente no prazo e na forma convencionada.

     Segundo Pontes de Miranda[12]“fiança é o acto ou contrato pelo qual um terceiro, chamado fiador, assume ou assegura, no todo ou em parte, o cumprimento da obrigação do devedor, quando este não a cumpra ou não a possa cumprir, salvo quando a obrigação seja estritamente pessoal”.

     A doutrina[13] se refere à fiança como um contrato unilateral, já que ela atribui obrigação apenas a um dos contratantes, conquanto a sua natureza jurídica seja de um contrato acessório, eis que depende - e por que não dizer: a sua existência esta diretamente relacionada a um contrato principal.

                 Arnaldo Marmitt, nas primeiras linhas da sua obra, bem define o conceito de fiança:

Fiança é o contrato pelo qual um cidadão se obriga por outro, e perante o credor deste, a satisfazer determinada obrigação, na hipótese de o devedor não a cumprir no prazo fixado. A fiança envolve o cumprimento de obrigação convencional, oriunda de pacto escrito, e assegurada por terceiro, que responde pelo inadimplente, Significa responsabilidade, garantia, abonação, confiança. Caução, segurança.[14]

     O fato é que a lei de recuperação judicial é taxativa no sentindo de que as obrigações assumidas por terceiros subsistem, independentemente da aprovação do plano de recuperação judicial pela Assembleia Geral de Credores, sejam elas cambiais, reais ou fidejussórias - garantia pessoal em que terceira pessoa se responsabiliza pela obrigação, caso o devedor deixe de cumpri-la. É o caso da fiança e do aval.


5. A RESPONSABILIDADE DO COOBRIGADO APÓS A APROVAÇÃO DO PLANO DE RECUPERACÃO JUDICIAL

Como supra referido, tanto no aval, quanto na fiança, a Lei de Recuperação Judicial determina que o credor pode perseguir seu crédito contra o avalista ou fiador, independentemente de o devedor avalizado encontrar-se em recuperação judicial. Isto ocorreu de igual forma com as garantias cambiais e reais.

Aliás, é importante a título de conhecimento referir que o processo de recuperação judicial de empresa não suspende ações de execução contra fiadores e avalistas do devedor principal recuperando, mesmo no que diz respeito ao prazo inicial de 180 dias – suspensão prevista nos artigos 6o, caput, e 52, inciso III, da Lei 11.101/2005 - concedido pela lei para que o devedor possa se organizar e planejar a sua recuperação judicial.

Com efeito, após o deferimento da recuperação judicial e, mais adiante, com a aprovação do plano pela assembleia de credores, surgem discussões sobre a posição a ser assumida por quem, juntamente com a empresa recuperanda, figurou como coobrigado em contratos ou títulos de crédito submetidos à recuperação. Ou seja, o devedor solidário.

E para a infelicidade dos coobrigados, que muitas vezes se comprometem com o nítido intuito de ajudar o devedor a captar recursos no mercado para salvar a empresa, a lei é expressa na preservação de suas obrigações na eventualidade de ser deferida a recuperação judicial do devedor principal. São obrigados a adimplir o que garantiram.

O entendimento é de que a novação prevista na lei civil, como já referido, é bem diversa daquela disciplinada na Lei 11.101/15, na medida em que a novação civil, como regra, extingue as garantias da dívida, inclusive as reais, prestadas por terceiros estranhos ao pacto (artigo 364 do Código Civil). Por outro lado, a novação decorrente do plano de recuperação determina a manutenção das garantias (artigo 59, caput, da Lei 11.101), as quais só serão suprimidas ou substituídas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia, por ocasião da alienação do bem gravado, o que na prática é muito difícil ocorrer.

O art. 59 da Lei 11.101/05 possui a seguinte redação:

Art. 59. O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1o do art. 50 desta Lei.

§ 1o A decisão judicial que conceder a recuperação judicial constituirá título executivo judicial, nos termos do art. 584, inciso III, do caput da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.

§ 2o Contra a decisão que conceder a recuperação judicial caberá agravo, que poderá ser interposto por qualquer credor e pelo Ministério Público.

Posto o plano de recuperação judicial operar uma verdadeira novação das dívidas a ele submetidas, as garantias reais ou fidejussórias são preservadas, circunstância que possibilita ao credor exercer seus direitos contra terceiros garantidores e impõe a manutenção das ações e execuções aforadas em face de fiadores, avalistas ou coobrigados em geral, gerando uma grande contradição e uma maior pena aos coobrigados, pois em diversas oportunidades o plano de recuperação judicial é aprovado com grande parcela de deságio e um enorme alongamento, mas os coobrigados permanecem respondendo pela dívida originária, um verdadeiro contrassenso.

Sobre o tema, é de suma importância para a compreensão a transcrição da doutrina de João Pedro Scalzilli:

Muito embora o plano de recuperação judicial opere a novação das dívidas a ele submetidas, as grantias reais ou fidejussórias prestadas por terceiros em favor do devedor são preservadas. Tal circunstância possibilita ao credor exercer (ou continuar exercendo) seus direitos contra os garantidores e impõe a manutenção das ações e execuções aforadas em face de fiadores, avalistas ou coobrigados em geral.

Apesar de STJ já ter se posicionado nessa direção por meio do mecanismo do recurso repetitivo, não se pode desconsiderar a coerência dos argumentos sustentados pela tese oposta, segundo a qual diante da novação da obrigação existente contra a recuperanda, eventuais execuções ajuizadas contra coobrigados e garantidores devem ser suspensas, para apenas prosseguir em caso de descumprimento do plano de recuperação e convolação em falência.

Explica-se: se por um lado é possível argumentar que as garantias cumprem justamente a função de garantir o credor em face do inadimplemento do devedor; por outro não se pode falar em inadimplemento, pois a obrigação original foi extinta. E como adveio nova obrigação em função da ‘novação concursal’, não seria possível admitir que o garantidor tenha se obrigado além do montante que se obrigou o devedor principal.[15]

Lamentavelmente, a jurisprudência tem se manifestado pela aplicação dos termos da lei. Tome-se como exemplo as decisões dos Egrégios Tribunais de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e de São Paulo, que têm entendido predominantemente no sentido de que a concessão da recuperação judicial para empresa devedora não afeta as garantias dos débitos sujeitos ao plano, podendo os credores cobrarem as dívidas dos coobrigados, fiadores ou avalistas, pelo valor integral a partir dos respectivos vencimentos.

Com efeito, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul assim julgou recentemente:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE EXECUÇÃO. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. No âmbito da recuperação judicial, os credores do devedor principal, de regra, conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso, cujas obrigações não se sujeitam ao plano. Contexto em que o Superior Tribunal de Justiça chancelou, em sede de recurso especial representativo de controvérsia e de verbete de Súmula, o entendimento de que a recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções, nem induz suspensão ou extinção de ações fundadas em garantia real ou fidejussória. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.[16]

AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL AJUIZADA EM DESFAVOR DO SÓCIO GARANTIDOR. DEVEDOR PRINCIPAL DA CÉDULA DE CRÉDITO EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. SUSPENSÃO DA AÇÃO DE EXECUÇÃO. DESCABIMENTO. Consoante entendimento consolidado pelo c. STJ, em julgamento do REsp nº. 1.333.349/SP, mediante a sistemática do art. 543-C do Código de Processo Civil, "a recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória, pois não se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts. 6º, caput, e 52, inciso III, ou a novação a que se refere o art. 59, caput, por força do que dispõe o art. 49, § 1º, todos da Lei n. 11.101/2005". AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.[17]

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Não é diferente, como referido, os julgados do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

EXECUÇÃO – RECUPERAÇÃOJUDICIAL - RECURSO ESPECIAL REPETITIVO - Possibilidade de execução contra o avalista, que não se encontra em recuperaçãojudicial - A aprovação do plano de recuperaçãojudicial ou a decretação da falência gera a suspensão do processo de execução apenas e exclusivamente quanto ao devedor, e não ao terceiro garantidor (avalista ou fiador). Incidência dos arts. 6º, 49, 52 e 59, da Lei nº 11.101/2005. Em sede de Recurso Especial Repetitivo, já se decidiu que "Para efeitos do art. 543-C do CPC/1973 (art. 1036 do CPC/2015): "A recuperaçãojudicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória, pois não se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts. 6º, caput, e 52, inciso III, ou a novação a que se refere o art. 59, caput, por força do que dispõe o art. 49, § 1º, todos da Lei n. 11.101/2005" – RECURSO PROVIDO.[18]

EMBARGOS À EXECUÇÃO –  CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO - DEVEDORA PRINCIPAL QUE SE ENCONTRA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL –  ALEGAÇÃO DE NOVAÇÃO DA DÍVIDA EM RELAÇÃO AOS AVALISTAS - DESCABIMENTO –  O benefício da novação das dívidas não atinge os direitos de crédito existentes em face de devedores solidários, fiadores e avalistas. O titular do direito de crédito pode se insurgir contra essas figuras integralmente. Aplicação dos artigos 49, §1º e 59, ambos da Lei 11.101/05. Precedentes. Recurso desprovido.[19]

     Uma vez mais se constata a natureza sui generis do instituto da novação aplicado na recuperação judicial. É possível verificar, por exemplo, que a fiança, figura acessória como acima referido, deveria ser utilizada tão somente nos casos em que o devedor principal estivesse inadimplente, o que não se aplica para os casos de recuperação judicial, já que a lei foi omissa e lacunosa ao não fazer distinção entre os diversos tipos de garantia que um crédito pode possuir.

É preciso consignar que a novação operada pelo plano de recuperação judicial fica sujeita a uma condição resolutiva, qual seja, o cumprimento do plano pelo devedor nos primeiros 02 anos contados da concessão da recuperação judicial. Eventualmente decretada a falência neste período, implica necessariamente na resolução da novação, voltando as partes ao status quo ante, com a reconstituição dos direitos e garantias nas condições originariamente contratadas, deduzidos os valores eventualmente pagos e ressalvados os atos validamente praticados no âmbito da recuperação judicial, a teor do que prescreve o artigo 61, § 2º, da Lei de Recuperação Judicial.

     Fabio Ulhoa Coelho[20] refere que “...os credores sujeitos aos efeitos da recuperação judicial conservam intactos seus direitos contra coobrigados, fiadores e obrigados de regresso. Desse modo, o portador de nota promissória firmada pelo empresário em recuperação pode executar o avalista desse título de crédito, como se não houvesse o benefício. Cabe ao avalista, suportar, nessa situação, o sacrifício direto representado pela recuperação judicial do avalizado”.

E, neste passo, não é diferente a orientação do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que, inclusive, já possui recurso especial representativo de controvérsia em relação a matéria e, recentemente, editou a tão criticada Súmula 581.

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Sobre o autor
Eduardo Schumacher

Sou advogado militante na cidade de Porto Alegre, RS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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