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Proibição de voto

28/10/2017 às 14:40
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Dois grupos de minoritários de uma companhia de capital aberto global recorreram à Justiça para suspender o exercício do direito de voto das sociedades controladoras na assembleia de acionistas, convocada para deliberar a instauração de procedimento arbitral de cunho indenizatório contra o diretor presidente, que fez colaboração premiada.

Dois grupos de minoritários de uma companhia de capital aberto global recorreram ao Tribunal de Justiça de São Paulo e o Tribunal Regional Federal da 1ª. Região com a finalidade de suspender o exercício do direito de voto das sociedades controladoras na assembleia de acionistas, convocada para deliberar a instauração de procedimento arbitral de cunho indenizatório contra o diretor presidente, que fez colaboração premiada para beneficiar-se da imunidade penal criada pela Lei 12.850/13.

Apesar de idênticos os fundamentos de ambos os pedidos, o TJSP e o TRF da 1ª. Região decidiram de forma diametralmente oposta (permitam-me a redundância).

Aquele, indeferiu a liminar, condenou os autores a pagar honorários de advogado e custas judiciais e extinguiu o processo; este, concedeu a tutela de urgência, por julgar que as sociedades de comando, em virtude de existir flagrante conflito de interesses, não poderiam deliberar sobre demanda a ser proposta contra administrador que integra o “grupo de controle”.

O conflito de interesses é o tema mais intrincado e controvertido do direito societário na doutrina e na jurisprudência, de ontem e de hoje, aqui e alhures, por três motivos.

Primeiro, o conflito de interesses é uma questão subjetiva, uma questão de foro íntimo; segundo, militam a favor do acionista, ao manifestar a sua vontade, os princípios da presunção de boa-fé do voto e da liberdade de emiti-lo; terceiro, as legislações o regulam através de cláusulas gerais, de conceitos jurídicos indeterminados, isto é, de normas de conteúdo vago, flexível, compelindo o exegeta a adequar o texto da lei à realidade e o juiz, ao aplicá-las, a agir com prudente arbítrio, de que é exemplo o art. 115 da nossa Lei de Sociedades Anônimas (LSA), que trata do voto lícito, do voto abusivo, do voto em conflito de interesses e da proibição de voto.

A LSA considera lícito ou legítimo o voto proferido com lealdade e de boa-fé “no interesse da companhia” (art. 115, caput, parte inicial) e ilícito ou abusivo o voto que visa “causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para o acionista ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas” (art. 115, caput, segunda parte).

A LSA reputa antagônico ou contrário o voto que puder beneficiar o acionista “de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia” (art. 115, §1º, parte final), e proibi o voto do acionista “nas deliberações da assembleia geral relativas ao laudo de avaliação de bens que concorrer par a formação do capital social e à aprovação de suas contas como administrador” (art. 115, §1º, parte inicial).         

Ao disciplinar o exercício do direito de voto dessa forma, a LSA alinha-se ao Código Civil italiano, art. 2373, parte final; à Lei das Sociedades Anônimas alemã, art. 136; ao Código Federal Suiço das Obrigações, art. 695; ao Código das Sociedades Comerciais português, art. 384º, nº 6, alíneas (b) e (c), e ao antigo Projeto de Sociedade Anônima Europeia, art. 92, § 3º.

Nesses sistemas jurídicos, é vedado, expressamente, ao acionista-administrador, qualquer que seja o número de ações que possua, tomar parte na deliberação da assembleia geral que vise destituí-lo do cargo, apurar a sua responsabilidade civil, penal e administrativa e compeli-lo a ressarcir os prejuízos causados à companhia e aos acionistas, enquanto, no Brasil, a proibição de voto é apenas implícita.

Anote-se, todavia, que o art. 115, §1º, da LSA não esgota as hipóteses de proibição de voto, não havendo dúvida de que é defeso à sociedade controladora eleger membro do conselho de administração ou diretor executivo que saiba inapto, moral ou tecnicamente (art. 117, §1º, alínea d), ou que carecer de reputação ilibada (art. 147, §3º), devendo o magistrado, em uma análise lógica, sistemática e econômica e com o valioso supedâneo do Direito Comparado, considerar impedido o acionista-administrador de participar da decisão que objetive afastá-lo de suas funções e atribuições, processá-lo e condená-lo ao pagamento de perdas e danos.

Salta aos olhos que o indivíduo, que tenha feito “colaboração premiada” nos termos da Lei nº 12.850, de 2013, para livrar-se da persecução penal, eventual condenação criminal e consequente prisão, não possui nem reputação ilibada, nem idoneidade moral e, se não as possui e ostenta, não pode ser eleito, nem, tampouco, permanecer ocupando o cargo de diretor presidente de companhia aberta, por não preencher os requisitos imprescindíveis para gerir e representar sociedades anônimas.  

Aliás, o litígio judicial sequer teria ocorrido se o conselho de administração, a quem incumbe eleger e destituir os diretores (art. 142 da LSA), houvesse afastado o diretor presidente com respaldo nos mesmos fundamentos de fato e de direito.

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Sobre o autor
Jorge Lobo

Mestre em Direito da Empresa da UFRJ e Doutor e Livre-Docente em Direito Comercial da UERJ. Curador de Massas Falidas do MPRJ e é advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOBO, Jorge. Proibição de voto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5232, 28 out. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61472. Acesso em: 18 dez. 2024.

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