Notas Promissórias e o Princípio da Cartulidade

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02/11/2017 às 18:51
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Explana-se a validade do pagamento de uma Nota Promissória pelo seu resgate; a obrigatoriedade do credor em possuir e apresentar o título para promover uma ação judicial, a presunção legal do pagamento e as formas de evitar a grilagem moderna.

Neste artigo trataremos da eficácia do pagamento e do resgaste de Nota Promissória, a validade deste com o simples resgaste, a ausência do título (Nota Promissória) em Ação de Cobrança com a inversão do ônus probante. Falaremos da forma que se opera o seu exaurimento diante da fiel observância do princípio da cartulidade e legalidade a luz da legislação geral e específica sobre a matéria. A comprovação do pagamento se dá com o resgaste da Nota Promissória, propriamente dita, pois que de forma presumida a Lei reconhece o seu exaurimento, esgotando-se em sí mesma a possibilidade de cobrança sem a apresentação, pelo credor, do título que se deseja cobrar.

Nota Promissória; Princípio da Cartulidade; Comprovação do Pagamento Presumido; Obrigação de Apresentação do Título; Credor Putativo.  

Introdução - 1. Nota Promissória - 2. Ônus da Prova e o Dever de Guarda pelo Credor - 3. Presunção do Pagamento - 4. Cartulidade da Nota Promissória - 5. Prova do Pagamento - 6. Credor Putativo - Conclusão.


1. Nota Promissória

Quando uma Nota Promissória não está vinculada a nenhum contrato basta ao devedor, ao resgatá-la, destruí-la, não se encontra literatura que afirme o contrário.

A Nota Promissória que não apresenta vinculação a um contrato assume caráter autônomo e a sua validade esgota com o resgate.

Tem-se que na maioria das vezes a necessidade de apresentação do “título” no caso uma Nota Promissória está ligada à segurança jurídica esperada em todos os negócios, pois aquele que a detém é o seu credor e poderá exercer o seu direito a qualquer tempo.

A exigência da exibição do título, para a promoção de uma cobrança ou execução é reforçada pela ideia de Justiça, Segurança Jurídica e Legalidade.

Ao se confirmar a exigência da existência e apresentação do título, pois que é elemento essencial para que o direito possa ser exercido, estamos afirmando que o credor, titular desse crédito deve ter a posse deste “título”, ou seja, deve exibir referido título caso queira fazer exercitar e valer-se do seu direito naquele estampado. É por isso que o título o qual se reclama um direito deve, obrigatoriamente, instruir toda e qualquer petição inicial.

As Notas Promissórias são, assim entendidas, título de crédito pois que cumprem os requisitos legais necessários e exigidos, se assim não fosse não seriam consideradas.


2. Ônus da Prova e o Dever de Guarda pelo Credor

Analisando sob essa ótica pode-se afirmar, com certeza, que NÃO existe credor sem a posse efetiva do título; a função judicante não poderá conhecer direito sem a devida comprovação desse direito que, alegando sua existência terá como referência a posse de um título ou de uma letra de câmbio. Aliás, é ônus do pretenso credor a comprovação da existência do título, não somente da dívida, mas do título que a representa.

Essa observação vem reforçada e regulamentada na própria processualística brasileira, conforme previsto no artigo 373 do Código de Processo Civil;

art. 373.  O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

A regra processualística contida no artigo 373 CPC é de que a prova incube a quem afirma a existência de um direito, esse ônus não poderá ser aplicado de maneira inversa, posto que não é dever do devedor comprovar a sua Não existência.

A obrigação da comprovação é de quem alega a existência do direito e não de quem lhe nega a existência.

Em regra a Nota Promissória é instrumento garantidor  de crédito feito por Pessoa Jurídica porém, nada impede que seja utilizada em negócio realizados entre pessoas físicas.

Nessas circunstâncias, temos no primeiro caso, fica ainda mais evidente a necessidade da apresentação do título pois que além do que já apresentamos, há regras específicas quando do caso de negócio com Pessoa Jurídica que por sua vez é ocupante do status empresarial, conforme previsão legal.  

 A referida exigência vem estampada no nosso Código Civil afirmando que é essencial das atividades, do empresário, a guarda e conservação desses documentos.

In verbis:

art. 1.194. O empresário e a sociedade empresária são obrigados a conservar em boa guarda toda a escrituração, correspondência e mais papéis concernentes à sua atividade, enquanto não ocorrer prescrição ou decadência no tocante aos atos neles consignados.

Fica evidente que na ausência da apresentação do título, deve prevalecer a presunção de quitação ou de outra forma que tenha ocorrido a prescrição, tudo conforme o previsto em nossa legislação pátria.

Não se vislumbra o cabimento a inversão do ônus da prova, de forma a exigir-se do devedor a produção de prova da invalidade de um título que não foi apresentado pois que sobrecarregaria pesadamente a parte mais hipossuficiente nessa relação ao exigir-se que produzisse prova desconstitutiva negativa ou “prova negativa”, hipótese que é moralmente descabida e juridicamente inaplicável. Essa formula invertida de produção de prova, desprestigiando o devido processo legal e em especial a legislação consumerista tem um nome que bem lhe define já comumente utilizado em nossa Jurisprudência.

A Jurisprudência tem chamado de prova impossível ou prova diabólica face a onerosidade imposta “impossível” de se efetivar com lisura e transparência.

APELAÇÃO CÍVEL. COMERCIAL, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PROTESTO INDEVIDO DE DUPLICATAS. CAUSA DEBENDI. INEXISTÊNCIA. ÔINUS DA PROVA. DANO MORAL IN RE IPSA. FACTORING. DIREITO DE REGRESSO. PROTESTO. DESNECESSIDADE. EXISTÊNCIA DE OUTROS PROTESTOS. SENTENÇA ULTRA PETITA. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. JUROS. TERMO INICIAL. EXTINÇÃO DA AÇÃO CAUTELAR. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. DESCABIMENTO. (...) Tendo a sacada negado a existência da relação jurídica que teria dado ensejo à emissão das duplicatas protestadas, cabia à apresentante dos títulos a protesto a prova em contrário. Não se poderia exigir da sacada a prova da inexistência da relação jurídica, pois trata-se de prova negativa, conhecida também como prova impossível ou prova diabólica. Caso de aplicação do princípio da carga dinâmica da prova, o qual informa que o ônus da prova cabe à parte que melhores condições tem de produzi-la. (...) APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70006513477, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, Julgado em 15/12/2004).            

É de igual valia a orientação dos nosso Doutrinadores sobre o assunto; segundo Fábio Ulhoa, a apresentação obrigatória do título visa dar garantia jurídica e inibir o enriquecimento ilícito, garantindo, ainda, ao credor e ao devedor a legalidade e a justiça da decisão;

“É a garantia de que o sujeito que postula a satisfação do direito é mesmo o seu titular, sendo, desse modo, o postulado que evita o enriquecimento indevido de quem, tenha sido credor de um título de crédito, o negociou com terceiros (descontou num banco, por exemplo)”. (COELHO, 2004, p.369).

Não fazemos aqui mea-culpa pelo desleixo ou pela tentativa de fraude que possam existir por aquele que cobra um título que não lhe pertence ou que não apresenta, pois que a Legislação própria da matéria é taxativa no seu desfecho.


3. Presunção do Pagamento

Vale aqui relembrar a Lei nº 2.044/1908, que define Letra de Câmbio, Nota Promissória e regula as Operações Cambiais.

Prescreve sobre a existência do pagamento

art. 23. Presume-se validamente desonerado aquele que paga a letra no vencimento, sem oposição.

Parágrafo único. A oposição ao pagamento é somente admissível no caso de extravio da letra, de falência ou incapacidade do portador para recebê-la.

A própria Lei manifesta a presunção da validade do pagamento e é taxativa para o caso de oposição a referida presunção legal; não sendo feito conforme e ao tempo da Lei, opera-se consumativamente, precluindo a remota hipótese de oposição a regra legal.

Apesar da Lei específica datar do ano de 1.908, veio a ser realentada pelo novo Código Civil Brasileiro que em vários de seus artigos ao tratar do objeto do pagamento e sua prova estabeleceram as premissas.

Nesse mesmo sentido são os inúmeros artigos do Código Civil;

art. 321. Nos débitos, cuja quitação consista na devolução do título, perdido este, poderá o devedor exigir, retendo o pagamento, declaração do credor que inutilize o título desaparecido.

Como já afirmado, o próprio devedor pode exigir declaração do credor comprometendo-se a inutilizar referido título, de certo que estando o próprio devedor de posse deste documento não haverá de apresentá-lo para de qualquer forma comprovar a quitação; a existência por sí só do título comprovaria a dívida, logo, sendo apresentado como prova “negativa” faria efeito reverso da possibilidade de cobrança ou de posse suspeita ou indevida pelo devedor.

art. 322. Quando o pagamento for em quotas periódicas, a quitação da última estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores.

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Não é uma única vez que o Código Civil Brasileiro assume o a posição preferencial pela presunção, pois que amparado na máxima do ônus probante, caberá ao credor a prova da existência deste crédito.

Quando dos pagamentos em cotas periódicas, ao resgatar a última Letra ou Nota, sem qualquer oposição firme, legal e tempestiva, consolida-se a presunção dos pagamentos.

Em tese, quando do pagamento, o devedor tome de volta o título que representa sua dívida com o credor e, paulatinamente faz a recuperação destas Notas ou Letras e, novamente vemos a presunção operando-se em favor do devedor prudente que as toma para sí, pondo fim a prova da dívida e a própria dívida.

O artigo 324 do Código Civil Brasileiro prescreve que a entrega do título firma a presunção do pagamento e por fim o seu parágrafo único arremata taxativamente que o credor tem até sessenta (60) dias para invalidar essa presunção de pagamento.

De certo que a referida presunção tratada tanto nos artigos do Código Civil, como na Lei Especial vão de encontro ao  apresentado neste trabalho. Fica evidente que o Código Civil optou em reforçar a divisão do ônus, não cuidando-se de letra morta a previsibilidade da obrigação do credor em fazer prova daquilo que alega ser seu direito – art. 373 do CPC.

art. 324. A entrega do título ao devedor firma a presunção do pagamento.

Parágrafo único. Ficará sem efeito a quitação assim operada se o credor provar, em sessenta dias, a falta do pagamento.

 A insistência do legislador em firmar a presunção de um pagamento pelo transcurso de prazo ou da exigência de provar o direito alegado alinha-se com a Jurisprudência Dominante e os mais ilustres Doutrinadores.


4. Cartulidade da Nota Promissória

É condição sine qua non a apresentação/existência do título ou da letra para a comprovação de direito que lhe permita promover uma ação, sem isso, estará fadada ao insucesso e as consequências legais.

A aceitação ou o reconhecimento de afirmações sem condicionar a comprovação da existência de um título gera insegurança jurídica e haverá nítido explicito enriquecimento ilícito daquele que alegou seu direito e não demonstrou com apresentação deste documento; haverá nitidamente locupletação ilícita. Estaremos deixando as portas abertas para os fraudadores e oportunistas.

A grilagem de terras, falaremos  de “terra” com o significado de propriedade pois que a grilagem de terra sempre pautou-se com essa finalidade de forma a iludir, enganar e de maneira fraudulenta, criminosa transferir para sí a posse e propriedade de bem imóvel que não lhe pertence.                    

Data a época do império que o homem inescrupuloso cria meios de apropriar-se daquilo que não lhe pertence, inúmeras legislações foram criadas e mudadas visando a dar segurança ao legitimo proprietário e ao legal possuidor, mas, a criatividade delinquente funciona cada vez mais acelerada, inovando nos meios e formas de “criar” direitos; usando em regra uma cortina de fumaça iludem até os mais atentos.

Nos tempos modernos já não é tão fácil a criação de “grilos” para a produção “daqueles” documentos então, duas ou mais pessoas com propósito comum enveredam-se contra uma outra, essa última a vítima, e estes apresentam-se como “titulares de direitos” e entre sí simulam uma disputa judicial e nessa, produzem provas (todas fraudes) e buscam o pronunciamento judicial sobre essa falsa disputa entre eles.

Daí forçosamente cria-se, de maneira escusa, um direito originário. Essa é a grilagem moderna.

Sobre esse tema “grilagem”, trataremos com mais profundidade em outra ocasião.

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Sobre o autor
Geraldo Evangelista Lopes

Advogado do Conselho de Prerrogativas da 1ª Região da OAB/SP, Especialista em Direito Cível e Processo Civil – Faculdade Legale/SP, Mestrando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autônoma de Lisboa Luís de Camões;

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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