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Cancelamento do registro profissional à luz da Lei n. 5.194/66:

sanção de âmbito administrativo que se diferencia do regime penal

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01/01/2019 às 15:10
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5.    Interferência da jurisdição penal sobre a administrativa

O presente tópico visa analisar a interferência da jurisdição penal sobre a administrativa nos casos de cancelamento do registro profissional.

Em alguns casos, apesar da independência das esferas administrativa ou cível e penal algumas decisões penais podem ter reflexo na decisão de outras esferas.

A Resolução 1090/17, acertadamente, deixou claro que só é possível o cancelamento do registro profissional por crime infamante após o trânsito em julgado. Neste caso, considerando que a condenação administrativa decorre de reconhecimento da prática de crime, é inegável que a esfera administrativa é subsidiária da esfera penal e só pode atuar após a análise e decisão da jurisdição penal. No entanto, o mesmo não ocorre em relação ao cancelamento do registro por má conduta pública e escândalo, uma vez que não se trata de crime e sim de violação a preceitos de natureza moral e ética que devem ser valorados e analisados pela autoridade administrativa uma vez que a sentença penal não analisará a infringência à moral, honra, dignidade ou boa imagem da profissão.

O artigo 935 do Código Civil dispõe que a responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo mais questionar sobre a existência do fato ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões já tiverem sido decididas no juízo criminal, vejamos o dispositivo: “Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.”[4]

Vejamos as disposições do Código de Processo Penal sobre a interferência entre as esferas cível e penal:

  “Art. 65.  Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Art. 66.  Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato.

Art. 67.  Não impedirão igualmente a propositura da ação civil:

I - o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação;

II - a decisão que julgar extinta a punibilidade;

III - a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime.”[5]

Parizatto no livro Responsabilidade Profissional faz as seguintes considerações sobre a influência da ação penal sobre a ação civil indenizatória:

“Tratando-se de sentença penal absolutória tem-se que se se torna necessário se verificar se a sentença absolveu o réu por falta de prova, por não ter sido provado ser ele o autor do crime ou não ter existido o fato.

No primeiro caso a absolvição por falta de prova pode ensejar a responsabilidade civil em ação indenizatória, eis que tal hipótese não se amolda ao disposto no art.935 do Código Civil. Tem-se assim, que não negada a autoria e materialidade, mas absolvido o réu por insuficiência de prova, a ação indenizatória não sofre consequências (RSTJ 140/462-463), cabendo, contudo, ao autor da ação civil o ônus de provar o fato, a autoria e a culpa do réu, eis que a absolvição no juízo penal acaba gerando certa presunção de inocência que deverá ser elidida.

No segundo caso, não existindo prova de que o réu foi o autor do crime, vindo ele a ser absolvido na área penal, tal decisão uma vez transitada em julgado terá efeitos sobre a ação indenizatória cível, eis que isso não poderá mais ser questionado.

No terceiro caso, não havendo prova da existência do fato, tem-se que tal decisão também terá influência no juízo cível, não podendo mais se discutir isso, desde que a sentença penal transite em julgado neste sentido. O art.66 do Código de Processo Penal prevê: ‘ Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato’. Logo, ao contrário, reconhecendo-se a inexistência do fato, a ação civil não poderá prosperar.” (PARIZZATO 2012)

    Na seara administrativa, a interferência da sentença penal sobre a decisão administrativa encontra-se prevista na Lei 8112 nos artigos 125 e 126, que prevê a possibilidade de responsabilização na esfera cível, penal e administrativa com a ressalva de que a responsabilidade será afastada nos casos de sentença criminal que negue a existência do fato ou sua autoria. Vejamos a previsão dos artigos:

“Art. 125.  As sanções civis, penais e administrativas poderão cumular-se, sendo independentes entre si.  

Art. 126.  A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria.”[6]

Pois bem, no caso de cancelamento do registro profissional em decorrência de crime infamante, será necessário aguardar o trânsito em julgado para abertura do procedimento administrativo, mas quando o ato configurar má conduta pública ou escândalo na seara administrativa, e simultaneamente, também configurar crime, não há que se aguardar o trânsito em julgado na matéria penal, pois as esferas são independentes. A questão a ser analisada é: apesar de não existir previsão legal expressa no tocante ao cancelamento do registro profissional, a absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria repercute ou não na seara administrativa e no cancelamento do registro profissional.

Osório, 2000, em seu livro Direito Administrativo Sancionador, reconhece que é bastante limitada a interferência, mas existe em alguns casos, devido à necessidade de um mínimo de coerência no interior do sistema jurídico. Vejamos algumas de suas considerações:

“No sistema brasileiro, a subordinação da autoridade administrativa à autoridade judicial, no campo do Direito Administrativo Sancionar, é bastante limitada, mormente em matéria de ilícitos relacionados a especiais relações de sujeições.

(...)

Veja-se que na hipótese de estar provada a inexistência do fato ou existir especial circunstância que exclua o caráter do crime, v.g.,exercício regular de um direito ou estrito cumprimento de dever legal, há repercussão em qualquer esfera extrapenal, judicial ou administrativa, desembocando na improcedência da pretensão acusatória, dada a necessidade de um mínimo de coerência no interior do sistema jurídico.

Se o Juiz penal entende que está provada a inexistência do fato, ou que o réu agiu em estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito, haveria grave antinomia na eventual solução de autoridade administrativa ou judiciária extrapenal que condenasse o réu por improbidade ou infração administrativa. Eis a necessidade de compatibilização das decisões judiciárias e administrativas, reduzindo-se as incertezas jurídicas.

De igual modo, se o Judiciário, na esfera penal, reconhece a negativa de autoria, afirmando, com todas as letras, que o réu não praticou o fato criminal, ou seja, que não há possibilidade alguma de que ele seja o autor do fato, há importantes reflexos no campo extrapenal, dada a eficácia da sentença absolutória. É diferente, por óbvio, a hipótese em que o Juiz penal proclama dúvida em torno à autoria do fato ilícito. Nesse último caso, cabe persistir a ação civil por improbidade administrativa e o procedimento ou processo administrativo apuratório da respectiva infração. Não há reflexos da sentença penal absolutória no terreno extrapenal.” (OSÓRIO 2000, 287 ss)

Por uma razão de unidade e coerência entre os sistemas, há que se reconhecer que a decisão penal pode interferir na seara administrativa, mas isso ocorre em hipóteses específicas e, ainda sim, deve-se ter em mente que, como não há coincidência exata entre má conduta púbica e escândalo e a prática de crime, há sempre a possibilidade de absolvição na seara penal e cometimento de ilícito administrativo residual, pois não necessariamente toda má conduta pública ou escândalo é crime e dessa há que se analisar as circunstancias e a parte dispositiva da sentença para verificar se há possibilidade de aplicação de alguma penalidade administrativa de forma residual.

Está pacificado pela doutrina e jurisprudência que não há necessidade de se aguardar o desfecho do processo criminal para abertura de procedimento administrativo para aplicação de penalidades, vez que a regra é a independência entre as esferas e, inclusive, o prazo prescricional para aplicação das penalidades é diferente na esfera administrativa e na esfera penal.

Vejamos alguns acórdãos proferidos por tribunais superiores, que trazem este entendimento:

“EMENTA:CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: POLICIAL: DEMISSÃO. ILÍCITO ADMINISTRATIVO e ILÍCITO PENAL. INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA: AUTONOMIA. I. - Servidor policial demitido por se valer do cargo para obter proveito pessoal: recebimento de propina. Improbidade administrativa. O ato de demissão, após procedimento administrativo regular, não depende da conclusão da ação penal instaurada contra o servidor por crime contra a administração pública, tendo em vista a autonomia das instâncias. II. - Precedentes do Supremo Tribunal Federal: MS 21.294- DF, Relator Ministro Sepúlveda Pertence; MS 21.293-DF, Relator Ministro Octavio Gallotti; MMSS 21.545-SP, 21.113-SP e 21.321-DF, Relator Ministro Moreira Alves; MMSS 21.294-DF e 22.477-AL, Relator Ministro Carlos Velloso. III. - Procedimento administrativo regular. Inocorrência de cerceamento de defesa. IV. - Impossibilidade de dilação probatória no mandado de segurança, que pressupõe fatos incontroversos, prova pré- constituída. V. - Mandado de Segurança indeferido.” (MS 23401, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 18/03/2002, DJ 12-04-2002 PP-00055 EMENT VOL-02064-02 PP-00313)

“MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. REGULARIDADE NO PROCEDIMENTO. PRETENSÃO DE SOBRESTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS ADMINISTRATIVA E PENAL.

1. A inicial não aponta objetivamente nenhuma irregularidade ou ilegalidade no procedimento disciplinar administrativo, pleiteando somente o seu sobrestamento e a permanência do servidor no cargo até o término de eventual processo criminal, na medida em que os fatos poderiam, em tese, constituir ilícito penal.

2. A independência entre as instâncias penal e administrativa, já de há muito consagrada na doutrina e na jurisprudência, permite à Administração Pública impor sanção disciplinar ao servidor que tenha praticado ilícito administrativo, independentemente de anterior julgamento na esfera criminal.

3. Segurança denegada.” (MS 9768/DF, Terceira Seção, Relator: Min. Paulo Galloti, julgado em 13-12-2004, DJ 21-05-2007, p.538)

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José Cretella Júnior, apud Carvalho, 2011 defende a independência das esferas, senão vejamos: “no caso de o ilícito administrativo também constituir infração penal, o servidor será processado nas duas instâncias administrativa e criminal simultânea e/ou independentemente, podendo ser absolvido ou condenado em ambas ou julgado culpado em uma e inocentado em outra.” (CARVALHO 2011, 1063)

Neste sentido, merece destaque a seguinte decisão, proferida pelo Tribunal Regional da Segunda Região:

“Exercicio profissional da medicina. Aplicação da lei n.3268/57, art. 22, letra e e arts. 4 (a e b), 30 e 45 do Código de Ética Médica. Preliminar de intempestividade do recurso rejeitada. Decisão do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, confirmada pelo Conselho Federal de Medicina, declara medico culpado por exceder os limites do exercicio da medicina, infringindo o Código de Ética Médica. Aplicação de injeção de rejuvenescimento provoca morte em paciente e graves lesões em outros. Decisão da justiça criminal nega nexo de causalidade material entre a ação do autor e os fatos mas, entende que o medico excedeu os limites de sua profissão, com fim de lucro. A decisão no juízo criminal não impossibilita a sanção disciplinar. Prática de crime previsto no art. 282 do código penal. Apelação provida. Decisão unanime.” (TRF 2 ª Região, 3ª turma, AC 9102006294 RJ 91.02.00629-4. Relator Desembargador Federal Celso Passos. Data de Julgamento: 22 de Março de 1994. Publicação: DJU - Data::27/10/1994 - Página::61835) Grifos nossos.

No mesmo sentidom o Tribunal Federal de Recursos deixou de reconhecer a repercussão de sentença penal absolutória na seara administrativa:

Se o autor da rescisória foi absolvido no crime, da acusação de contrabando e foi punido, na esfera administrativa, por agressão em serviço, não há como repercutir na administração a decisão criminal. Para que se reflita na esfera disciplinar, é necessário que o fato seja único, fique provado, no crime, sua inexistência e que o acusado não foi o seu autor, na forma do art. 1525 do Código Civil.(RIP nº 03100901, decisão de 07/12/1983, AR nº 368/RJ, 1ªTurma, Ação Rescisória, DJ, 23.02.1984, EJ vol 4815-01)

Sebastião José Lessa, apud Carvalho, 2011, afirma que o servidor pode ser absolvido na esfera penal em razão de o fato não constituir crime e ser punido pelo mesmo conteúdo fático constitutivo de falta disciplinar, uma vez que a responsabilidade disciplinar nasce de ação ou omissão de agente público que fere o interesse público e perturba o funcionamento da Administração. Sebastião Lessa para chegar ao entendimento apresentado, utiliza-se dos ensinamentos de José Cretella Júnior, vejamos:

“Aquilo que não é crime pode ser falta funcional, falta disciplinar, o que tem, como efeito a condenação administrativa. Absolvido penalmente, é condenado administrativamente. Há incomunicabilidade de instâncias, porque a decisão de juiz togado não repercute na esfera administrativa.”[7](CARVALHO 2011, 1064)

    Diante do até aqui exposto é possível concluir que as instâncias são independentes, que não é necessário aguardar a decisão penal para instauração do procedimento administrativo e aplicação de penalidade, e que a interferência da esfera penal sobre a administrativa ocorre quando houver sentença absolutória que negue a existência do fato ou autoria, e, ainda assim, quando não subsistir falta administrativa residual. Entretanto, há algumas outras situações que podem implicar interferência da decisão penal sobre a administrativa.

    Sobre a interferência da esfera penal, abordaremos a seguir as hipóteses cabíveis de absolvição, ressaltando em quais casos pode ocorrer a prevalência da decisão criminal sobre a administrativa.

A decisão penal absolutória pode ocorrer em 7 (sete) hipóteses, arroladas no art. 386 do Código de Processo Penal e listadas a seguir, sendo certo que apenas em alguns casos pode haver a interferência sobre a esfera administrativa:

“Art. 386.  O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:

I - estar provada a inexistência do fato;

II - não haver prova da existência do fato;

III - não constituir o fato infração penal;

IV –  estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;   (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;  (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência;    (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

VII – não existir prova suficiente para a condenação.” [8]

Vejamos as considerações de Madeira, esboçadas no artigo: Dos efeitos da sentença penal na esfera administrativa-disciplinar na visão dos tribunais:

“Consoante a doutrina e a jurisprudência majoritárias, repercutem na esfera administrativa as decisões absolutórias fundadas na comprovada inexistência do fato (negativa de materialidade), na comprovada não-participação do réu no delito (negativa de autoria) e na comprovada existência de circunstâncias que excluam o crime (licitude da conduta) (art. 386, I, IV e VI, 2ª parte, do Código de Processo Penal).

Por outro lado, não repercutem automaticamente, no âmbito administrativo, o reconhecimento (pelo Juízo Criminal) das hipóteses dos incisos II, III, V, VI (1ª parte e parte final) e VII do mencionado artigo, quais sejam: não haver prova da existência do fato, não constituir o fato infração penal, não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal, existirem circunstâncias que isentem o réu de pena, fundada dúvida sobre a ilicitude ou culpabilidade da conduta, e não existir prova suficiente para a condenação.” (MADEIRA 2014, 215-216)

Para facilitar a compreensão, utilizaremos a mesma didática adotada por Madeira em seu artigo, agruparemos as circunstâncias que podem levar à absolvição e na oportunidade apresentaremos a jurisprudência sobre cada uma das hipóteses. Assim, podemos dividir as causas da absolvição em: a) Comprovada inocência do agente (por negativa de autoria/materialidade); b) comprovada licitude da conduta (exclusão da antijuridicidade); c) atipicidade penal da conduta; d) dúvida - in dubio pro reo (insuficiência/falta de provas para a condenação penal ou fundada dúvida quanto à ilicitude ou culpabilidade); e) ausência de culpabilidade penal na conduta do agente. (MADEIRA 2014)

A-  Comprovada inocência do agente

Esta situação encontra previsão legal expressa nos Art. 126 da Lei 8112 e Art. 935 do Código Civil. Trata-se de decisão criminal que absolve o réu, negando a existência do fato, ou negando que o administrado seja autor ou partícipe no crime que lhe fora imputado.

Sobre esta hipótese Madeira,2014, faz as seguintes considerações:

“Em regra, as instâncias de punição não se comunicam. Porém, é pacífico o entendimento de que a sentença do juízo criminal produz efeitos favoráveis ao servidor quando restar provado que não ocorreu o fato a ele imputado (art. 386, inciso I, CPP), uma vez que, nessa hipótese, o juízo penal categoricamente afirma que não houve qualquer evento lesivo. O mesmo se dá, ainda, quando ficar demonstrado que o réu não concorreu para a infração penal (art. 386, inciso IV, CPP), valendo ressaltar que esse inciso foi introduzido pela Lei nº 11.690/2008 e, diferente do caso do inciso I, referente à prova da inexistência do fato, nesse caso o que resta cabalmente comprovado é que o crime, embora eventualmente tenha sido perpetrado, não contou com a coautoria ou participação do réu absolvido.

Sendo assim, na hipótese de o juízo negar categoricamente, na sentença, a existência da materialidade do fato imputado ao servidor ou que ele não tenha sido seu autor, essa sentença afasta as responsabilizações civil e administrativa, também em face do que dispõe o art. 935 do Código Civil já citado anteriormente, e tal como preceitua o art. 126 da Lei nº 8.112/90.” (MADEIRA 2014, 216-217)

Sobre estes pontos, a jurisprudência é clara ao prever que a negativa da existência do fato ou negativa de autoria repercutem no âmbito do processo administrativo. Senão vejamos:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. A JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA E INDEPENDENTE DA CRIMINAL, PODENDO SUBSISTIR A DEMISSAO ORIUNDA DE FALTA GRAVE APURADA EM INQUERITO ADMINISTRATIVO DESDE QUE O JUÍZO CRIMINAL NÃO HAJA NEGADO A EXISTÊNCIA DO FATO, DETERMINANTE DA DEMISSAO. (RE 18510, Relator(a):  Min. ROCHA LAGOA, Segunda Turma, julgado em 22/07/1953, DJ 28-01-1954 PP-01115 EMENT VOL-00162-01 PP-00312 ADJ 09-08-1954 PP-02469)

“DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. 1. Não caracterizada a suspeição da presidente da comissão processante uma vez que não restou provada a ocorrência de nenhuma das hipóteses do art. 20 da Lei 9.784/1999, tampouco atuação parcial da servidora pública. 2. A nomeação de defensor dativo, diante da relutância do interessado e de seu advogado devidamente intimados em apresentar defesa, não caracteriza nenhum vício. 3. Não corre o prazo prescricional enquanto perdurar ordem judicial de sobrestamento do processo administrativo. 4. Ressalvadas as hipóteses de absolvição pelo reconhecimento categórico de inexistência de materialidade ou de negativa de autoria, a decisão penal não interfere automaticamente na esfera administrativa. 5. Ausência de demonstração, no caso concreto, de razões para superação do entendimento da autoridade administrativa, que reconheceu atuação dolosa causadora de prejuízo ao erário por parte do agravante. 6. Agravo a que se nega provimento. (RMS 32584 AgR, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 16/10/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-247 DIVULG 26-10-2017 PUBLIC 27-10-2017) grifos nossos

“AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. SANÇÃO DISCIPLINAR. ABSOLVIÇÃO NA ESFERA CRIMINAL POR NEGATIVA DE AUTORIA. PREVALÊNCIA. SÚMULA 83 DO STJ. DECISÃO EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. Nega-se provimento ao agravo de instrumento quando a decisão recorrida encontra-se no mesmo sentido do entendimento desta Corte Superior. Incidência da Súmula 83 do STJ. É entendimento desta Corte Superior que a exceção à regra da incomunicabilidade das esferas administrativa e penal ocorreria no caso de absolvição, na instância penal, por negativa de fato ou negativa de autoria. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AgRg no Ag 670.899/PE, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, julgado em 20/10/2005, DJ 06/02/2006 p. 381).

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESCRIÇÃO. INOVAÇÃO EM SEDE DE REGIMENTAL. IMPOSSIBILIDADE. POLICIAL MILITAR. EXPULSÃO. ABSOLVIÇÃO NA ESFERA PENAL. RECONHECIMENTO DA INEXISTÊNCIA DO DELITO. REPERCUSSÃO NA ESFERA ADMINISTRATIVA. REINTEGRAÇÃO. 1. A absolvição criminal, quando restar provada a inexistência do fato ou a não-autoria imputada ao servidor, repercute no processo administrativo, afastando a sua responsabilidade na esfera administrativa.2. Mostra-se inviável a apreciação, em sede de agravo regimental, de questão nova. Precedentes.3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AgRg no Ag 678.609/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 09/03/2006, DJ 03/04/2006, p. 392) grifos nossos

Em que pese tais julgados/jurisprudência se referirem a processos administrativos disciplinares em face de servidores, penso que tal situação também se aplica aos processos éticos disciplinares abertos em face dos profissionais engenheiros inscritos nos Creas. Assim, nos casos em que houver identidade de fatos, depois de apreciados os fatos pelo juízo criminal, se sobrevier sentença que reconheça a não ocorrência do fato ou ainda, que o autor não tem qualquer relação com o ocorrido, deve a decisão administrativa de aplicação de penalidade se ater a tal reconhecimento, não sendo possível a aplicação de penalidades.

No entanto, como as instâncias são independentes e não há obrigatoriedade de se aguardar a decisão do juízo criminal, cumpre registrar que caso a decisão criminal ocorra depois de já aplicada a penalidade, deve a autoridade competente, tão logo tenha conhecimento da decisão criminal, rever o ato praticado e promover o cancelamento da penalidade aplicada.

B - Comprovada licitude da conduta (hipóteses de exclusão da antijuridicidade)

Trata-se das excludentes de ilicitude previstas no código penal como legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de um direito.

É uma hipótese de difícil configuração quando se considera o procedimento para cancelamento do registro profissional, sendo mais comum quando se trata de penalidades a servidores públicos em face do estatuto que lhes rege.

Madeira, 2014, faz as seguintes considerações sobre a repercussão da decisão na esfera administrativa quando reconhecida a existência de causa de justificação:

“Ainda que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tenha, em alguns momentos, espelhado a ideia contida na redação do art. 126 da L.8.112/90 no sentido de que somente nas hipóteses excepcionais de comprovada inocência (inexistência material do fato / negativa de sua autoria), é que a sentença penal poderia produzir efeitos automáticos na esfera administrativa, observamos que este posicionamento já foi alargado. Ocorre que, inúmeras vezes, também, a Corte Superior já teve a oportunidade de se pronunciar no sentido de que a decisão penal absolutória repercute no julgamento administrativo quando reconhece taxativamente estar comprovado que o agente agiu sob a guarida de alguma causa de justificação (causa excludente de ilicitude/antijuridicidade). Nas hipóteses apontadas, a sentença penal absolutória, no processo penal instaurado em torno dos mesmos fatos, deve repercutir (prevalecer) na esfera administrativa.” (MADEIRA 2014, 222)

Vejamos algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça, neste sentido:

“RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO AO ART. 535, CPC. INEXISTÊNCIA. PROCESSO ADMINISTRATIVO. ABSOLVIÇÃO CRIMINAL. LEGITIMA DEFESA. EFEITOS NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO. I - Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC se o e. Tribunal de origem, sem que haja recusa à apreciação da matéria, embora rejeitando os embargos de declaração, considera não existir defeito a ser sanado. II - Os efeitos da absolvição criminal por legítima defesa devem se estender ao âmbito administrativo e civil. Desse modo, tendo sido o autor posteriormente absolvido na esfera criminal em razão do reconhecimento de uma excludente de antijuricidade (legítima defesa real própria), impõe-se, in casu, a anulação do ato que o demitiu do serviço público pelos mesmos fatos. Recurso conhecido em parte e, nesta extensão, provido. (REsp 396.756/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 16/09/2003, DJ 28/10/2003, p. 329)

“ADMINISTRATIVO. POLICIAL MILITAR. LICENCIAMENTO. ATO ADMINISTRATIVO. ABSOLVIÇÃO NA ESFERA PENAL. LEGÍTIMA DEFESA. EFEITOS. PRESCRIÇÃO. DECRETO Nº 20.910/32. TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA CRIMINAL. 1. Absolvido o autor na esfera criminal, o lapso prescricional qüinqüenal, previsto no Decreto nº 20.910/32, tem como termo a quo a data do trânsito em julgado da sentença penal e não o momento do ato administrativo de licenciamento. 2. A decisão penal repercute no julgamento administrativo quando está ocorre sentença penal absolutória relacionada aos incisos I e V do art. 386 do Código de Processo Penal. 3. Tento de vista que o autor foi absolvido na esfera penal por legítima defesa, e o ato de licenciamento foi fundado unicamente na prática de homicídio, não há motivos para manter a punição administrativa, pois a controvérsia está embasada unicamente em comportamento tido como lícito. 4. Recurso ao qual se nega provimento. (REsp 448.132/PE, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, julgado em 08/11/2005, DJ 19/12/2005, p. 480)

Ante o exposto, caso o autor da má conduta pública ou conduta escandalosa, ensejadoras do cancelamento do registro profissional a tenha praticado sob uma causa excludente de antijuridicidade, assim reconhecida pelo juízo criminal, não deve ocorrer a aplicação da penalidade ou, caso a mesma já tenha ocorrido, deve a penalidade ser revista pela autoridade competente e cancelada.

C - Atipicidade penal da conduta imputada ao profissional

A atipicidade ocorre quando a conduta praticada pelo servidor ou profissional não se enquadrar perfeitamente no tipo penal abstratamente previsto na lei.

Segundo Madeira, 2014, páginas 228-229:

 “ Ainda que determinados fatos não se enquadrem em determinada figura típica penal, consoante determinada dogmática, não significa que dentro de outro sistema não encontrem a necessária adequação com o preceito legal. Assim, a não tipificação do fato como ilícito penal não impedirá a punição administrativa:

‘Administrativo. Servidor Público Federal. Infração administrativa. Demissão. Irregularidade do processo administrativo. Inocorrência. Contrariedade da demissão com as provas. Súmula 7 do STJ. Absolvição criminal. Independência das instâncias administrativa e penal. Infração residual. Ausência de vícios a inquinar de nulidade o respectivo apuratório administrativo. A análise da comprovação da infração administrativa é obstada pela aplicação da Súmula 7 deste Tribunal. Quando a absolvição penal se deve ao fato de não estar tipificada a conduta, não há comunicação com a esfera administrativa a impedir a sanção disciplinar, por se tratar de ilícito residual’ (STJ, Resp. 512.595, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, 5a T., j. ).(grifo nosso).”       

Neste sentido já se manifestou o STF:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO QUANTO À AUSÊNCIA DE JUNTADA DE DOCUMENTOS. ABSOLVIÇÃO NA ESFERA PENAL COM BASE NO ART. 386, III e VI, DO CPP. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS. NECESSIDADE DE PRÉVIA SINDICÂNCIA ADMINISTRATIVA. IMPOSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO NESTA FASE PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. As instâncias das esferas civil, penal e administrativa são autônomas e não interferem nos seus respectivos julgados, ressalvadas as hipóteses de absolvição por inexistência de fato ou de negativa de autoria. (Precedente: RMS 26.510/ RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, DJe 26/3/2010) 2. In casu, a absolvição do recorrente ocorreu com base no art. 386, III (“não constituir o fato infração penal”) e VI (“existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e §1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência;”) , do Código de Processo Penal, não se enquadrando, portanto, nas hipóteses ressalvadas. 3. O jus novarum é vedado no momento da análise do recurso ordinário, por isso que a prévia sindicância administrativa não foi objeto do mandado de segurança, não restando insindicável nesta via. 4. O agravante não demonstrou a existência de prejuízo efetivo em virtude da ausência de juntada de documentos fornecidos pela Inspetoria da Receita Federal em Porto alegre e pela Administradora Hidroviária Docas Catarinense – ADHOC. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (RMS 26951 AgR, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 03/11/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-231 DIVULG 17-11-2015 PUBLIC 18-11-2015) grifos nossos

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. 1. TRÂNSITO EM JULGADO DO ACÓRDÃO PROFERIDO NO JULGAMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO DA DEFESA. IMPETRAÇÃO DE HABEAS CORPUS NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA APÓS O TRANSCURSO DO PRAZO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE HABEAS CORPUS COMO SUCEDÂNEO DE REVISÃO CRIMINAL. 2. INDEPENDÊNCIA RELATIVA DAS ESFERAS PENAL E ADMINISTRATIVA. 3. INEXISTÊNCIA DE AMEAÇA A DIREITO DE LOCOMOÇÃO. 1. Trânsito em julgado do acórdão objeto da impetração no Superior Tribunal de Justiça. Nos termos da jurisprudência deste Supremo Tribunal, o habeas corpus não pode ser utilizado como sucedâneo de revisão criminal. 2. É pacífica a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido da independência relativa das esferas penal e administrativa, havendo repercussão apenas em se tratando de absolvição no juízo penal por inexistência do fato ou negativa de autoria. Precedentes. 3. Seja o ora Recorrente absolvido por insuficiência de provas ou por atipicidade da conduta, essas duas situações não repercutiriam na punição imposta na via administrativa. 4. Recorrente absolvido por insuficiência de provas. Pretensão de rever a punição imposta administrativamente. Inexistência de ameaça ao direito de locomoção. 5. Recurso ao qual se nega provimento. (RHC 116204, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 16/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-081 DIVULG 30-04-2013 PUBLIC 02-05-2013) grifos nossos

A não interferência da sentença penal absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime sobre as demais esferas encontra-se expressamente prevista no art. 67, III do Código de Processo Penal [9] e tal entendimento se aplica ao procedimento administrativo para cancelamento do registro profissional.

D- Falta ou insuficiência de provas para a condenação penal (absolvição pelo princípio do “In Dubio Pro Reo”)

Trata-se das hipóteses previstas nos incisos II, V e VII do Artigo 386 do Código de Processo Penal, quais sejam: II - não haver prova da existência do fato; V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;   VII – não existir prova suficiente para a condenação.

Considerando a independência das instâncias é pacífico na doutrina e jurisprudência que a absolvição por falta de provas não vincula as esferas, razão pela qual a absolvição fundamentada em qualquer dos incisos apontados acima não impede a aplicação de penalidade no âmbito administrativo. Neste sentido afirma DI PIETRO : “as provas que não são suficientes para demonstrar a prática de um crime podem ser suficientes para comprovar um ilícito administrativo.” (DI PIETRO 2007, 571-572)

No mesmo sentido, Madeira assim se posiciona:

“Se a absolvição criminal se fundar em insuficiência do conjunto probatório para o fim de ensejar uma condenação pelo crime, tal circunstância não inibirá a aplicação da sanção administrativa, pois também predomina em nossos tribunais o entendimento de que a decisão administrativa disciplinar não resta afetada por sentença penal de absolvição por insuficiência de provas.

Quanto a isto, realmente não se opõe a jurisprudência dominante:

‘ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. ABSOLVIÇÃO. CRIMINAL POR FALTA DE PROVA. CONTINUAÇÃO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO. LEGALIDADE.   1. A absolvição baseada no art. 386,VI do CPP (por insuficiência probatória) independe da existência do fato ou da sua autoria, não vinculando, destarte, a via administrativa.   2. Sugerida a penalidade pelo Conselho Superior de Polícia, após regular procedimento administrativo, válido é o ato de demissão. 3. Recurso não provido.’(STJ, Rel. Min. Edson Vidigal, ROMS nº 8229/RS, 5ª T., DJ de 19/10/98, p.116.).

‘ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DEMISSÃO. AÇÃO PENAL. ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO À REINTEGRAÇÃO. 1. A absolvição fundada no art. 386,VI, do Código de Processo Penal (insuficiência de provas) não vincula a esfera administrativa, sendo inviável a sua utilização com Dos efeitos da sentença penal na esfera administrativa - disciplinar na visão dos tribunais vistas à reintegração do servidor. 2. Recurso improvido.’ (STJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, ROMS nº 5241/SP, 6ª T., DJ de 29/5/2000, p. 182.).

‘ILÍCITO PENAL E ILÍCITO ADMINISTRATIVO. ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS PARA CONDENAÇÃO NO JUÍZO CRIMINAL, NÃO AFASTA A APLICAÇÃO DA SANÇÃO ADMINISTRATIVA, DECORRENTE DE PROCESSO REGULAR. INTELIGÊNCIA DO ART.1525 DO CÓDIGO CIVIL E DO ART. 386, VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INOCORRÊNCIA DE ABUSO DE PODER. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.’ (STF- RE 67837, Relator(a): Min. DJACI FALCAO, PRIMEIRA 236 TURMA,  PP-00457 EMENT VOL-00789-01 PP-00467).” (MADEIRA 2014, 235-236)

Assim, a existência de sentença penal absolutória por falta de provas não obsta o cancelamento do registro profissional por má conduta ou escândalo.

E- Ausência de culpabilidade penal na conduta do agente

Trata-se das causas excludentes de culpabilidade que importam isenção de pena. Tal situação encontra-se prevista no inciso VI do artigo 386 do CPP, que prevê a absolvição no seguinte caso: “VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência;” [10]

Vejamos as considerações de Madeira, 2014, sobre este ponto:

“Culpabilidade é o liame subjetivo entre o autor e o resultado; é o pressuposto da imposição da pena. Estamos falando da culpabilidade como fundamento da pena, refere -se ao fato de ser possível ou não a aplicação de uma pena ao autor de um fato típico e antijurídico, isto é, proibido pela lei penal/disciplinar. Para isso, exige-se a presença de uma série de requisitos que constituem os elementos positivos específicos do conceito dogmático de culpabilidade:

1- capacidade de culpabilidade (imputabilidade) - É a capacidade mental de compreender o ato que esta praticando;

2- consciência da ilicitude- É a compreensão de que o ato praticado é ilícito; e

 3- exigibilidade da conduta conforme o direito- É a possibilidade de se exigir que o agente não tivesse cometido o fato típico, tivesse de agir de outra forma.

 Se faltar qualquer um destes elementos não há culpabilidade. A ausência de qualquer desses elementos é suficiente para impedir a aplicação de uma sanção-pena. Logo, o autor deve ser absolvido da imputação.

(...)

Contudo, não está bem fixado ainda, na doutrina e na jurisprudência, o quanto é que o reconhecimento da circunstância “exculpante” na esfera penal repercute na instância administrativa, sendo certo, porém, que a responsabilidade administrativa-disciplinar do servidor pode ser elidida com base na existência de uma circunstância exculpante comprovada e reconhecida no decorrer do PAD.

Considerando-se que o princípio da culpabilidade tem natureza essencialmente constitucional (é um princípio constitucional genérico que limita o poder punitivo do Estado) e, por isso mesmo, não deve ficar adstrito, na produção de seus efeitos e reflexos, ao campo penal, é inegável que existirá sempre algum grau de repercussão da decisão do juízo criminal que absolver com base na exclusão da culpabilidade. Mas, no atual estágio de evolução da nossa jurisprudência, mister examinar caso a caso.

Por outro lado, com relação à responsabilidade civil, já está bem estabelecido que a absolvição em virtude do reconhecimento de uma excludente de culpabilidade (v. g . a coação moral irresistível ou a legítima defesa putativa) não tem o condão de afastar a responsabilidade civil do agente, pois se diversificam sensivelmente a culpa penal e a culpa civil, sendo o juízo criminal mais exigente que o cível em matéria de aferição da culpa para a condenação. Assim, também não se pode excluir a responsabilidade civil do servidor, ou mesmo do Estado, sob o fundamento de que a conduta danosa fora “exculpável.

(...)

Como dito, entende-se que no caso de absolvição criminal com base nas excludentes de culpabilidade não há repercussão automática na esfera administrativa, o que não significa dizer que isto nunca possa acontecer . Por exemplo: com relação à hipótese de absolvição com base no art. 26 do CP (inimputabilidade devido à doença mental), a sentença, por construção pretoriana, certamente repercutirá na esfera administrativa (Cf. TFR AC 24.464; Dasp, Formulação 117) quando houver nos autos provas cabais (por laudo médico pericial) e não contestadas de que o agente era inimputável (mentalmente insano) no momento da conduta.” (MADEIRA 2014, 248-250)

As causas exculpantes mais comuns que podem interferir no procedimento administrativo de acordo com Madeira, 2014, são: a) descriminantes putativas (art. 20,§ 1º, 1ª parte CP); b) erro  de  proibição  (art.  21,  caput  CP); c) coação  moral  irresistível  (art.  22,  1ª  parte  CP); d) obediência hierárquica  (art.  22,  2ª  parte  CP); e) inimputabilidade  por  doença  mental  (art.  26,  caput  CP); f ) inimputabilidade por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior (art. 28, § 1º, CP).

No entanto, analisando as hipóteses ensejadoras do cancelamento do registro profissional, verifica-se que é pouco provável a interferência das causas excludentes da culpabilidade, mas pode ocorrer sobretudo quando se considerar a inimputabilidade por doença mental ou a obediência hierárquica, o que não impede que diante do caso concreto chegue-se à conclusão de que qualquer uma destas causas podem interferir na esfera administrativa.

Como a regra é a não interferência e as instâncias são independentes, é possível a aplicação da penalidade administrativa de cancelamento independente da decisão na esfera penal e sobrevindo sentença absolutória com base nas causas excludentes de culpabilidade, deve ser analisado diante do caso concreto se deve ou não haver repercussão da decisão penal sobre a esfera administrativa. Caso se conclua pela interferência e vinculação, deve a decisão administrativa ser revista e cancelada a aplicação da penalidade.

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Sobre a autora
Fernanda Guedes

Advogada, especialista em direito público, procuradora do CREA-MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUEDES, Fernanda. Cancelamento do registro profissional à luz da Lei n. 5.194/66:: sanção de âmbito administrativo que se diferencia do regime penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5662, 1 jan. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63117. Acesso em: 17 mai. 2024.

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Tendo em vista o momento moralizador que o país está passando e o envolvimento de vários engenheiros em escândalos relacionados com a operação lava-jato, mostra-se atual e relevante a análise do cancelamento do registro profissional pelos CREAs abordando a interface com a seara penal.

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