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Videoconferência no processo penal

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12/02/2005 às 00:00
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O problema consiste em saber se é juridicamente possível a adoção de aparelhos de teleconferência no processo penal brasileiro, quais são as experiências desta ordem no cenário internacional e quais seriam os fatores favoráveis e contrários à sua implementação.

Sumário 1. Sistemas de videoconferência criminal — 2. Os prós e os contras do sistema — 3. Videoconferência criminal pelo mundo — 4. Teleaudiência criminal no Brasil — 5. Conclusão


1. Sistemas de videoconferência criminal

Ao tempo em que já se fala em processo eletrônico e em que se vê a crescente adoção de sistemas informáticos para o tratamento de informações e a prestação de serviços mais céleres aos jurisdicionados, ainda se percebe forte resistência à implementação de sistemas audiovisuais que permitam a coleta de provas a distância, especialmente no curso de procedimentos criminais.

O problema de que nos ocuparemos neste artigo consiste em saber se é juridicamente possível a adoção de aparelhos de teleconferência no processo penal brasileiro, quais são as experiências desta ordem no cenário internacional e quais seriam os fatores favoráveis e contrários à implementação de tais meios tecnológicos de coleta de provas no Brasil.

Entre nós, o foco da controvérsia está no interrogatório on-line, para tomada por videoconferência de declarações de acusados em ações penais, havendo pouca ou irrelevante oposição à coleta de depoimentos de vítimas, testemunhas e peritos por esse sistema, bem como no que se refere à realização remota de sustentações orais e de sessões de tribunais.

Deixando de lado questões técnicas, que dizem respeito aos profissionais da área de telecomunicações e de ciência da computação, vale estabelecer uma classificação das intervenções processuais que podem ser realizadas por videoconferência. Assim temos:

a)o teleinterrogatório, para tomada de declarações do indiciado ou suspeito, na fase policial, ou do acusado, na fase judicial;

b)o teledepoimento, para a tomada de declarações de vítimas, testemunhas e peritos;

c)o telerreconhecimento, para a realização de reconhecimento do suspeito ou do acusado, à distância, ato que hoje já se faz com o uso de meras fotografias;

d)a telessustentação, ou a sustentação oral a distância, perante tribunais, por advogados, defensores e membros do Ministério Público;

e)o telecomparecimento, mediante o qual as partes ou seus advogados e os membros do Ministério Público acompanham os atos processuais à distância, neles intervindo quando necessário;

f)a telessessão, ou a reunião virtual de juízes integrantes de tribunais, turmas recursais ou turmas de uniformização de jurisprudência;

g)a telejustificação, em atos nos quais seja necessário o comparecimento do réu perante o juízo, como em casos de sursis processual e penal, fiança, liberdade provisória, etc.


2. Os prós e os contras do sistema

Diversas são as manifestações contrárias ao teleinterrogatório, sendo menos numerosa ou enérgica a oposição ao teledepoimento (para peritos, vítimas e testemunhas) e à telessustentação, esta para advogados, defensores e membros do Ministério Público. A utilização de videoconferência para a tomada de declarações de suspeitos ou acusados de crimes levanta maior repulsa entre os críticos das aplicações de informática jurídica, tendo em vista a necessidade de assegurar os preceitos constitucionais que garantem aos acusados a ampla defesa e o due process of law.

O movimento de oposição ao interrogatório on-line tem sido capitaneado em nosso País principalmente pela Associação Juízes para a Democracia, pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, pela Associação dos Advogados de São Paulo e por outras entidades de âmbito estadual e nacional, inclusive órgãos públicos.

Com efeito, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça manifestou-se oficialmente contrariamente ao teleinterrogatório no Brasil. A Resolução n. 5, de 30 de setembro de 2002, fundada nos pareceres dos conselheiros Ana Sofia Schmidt de Oliveira e Carlos Weis, rejeitou a proposta de realização de teledepoimentos de réus, consubstanciada na Portaria n. 15/2002, mesmo para a ouvida de presos considerados perigosos.

Em que pese a autoridade do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, sua recomendação não tem força normativa e não tem impedido a implantação do sistema em juízos criminais e de execuções penais por todo o Brasil.

Fundamentalmente, a repulsa ao método de interrogatório a distância deita raízes nos princípios do devido processo legal e da ampla defesa (art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal), bem como na letra do art. 185 do CPP, que dispunha que "O acusado, que for preso, ou comparecer, espontaneamente ou em virtude de intimação, perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado". A questão de fundo é, assim, a expressão "comparecer perante a autoridade judiciária".

Mesmo com a reforma parcial do capítulo sobre o interrogatório do réu no CPP, decorrente da Lei n. 10.792/2003, as razões de inconformismo não se alteraram, tendo em vista que a nova redação do artigo 185 do CPP não permitiu expressamente o teleinterrogatório, mas também não o proibiu, como era intenção inicial dos opositores do sistema audiovisual.

Não concordamos que uma exegese da letra do artigo 185 do CPP, na sua anterior ou na atual redação, tenha o condão de inviabilizar o sistema de teleinterrogatório. Nações democráticas da Europa já adotam o teleinterrogatório, sem qualquer lesão a direitos individuais de imputados, tanto no plano interno quanto no espaço jurídico comum europeu. Além do mais, sabe-se que a interpretação gramatical ou literal não é a melhor para solucionar uma questão tão complexa.

Na sistemática do CPP, "comparecer" nem sempre significa necessariamente ir à presença física do juiz, ou estar no mesmo ambiente que este. Comparece aos autos ou aos atos do processo quem se dá por ciente da intercorrência processual, ainda que por escrito, ou quem se faz presente por meio de procurador, até mesmo com a oferta de alegações escritas, a exemplo da defesa prévia e das alegações finais. Vide, a propósito, o art. 570 do CPP, que afasta a nulidade do ato, considerando-a sanada, quando o réu "comparecer" para alegar a falta de citação, intimação ou notificação. Evidentemente, aí não se trata de comparecimento físico diante do juiz, mas sim de comunicação processual, por petição endereçada ao magistrado.

Se é assim é, pode-se muito bem ler o "comparecer" do art. 185 do CPP, referente ao interrogatório, como um comparecimento virtual, mas direto, atual e real, perante o magistrado.

A Lei n. 10.259/2001, que cuida dos Juizados Especiais Federais (cíveis e criminais), permitiu que as turmas de uniformização de jurisprudência reúnam-se por meios eletrônicos. De fato, o art. 14, §3º, da lei, diz que "A reunião de juízes domiciliados em cidades diversas será feita pela via eletrônica". Que é isto senão uma audiência virtual? Estamos diante de uma sessão de julgamento plenamente válida, embora os juízes participantes não estejam presentes no mesmo recinto, mas sim presentes em recintos diversos, em plena interação.

Alega-se que o artigo 9º, §3º, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Pacto de Nova Iorque) e o artigo 7º, §5º, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), prevêem o direito do réu de ser conduzido à presença física do juiz natural. Ora, as referidas normas falam apenas em levar o detido à "presença do juiz", e a presença virtual, ao vivo, atual e simultânea, por meio de videoconferência, confere ao acusado as mesmas garantias que o comparecimento in persona, diante do magistrado.

Portanto, desde que seja garantida a liberdade probatória ao acusado e que sejam assegurados ao réu os direitos de ciência prévia, participação efetiva e ampla defesa [1] (inclusive com o acompanhamento do ato in loco por seu defensor e/ou por um oficial de justiça), não há razão para temer o teleinterrogatório, sob o irreal pretexto de violação a direitos fundamentais do acusado no processo penal. Até porque só há nulidade processual, quando existir prejuízo, e não se pode afirmar que essa é a regra no tocante a teledepoimentos criminais.

Ademais, o comparecimento físico do acusado perante a autoridade judicial não é exigido pelo direito internacional nem pela Constituição brasileira. Com efeito, o art. 5º, inciso LXII, declara que "A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada". Frise-se: a prisão será "comunicada" ao juiz competente. Não impõe a Constituição a apresentação do réu ao juiz, na sede do juízo, mesmo num momento em que a legalidade ou legitimidade da prisão em flagrante ainda não foi verificada pelo Judiciário.

O teleinterrogatório não é um dos males do tempo. Ao contrário, vem eliminar certas burocracias e óbices ao andamento dos feitos criminais. Não esqueçamos que a videoconferência se presta à ouvida de réus presos e de réus soltos, detidos na mesma ou em comarca diversa do distrito da culpa, ou residentes a longas distâncias do foro. Assim, o sistema atende a interesses fundamentais de uns e outros.

A mera mudança do procedimento de apresentação do réu ao juiz, especialmente nos casos em que estejam em julgamento presos perigosos, não elimina nenhuma garantia processual, nem ofende os ideais do Estado de Direito. Basta que se adote um formato de videoconferência que permita aos sujeitos processuais o desempenho, à distância, de todos os atos e funções que seriam possíveis no caso de comparecimento físico.

O interrogatório, momento culminante da autodefesa do réu, não é nulificado simplesmente porque se optou por este ou por aquele modo de captação da mensagem. Destarte, tanto pode o réu falar diante do juiz, e ter o seu depoimento transcrito a mão, em máquina de escrever ou em computador, quanto pode fazê-lo em audiência gravada in loco, ou em interrogatório transmitido remotamente por vídeo-link. O meio utilizado não desnatura nem contamina o ato. O que importa é que, em qualquer das hipóteses, se assegure ao acusado o direito de ser acompanhado por defensor e os direitos de falar e ser ouvido, de produzir e contrariar prova e o direito de permanecer em silêncio quando lhe convier (art. 5º, LXIII, da CF).

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O teleinterrogatório elimina algum desses direitos ou cerceia alguma dessas liberdades? Perde-se o direito ao silêncio? O juiz abandona sua imparcialidade? Institui-se um tribunal de exceção? O réu é proibido de falar ou impedido de calar? A comunicação entre as partes e o magistrado é interrompida, vedada ou limitada? Elimina-se a interação do acusado com o juiz, a acusação e os demais intervenientes do processo? Desaparece o feedback comunicacional? Não, evidentemente não. Todas as formalidades dos artigos 185 a 196 do CPP são cumpridas. Todas as indagações dos artigos 187 a 190 podem ser feitas. Todos os direitos são respeitados, na substância e na essência. Onde, então, o problema?

A presença virtual do acusado, em videoconferência, é uma presença real. O juiz o ouve e o vê, e vice-versa. A inquirição é direta e a interação, recíproca. No vetor temporal, o acusado e o seu julgador estão juntos, presentes na mesma unidade de tempo. A diferença entre ambos é meramente espacial. Mas a tecnologia supera tal deslocamento, fazendo com que os efeitos e a finalidade das duas espécies de comparecimento judicial sejam plenamente equiparados. Nisto, nada se perde.

Sabe-se que não há nulidade sem prejuízo. É a regra do art. 563 do CPP: "Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa". Por sua vez, o art. 564, inciso III, alínea ´e´, determina a nulidade do processo em caso de falta de interrogatório. Vale dizer: o que anula a ação penal é a falta do interrogatório, e não a sua realização por meios tecnológicos. Pergunta-se objetivamente aos opositores da teleaudiência: falando em tese, há algum real prejuízo para o réu com o teleinterrogatório? Não. Logo, não há qualquer justificativa jurídica, nos planos da razoabilidade e do garantismo, para tolher ou proibir tal forma de interrogatório, em que o comparecimento continua a ocorrer, sendo o réu conduzido à presença virtual do juiz da causa, sem prejuízo do contraditório efetivo.

Ainda no plano das nulidades, vale mencionar que o art. 564, inciso IV, do CPP, dispõe que haverá nulidade "por omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato". O comparecimento físico do réu diante do juiz para ser interrogado não é uma formalidade ad substantiam. Ademais, a realização do teleinterrogatório não acarreta omissão de formalidade alguma, mas substituição de um procedimento por outro. Mesmo que a forma aqui fosse elemento essencial do ato, a nulidade seria relativa, pois segundo o art. 572, inciso II, do mesmo código, as nulidades ali referidas consideram-se sanadas "se, praticado por outra forma, o ato tiver atingido o seu fim". Aqui se lança uma pá de cal sobre o assunto. Se a finalidade do ato é atingida, não há nulidade alguma a declarar, preservando-se o teleinterrogatório. A regra aplica-se ainda às nulidades relativas previstas no art. 564, III, ´e´, segunda parte, e ´g´, do CPP.

Repetimos: não guardamos dúvidas quanto à possibilidade jurídica da realização de teledepoimentos no processo penal brasileiro. Todavia, demonstrando a natureza controvertida do tema, há decisões isoladas de tribunais nacionais reconhecendo a ocorrência de nulidade em processos em que se adotou o sistema de videoconferência para a realização de interrogatórios. Exemplo desse tipo de posicionamento é o da 10ª Câmara do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, que na apelação n. 1.393.005/9, assim decidiu, por unanimidade, em 22 de outubro de 2003:

"INTERROGATÓRIO ON-LINE – Nulidade:

– O interrogatório judicial realizado a distância, por sistema de videoconferência, que tem sido denominado interrogatório on-line, revela patente nulidade por violar princípios de natureza constitucional, em especial os da ampla defesa e do devido processo legal" (TACRIM/SP - Apelação nº 1.393.005/9 – São Paulo – 10ª Câmara – Relator: Ary Casagrande – 22.10.2003 – V.U.).

Entretanto, curiosamente, a mesma corte, por outra de suas câmaras, decidira, no dia anterior, 21 de outubro de 2003, também por unanimidade, pela plena validade do interrogatório por videoconferência, a saber:

"INTERROGATÓRIO JUDICIAL ON-LINE – Valor – Entendimento:

O sistema de teleaudiência utilizado no interrogatório judicial é válido à medida que são garantidas visão, audição, comunicação reservada entre o réu e seu defensor e facultada, ainda, a gravação em compact disc, que será anexado aos autos para eventual consulta. Assim, respeita-se a garantia da ampla defesa, pois o acusado tem condições de dialogar com o julgador, podendo ser visto e ouvido, além de conversar com seu defensor em canal de áudio reservado".

* Apelação nº 1.384.389/8 – São Paulo – 4ª Câmara – Relator: Ferraz de Arruda – 21.10.2003 – V.U. (Voto nº 11.088)

O Tribunal de Justiça de São Paulo, no habeas corpus n. 428.580-3/8, da comarca da Capital, também decidiu pela validade do teleinterrogatório:

"Habeas Corpus - Pretensão de se anular instrução realizada pelo sistema de videoconferência - Alegação de violação dos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa - Nulidade inocorrente - violação não caracterizada porque mantido o contato visual e direto entre todas a partes e porque facultada a permanência de um defensor na sala de audiência e outro na sala especial onde o réu se encontra - Medida que, ademais acarreta celeridade na prestação jurisdicional e sensível redução de custos para o Estado - Ordem denegada". (pt. nº113.719/2003).

O Superior Tribunal de Justiça já se posicionou sobre o tema. No recurso ordinário em habeas corpus n. 6272/SP, a 5ª Turma do STJ, acolhendo o parecer do Ministério Público Federal, decidiu por unanimidade em 3 de abril de 1997 pela validade do interrogatório por videoconferência, verbis:

"Recurso de habeas-corpus. Processual penal. Interrogatório feito via sistema conferencia em real time. Inexistindo a demonstração de prejuízo, o ato reprochado não pode ser anulado, ex vi art. 563 do CPP. Recurso desprovido" (STJ, RHC 6272/SP, 5ª Turma, Rel. Ministro Félix Fischer, j. 3/4/97, impetrante Evaldo Aparecido dos Santos).

Mais recentemente, em 14 de setembro de 2004, ao analisar o recurso ordinário em habeas corpus 15.558/SP, impetrado em favor de Jair Facca Junior [2], a 5ª Turma do STJ decidiu, por unanimidade, que o uso de videonconferência em ação penal não acarreta cerceamento do direito de defesa, não havendo portanto nulidade a sanar. Na ocasião, o relator, Min. José Arnaldo da Fonseca, acolheu o parecer do Subprocuradora-Geral do Ministério Público Federal, Lindora Maria Araújo, que, a seu tempo, asseverou:

"A realização de audiência por videoconferência permite contato visual e em tempo real entre todas as partes envolvidas no processo: juiz da causa, acusado, defensor, órgão de acusação, vítimas e testemunhas. (...) A percepção cognitiva obtida no sistema de teleaudiência é a mesma auferida na forma usual de realização de audiência com a presença física das partes".

Do parecer do MPF também colhe-se menção à utilização do sistema em outro julgamento, examinado no HC n. 410.640.3/6, impetrado perante a 3ª Câmara Criminal do TJ/SP:

"Esse correto aparelhamento que existe no Tribunal de Justiça de São Paulo foi detalhado no julgamento do habeas corpus nº 410.640.3/6 pela 3a Câmara Criminal daquela corte, litteris: "Na ''vídeoconferência'' em causa, o paciente e os co-réus sempre tiveram a possibilidade de contato e diálogo, a qualquer momento, com seus advogados. Para tanto, instalados ''links'' privativos (''linhas exclusivas que garantem a conversa reservada'' – fls. 41). Além disso, propiciadas, é claro, a recíproca visão e audição dos acontecimentos e desenvolvimento da audiência, ainda com facultada gravação em ''compact-disc'' que pode ser anexado aos autos para qualquer eventual consulta. Nas salas especiais dos diversos estabelecimentos onde se encontravam o paciente e os co-réus, equipamentos de imagem, escuta perfeita dos depoimentos e canal de áudio reservado para comunicação com Defensores. Para que se tenha noção completa e exata da perfeição do sistema que, assegurando a ampla defesa e o contraditório, agiliza o andamento dos feitos e permite prestação jurisdicional pronta, conforme as mais prementes necessidades sociais, é conveniente a leitura atenta do termo de assentada em teleaudiência e do termo de apresentação dos réus presos".

Segundo os autos do RHC n. 15.558/SP, o juízo criminal de São Paulo permitiu a presença de um advogado na sala de audiências e de outro defensor, ao lado do réu, no estabelecimento prisional. O acórdão ficou assim ementado:

"Recurso ordinário em habeas corpus. Processual penal. Interrogatório realizado por meio de sistema de videoconferência ou teleaudiência em real time. Cerceamento de defesa. Nulidade, para cujo reconhecimento faz-se necessária a ocorrência de efetivo prejuízo, não demonstrado, no caso. Recurso desprovido. (STJ, 5ª Turma, RHC 15.558/SP, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, v.u., 14.9.2004).

No julgado, ficou assentado que a sala do estabelecimento prisional converte-se numa extensão da sala de audiências. "[...] a rigor, o paciente e os co-réus encontravam-se numa verdadeira extensão da própria sala de audiências, de tudo participando e acompanhando, com a mais completa possibilidade de contato verbal com seus advogados. Não existe, portanto, nenhuma nulidade. Finalmente, encontrou-se um sistema de teleaudiência ou vídeoconferência que harmonizou as exigências da ampla defesa e do contraditório com celeridade, segurança e presteza na produção da prova e com a prolação das sentenças".

Além de não violar o devido processo legal, é preciso notar também que o teleinterrogatório assegura ao réu, com muito maior amplitude, o acesso ao seu juiz natural. Pelo art. 5º, LIII, da CF, "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente". De fato, adotando-se o sistema às inteiras, não serão mais necessárias cartas precatórias ou rogatórias ou cartas de ordem para interrogatório de denunciados ou ouvida de vítimas, testemunhas e peritos. O próprio juiz da causa ouvirá diretamente o acusado, onde quer que ele esteja, encarcerado ou solto, no País ou no exterior. Vale dizer: todos os atos processuais serão praticados pelo juiz natural da causa, o único competente para julgar o réu.

As cartas de ordem podem se tornar desnecessárias ou menos comuns. O ministro ou desembargador relator, juiz natural nas ações penais originárias — as que tramitam perante os tribunais na forma da Lei n. 8.038/90 —, poderá interrogar ele mesmo o réu e ouvir as vítimas, as testemunhas e os peritos, sem necessidade de delegação a magistrados de instâncias inferiores. Todo o processo poderá ser conduzido pelo juiz da causa, diretamente, sem deslocamentos espaciais, desde que se utilize a teleconferência.

O novo método de instrução evita, outrossim, os julgamentos à revelia e os fenômenos processuais a ela correlatos, nos casos de impossibilidade física de comparecimento do réu, seja por doença ou por incapacidade financeira. O interrogatório on-line reduzirá as hipóteses de aplicação do art. 366 do CPP: "Se o acusado, citado por edital, não comparecer [3], nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312". Ora, se o réu comparecer virtualmente ao processo não haverá porque suspender o andamento da ação penal e o curso do prazo prescricional. Nem haverá motivo para a decretação de prisão preventiva do acusado, que "não comparecer", o que é sem dúvida uma grande vantagem processual e material para o réu.

Assinalamos ainda uma outra vantagem do sistema de videoconferência: a maior amplitude e efetividade do princípio da publicidade, previsto no art. 5º, LX, e no art. 93, IX, da CF. Quando os atos processuais (interrogatório e audiências) são realizados por videoconferência aberta, um número virtualmente infinito de pessoas pode tomar conhecimento do processo penal, inclusive pela Internet, assegurando-se deste modo o princípio da publicidade geral e o controle social sobre os atos do Poder Judiciário, ampliando-se o acesso à informação.

A potencialização do princípio da publicidade é considerável, porquanto pessoas as mais diversas (inclusive vítimas e seus familiares), mesmo não estando no distrito da culpa, podem assistir aos atos processuais. Esta preocupação com o direito à informação é cada vez maior na sociedade. Não é à-toa que o Supremo Tribunal Federal pôs no ar em setembro de 2002 a TV Justiça, destinada a se juntar às TV Câmara e TV Senado na tarefa de levar aos cidadãos informações precisas e atualizadas sobre os Poderes Legislativo e Judiciário, inclusive mediante a transmissão de sessões de julgamento ao vivo, via satélite ou por cabo.

Em se adotando o sistema de teledepoimentos, familiares dos acusados poderão acompanhar as audiências e os eventos do processo a que respondam seus entes, sem necessidade de deslocamento, feitos às vezes a grandes distâncias e com dispêndio de essenciais à própria mantença.

A própria idéia processual de publicidade especial (aquela assegurada às partes e aos seus defensores) é privilegiada com o sistema de videoconferência, levando-se em consideração que o réu, preso ou solto, poderá acompanhar as sessões de julgamento perante tribunais e toda e qualquer audiência judicial, mesmo aquelas em que sua presença for recusada, por conduta inconveniente ou para assegurar o bem-estar de testemunhas e vítimas.

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Sobre o autor
Vladimir Aras

Professor Assistente de Processo Penal da UFBA. Mestre em Direito Público (UFPE). Professor da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU). Procurador da República na Bahia (MPF). Membro Fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAS, Vladimir. Videoconferência no processo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 585, 12 fev. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6311. Acesso em: 24 abr. 2024.

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