O artigo 112, inciso I, do Código Penal, dispõe expressamente que “no caso do art. 110 deste Código, a prescrição começa a correr: I – do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional”.
A sentença condenatória, sabe-se, só se torna imutável após o trânsito em julgado para as partes, mas, para efeitos de prescrição da pretensão executória, o termo inicial é a data em que se dá o trânsito em julgado para a acusação (aqui entendido não só o Ministério Público, mas também o querelante e o assistente da acusação).
Julio Fabbrini Mirabete prelecionava que “o termo inicial do prazo da prescrição da pretensão executória não é o do trânsito em julgado para ambas as partes, como na legislação anterior, mas o trânsito em julgado para a acusação. Passando em julgado a sentença condenatória para a acusação, a pena não mais pode ser aumentada, por não ser possível a revisão ‘pro societate, e assim, começa a ser contado o prazo da prescrição da condenação, quer para a pena privativa de liberdade, quer para a pena restritiva de direito (arts. 44 e 109, parágrafo único), ou para a multa, quando esta for a única aplicada (art. 114, I)”.[1]
Guilherme de Souza Nucci, criticando a disposição, conclui que o termo inicial da prescrição da pretensão executória “...é a data do trânsito em julgado da sentença condenatória, para a acusação”.[2]
Cezar Roberto Bitencourt, cuidando do tema, assenta que “...o prazo começa a correr do dia em que transitar em julgado a sentença condenatória para a acusação, mas o ‘pressuposto básico’ para essa espécie de prescrição é o trânsito em julgado para acusação e defesa, pois, enquanto não transitar em julgado para a defesa, a prescrição poderá ser intercorrente”.[3]
O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em casos análogos, vem reiteradamente decidindo:
“Habeas Corpus. Impetração pleiteando o reconhecimento da prescrição da pretensão executória e fixação de regime aberto. Não localização do paciente para início de cumprimento das reprimendas. Unificação das penas. Termo inicial. Data do trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação. Inteligência dos artigos 110, §1º, e 112, inciso I, do Código Penal. Precedentes do STJ. Prescrição da pretensão executória. Ordem parcialmente concedida.” (5ª Câmara de Direito Criminal, HC nº 2166564-42.2017.8.26.0000, Rel. Des. Damião Cogan, DJ 28.09.2017)
“Execução Penal. Pleito de reconhecimento da prescrição da pretensão executória. Indeferimento. Contagem do termo inicial a partir da data do trânsito em julgado para a acusação. Inteligência do artigo 112, inciso I, do Código Penal. Recurso provido, com determinação.” (5ª Câmara de Direito Criminal, RESE nº 0059560-68.2010.8.26.0050, Rel. Des. Pinheiro Franco, DJ 31.08.2017)
“Agravo relativo a execução penal. Conversão de pena restritiva de direito em privativa de liberdade. Hipótese na qual determinada a expedição de mandado de prisão com prazo a ser contado a partir do trânsito em julgado para as partes. Impossibilidade. Termo inicial para prescrição da pretensão executória que corresponde à data do trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação. Inteligência do artigo 112, I, do Código Penal. Recurso provido, portanto.” (15ª Câmara de Direito Criminal, AE nº 7001309-88.2017.8.26.0050, Rel. Des. Encinas Manfré, DJ 31.08.2017)
O Colendo Superior Tribunal de Justiça não destoa do referido entendimento:
“1. O relator, monocraticamente, poderá dar ou negar provimento ao recurso especial quando houver entendimento dominante acerca do tema. Súmula n. 568 do STJ. 2. Consoante a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, o termo a quo para a contagem da prescrição da pretensão executória consiste no trânsito em julgado para a acusação, consoante exegese do art. 112, I, do Código Penal. 3. Agravo regimental não provido.” (6ª Turma, AgRg no REsp nº 1471505/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, DJe 27.09.2017)
O Excelso Supremo Tribunal Federal também já teve oportunidade de decidir:
“1. A prescrição regula-se pela pena aplicada depois de proferida a sentença condenatória, sendo que, cuidando-se de execução da pena, o lapso prescricional flui do dia em que transitado em julgado para a acusação, conforme previsto no artigo 112 combinado com o artigo 110 do Código Penal. Precedentes: HC 113.715, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe 28/5/2013, HC 110.133, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 19/4/2012, ARE 758.903, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe de 24/9/2013. 2. In casu, o acórdão recorrido assentou: ‘AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. MARCO INICIAL DO PRAZO. TRÂNSITO EM JULGADO PARA A ACUSAÇÃO.’ 3. Agravo regimental DESPROVIDO.” (1ª Turma, ARE nº 764385/DF AgR, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 28.05.2014)
Pois bem.
Logo, a partir da data em que a sentença condenatória passa em julgado para a acusação, já se inicia a contagem da prescrição da pretensão executória, ainda que pendente o trânsito em julgado para o réu e sua defesa técnica, malgrado a decisão só se torne definitiva na ocorrência deste último.
Vê-se, pela análise conjunta dos termos do artigo 112, inciso I[4], c.c. o artigo 110, caput[5], ambos do Código Penal, que na hipótese de condenação do réu pode haver a fluência paralela de dois prazos de prescrição: da pretensão punitiva intercorrente (por eventual interposição de recurso, por exemplo) e da pretensão executória.
Explica-se, exemplificando-se: Réu, em 06.10.2000, é condenado ao cumprimento de dois anos de reclusão. A sentença é publicada em cartório em 10.10.2000. O Ministério Público não recorre, transitando a condenação, para a acusação, em 30.10.2000. O réu, intimado, apela e, na sessão de julgamento ocorrida em 08.10.2004, tem seu recurso desprovido pelo Tribunal de Justiça, sucedendo-lhe o trânsito em julgado em 03.11.2004.
Nessa amostra, verifica-se que a fluidez do prazo prescricional da prescrição da pretensão punitiva intercorrente (que iniciou no dia 10.10.2000) e da prescrição da pretensão executória (que começou no dia 30.10.2000) transcorre simultaneamente a partir do dia 30.10.2000 até o dia 09 de outubro de 2004, data em que se dará a prescrição da pretensão punitiva intercorrente.
Urge destacar, a propósito, a irrelevância da data da publicação do acórdão (ou a do trânsito em julgado para a acusação em relação a este), pois a interrupção do lapso prescricional inserta no artigo 117, inciso IV, do Código Penal[6], relaciona-se apenas e tão somente ao curso da prescrição da pretensão estatal punitiva, não da executória.
Registre-se, por fim, que a imposição do trânsito em julgado para a promoção da execução das penas restritivas de direito, prevista no artigo 147, da Lei nº 7.210/1984[7], não tem o condão de alterar o desate aqui materialmente adotado.
Ora, exigir o trânsito para ambas as partes como termo inicial da contagem do lapso prescritivo da pretensão executória, em desacordo com o texto expresso de lei, constituiria a inauguração de novo marco interruptivo da prescrição, não previsto no rol taxativo do artigo 117, do Código Penal, em intolerável afronta ao princípio da reserva legal e à vedação da aplicação de qualquer analogia em prejuízo do acusado.
Notas
[1] in “Código Penal Interpretado”, Ed. Atlas, 9ª edição, 2015, pág. 706.
[2] in “Código Penal Comentado”, Ed. Forense, 14ª edição, 2014, pág. 626.
[3] in “Tratado de Direito Penal”, Ed. Saraiva, 10ª edição, 2006, pág. 883.
[4] No caso do art. 110 deste Código, a prescrição começa a correr: (I) do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional.
[5] A prescrição, depois de transitar em julgado a sentença condenatória, regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.
[6] O curso da prescrição interrompe-se: (IV) pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis.
[7] Transitada em julgado a sentença que aplicou a pena restritiva de direitos, o Juiz da execução, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, promoverá a execução, podendo, para tanto, requisitar, quando necessário, a colaboração de entidades públicas ou solicitá-la a particulares.