A vida de David Gale: Uma abordagem a respeito da pena de morte

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5 Os Direitos Fundamentais e a proteção à vida humana

Logo após a Primeira Guerra Mundial, ocorrida entre 1914 e 1918, foi idealizado em Versalhes, subúrbio de Paris, na França, uma organização para se negociar um acordo de paz. O acordo seguiu adiante, assim como a organização, que recebeu o nome de Liga das Nações ou Sociedade das Nações. Até o ano de 1942 a Liga das Nações seguiu com seu propósito de conseguir manter a paz no mundo, devido os prejuízos econômicos e as vidas ceifadas em decorrência da Primeira Guerra Mundial, no entanto, a organização foi dissolvida com o desencadeamento da Segunda Guerra Mundial, passando logo mais, em 1946, suas atribuições para a recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU)[25].

Vários pactos e tratados internacionais em que o Brasil é signatário possuem em si dispositivos que realçam a proteção da vida. Dentre outros, podemos citar a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos[26], que em seu artigo 4º, expressa:

1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém poderá ser privado de sua vida arbitrariamente.

2. Nos países que não houverem abolido a pena de morte esta só poderá ser imposta pelos delitos mais graves, em cumprimento de sentença final de tribunal competente e em conformidade com a lei que estabeleça tal pena, promulgada antes de haver o delito sido cometido. Tampouco se estenderá sua aplicação a delitos aos quais não se aplique atualmente.

3. Não se pode restabelecer a pena de morte nos Estados que hajam abolido

4. Em nenhum caso pode a pena de morte ser aplicada por delitos políticos, nem por delitos comuns conexos com delitos políticos.

5. Não se deve impor a pena de morte a pessoa que, no momento da perpetração do delito for menor de dezoito anos ou maior de setenta, nem aplicá-la a mulher em estado de gravidez.

6. Toda pessoa condenada à morte tem o direito de solicitar anistia, indulto ou comutação da pena, os quais podem ser concedidos em todos os casos. Não se pode executar a pena de morte enquanto o pedido estiver pendente de decisão ante a autoridade competente.

Outros acordos internacionais de extrema relevância se posicionaram quanto a preservação da vida. Um desses é o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos[27], de 1966, porém, acrescentando algumas disposições em seu artigo 6º, §3º:

Art. 6º

(...)

§3º Quando a privação da vida constituir crime de genocídio, entende-se que nenhuma disposição do presente artigo autorizará qualquer Estado-Parte no presente pacto a eximir-se, de modo algum, do cumprimento de qualquer das obrigações que tenha assumido em virtude das disposições da Convenção sobre a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio”.

Convém ressaltar a seguridade do Estado quanto o direito a vida até nas hipóteses de guerra declarada através da fixação de limites na atuação de cada país por meio do Direito Humanitário. Desta feita, visa além de fixar limites para atuação do Estado em casos de guerra, proteger militares, feridos, doentes, náufragos, prisioneiros, enfim, uma gama de pessoas. Nesse sentido, esta foi a primeira expressão que impôs limites a atuação dos países em hipótese de conflito armado.

A Constituição Federal de 1988[28] instituiu a proibição da pena de morte no Brasil, estabelecendo os Direitos e as Garantias Fundamentais do ser humano que garante o direito à vida no inciso XLVII, do artigo 5°, que aduz:

Art. 5°.  Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XLVII - não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

                   Deste modo, a pena de morte só seria possível conforme o artigo supracitado em casos de guerra declarada ao país com intuito de se defender das agressões estrangeiras, tendo o Código Penal Militar[29] como embasamento às regras desta modalidade, em seu artigo 55 e seguintes prevê:

Art. 55. As penas principais são:

a) morte;

b) reclusão;

c) detenção;

d) prisão;

e) impedimento;

f) suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função;

g) reforma.

Art. 56. A pena de morte é executada por fuzilamento.

Art. 57. A sentença definitiva de condenação à morte é comunicada, logo que passe em julgado, ao Presidente da República, e não pode ser executada senão depois de sete dias após a comunicação.

Parágrafo único. Se a pena é imposta em zona de operações de guerra, pode ser imediatamente executada, quando o exigir o interesse da ordem e da disciplina militares.

Ainda conforme o referido código, a pena que impõe a morte seria apenas em momento de guerra em casos expresso nos artigos 355 e seguintes, do Código Penal Militar[30] que faz alusão a traição, espionagem, entre outros.

O Código de Processo Penal Militar[31], em seu artigo 707, versa sobre a forma que deverá ser fuzilado o militar que cometer crime correspondente a tal pena, devendo esse militar sair da prisão com uniforme comum e sem insígnias. Logo em seguida, terá os olhos vendados, salvo se recusar, no momento em que estiver recendo as descargas, outrossim, as vozes de fogo serão substituídas por sinais, aliás, o §1º, do artigo 707, do Código de Processo Penal Militar diz que: “o civil ou assemelhado será executado nas mesmas condições, devendo deixar a prisão decentemente vestido”.

O §2º, do artigo 707, do Código de Processo Penal Militar[32] traz consigo uma disposição um tanto curiosa onde versa sobre a legitimidade e a possibilidade do condenado receber socorro espiritual. De acordo com o §3º, do mesmo artigo: “A pena de morte só será executada sete dias após a comunicação ao presidente da República, salvo se imposta em zona de operações de guerra e o exigir o interesse da ordem e da disciplina”.

Já o artigo 708, do mesmo Códex[33], encontra-se a seguinte disposição: “Da execução de morte lavrar-se-á a ata circunstanciada que, assinada pelo executor e duas testemunhas, será remetida ao comandante-chefe, para ser publicado em boletim”.

A Constituição Federal[34] evidenciou o direito à vida como um direito inalienável, colocando-o como o primeiro direito de grandeza maior de um indivíduo, e dele surgiu os demais direitos fundamentais, imputando assim, o Estado como responsável de garantir incondicionalmente seus direitos e que nem mesmo com Emenda Constitucional poderia ser vedada ou alterada, conforme apresentado no artigo 60°, §4°:

Art. 60 (...)

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.

Diante disso, temos o direito a vida como algo inviolável ao ser humano, devendo assim o poder público defender e proteger mediante qualquer circunstância, salvo exceção expressa em lei quando, de forma justa, o Estado poderá ser o responsável em investigar e julgar conforme a real necessidade, visto que possui outro meio de punição, a pena privativa de liberdade, como opção nos casos extremos mencionados.

E mesmo com uma nova Constituição Federal, com intuito de mudar essa circunstância, haveria um contratempo internacional, dado que o Brasil está de acordo e assinou um tratado com a Convenção Americana de Direitos Humanos que proíbe a pena capital.

Seguiremos adiante para analisar a influência dos meios de comunicação a pena de morte.


6 A influência dos meios de comunicação a pena de morte

Todo crime de grande repercussão nos submete ao desejo da imposição da pena de morte, principalmente quando se trata de crimes cometidos contra crianças, que não possuem a plena capacidade de se defender; e até mesmo os crimes contra a administração pública, quando passa por despercebido e não tem a condenação adequada. Portanto, é evidente que o desejo pela integração da pena capital é mais pela sensação de impunidade que a sociedade leva consigo diante crimes bárbaros que não tem uma solução jurídica esperada.

A mídia carrega consigo uma forte influência diante os expectadores quando transmitem informações com cunho apelativo, visando audiência e buscar meios de prender a atenção dos mesmos. Visto a grande repercussão de crimes que surpreende e chocam o país, é de suma importância os cuidados diante a apelação imposta pela imprensa, principalmente quando se trata de condenação precipitada do indivíduo considerado suspeito.

Dessa forma, o conteúdo abordado na televisão muitas vezes leva a condenação em que ainda não foi configurada a culpabilidade do indivíduo, e, por haver uma manifestação desenfreada da população que almeja que a justiça seja feita, há uma imposição de condenação que por vezes pode não ser adequada e justa que leva o apoio popular a pena de morte diante a grande divulgação do crime que foi cometido.

Após trataremos sobre a pena de morte no mundo contemporâneo.


7 A pena de morte no mundo contemporâneo

A Anistia Internacional[35] informou que em torno de 102 (cento e doze) países cessaram totalmente a pena de morte. No geral, 140 (cento e quarenta) Estados internacionais extinguiram totalmente a pena capital mediante lei ou na prática. Com isso, observa-se que embora ainda exista países que adotem esse tipo de punição, há uma grande evolução histórica que busca abolir tal prática de uma só vez. Em 2015, cerca de 1.634 (mil e seiscentos e trinta e quatro) pessoas foram executadas. A Anistia foi o maior número apontado desde 1989, aumentando mais de 50% (cinquenta por cento) com relação ao ano anterior. Diante disso, o Secretário Geral da Anistia Internacional se posicionou informando que:

O aumento nas execuções ocorrido ano passado é profundamente perturbador. É a primeira vez em 25 anos que tantas pessoas foram condenadas à pena capital. Em 2015, os governos continuaram a tirar a vidas sob a falsa alegação de que a pena de morte deixa o mundo mais seguro.

O país que mais registrou mortes como penalidade foi a China, embora se tenha convicção de que ultrapasse milhares de pessoas executadas, o Estado mantém em sigilo quanto a esses dados. Além dele, grande parte das execuções foram registradas pelo Irã, Paquistão e Arábia Saudita que utilizam o método de fuzilamento, enforcamento, decapitação, injeção letal, arma de fogo, entre outros, e a maioria dos crimes relacionados são considerados crimes comuns. No Irã foram executados 977 (novecentos e setenta e sete) pessoas em 2015 devido a crimes relacionados a drogas, além de ser um dos últimos países no mundo que executa menores de idade por flagrantes aos descumprimentos às leis internacionais. É sabido ainda que no Irã e Arábia Saudita as leis são impostas e executadas conforme disciplina o Livro do Alcorão, e deste modo, cada país o interpreta de um meio diferente tendo a questão religiosa um meio de rivalidade entre os países[36].

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Visto isso, muitos países que tem a morte como punibilidade de crimes, os processos judiciais não seguem à risca as normas internacionais e não fazem um julgamento justo e adequado, por vezes usam o meio de tortura para que o indivíduo confesse crimes até mesmo sem cometê-los.

Os registros da Anistia Internacional[37] para o ano de 2016 informam que houve uma queda considerável da aplicação da pena com relação ao ano de 2015, cerca de 1.032 (mil e trinta e duas) pessoas foram executadas pelo mundo.

Não obstante, informações emitidas por Bruna Wagner[38] em seu documentário relata que:

Atualmente, estima-se haver mais de 20 mil pessoas condenadas à pena de morte no mundo. Com 32 estados que continuam a sentenciar à morte, os EUA tinham, em 2012, 21,6% da população carcerária mundial, segundo o ICPS (Centro Internacional de Estudos Prisionais), do King’s College, de Londres. Um estudo da Universidade de Michigan indica que um em cada 25 condenados à morte nos EUA é inocente.

Bruna Wagner[39] ainda relata que o cientista político Mauricio Santoro ressalta que “Não existem soluções mágicas para resolver problemas ligados aos crimes. Elas passam pela construção de relações de confiança entre Estado e sociedade, por policiais bem treinados e equipados, um sistema judiciário eficaz”. Sendo evidente em sua colocação que a punição com a pena de morte não irá resolver um problema e muito menos disciplinar uma sociedade desigual socioeconomicamente.

É notório que as normas e as regras estabelecidas por leis e o sistema judiciário, embora sejam para proteger todos os cidadãos diante sua igualdade, há uma grande divergência, pois apenas os poderosos são favorecidos com todas os direitos constitucionais. Embora haja em regulamentação, apenas os considerados ricos, que possuem condições de uma defesa com um bom advogado desfrutam de todos os seus direitos e garantias estaduais.

Em 2015, o brasileiro Marco Archer Cardoso Moreira foi executado por meio de fuzilamento na Indonésia, o mesmo vinha cumprindo pena por tráfico de drogas desde 2004, quando entrou no país com 13 (treze) quilos de cocaína. Visto a extraterritorialidade do país e por descumprir sua legislação, embora tenha havido todo o trâmite processual legal, nada se pode fazer diante do julgamento, mesmo com a presidente da época entrando em contato com o presidente do então país para pedir clemência. Com alguns dias após, outro brasileiro Rodrigo Gularte, teve o mesmo destino ainda na Indonésia por tentar entrar com 06 (seis) quilos de cocaína, ficando preso por mais de uma década antes de sua execução[40].

Diante dos fatos acima exposto, nota-se que ainda é grande o número de mortes por infrações de leis em todo mundo. Em 2015, segundo Anistia Internacional[41] registrou um recorde nos últimos 25 (vinte e cinco) anos da aplicação da pena de morte, tornando assim notório que a aplicabilidade da penalidade não cumpre com o papel de impedir que os crimes sejam cometidos.

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Sobre os autores
Leonardo Barreto Ferraz Gominho

Graduado em Direito pela Faculdade de Alagoas (2007); Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2010); Especialista e Mestre em Psicanálise Aplicada à Educação e a Saúde pela UNIDERC/Anchieta (2013); Mestre em Ciências da Educação pela Universidad de Desarrollo Sustentable (2017); Foi Assessor de Juiz da Vara Cível / Sucessões da Comarca de Maceió/AL - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Foi Assessor do Juiz da Vara Agrária de Alagoas - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Conciliador do Tribunal de Justiça de Alagoas. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito das Obrigações, das Famílias, das Sucessões, além de dominar Conciliações e Mediações. Advogado. Professor da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Professor e Orientador do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Responsável pelo quadro de estagiários vinculados ao Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF - CCMA/FACESF, em Floresta/PE, nos anos de 2015 e 2016. Responsável pelo Projeto de Extensão Cine Jurídico da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF, desde 2015. Chefe da Assessoria Jurídica do Município de Floresta/PE. Coautor do livro "Direito das Sucessões e Conciliação: teoria e prática da sucessão hereditária a partir do princípio da pluralidade das famílias". Maceió: EDUFAL, 2010. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico I: discutindo o direito por meio do cinema”. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821832; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito civil e direito processual civil”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821749; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821856. Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 02. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558019. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico II: discutindo o direito por meio do cinema”. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558002.

Nágila Rafaela Gonçalves Pimentel

Acadêmica de Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco-FACESF.

Wemerson Maxuel da Silva Vargas

Acadêmico de Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do Francisco-FACESF.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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