Desproporcionalidade do prazo de proteção dos direitos patrimoniais de autor de programa de computador

23/11/2017 às 09:42
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Trata-se de apurar se é devidamente proporcional o prazo de proteção patrimonial ao autor de programa de computador, já que o ordenamento jurídico não trata desta questão de forma a promover um tempo corretamente proporcional para a proteção.

INTRODUÇÃO

Desde da metade do Século XX o Computador foi concebido para facilitar e otimizar as mais diversas tarefas humanas, principalmente as que envolvem algum tipo de cálculo de extrema complexidade ou de cálculos aritméticos longos e que, apesar da sua facilidade, possam demorar uma quantidade de tempo não eficaz para a demanda ao qual estes são necessários.

Apesar de serem inicialmente máquinas gigantescas, os computadores se tornaram parte da rotina de grandes empresas e, posteriormente, começaram a fazer parte das casas de pessoas comuns com a introdução do computador pessoal e de um “mainframe” mais amigável, onde era possível não só realizar cálculos, mas também utilizá-lo para atividades rotineiras, além da produção de textos e imagens.

Nos anos de 1980 e 1990 o computador se tornou parte integrante dos trabalhos e da rotina diária  de cada pessoa, sendo necessário o desenvolvimento de novas linguagens para os computadores, que fornecessem métodos de processamento de dados mais modernos e amplos, e desta forma foram surgindo o que conhecemos hoje como “Softwares” ou popularmente conhecidos no Brasil como “programas de computadores”.

Desta feita e com a criação de diversas ferramentas que, aplicadas a um sistema operacional, poderiam executar várias funções e processar milhares de dados, os estados nacionais se viram na necessidade de proteger os criadores destas ferramentas, haja vista que existem diversos valores agregados aos programas de computador e que a normatização do direito à proteção de perceber qualquer quantia pela sua utilização ou pela sua venda era necessário.

Nesta toada, o Brasil promulgou em 19 de fevereiro de 1998, a lei 9.609[1] que dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de computador, sua comercialização no país e demais direitos e deveres que o autor, proprietário do software de computador, tem e obriga-se a realizar.

Com a promulgação desta lei e da lei que regulamente o Direito Autoral no Brasil, qual seja a Lei 9.610, também de 19 de fevereiro de 1998, curiosamente aprovada a após a Lei do Software, assunto considerado ainda uma grande novidade em nosso país, foi levado ao ordenamento jurídico brasileiro as proteções quanto à propriedade dos autores de direitos autorais, o que pela disposição de lei é o autor de programa de software.

Contudo, a lei determina um prazo que não mostra acompanhar as evoluções tecnológicas, haja vista que promove um certo nível de conforto ao autor de programa de computador.

É garantido o exclusivo direito patrimonial ao autor sobre o software, o prazo de toda a sua vida e após a sua morte por mais 50 (cinquenta) anos, o que, de certa forma, não motiva a criação e inovação pelo autor e também o estudo e atualização do software por terceiros que desejam uma nova roupagem ao programa de computador.

Desta forma, mostra-se temeroso que os softwares não passam a integrar o domínio público, e, portanto, sejam livres para alterações e atualizações por terceiros, pois garante uma exploração econômica basicamente infinita ao autor e torna o software extremamente travado para intervenções, muitas vezes, necessárias.


O PROGRAMA DE COMPUTADOR DEFINIDO PELA LEI 9.609/98

A lei 9.609/98 define logo no seu artigo primeiro o que seria um programa de computador. Senão vejamos:

Art. 1º Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados, em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de moda e para fins determinados

Sobre este conceito, vejamos que o mesmo mostra que o programa de computador são instruções organizadas em linguagem própria para produzir um resultado determinado.

A definição prevista para o “US Copyright Act” também é extremamente similar com a lei brasileira, haja vista que aquele define que o programa de computador é um conjunto de comandos a serem utilizados direta ou indiretamente em um computador de forma a produzir um certo resultado (ESTADOS UNIDOS, 2016)

A definição do que seria um programa de computador se mostra totalmente procedente para que a lei e demais atores e normas do meio jurídico brasileiro possam exercer suas obrigações e direitos de forma conclusiva e segura.

Como já dito, os softwares são partes intrínsecas no cotidiano de diversos profissionais, além daqueles que são seus autores. Assim, a proteção da exploração econômica bem como da devida reprodução do softwares passa pela sua precisa definição.

A doutrina brasileira promove uma discussão acerca da definição, já que o ordenamento jurídico pátrio decidiu por reproduzir que o programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instrução, sendo ele colocado em suporte físico de qualquer natureza, colocando então a proteção autoral somente aos softwares que possuem esta natureza, logo os que não se encaixam, a definição podem estar fora da proteção de direito autoral.

Sendo o programa de computador armazenado e distribuído somente através do suporte físico, o questionamento que é feito é se o programa de computador distribuído pela internet seria passível da proteção do direito autoral.

Vejamos que a doutrina e a jurisprudência divergem sobre este assunto, porém, apenas a título de informação, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina já se manifestou a respeito do caso que contém elementos similares ao assunto, indicando que o programa de computador pode ser distribuído pela internet, porém deverá ser bem regulamentado para que não haja erro na exploração econômica, como foi o caso. Senão, vejamos:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. DIREITOS AUTORAIS. PROGRAMA DE COMPUTADOR "ASSISTENTE TÉCNICO PARA CÁLCULOS TRABALHISTAS". UTILIZAÇÃO INDEVIDA DE "SOFTWARE" NÃO COMPROVADA. ÔNUS PROBATÓRIO DO AUTOR. EXEGESE DO ART. 333, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PROVA PERICIAL CONCLUDENTE PARA DIRIMIR O LITÍGIO. PROGRAMA QUE, ANTERIORMENTE, ENCONTRAVA-SE DISPONÍVEL A QUALQUER USUÁRIO DA INTERNET. REPRODUÇÃO PELA RÉ EM CD-ROM (DISCO COMPACTO-MEMÓRIA SOMENTE LEITURA) NO FORMATO "SHAREWARE", OU SEJA, APENAS PARA DEMONSTRAÇÃO. "CD" QUE INDICAVA COM CLAREZA O AUTOR E A FORMA DE AQUISIÇÃO DO PRODUTO COMPLETO, MEDIANTE PAGAMENTO DIRETAMENTE AO TITULAR DO PROGRAMA. LUCRO NÃO AUFERIDO PELA VINCULANTE. INTERPRETAÇÃO DO ART. 6º, II, DA LEI N. 9.609/98. ATO ILÍCITO INEXISTENTE. DEVER DE INDENIZAR NÃO CARACTERIZADO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA, INCLUSIVE A VERBA HONORÁRIA ARBITRADA. RECURSO IMPROVIDO. O magistrado formará o seu convencimento observando as peculiaridades do caso concreto, valendo-se de outros meios de provas que as partes lhe proporcionarem, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, conforme entendimento do art. art. 131 do CPC. De todo o conjunto probatório, principalmente da perícia técnica, resta evidente que a empresa ré não incorreu em qualquer ato ilícito contra os direitos autorais do autor, porquanto o software já estava disponível na internet e acessível a qualquer interessado, anteriormente a sua distribuição em cd-rom, bem como foi comprovado que a demandada não tinha nenhum interesse em obter lucros com a divulgação do programa, uma vez que indicava expressamente a forma de aquisição e a quem pertencia o software "assistente técnico para cálculos trabalhistas". Denomina-se "Shareware" uma categoria de programas que são distribuídos pela internet, sem custo, a título de demonstração. Se gostar, o usuário poderá registrar sua cópia mediante pagamento direito ao desenvolvedor. A Lei de Software (Lei n. 9.609/98), em seu art. 6º, II, esclarece que a citação parcial de programa, para fins didáticos, desde que identificados o programa e o titular dos direitos respectivos, não constitui ofensa aos direitos do titular do programa.

A gratuidade do programa de computador em comento, na jurisprudência acima, se dava ao fato do mesmo ter sido distribuído em forma de “Shareware”, logo estava em versão gratuita e não tinha alguma proteção autoral quanto à sua exploração econômica.

Do contrário, podemos concluir que o programa de computador que é distribuído pela internet, porém sem alguma indicação de que o mesmo é gratuito, tem a sua proteção autoral para exploração econômica garantida, o que nos leva a concluir, também, que a proteção autoral não só se dá ao programa distribuído em mídia física, mas também ao programa de computador distribuído na internet.


DO PRAZO PARA PROTEÇÃO PATRIMONIAL DE AUTOR PELA LEI 9.6609/98 E DA SUA DESPROPORCIONALIDADE.

No escopo da lei de software, há determinação do prazo para proteção dos direitos autorais referentes aos programas de computador, proteções estas que se compõem pela proteção a exploração econômica do material, reprodução ilegal de cópia do programa, bem como a sua utilização fora dos termos do contrato de licenciamento.

Vejamos que no artigo 2º, §2º da Lei 9.609/98 está estabelecido o seguinte:

Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei.

(...)

§2º Fica assegurada a tutela dos direitos relativos a programa de computador pelo prazo de cinquenta nãos, contados a partir de 1º de janeiro do ano subsequente ao da sua publicação ou, na ausência desta, da sua criação.

A determinação deste prazo se mostra em consonância com as demais legislações mundiais que tratam deste assunto, tais como a legislação americana em seus “Copyright Acts” que anos após tiveram os seus prazos aumentados para adequar-se ao sistema que pedia um prazo maior para estas proteções.

Interessante notar que os primeiros programas de computador que foram pensados e criados, tendo em vista a atual lei brasileira, ainda não estão em domínio público, haja vista o demasiado prazo empregado na lei. Eis que por isso entra em voga a sua desproporcionalidade.

É fato que a produção dos softwares vem de encontro com a necessidade de um mercado relevante, bem como de vontade e possibilidade de inovação dos programadores, que entendem das linguagens praticadas pelo mercado e promovem a criação e fabricação destes programas de computador.

Fora esta motivação, temos que aliado à necessidade humana por demais inovações em programa de computadores, facilitando demais trabalhos empregados pela espécie humana, os programadores também são levados à produção de novo material pela contrapartida financeira que este possa oferecer. Quanto mais inovador o produto, certamente a contrapartida financeira será mais robusta e mais significativa.

Porém, compondo um terceiro elemento do começo da cadeia de produção de um softwares, podemos encontrar que quanto mais longa é a proteção que se dá para os direitos autorais a respeito de programa de computador, menor se torna a necessidade de produção de novas softwares ou a sua atualização, haja vista que a exploração econômica estará garantida, por um grande espaço de tempo ao autor do software.

A necessidade e a contrapartida financeira são importante elementos que conduzem a produção de novos softwares, mas de fato, o prazo que se emprega para a proteção desses direitos autorais acaba por inibir a vontade pessoal do programador de produzir novo material, já que a sua remuneração exclusiva pelo seu software já está garantida.

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O sistema de proteção autoral praticado hoje no país não garante que atualizações ou novos programas de computadores serão ponto central e precípuo dos trabalhos de programadores, logo a inovação fica por último e se torna comum a operação de programas de computadores obsoletos frente a necessidade e a evolução da dinâmica do trabalho.

Baseado nas últimas pesquisas realizadas, a expectativa de vida dos brasileiros está na faixa de 75,2 (setenta e cinco vírgula dois) anos, conforme notícia vinculada pelo portal G1[2], que baseou-se em dados do IBGE. Logo podemos concluir que o prazo determinado pelo §2 da lei de software dispõe que um programador, já graduado, pode produzir apenas um software na sua vida, tendo em vista que os direitos patrimoniais aliados à estes está totalmente garantido.

Isso não é o que se espera se tratando de um ramo que trata diretamente da evolução e inovação.

Diferentemente de um hardware, que é a mídia física composta por diversos mecanismos como chips, coolers, processadores e etc, que tem por objetivo de realizar uma determinada função em um computador e por isso vivem em um mundo limitado pelas barreiras naturais do planeta e até mesmo da criação humana ao qual ajudam a compor, os softwares se concebem em um mundo infinita vezes maior e com um campo de propagação de milhões, bilhões e trilhões de bytes.

Com o advento da internet, local sem barreiras para compartilhamento de dados, os softwares viram o seu campo se multiplicar ainda mais, o que demanda uma produção em uma enorme escala destes para atender todas as necessidades que a rede de computadores mundiais demanda.

Logo o prazo de proteção praticado não garante a motivação necessárias aos programadores, o que prejudica todo o desenvolvimento das inovações além de criar um mercado que não promovem a devida competitividade, haja vista que grandes empresas tem garantidas as suas contrapartidas financeiras pela produção de softwares por seus programadores e, sendo estas, detentoras de uma parcela de mercado extremamente relevante, determinam quando ou não produzir demais programas.

Ademais, a proteção no tempo exacerbada, garantindo que os programas de computadores não caiam no domínio público, não promove a importante troca de conhecimento entre os programadores e demais indivíduos ligados à área. Por não ter a quebra do código fonte, alguns desenvolvedores ficam aliados a linguagens por muitas vezes que se tornaram obsoletas e não conseguem ter acesso a inovações realizadas por outros programadores, por estes terem os seus direitos patrimoniais pelos seus softwares garantidos durante um demasiado espaço de tempo.

Claramente não se atinge a função social da propriedade intelectual, que se preconiza também na Declaração dos Direitos do Homem 3em seu artigo XXVII, qual seja:

“Art. XXVII – 1 - Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir, as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios.

2 – Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística do qual seja autor”[3]

Portanto o prazo praticado na lei se mostra a não garantir que demais pessoas possam ter o direito de participar livremente do processo científico que se representa na criação de um software.


CONCLUSÃO

Desta forma, conforme explanado nos tópicos anteriores, foi verificado que o Direito Autoral que realiza a proteção dos direitos patrimoniais de softwares e que na lei 9.609/98 já há a determinação para que a proteção do direitos patrimoniais de autor para o programa de computador só se expira após 50 (cinquenta anos) do 1º (primeiro) de janeiro do ano subsequente a publicação ou criação do software.

É claro ainda que o prazo praticado pela lei se mostra a realizar uma proteção demasiadamente desproporcional ao programa de computador, já que estes demandam uma produção e inovação rápida, o que para os programadores não se mostra vantajoso, haja vista que a proteção da exploração econômica e da reprodução do seu software se mantém por um período longo.

Sendo assim, devem-se criar medidas de modo a diminuir ou se não mitigar os efeitos do longo prazo praticado para a proteção do direito autoral. É dever do estado garantir a participação de um número maior e mais diversificados de pessoas no processo científico e a permanência de garantias extensas para explorações de produtos não permite esta participação mais avantajada.

O ordenamento jurídico deve sim promover a regularidade das proteções, bem como a garantia através da tutela jurídica que os direitos dos autores de programa de computador não serão violados, porém deve-se buscar ainda promover a inovação e a criação constante de novidades tecnológicas que possam permitir a solução de necessidades intrínsecas do seres-humanos, haja vista que o modelo de vida atualmente em voga propõe a conexão constante entre computadores e consequentemente programa de computadores.


REFERÊNCIA

BRASIL. Presidência da República. Lei 9.609 de 19 de fevereiro de 1998. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9609.htm> Acesso em: 07 de jun. de 2017.

ESTADOS UNIDOS. United States Code. US Copyright Law. Disponível em <https://www.copyright.gov/title17/title17.pdf> Acesso em 07 de jun. de 2017.

(TJ-SC - AC: 418384 SC 2006.041838-4, Relator: Carlos Adilson Silva, Data de Julgamento: 13/07/2009, Primeira Câmara de Direito Civil de Tubarão)

BRASIL. Portal de Notícia G1. “Expectativa de Vida dos Brasileiros sobe para 75,2 anos, diz IBGE”.  Disponível em <http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2015/12/expectativa-de-vida-dos-brasileiros-sobe-para-752-anos-diz- ibge.html> Acesso em: 07 de jun. de 2017.


Notas

[1] BRASIL, Presidência da República. Lei 9.609. Portal do Planalto, Brasília, 19 de fev. 1998

[2] BRASIL, Expectativa de Vida dos Brasileiros. Portal de Notícia G1, Rio de Janeiro, 01 de dez. 2015

[3] ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 10 de dezembro de 1948

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