As medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha

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Diante dos alarmantes dados de violência doméstica registrados em Montes Claros, durante os anos de 2014 a 2016, questiona-se sobre a real efetividade das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha. Saiba um pouco mais sobre isso.

1. Breve histórico da Lei 11.340 de 2006

Conhecida como Lei Maria da Penha, a Lei 11.340 de 2006, foi criada para proteger as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.

O que impulsionou a criação desta Lei foi a coragem e persistência de Maria da Penha Maia Fernandes, mulher que sofria a violência do próprio marido, o professor universitário colombiano Marco Antonio Heredia Viveros, homem que tentou matá-la duas vezes.

Na primeira tentativa, Heredia tenta matar sua companheira com um tiro enquanto dormia, fato que a deixou paraplégica. Depois de algum tempo no hospital, Maria da Penha voltou para casa. Ainda assim, Heredia queria ver a esposa morta, ocasião em que tentou eletrocutá-la enquanto tomava banho. Porém, Maria da Penha percebeu o ocorrido e buscou ajuda (CAMPOS, 2008, p. 19).

Diante da violência do marido, Maria da Penha pôde sair de casa por meio de uma ordem judicial, e assim iniciou uma batalha para que seu agressor fosse condenado. Porém, a condenação de Heredia pela tentativa de homicídio demorou algum tempo, devido ao descaso das autoridades.

(...) No ano de 2001, o Estado brasileiro foi condenado pela Comissão por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres. Foi recomendada a finalização do processo penal do agressor de Maria da Penha (que ocorreria finalmente no ano de 2002); a realização de investigações sobre as irregularidades e atrasos no processo; (...) e a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher. Foi assim que o governo brasileiro se viu obrigado a criar um novo dispositivo legal que trouxesse maior eficácia na prevenção e punição da violência doméstica no Brasil". E assim foi no ano, de 2006, que o Congresso aprovou por unanimidade a Lei Maria da Penha, já que foi considerada pela ONU como a terceira melhor lei contra a violência doméstica no mundo. (BLUME)[1]

Como se percebe, o judiciário brasileiro foi inerte, já que Maria da Penha precisou buscar na Corte Interamericana de Direitos Humanos o apoio necessário para pressionar o Brasil a criar medidas para o combate da violência doméstica. Diante disso, devido à pressão internacional sobre o Brasil, foi criada a Lei 11.340 de 2006 a qual veio para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.


2. Das medidas protetivas de urgência

As medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha são destinadas a dar uma maior efetividade à busca pela proteção à mulher, vítima de violência no ambiente familiar, afetivo e doméstico.

É importante notar que a lei 11.340 de 2006 foi um grande avanço para as mulheres que sofre essa violência. Isso porque o Brasil acolheu as medidas impostas pelos organismos internacionais a fim de criar uma Lei específica para cuidar das mulheres, vítimas de violência doméstica e familiar. Porém, a garantia da efetividade desta Lei não está sendo executada, tendo em vista que as mulheres ainda sofrem com a violência doméstica (CAMPOS, 2008, p. 20-22).

Os índices de violência ainda persistem, conforme é percebido pelos meios de comunicação, e a forma para coibi-la, como por exemplo, as medidas protetivas previstas na Lei 11.340 de 2006, apesar de serem impostas, nem sempre são cumpridas pelos agressores.

Cumpre salientar que as medidas protetivas de urgência são concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida. E poderão ser aplicadas, isolada ou cumulativamente, e também, ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados (art. 22, Lei 11.340 de 2006).

Destaca-se que foi aprovada no legislativo uma alteração na Lei Maria da Penha para permitir que a autoridade policial pudesse determinar quais medidas de urgência seriam impostas ao agressor, dispensando análise pelo juiz o faça. A proposta, porém, foi vetada pelo Presidente da República [2].

Nas lições de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar, as medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha são medidas administrativas, obrigatórias e de cunho cautelar, visando essencialmente a proteção da mulher. Assim, conclui-se que sua aplicação não é uma alternativa ao agressor, mas sim uma imposição que, havendo descumprimento, poderão ser tomadas providências mais severas, como o uso de força policial ou a prisão preventiva do agressor (TÁVORA; ALENCAR, 2016, p. 1.260).

Assim, conclui-se que as medidas protetivas de urgência, são mecanismos que protegem a mulher no tocante à violência familiar e doméstica e também, são medidas cautelares que visam coibir o agressor de praticar algum ato contra a vítima.

2.1 Medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor

O inciso I do artigo 22, aborda a prática da violência por quem tem porte de arma, devendo esta ser imediatamente suspensa ou restrita da posse do agressor, quando determinado pelo juiz, devendo ser comunicado o ato de restrição/suspensão ao órgão competente. Assim, por exemplo, sendo o agressor policial, diante da violência praticada contra a mulher no ambiente doméstico ou afetivo, o juiz poderá determinar a suspensão da posse ou restrição do porte da arma, devendo ser analisado cada caso concreto (DIAS, 2007, p. 82).

O agressor poderá ser afastado do ambiente familiar do qual mantinha a convivência com a ofendida, a fim de resguardar a vida desta e de seus familiares. Esta é a previsão do inciso II, do artigo 22, da Lei 11.340 de 2006. Isso ocorre para que a vítima não tenha que se preocupar em conseguir outro lugar para morar, uma vez que a convivência com seu marido, por exemplo, está impossível por causa das agressões sofridas.

Também, o inciso III proíbe algumas condutas, as quais irão dificultar uma próxima ameaça ou agressão. Prevê que o magistrado poderá proibir o agressor de se aproximar até determinada distância ou de manter contato com a vítima, seus familiares e testemunhas, para que não haja coação ou mais agressões. Também, poderá restringir que o agressor frequente determinados lugares, a fim de resguardar ainda mais a integridade física e psicológica da ofendida (artigo 22, III, da Lei 11.340 de 2006).

Percebendo o juiz haver necessidade, poderá restringir ou suspender temporariamente a visita do agressor a seus dependentes, devendo, conforme prevê o inciso IV do artigo 22, ser ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar. Isso ocorre para que o agressor não estenda a violência, (seja moral, psicológica, física, material ou sexual) a seus dependentes menores (artigo 22, IV, da Lei 11.340 de 2006).

Por fim, outra medida que pode ser aplicada ao agressor é a prestação de alimentos provisórios ou provisionais, conforme determina o inciso V, do artigo 22. Isso para que a ofendida não fique desamparada financeiramente (artigo 22, V, da Lei 11.340 de 2006).

2.2. Medidas protetivas de urgência à ofendida

Uma vez imposta uma medida para punir o agressor, o magistrado pode determinar outras medidas, sem prejuízo das já tomadas, a fim de que a ofendida fique protegida e seja amparada pelo Estado.

Assim, o juiz pode determinar (artigo 22, inciso I) que a ofendida e seus dependentes sejam encaminhados a programas oficiais ou comunitários destinados à proteção ou atendimento à mulher em situação de violência. Isso para que haja um apoio a ela e seus dependentes.

Ainda, poderá ser determinada a recondução ao lar da ofendida e de seus dependentes por meio de auxílio policial, desde que haja o afastamento do agressor (artigo 22, inciso II, da Lei 11.340 de 2006). Ou mesmo o seu afastamento do lar, sem que haja prejuízo em relação aos direitos relativos à guarda e alimentos e bens patrimoniais do casal (artigo 22, inciso III da mesma Lei).

[...] também pode ser autorizada a saída da mulher da residência comum, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda de filhos e alimentos (art. 23. III) a previsão justifica-se. Sendo casados os envolvidos, o afastamento com a chancela judicial, não caracteriza abandono do lar, a servir de fundamento para eventual ação de separação (Dias, 2007, p. 84).

Por fim, conforme dispõe o inciso IV, do artigo 22, poderá ser determinada a separação de corpos, isso para que a vítima não permaneça no mesmo ambiente que o agressor, resguardando assim sua integridade física e psicológica e de sua família.


3. Eficácia das medidas protetivas de urgência e a ressocialização do agressor

Para coibir os agressores foram estabelecidas as medidas protetivas de urgência, as quais deverão ser utilizadas sempre que demonstrado perigo para a mulher e seus entes. Percebe-se que o principal objetivo desta Lei é garantir a proteção da mulher que sofre da violência doméstica.

Cumpre destacar que a Lei Maria da Penha protege não só a esposa que sofre a violência do marido, mas também a filha, a mãe, a namorada, a empregada, a tia, ou seja, trata-se de uma violência de gênero que vem proteger a mulher que é vítima da violência doméstica, desde que no ambiente familiar, doméstico ou afetivo.

Para haver a eficácia das medidas protetivas, não é suficiente a punição, tendo em vista que o agressor, ao cumprir a pena imposta a ele, por exemplo, terá mais “raiva/ódio” da esposa ou companheira.

Segundo dados do Centro Integrado de Informações de Defesa Social (SINDS)[3], entre 2014 e 1016, a violência com maior incidência em Montes Claros é a violência física que, no segundo semestre de 2016 chega a 1.815 registros.

Em Montes Claros, no ano de 2014 foram 8.169 registros (1º semestre: 4.083; 2º semestre: 4.086); em 2015 o total foi de 8.182 (1º semestre: 3.906; 2º semestre: 4.276) e, em 2016 (foi de 8.088 1º semestre: 4.079; 2º semestre: 4.009) registros de violência doméstica e familiar contra a mulher (CINDS, 2017, p. 09).

Conforme se extrai do diagnóstico da CINDS (2017, p. 29), em Montes Claros nos anos de 2014, 2015 e 2016, prevalece a violência física com o maior registro de violência doméstica e familiar contra a mulher. Segue depois a psicológica, patrimonial, moral, sexual e, por fim, outros tipos registrados pelas vítimas de violência doméstica de familiar.

Nas lições de Maria Berenice Dias, a melhor forma a ser utilizada para diminuir ou até mesmo erradicar a violência doméstica é com as ressocialização do agressor. Para ela, o agressor precisa ter em mente que a mulher não é um objeto, e sim uma pessoa que merece respeito (DIAS, 2006, p. 6).

É indispensável a sua ressocialização, isso para que o agressor seja conscientizado e não venha mais agredir a mulher. O papel de programas que visam combater a violência doméstica, como a Política Nacional de Enfrentamento à Violência Doméstica[4], faz-se relevante, pois vão contribuir na ressocialização do agressor.

Ademais, o artigo 152, parágrafo único, da Lei de Execução Penal, dispõe que o juiz pode determinar que o agressor compareça a programas de reeducação e recuperação. Esse comparecimento obrigatório, quando determinado pelo juiz, tem por objetivo a ressocialização do agressor.

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Por fim, outras formas também são utilizadas para tornar cada vez mais eficaz a proteção à mulher, como o botão do pânico, dispositivo que fica com a mulher e é acionado por ela sempre que estiver na iminência de sofrer a violência.


4. Considerações finais

O presente trabalho buscou demonstrar a efetividade das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha, frisando que a ressocialização do agressor é o melhor caminho para erradicar a violência contra a mulher.

Assim, apesar de existirem as medidas, os altos índices de violência contra a mulher ainda persistem. Isso foi demonstrado com base nos dados do CINDS 2017, e ainda constatou-se que a cidade de Montes Claros ocupa a quinta posição (no que diz respeito aos registros de violência contra a mulher) das cidades de Minas Gerais.


Referências

BLUME, Bruno. Cinco pontos sobre a Lei Maria da Penha. Disponível em: < http://www.politize.com.br/lei-maria-da-penha-tudo-sobre/> Acesso em 23/10/2017.

BRASIL. Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm> Acesso em 27/05/2016.

CAMPOS, Antônia Alessandra Sousa. A Lei Maria da Penha e sua efetividade (Monografia). 2008.  Disponível em: <Http://Bdjur.Tjce.Jus.Br/Jspui/Bitstream/123456789/268/1/Monografia%20ant%C3%B4nia%20alessandra%20sousa%20campos.Pdf>. Acesso Em: 16/11/2016.

DIAGNÓSTICO 2017. Violência doméstica e familiar em Minas Gerais. Disponível em: <http://www.seds.mg.gov.br/images/diagnostico_mulheres/2017_diagnostico_mulher.pdf> Acesso em 18/07/2017.

DIAS, Maria Berenice Dias. A violência doméstica na justiça. 2006. Disponível em <http://www.mariaberenice.com.br/manager/arq/(cod2_800)10__a_violencia_domestica_na_justica.pdf> Acesso em 28/09/2017.

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria Da Penha Na Justiça: A Efetividade Da Lei 11.340 de 2006 de Combate a Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2007

TAVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito processual Penal. 11ª Ed. Bahia: Jus Podivm, 2016.


Notas

[1] Disponível em < http://www.politize.com.br/lei-maria-da-penha-tudo-sobre/> Acesso em 23/10/2017.

[2] Disponível em <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2017/lei-13505-8-novembro-2017-785700-veto-154165-pl.html> Acesso em 8/3/2018.

[3] Disponível em <http://www.seds.mg.gov.br/images/diagnostico_mulheres/2017_diagnostico_mulher.pdf> Acesso em 18/07/2017

[4] A Política Nacional de enfrentamento à violência doméstica tem por finalidade estabelecer conceitos, princípios e ações de prevenção e combate à violência doméstica em todas as suas formas. Disponível em: <http://www.spm.gov.br/assuntos/ouvidoria-da-mulher/pacto-nacional/politica-nacional-enfrentamento-a-violencia-versao-final.pdf> Acesso em 25/10/2017.

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Sobre os autores
Brenda Janielle Sousa Mesquita

Estudante de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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