Capa da publicação Prazo decadencial do PAD nos casos de acumulação de cargos públicos
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Admite-se prazo decadencial para a Administração Pública instaurar processo administrativo disciplinar em desfavor de servidor que acumula cargos públicos?

Qual o entendimento dos Tribunais Superiores sobre a matéria?

10/06/2018 às 15:00
Leia nesta página:

Abordamos a controvérsia acerca da possibilidade de o servidor acumular cargos públicos, mesmo que ilicitamente, aplicando-se a tese de decadência administrativa prevista no art. 54 da Lei n. 9.784/99.

O art. 37, XVI, da Constituição Federal, dispõe que é vedada acumulação remunerada de cargos públicos, com três exceções: desde que haja compatibilidade de horários: a de dois cargos de professor; a de um cargo de professor com outro técnico científico; a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.

Assim, estando o servidor público, que acumula cargos, inserido nas exceções dispostas pela Constituição, poderá perfeitamente acumular dois cargos públicos e usufruir de todos os direitos deles originados, como remuneração, tempo de contribuição e também a acumulação de proventos advindos com a inatividade do referido servidor.

A esse respeito, o STF, no Recurso Extraordinário n. 163.201-6-SP, decidiu, em 9/11/1994, que “a acumulação de proventos e vencimentos somente é permitida quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade, na forma permitida na Constituição”. Decisão semelhante foi proferida pelo mesmo Tribunal ao apreciar o Mandado de Segurança n. 22.182-8.

Mas quando a acumulação é ilícita, ou seja, quando o servidor possui mais de dois cargos e não preenche os requisitos constitucionais para tal acumulação? Qual o procedimento a ser adotado pela Administração Pública?

Pois bem, tomando-se como base a Lei n. 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, o seu art. 133, caput, aduz que “detectada a qualquer tempo a acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas, a autoridade [...] notificará o servidor, por intermédio de sua chefia imediata, para apresentar opção no prazo improrrogável de dez dias, contados da data da ciência e, na hipótese de omissão, adotará procedimento sumário para a sua apuração e regularização imediata [...]”.

Ainda, o art. 132, IX, da Lei n. 8.112/90, dispõe que “a demissão será aplicada no caso de acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas”.

Com efeito, verifica-se que quando constatada a acumulação ilícita de cargos o servidor será notificado para optar por um dos cargos no prazo de dez dias, sob pena, se assim não fizer, de ser submetido a Processo Administrativo Disciplinar que terá como penalidade a demissão do cargo efetivo.

A acumulação ilícita de cargos, apesar de tratar-se de institutos jurídicos bastante conhecidos, é comumente identificada em relação a servidores em todo o país, seja na esfera federal, estadual e municipal.

Ocorre que muitas vezes se detecta a acumulação indevida após vários anos em que o servidor exerce as atribuições nos cargos considerados incompatíveis.

Nesse linear, surgem as seguintes perguntas: até onde vai o poder da Administração Pública de rever seus próprios atos? Pode ser a qualquer tempo? No caso de acumulação indevida de cargos, poderá a Administração Pública instaurar um PAD após 10, 15 ou 20 anos de acumulação?

Nessa perspectiva, é cedido que a Administração Pública possa anular os próprios atos administrativos, em decorrência da autotutela, princípio este corolário da legalidade[1]. É em decorrência do exercício da autotutela pela Administração Pública que se dá a adoção das providências atinentes ao combate à acumulação indevida de cargos públicos, temperada, não se olvide, pelo exercício do contraditório, da ampla defesa e dos recursos a ela inerentes (art. 5º, LV, da Constituição Federal).

Entretanto, quando o poder de revisão de seus próprios atos interfere nas relações com terceiros, não pode ser exercido sem restrições pela Administração Pública, sendo necessário, para o caso posto em apreço, a observância da segurança jurídica.

O legislador ordinário tratou de positivar o princípio da segurança jurídica no art. 2º da Lei n. 9.784/99, note-se:

Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

O princípio da segurança jurídica é inerente ao próprio Estado de Direito (art. 1º, CF), consoante as lições de Humberto Theodoro Júnior:

Trata-se da segurança jurídica, que nosso legislador constituinte originário colocou com uma das metas a ser atingida pelo Estado Democrático de Direito, ao lado de outros valores igualmente relevantes, como a liberdade, o bem-estar, a igualdade e a justiça, todos eles guindados à categoria de 'valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social'[2]

Resulta disso que mesmo os princípios que orientam a Administração Pública (legalidade, moralidade, impessoalidade, isonomia), porquanto inerentes também ao Estado de Direito e ao Estado Democrático de Direito, não podem ser dissociados do princípio da segurança jurídica.

Nessa toada, num paralelo entre o princípio da segurança jurídica, a prescrição e a decadência administrativas, consoante lição sempre atual de Hely Lopes Meirelles:

A prescrição administrativa opera a preclusão da oportunidade da atuação do Poder Público sobre a matéria sujeita à sua apreciação. Não se confunde com a prescrição civil, nem estende seus efeitos às ações judiciais (v. Adiante, item 7), pois é restrita à atividade interna da Administração, acarretando a perda do direito de anular ato ou contrato administrativo, e se efetiva no prazo que a norma legal estabelecer. Mas, mesmo na falta de lei fixadora do prazo prescricional, não pode o servidor público ou o particular ficar perpetuamente sujeito a sanção administrativa por ou ato ou fato praticado há muito tempo.

[...]

O instituto da prescrição administrativa encontra justificativa na necessidade de estabilização das relações entre o administrado e a Administração e entre esta e seus servidores, em obediência ao princípio da segurança jurídica, examinado no cap. II, item 2.3.7.[3] (grifo nosso)

Nesse sentido, o art. 54, da Lei n. 9.784/99, estabelece que o prazo decadencial para a Administração Pública rever seus atos é de cinco anos[4].

Veja-se, a afirmação não é de que o servidor possui direito a acumular os cargos públicos, mesmo que ilicitamente. A tese que ora se observa defende que a acumulação ilícita de cargos somente poderia ser objeto de abordagem se a decadência não estivesse a obstar a revisão dos atos pela própria Administração.

Sobre o assunto em enfoque, vale a pena reproduzir alguns arestos de tribunais do país:

"ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ACUMULAÇÃO REMUNERADA DE CARGO DE AUXILIAR DE SERVIÇOS GERAIS (AOSD) COM PROVENTOS DE INATIVIDADE DERIVADOS DE CARGO DE TÉCNICO DE SAÚDE. ILEGALIDADE. DECADÊNCIA. PREJUDICIAL ACOLHIDA. I - O princípio da autotutela autoriza a Administração Pública a rever seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais; ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade, conforme art. 53 da Lei Federal nº 9.784/99 e súmulas 346 e 473 do STF; II - Tratando-se de ato administrativo com repercussão favorável na esfera jurídica do administrado de boa fé, essa prerrogativa decai no prazo de cinco anos, conforme art. 54 da Lei do Processo Administrativo: III - Não tendo havido má-fé da servidora, que por mais de vinte anos acumulou os cargos indevidamente, sem qualquer oposição da Administração Pública, deve ser preservada a segurança jurídica da relação, não podendo ser exigida da impetrante a opção por um deles, em razão da decadência administrativa. IV - Nego provimento à remessa necessária e ao recurso de apelação. (TJDFT, Acórdão n.648523, 20110112225694APO, Relator: JOSÉ DIVINO DE OLIVEIRA, Revisor: VERA ANDRIGHI, 6ª Turma Cível, Data de Julgamento: 16/01/2013, Publicado no DJE: 29/01/2013. Pág.: 211) (grifo nosso)

"MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR ESTADUAL. ACUMULAÇÃO DE FUNÇÕES. REVISÃO DO ATO. OPÇÃO. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA. A Administração Pública possui o direito e poder de rever ou anular seus atos, independentemente da provocação do Poder Judiciário, desde que respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa. Todavia, esse direito de que decorram efeitos favoráveis para o seu destinatário decai em cinco anos. A estabilidade das relações jurídicas e a segurança jurídica são princípios informadores de todo o ordenamento jurídico e, portanto, constituem regra de ordem pública, com vistas a limitar no tempo exercício de um direito, sobretudo para pacificação social. Concedida a segurança." (TJMG, Mandado de Segurança 1.0000.10.051178-1/000, Rel. Des.(a) Almeida Melo, CORTE SUPERIOR, julgamento em 28/09/2011, publicação da súmula em 07/10/2011) (grifo nosso)

"EMBARGOS DECLARATÓRIOS. MANDADO DE SEGURANÇA. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS POR MILITAR. INCONSTITUCIONALIDADE. DECADÊNCIA AD-MINISTRATIVA. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. OMISSÃO. INEXISTENTE. 1- Embora indevida a acumulação, nas esferas militar e civil, de cargos privativos de profissionais da saúde, providos após o advento da CF, não se pode olvidar que o direito da Administração Pública de anular atos dos quais decorram efeitos favoráveis aos destinatários decai em cinco anos (art. 54, Lei Federal n. 9784/99, reproduzido pela Lei Estadual n. 13.800/01). 2- O dever de legalidade não é absoluto, e, acaso sua retirada implique a violação de outros princípios, sua manutenção é medida que se impõe. 3- Não havendo omissão, contradição ou obscuridade no v. acórdão, que apreciou a questão posta nos autos à luz da lei e jurisprudência de regência, não merecem ser acolhidos os aclaratórios em questão, sob pena de ofensa aos preceitos do artigo 535 do CPC, que não lhes confere efeito devolutivo. 4- Ainda que para fins de prequestionamento, é irrelevante que o Tribunal manifeste-se expressamente sobre os dispositivos legais mencionados pelas partes, invocados como alicerce do direito de que se dizem titulares, porquanto lhe cabe, precipuamente, resolver a lide, explicitando os motivos pertinentes." (TJGO, MANDADO DE SEGURANCA 225582-46.2010.8.09.0000, Rel. DES. ZACARIAS NEVES COELHO, 2A CAMARA CIVEL, julgado em 10/04/2012, DJe 1050 de 25/04/2012) (grifo nosso)

MANDADO DE SEGURANÇA. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REVISÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA. PRECEDENTES. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. A decadência é instituto que decorre do princípio da segurança jurídica, segundo o qual as relações jurídicas necessitam estabilizar-se no tempo e no espaço, de forma a proporcionar às partes sensação de tranquilidade e previsibilidade quanto às situações constituídas em sua vida privada. 2. Cuidando-se de ato administrativo com repercussão na esfera jurídica do administrado de boa-fé, essa prerrogativa decai no prazo de cinco anos, conforme o art. 54 da Lei n.º 9.784/99. 3. Não tendo havido má-fé da servidora, que por mais de vinte anos acumulou os cargos públicos sem qualquer oposição da Administração, deve ser preservada a segurança jurídica, a boa-fé e a proteção da confiança, não podendo ser exigida da impetrante a opção por um deles, em razão da decadência administrativa. (Mandado de Segurança n.º 1000402-75.2014.8.01.0000, Tribunal Pleno Jurisdicional, Relator: Des. Júnior Alberto, Acórdão n.º: 7.417, 20 de agosto de 2014) (grifo nosso)

O Superior Tribunal de Justiça também já cuidou do tema. Vejam-se os precedentes:

"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. REVISÃO DE PENSÃO. CARGOS DE JORNADAS DE TRABALHO INACUMULÁVEIS. ART. 54 DA LEI Nº 9.784/99. DECADÊNCIA NÃO CONFIGURADA. SÚMULA 83/STJ. 1. A Corte Especial do STJ, por ocasião do julgamento do MS 9112/DF, Rel. Min. Eliana Calmon (DJ 14.11.2005, p. 174), ao interpretar o art. 54 da Lei nº 9.784/99, consagrou entendimento no sentido de que, caso o ato acoimado de ilegalidade tenha sido praticado antes da promulgação da Lei nº 9.784/99, a Administração tem o prazo de cincos anos a contar da vigência da aludida norma para anulá-lo; caso tenha sido praticado após a edição da mencionada lei, o prazo quinquenal da Administração contar-se-á da prática do ato tido por ilegal, sob pena de decadência, salvo comprovada má-fé." 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no Recurso Especial nº 1188787/DF (2010/0061448-1), 2ª Turma do STJ, Rel. Mauro Campbell Marques. j. 21.06.2012, unânime, DJe 27.06.2012) (grifo nosso)

"ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA. CINCO ANOS. TERMO INICIAL. ENTRADA EM VIGOR DA LEI N. 9784/99. OCORRÊNCIA. NATUREZA DO ATO. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. Nos termos da Lei de Processo Administrativo, decai em cinco anos o direito da Administração em anular atos de que decorram efeitos favoráveis aos destinatários. 2. O referido prazo decadencial aplica-se aos casos já em curso, tendo como termo inicial a data da entrada em vigor da Lei n. 9784/99. Precedentes. 3. No caso dos autos, decorridos mais de cinco anos entre a entrada em vigor da Lei n. 9784/99 e a instauração do processo administrativo. Decadência caracterizada. 4. A contestação quanto à natureza do ato, se favorável ou não ao destinatário, não foi alegada em recurso especial, tratando-se de nítida inovação recursal, não admitida em sede de agravo regimental. Agravo regimental improvido." (AgRg no REsp 1198644/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/09/2010, DJe 06/10/2010) (grifo nosso)

No concernente ao AgRg no REsp 1198644/RJ, cuja ementa foi acima transcrita, importa reproduzir excerto do voto condutor, de Relatoria do Min. Humberto Martins:

Dessa forma, no caso dos autos, considerando que a recorrida de boa-fé acumula os cargos de Técnico em Radiologia desde 1988 e que a Administração só instaurou processo administrativo para apurar ilegalidade da referida acumulação em 2006, caracteriza-se está a decadência, pois decorrido mais de cinco anos da entrada em vigor da Lei nº 9.784/1999 (1º de fevereiro de 1999) e a instauração do processo administrativo”. (grifo nosso)

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A fim de reforçar o que ora se expõe, colaciona-se a tese defendida pelo Ministro Luiz Fux, na Suprema Corte, quando proferiu voto no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 28497/DF, conforme se verifica do Informativo n. 659[5]:

A 1ª Turma iniciou julgamento de recurso em mandado de segurança no qual se pretende desconstituir a pena de demissão do cargo de agente administrativo do Ministério da Saúde aplicada a servidora pública que acumulara, também, o de professora na rede estadual de ensino. O Min. Luiz Fux, relator, deu provimento ao recurso para determinar a reintegração no cargo de agente administrativo com efeitos patrimoniais e funcionais retroativos à data da demissão, consoante parte final do art. 28 da Lei 8.112/90 (“com ressarcimento de todas as vantagens”). Primeiramente, entendeu inexistir prescrição, porquanto o art. 132, XII, da Lei 8.112/90 estabeleceria que a pena cabível para acumulação indevida de cargos públicos seria a demissão. Além disso, a prescrição somente ocorreria com o prazo de 5 anos a contar da ciência do fato pela Administração. Verificou, entretanto, que a recorrente fora admitida no cargo de professora em 15.4.1982 e, no âmbito do Ministério da Saúde, em 21.2.1979. Portanto, exerceria os 2 cargos, de professora e de agente administrativo, desde abril de 1982, quando fora admitida no magistério. Ressaltou que a demissão se dera em maio de 2002, mais de 20 anos após o início da acumulação, sem que, durante esse período, fosse reconhecida como ilícita. Assim, reputou não haver prescrição, mas decadência do direito de anular os atos de nomeação nos cargos que ensejaram o acúmulo. Asseverou que o poder da Administração Pública de invalidar seus próprios atos não seria eterno. Ademais, deveria ser restringido pelo princípio da segurança jurídica, consubstanciado na sua dimensão subjetiva, que se concretizaria por meio do princípio da proteção da confiança. Aduziu não haver conceito preciso acerca do alcance da expressão constitucional “cargo técnico e científico”, inserida no art. 37, XVI, b, da CF. Por fim, ponderou que a incerteza quanto à possibilidade de acumulação dos cargos indicaria a boa-fé da recorrente. Sublinhou que a denominação do cargo, se técnico ou científico, não bastaria para a identificação de sua natureza. No ponto, impenderia a análise concreta das funções desempenhadas, o que poderia suscitar profundas controvérsias. Aliado a isso, o longo decurso de tempo em que a acumulação perdurara também reforçaria a necessidade de incidência de normas jurídicas que limitassem o poder da Administração Pública de anular atos favoráveis aos seus destinatários. Após, pediu vista a Min. Cármen Lúcia. (RMS 28497/DF, rel. Min. Luiz Fux, 20.3.2012) (grifo nosso)

É certo, entretanto, que no tribunal (STJ) ao qual compete a uniformização da legislação federal o entendimento acerca do assunto sofreu uma reviravolta mais recentemente. No julgamento do Mandado de Segurança n. 20.148, ocorrido em 11 de setembro de 2013, a Primeira Seção daquele Sodalício fixou a compreensão de que:

“A acumulação ilegal de cargos públicos, expressamente vedada pelo art. 37, XVI, da Constituição Federal, caracteriza uma situação que se protrai no tempo, motivo pelo qual é passível de ser investigada pela Administração a qualquer tempo”, pois, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, “atos inconstitucionais jamais se convalidam pelo mero decurso do tempo”

A referida tese, por seu turno, defende que a Administração Pública tem o poder-dever de reconhecer a nulidade de um ato administrativo mesmo depois de decorrido o prazo decadencial previsto na Lei n. 9.784/99, caso seja constatada inconstitucionalidade. Assim, um ato administrativo em confronto com a Lei Maior não pode continuar vigorando em decorrência do tempo, se a inconstitucionalidade lhe acompanha.

É dizer: o ato administrativo nulo de pleno direito não se convalida com o decurso do tempo, sendo certo que sua legalidade pode ser revista a qualquer tempo pela própria administração ou pelo Poder Judiciário, não se sujeitando a qualquer prazo prescricional ou mesmo decadencial, ante a prevalência do interesse público.

Nessa linha de raciocínio, transcreve-se acórdão do Superior Tribunal de Justiça julgado em 7 de agosto de 2014, que negou provimento ao agravo regimental interposto por réus em ação de improbidade administrativa que tramitava na 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Rio Branco, Estado do Acre. Note-o:

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGRAVO REGIMENTAL. PRESCRIÇÃO. DECADÊNCIA. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Cuida-se na origem de Ação de Improbidade Administrativa contra os recorridos, acusando uns de ingressarem no quadro de oficiais da Polícia Militar do Estado do Acre sem a devida prestação de concurso público, e outros de contribuírem para que houvesse esse ingresso nas fileiras da corporação. 2. O Tribunal a quo negou provimento ao Agravo de Instrumento e assim consignou: "Consoante abalizada jurisprudência, ganha força a exegese de que todos os dispositivos legais que disciplinam o prazo prescricional da Administração Pública para rever os seus próprios atos têm campo de incidência limitado exclusivamente aos atos passíveis de anulação, excetuando-se, portanto, os casos de nulidade, impossíveis de convalidação, exatamente por resultarem em desrespeito aos preceitos contidos na Constituição Federal, máxime no que diz respeito a desconstituição de ato que resultou na contratação de servidores sem aprovação prévia em concurso público. Precedentes do STJ. 3. Quanto à prescrição da ação de ressarcimento, que esta Corte já pacificou o entendimento da imprescritibilidade da pretensão. 4. Nos casos de servidor público ocupante de cargo efetivo, a contagem da prescrição, para as demais sanções previstas na LIA, se dá à luz do art. 23, II, da LIA c/c art. 142 da Lei 8.112/1990, tendo como termo a quo a data em que o fato se tornou conhecido. 5. Por fim, para o exame do prazo prescricional do artigo 23, inciso II, da Lei 8.429/1992, é necessário o cotejo da Lei Complementar 39/1993, o Estatuto dos Servidores Públicos do Estado do Acre, o que é vedado na via do Recurso Especial. 6. Modificar a conclusão a que chegou a Corte de origem, de modo a acolher a tese do recorrente, demanda reexame do acervo fático-probatório dos autos, o que é inviável em Recurso Especial, sob pena de violação da Súmula 7/STJ. 7. O acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento deste Tribunal Superior, razão pela qual não merece prosperar a irresignação. Incide, in casu, o disposto na Súmula 83/STJ. 8. Agravo Regimental não provido. (AgRg no REsp 1392470/AC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/08/2014, DJe 09/10/2014). (grifo nosso)

Portanto, o tema do acúmulo ilegal de cargos públicos seria passível de investigação a qualquer tempo, porquanto os atos que afrontam a Constituição Federal são insuscetíveis de prescrição ou decadência.

Ocorre, entretanto, que também é certo que o Supremo Tribunal Federal ainda não deu a palavra final sobre o tema, especificamente no que respeita à tese de não-convalidação dos atos administrativos que afrontam a Carta Magna.

A demonstração cabal disso é o reconhecimento de Repercussão Geral no Recurso Extraordinário n. 817.338/DF. Do voto do relator, Min. Dias Toffoli, transcreve-se o seguinte excerto:

“O segundo tema constitucional abordado em ambos os recursos aviados traz o seguinte questionamento: as situações flagrantemente inconstitucionais podem ser superadas pela incidência do que dispõe o art. 54 da Lei n. 9.784/99 ou será perpétuo o direito da Administração Pública de rever seus atos em situações de absoluta contrariedade direta à Constituição Federal?

Ressalto, ademais, que há evidente interesse jurídico na definição das teses no presente caso. Isso porque, em primeiro lugar, é expressivo o número de feitos atualmente em trâmite nesta Corte nos quais se discute a decadência do direito da Administração Pública de anular atos eivados de absoluta inconstitucionalidade. Aliás, conquanto haja importante precedente consubstanciado no MS nº 28.279/DF, da relatoria da Ministra Ellen Gracie, no qual restou decidido que situações flagrantemente inconstitucionais não podem e não devem ser superadas pela simples incidência do prazo decadencial da Lei nº 9.784/99, a questão continua a ser reiteradamente submetida a este tribunal, sendo que sobre ela não há, ainda, um posicioinamento definitivo e vinculante desta Suprema Corte”. (grifo nosso)

Diante do exposto, percebe-se que há uma controvérsia entre a aplicação ou não do prazo decadencial da Lei n. 9.784/99, de modo que não há até o momento um posicionamento vinculante por parte do Supremo Tribunal Federal, ainda que o STJ esteja adotando o recente entendimento de que o ato administrativo nulo não se convalida com o decurso do tempo, podendo ser revisto pela administração ou pelo Poder Judiciário a qualquer tempo, sem que para isso se sujeite a qualquer prazo decadencial.


Notas

[1] "É uma decorrência do princípio da legalidade; se a Administração Pública está sujeita à lei, cabe-lhe, evidentemente, o controle da legalidade. (PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. DIREITO ADMINISTRATIVO. 18ª edição São Paulo: Atlas, 2005, p. 73)

[2] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Onda Reformista do Direito Positivo e suas Implicações com o Princípio da Segurança Jurídica. In.: Revista da Escola Nacional de Magistratura, n. 1, abr. 2006, p. 97.

[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 41ª Ed., São Paulo: Malheiros, p. 799.

[4] Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

[5] Supremo Tribunal Federal. Informativo de Jurisprudência n. 659. Disponível em:  http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo659.htm Acesso em 5 novembro 2017.

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Sobre o autor
Antonio Átila Silva da Cruz

Professor de Direito. Advogado (OAB/AC 5348). Mestrando em Direito pela Universidade de Marília - UNIMAR. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes - UCAM/RJ. Bacharel em Direito pela Faculdade da Amazônia Ocidental - FAAO/AC. Possui graduação em Gestão Pública pelo Centro Universitário Internacional - UNINTER. Servidor Público Federal na Universidade Federal do Acre - UFAC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Antonio Átila Silva. Admite-se prazo decadencial para a Administração Pública instaurar processo administrativo disciplinar em desfavor de servidor que acumula cargos públicos?: Qual o entendimento dos Tribunais Superiores sobre a matéria?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5457, 10 jun. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62467. Acesso em: 21 nov. 2024.

Mais informações

A edição do artigo justifica-se pela atual recorrência de abertura de procedimentos administrativos para apurar possíveis acumulações de cargos públicos, mesmo que seus detentores já os ocupem há mais de 5 anos, havendo, diante disso, a existência de controvérsia no âmbito do STJ e dos Tribunais pátrios. O artigo foi publicado no site atilacruz.jusbrasil.com.br.

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