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Retroatividade da Lei da Ficha Limpa e suas mazelas jurídicas

16/08/2019 às 15:00
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A decisão proferida no julgamento do RE 929.670/DF não é provida de unanimidade, sendo alvo de diversas controvérsias. Nesse sentido, questiona-se se realmente seria hipótese de relativização da vedação da retroatividade de lei em prejuízo do réu.

A Lei Complementar número 135/2010, mais conhecida como Lei da Ficha Limpa, promoveu algumas alterações na Lei Complementar n. 64/1990, a qual prevê hipóteses de inelegibilidade e outras providências que tenham como escopo a proteção da probidade administrativa e da moralidade no exercício do mandato político. (BRASIL, 2010).

No mês de outubro de 2017, em sede de julgamento do Recurso Extraordinário número 929.670/DF, a Corte Suprema de Justiça decidiu, por maioria dos votos de seus ministros, que a aludida lei se aplicaria a casos anteriores à sua vigência, não havendo, assim, ofensa à coisa julgada. (STF, RE 929.670/DF. Rel. Ministro Ricardo Lewandowski. DJe: 16/10/2017).

A decisão em tela não é provida de unanimidade, sendo alvo de diversas controvérsias. Nesse sentido, questiona-se se realmente seria hipótese de relativização da vedação da retroatividade de lei em prejuízo do réu, princípio este estampado no bojo da Constituição Federal (art. 5º, inciso XL) e do Código Penal (art. 2º, parágrafo único, cuja interpretação ocorre a contrario sensu). (BRASIL, 1988; BRASIL, 1940).

Em que pese a alegação de que a inelegibilidade não consiste em penalidade, mas tão somente numa medida no sentido de restringir o direito de ser votado (capacidade eleitoral passiva), há a concepção de que o cidadão é surpreendido com tal restrição, haja vista que a lei não tinha existência quando a conduta ilegal foi perpetrada. Nesse diapasão, há ausência de previsibilidade quanto aos consectários resultantes das ações praticadas quando do exercício dos mandatos anteriores à vigência da legislação supramencionada.

Mesmo que se considere que a condição de inelegível de um cidadão não seja uma pena em sentido estrito, há afronta da mesma maneira ao texto constitucional, haja vista que a decisão contraria o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, que configuram garantias previstas no art. 5º, inciso XXXVI, da Carta Magna. (BRASIL, 1988).

Além disso, a decisão possui dissonância com o devido processo legal, cujos corolários lógicos são o contraditório e a ampla defesa, consagrados no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal. (BRASIL, 1988).

Sendo assim, entende-se que o reconhecimento de inelegibilidade, sem dúvidas, caracteriza uma medida restritiva de direito, consistente na possibilidade de ser votado. Nesse sentido, a Lei Complementar que visa à aplicabilidade da referida sanção não poderia ter incidência nos fatos pretéritos a sua vigência, pois se instala, de forma evidente, a insegurança jurídica.

Coaduna-se com o entendimento de que a decisão analisada não é típica de um Estado Democrático de Direito, consoante disposto no primeiro artigo da Norma Suprema, reportando-se aos tempos da ditadura.

Destarte, defende-se a ideia de que lei superveniente que seja prejudicial aos direitos e garantias constitucionais deve ter seus efeitos modulados no tempo no sentido de serem observados apenas quanto aos fatos futuros, isto é, possuindo caráter pragmático ex nunc.

Diante das breves razões alhures esposadas, demonstra-se insurgência em face da decisão prolatada pelo egrégio Supremo Tribunal Federal, uma vez que não pairam incertezas sobre a afronta aos dispositivos constitucionais supracitados e consequente ocorrência da mitigação de relevantes garantias fundamentais.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 13 nov. 2017.

BRASIL. Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm>. Acesso em 13 nov. 2017.

BRASIL. Lei complementar nº 135, de 4 de junho de 2010Altera a Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, que estabelece, de acordo com o § 9o do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp135.htm>. Acesso em: 13 nov. 2017.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 929.670/DF. Diário da Justiça, Brasília, DF, 16/10/2017. Rel. Ministro Ricardo Lewandowski. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4884883&numeroProcesso=929670&classeProcesso=RE&numeroTema=860#> . Acesso em: 13 nov. 2017.

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Sobre a autora
Thaísa da Silva Borges

Delegada de Polícia do Estado de São Paulo. Ex-advogada. Graduada em Direito pela Universidade do Estado de Minas Gerais. Pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pelo Instituto Elpídio Donizetti. Pós-graduada em Direito Penal e Processual Penal pelo Instituto Elpídio Donizetti.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES, Thaísa Silva. Retroatividade da Lei da Ficha Limpa e suas mazelas jurídicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5889, 16 ago. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62048. Acesso em: 25 dez. 2024.

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